Depois de pouco mais de 21 anos atuando diretamente com atos extrajudiciais como Cartorário (e desses, 12 anos com o Inventário Extrajudicial que passou a ser permitido em 2007 com a Lei 11.441), mudei a posição e agora continuo lidando com eles do outro lado da mesa, agora como Advogado e toda essa experiência é muito peculiar na medida em que permite verificar que ainda alguns pontos podem ser aperfeiçoados na questão da Extrajudicialização e que é preciso promover a maior e melhor utilização de tudo que os Cartórios Extrajudiciais podem oferecer para o cidadão na resolução dos seus problemas.

De toda forma, neste breve ensaio vamos procurar destacar, no que diz respeito ao Inventário Extrajudicial, consideradas as regras mais recentes do CNJ e as regras locais do Estado do Rio de Janeiro, alguns dos fatos mais comuns que podem ser considerados MITO e VERDADE. Vamos lá:

1. O INVENTÁRIO EM CARTÓRIO SÓ PODE SER FEITO NOS CASOS MAIS SIMPLES - MITO: não há nada na Lei que proíba, por exemplo, que sejam resolvidos em Cartório os casos mais complexos envolvendo diversas sucessões e transmissões (falecidos), inúmeros bens (e suas variadas naturezas como bens móveis, imóveis, direito e ação, cotas em empresas, "posse" de imóveis, saldos de salários e outras verbas etc - ainda que situados em diversos Estados). Nos casos mais complexos é que será posta à prova, sim, toda a capacidade do Advogado em gerir o procedimento, sendo certo reforçar que não havendo JUIZ, o Advogado não poderá ficar passivamente esperando determinações para dar cumprimento. Seu papel no Extrajudicial é EFETIVO;

 

2. SE O MORTO DEIXAR TESTAMENTO O INVENTÁRIO EM CARTÓRIO NÃO PODE SER FEITO - MITO: já existe regramento em diversos Estados - e no Rio também - permitindo expressamente a realização do Inventário mesmo tendo o falecido deixado TESTAMENTO. Um procedimento específico deve ser adotado previamente à realização do ato notarial;

 

3. NÃO DÁ PARA FAZER O INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL DE GRAÇA - MITO: muito provavelmente cada Estado regrará a concessão da gratuidade no âmbito extrajudicial (no Rio de Janeiro essa tarefa está muito bem tratada no Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ nº. 27/2013 - link no meu site) sendo certo que as regras para tanto deverão ser harmonicamente orquestradas considerando com as regras do CPC/2015 e outras regras locais, conforme o caso;

 

4. O INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL É RÁPIDO MAS É MAIS CARO QUE O JUDICIAL - MITO: na verdade há uma regra - pelo menos no Estado do Rio de Janeiro - que aplica LIMITAÇÃO DE CUSTAS para o Inventário Extrajudicial independente da quantidade de bens entabulados e dos seus valores. Por conta disso, chegando a determinado TETO os valores não aumentam mais. Por exemplo neste ano de 2020 o TETO dos emolumentos determinado pela CGJ é de R$ 6.979,03, já incluídos os correspondentes acréscimos legais e tributos;

 

5. SE HOUVER DESENTENDIMENTO ENTRE OS INTERESSADOS NÃO DÁ PRA FAZER EM CARTÓRIO - VERDADE: sim, em Cartório somente será possível realizar Inventário caso não exista litígio entre os interessados. É muito importante aqui louvar a CAPACIDADE (seria um DOM??) do Advogado em tentar conciliar os interesses dos envolvidos para a realização do Inventário em Cartório já que essa é sem dúvida a melhor forma de resolver bens de pessoas falecidas. Não estou dizendo que o Advogado deverá fazer MILAGRE de recompor uma família feliz e unida (já que a gente sabe que eventual MÁGOA e DESAVENÇA podem ter origem em outras épocas e por diversos outros fatos, por exemplo) mas se ele conseguir direcionar e compatibilizar as vontades, o caminho para a regularização mais rápida e fácil estará aberto;

 

6. INVENTÁRIO EM CARTÓRIO É SÓ PARA CASOS NOVOS - MITO: o Inventário em Cartório serve tanto para casos mais novos quanto para casos antigos, inclusive aqueles Inventários que se arrastam há anos na Justiça sem solução. O que é preciso destacar é que os requisitos exigidos pela Lei 11.441/2007 (reprisados no CPC/2015) devem ser sempre atendidos, conforme o caso - e especialmente as regras vigentes ao tempo do óbito dos falecidos em questão;

 

7. É POSSÍVEL RESOLVER INVENTÁRIO HAVENDO UNIÃO ESTÁVEL NO CASO ATRAVÉS DO CARTÓRIO - VERDADE: não é raro acontecer da pessoa conviver uma com a outra, construir patrimônio, terem filhos etc., e em determinado momento falecer, deixando um problemão já que pode até mesmo não ter feito Contrato de União Estável ou se casado. E agora? Nesse caso é possível a regularização dos bens mesmo em Cartório, com União Estável inclusive. As regras estão na Resolução CNJ 35/2007 que regulamentou os atos da Lei 11.441/2007;

 

8. O INVENTÁRIO EM CARTÓRIO É COMPLICADO PARA RESOLVER APLICAÇÕES FINANCEIRAS, SALDOS BANCÁRIOS ETC. VOU PRECISAR IR À JUSTIÇA PEDIR ALVARÁ - MITO: em cartório é plenamente possível a lavratura de uma Escritura de Nomeação de Inventariante que permitirá o levantamento de informações para viabilizar por exemplo o pagamento de impostos e principalmente a realização do Inventário para futuro SAQUE de valores;

 

9. É POSSÍVEL REALIZAR O INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL À DISTÂNCIA - VERDADE: o comparecimento dos interessados ao Cartório já era facultativo na medida em que sempre foi possível lançar mão de PROCURAÇÕES (e isso era muito útil para quem não podia mesmo ir até o Cartório). Agora com a PANDEMIA de CORONAVÍRUS houve por bem ao CNJ editar o Provimento CNJ 100/2020 que dentre outras coisas passou a permitir a realização de Escrituras e tantos outros atos notariais e registrais (como o Inventário e Partilha, Usucapião etc) pela forma inteiramente eletrônica. Neste contexto o ato gerado terá plena validade para resolver os bens do Inventário;

 

10. A VIA EXTRAJUDICIAL É OPCIONAL - VERDADE: no início, equivocadamente, muitos juízes extinguiam processos de Inventário por falta de interesse de agir. Na verdade, traço marcante dos ATOS EXTRAJUDICIAS é sua facultatividade e não a impositividade. Não se pode obrigar alguém a adotar a via extrajudicial, vedando-lhe com isso a via judicial - ainda que a via extrajudicial seja claramente a melhor opção já que mais célere e por isso, menos dispendiosa;

 

11. POSSO FAZER O INVENTÁRIO EM CARTÓRIO COM A ASSISTÊNCIA DE UM DEFENSOR PÚBLICO - VERDADE mas quase um MITO: em pouco mais de 12 anos como Cartorário jamais vi a presença de um Defensor Público em Cartório para a realização de um Inventário Extrajudicial, porém a Resolução 35/2007 é clara e cristalina neste sentido, evidenciando que o Inventário Extrajudicial pode ser feito sob o pálio da gratuidade da justiça e inclusive assistido por Defensor Público (sendo certo que essa não é condição para o deferimento da gratuidade - ou seja - pode ser feito de forma gratuita, ainda que assistido por Advogado Particular);

 

12. SE FIZER O INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL NÃO PRECISO REGISTRAR NO CARTÓRIO DO RGI - MITO: no início eu cheguei a ouvir essa "pérola", que jamais teve qualquer embasamento legal... o Inventário em Cartório - assim como a Usucapião Extrajudicial - tem dois momentos: o primeiro no Cartório de Notas (com a realização do título - qual seja, a Escritura de Inventário e Partilha, no caso) e o segundo momento no Cartório do Registro de Imóveis (no caso de bens imóveis tratados no Inventário). Caso os bens sejam de outra natureza (cotas de empresa, automóveis, saldo bancário etc) conforme o caso a realização do direito se dará na respectiva repartição;

 

13. O TABELIÃO NÃO PODE INDICAR UM ADVOGADO PARA O CLIENTE - VERDADE: efetivamente o Tabelião, mesmo na melhor das intenções, não pode indicar Advogado para o Cliente e tal regra encontra-se expressa na Resolução 35/2007 do CNJ. Diferentemente é o caso do Advogado que pode sim - e deve - ter excelente relacionamento com o Cartório e pode sim indicar uma Serventia Extrajudicial ou até mesmo ter seu Cartório preferido, onde tenha melhor entrosamento, para realizar os Atos Notariais;

 

14. EM CARTÓRIO É POSSÍVEL FAZER CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS OU RENÚNCIA PARA UTILIZAÇÃO NO INVENTÁRIO - VERDADE: da mesma forma que na via JUDICIAL, no Inventário em Cartório será possível a realização de Cessão de Direitos Hereditários e até mesmo Renúncia à Herança que, sendo lavradas em Atos Notariais autônomos (ou até mesmo na mesma Escritura de Inventário - o que não recomendo) poderão ser utilizados para futura regularização pela via extrajudicial através do Inventário;

 

15. SE O MORTO TIVER DEIXADO OBRIGAÇÕES PENDENTES NÃO POSSO FAZER O INVENTÁRIO EM CARTÓRIO - MITO: expressamente a Resolução 35/2007 do CNJ determina a nomeação de um Representante do Espólio que terá poderes de Inventariante para dar cumprimento a obrigações ativas ou passivas pendentes deixadas pelo Morto. A Escritura, portanto, ainda habilitará tal pessoa para resolver tais encargos;

 

16. PASSARAM 60 DIAS DO FALECIMENTO. VOU PAGAR MULTA PARA O CARTÓRIO SE EU FIZER PELA VIA EXTRAJUDICIAL - MITO: não há qualquer MULTA a ser paga PARA O CARTÓRIO se já tiver passado o prazo de 60 dias do óbito. A multa que existe, é legítima e com certeza será fiscalizada pelo Tabelião, conforme expressa determinação da Resolução CNJ 35/2007 e da Lei 6.015/73 é a multa cobrada PELO ESTADO quando os interessados não iniciam o Inventário dentro do prazo de Lei;

 

17. QUALQUER ADVOGADO PODE RESOLVER O INVENTÁRIO EM CARTÓRIO - VERDADE: em que pese ser uma verdade, não é menos verdade que um ESPECIALISTA em questões SUCESSÓRIAS, IMOBILIÁRIAS, NOTARIAIS E REGISTRAIS poderá dar o melhor atendimento aos interessados na medida em que o Inventário pela via administrativa requerer sim o conhecimento dessas regras específicas, notadamente a fim de revelar suas verdadeiras vantagens: economia de tempo e dinheiro na resolução mais rápida desse procedimento historicamente conhecido como um dos mais LENTOS quando tramita na Justiça.

Data da conclusão/última revisão: 13/07/2020

 

Como citar o texto:

Mitos e verdades sobre o inventário extrajudicial. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 990. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/fique-por-dentro/10389/mitos-verdades-inventario-extrajudicial. Acesso em 6 ago. 2020.

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