Os atrasos decorrentes do controle aéreo

Alberto Rollo e Arthur Rollo

Estamos vendo agora, em decorrência de protestos legítimos dos controladores de vôo, inúmeros atrasos nos vôos de diversas companhias aéreas.

Os controladores e a Aeronáutica descobriram, logo após o acidente com o vôo da Gol, que o número de controladores de vôo em Brasília é insuficiente para atender à demanda. Esse problema foi agravado pelo afastamento daqueles que atuavam no momento do acidente, como de praxe nesses casos.

A conseqüência disso é um atraso em cascata, porque Brasília faz a ponte entre diversos pontos do país. Até mesmo vôos que não passam por Brasília estão sofrendo atrasos.

E o pior de tudo é que a questão não é passível de solução imediata, uma vez que a profissão exige preparo prévio, que só é obtido após meses de treinamento.

Esses acontecimentos revelam falta de planejamento, porque nada imprevisível aconteceu. Acidentes aéreos, embora incomuns, podem acontecer, devendo a Aeronáutica estar preparada para esse tipo de situação. Da mesma forma, controladores podem ficar doentes ou entrar em greve, devendo haver contingente suficiente para atender a essa demanda.

A falta de planejamento, já notada em diversos outros setores, como o da energia elétrica por exemplo, foi notada agora no transporte aéreo.

E a corda, mais uma vez, está arrebentando do lado mais fraco, que é o consumidor. Mas o consumidor tem lei que o protege e tem contra e para quem reclamar.

A relação direta do consumidor é firmada com a companhia aérea. Essa empresa, enquanto fornecedora que é nos termos do Código de Defesa do Consumidor, reponde pelos vícios do serviço que presta de forma objetiva, não havendo excludentes dessa responsabilidade.

O art. 230 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que é o Código Brasileiro de Aeronáutica, dispõe expressamente que: “Em caso de atraso da partida por mais de quatro horas, o transportador providenciará o embarque do passageiro, em vôo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituirá, de imediato, se o passageiro preferir, o valor do bilhete de passagem.”.

Isso significa que, diante de um atraso superior a quatro horas, pode o passageiro optar por não embarcar e por receber o dinheiro de volta IMEDIATAMENTE. Se isso não acontecer, deverá ingressar em Juízo para obter o ressarcimento do dinheiro da passagem. Esse é um direito previsto em lei!

O art. 256, II, do mesmo código, por sua vez, estabelece que o transportador responde pelo dano decorrente: “de atraso do transporte aéreo contratado.”.

O transporte aéreo é utilizado por quem tem pressa, ou seja, a expectativa de quem contrata esse tipo de transporte é a rapidez. Não obstante isso, pequenos atrasos são conseqüência natural desse tipo de serviço, e não podem ser tidos pelo passageiro como vício.

Atrasos superiores a quatro horas, como a própria lei estabelece, não são toleráveis, notadamente porque, dependendo da distância, compensaria, tanto em questão de tempo quanto de preço, para o passageiro fazer o percurso de ônibus. É isso que está ocorrendo, por exemplo, em vôos da ponte aérea.

O art. 231, “caput” do Código Brasileiro de Aeronáutica, por sua vez, dispõe sobre os atrasos nas escalas. Já o seu parágrafo único estabelece a responsabilidade do transportador, que deverá arcar com as despesas de alimentação, hospedagem e transporte dos passageiros nos casos de atrasos, sem prejuízo da responsabilidade civil.

Esses, em suma, são os fundamentos da responsabilidade civil do transportador, prevista na lei especial.

Essa lei deve ser interpretada em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor, que a complementa e revogou tacitamente alguns de seus dispositivos. Muito embora o Código Brasileiro de Aeronáutica exclua a responsabilidade civil do transportador nos casos de força maior ou de comprovada determinação da autoridade aeronáutica, o Código de Defesa do Consumidor afirma que não existem excludentes de responsabilidade para os casos de vícios e que a responsabilidade do transportador é objetiva, vale dizer, independe de culpa.

As empresas aéreas estão no mercado pretendendo o lucro e, ressalvados casos excepcionais, sempre o obtém. Quem está no mercado está sujeito ao lucro e ao prejuízo. Se o lucro é da empresa, o prejuízo também deve ser. Isso é o que estabelece a teoria do risco da atividade.

Esse é o fundamento da responsabilidade objetiva no Código de Defesa do Consumidor e é o que obriga as empresas aéreas a ressarcir os consumidores pelos atrasos aéreos. Isso não quer dizer, entretanto, que o prejuízo ficará com essas empresas, na medida em que terão elas direito de regresso contra a União, podendo, inclusive, se o juiz autorizar compensar os seus créditos decorrentes das indenizações que pagar com os débitos decorrentes da locação dos espaços nos aeroportos.

A empresa indeniza o passageiro e, posteriormente, cobra da União. Se o passageiro quiser, poderá também demandar contra a União porque esse problema de controle de vôo configura vício na prestação do serviço público prestado por esta, fazendo incidir o disposto no art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, que determina que os serviços públicos sejam adequados, eficientes e seguros.

Os atrasos têm que parar, cabendo aos órgãos públicos, associações civis e ao Ministério Público promover ação coletiva a fim de obrigar que a União, através da aeronáutica, preste um serviço eficiente, a fim de prevenir mais danos aos consumidores.

Enquanto isso não acontece, aqueles que foram e vierem a ser prejudicados poderão promover ação contra as empresas aéreas que contrataram isoladamente, ou também contra a União, invocando os dispositivos de lei mencionados. A responsabilidade dessas empresas, como dito, é objetiva, podendo os passageiros pleitear a devolução do dinheiro, no caso daqueles que preferirem desistir da viagem, ou o abatimento proporcional do preço, nos casos de atrasos, sem prejuízo da responsabilização pelas perdas e danos individuais de cada passageiro.

Vem aí mais um feriado prolongado. O problema tende a agravar, prejudicando um número ainda maior de consumidores e proporcionando atraso também maior. Espera-se que os consumidores defendam seus direitos.

Arthur Rollo e Alberto Rollo são advogados.

 

Como citar o texto:

Os atrasos decorrentes do controle aéreo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 277. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/fique-por-dentro/9306/os-atrasos-decorrentes-controle-aereo. Acesso em 10 dez. 2006.

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