Cidade Limpa

Por Alberto Rollo

Sob esse pomposo nome foi aprovada lei para acabar com a atual forma de propaganda mediante oudoors, back light, cartazes, etc, na capital do estado de São Paulo.

 

O nome é bonito e a cidade precisa ficar mais limpa, na medida em que se torna um retrato da própria população e um cartão de visitas para seus visitantes.

Mas, o que não se pode aceitar é que, em função de interesses comerciais chegue-se ao ponto de passar para a população uma idéia de limpeza para a cidade que longe estará de ser conquistada por essa diminuta via de controle do mobiliário urbano.

Além do que milhares de pessoas serão lançadas ao desemprego, enquanto uma ou duas empresas estrangeiras irão participar (se uma só empresa aparecer, nem isso acontecerá) da tal licitação para a adequação e controle das novas formas de publicidade.

Há gente que pensa urbanismo com a motivação da não existência de outdoors ou cartazes de políticos com ou sem o uso de banners em época de eleição. Entretanto, se essas pessoas tivessem estado presentes nos últimos dias de propaganda da eleição norte-americana de 2006 teriam visto, inclusive (algo impensável aqui no Brasil) cartazes afixados em jardins públicos nos muitos condados da Flórida. Em Berlin, na Alemanha, pouco antes da eleição que levou Ângela Merkel ao poder, foi possível ver cartazes afixados em postes, colados, pura e simplesmente, e alterados pela participação popular, com adereços de cabeça ou narizes de palhaço. E não consta que os urbanistas desses países de primeiro mundo tenham tão pouco interesse em ver limpas as suas cidades.

Nosso conceito de cidade limpa é um pouco diferente, respeitadas as outras louváveis opiniões. Gostaríamos de ver urbanizada a favela de Heliópolis, onde é possível ver, durante o verão, crianças se utilizando das águas que por ali passam, prenhes de esgoto e doenças, como piscina para seus folguedos. Gostaríamos de passar pela Avenida Paulista, cartão postal da cidade, sem encontrar, dormindo debaixo de suas marquises, dezenas de pessoas mal cobertas por trapos e papelões. Esse tipo de situação atenta, sim contra nosso conceito de cidade limpa.

Gostaríamos de descer no aeroporto de Guarulhos e conseguir chegar ao nosso destino na zona sul de São Paulo, sem passar pelas favelas que margeiam o caminho, feridas abertas no pensamento urbanístico de muitos. Um último livro de Amir Klynk relata sua experiência em trazer seu barco, em cima de uma carreta, do interior para o Guarujá, em que o velejador define seu conceito de urbanismo ao reclamar dos desmandos encontrados no caminho percorrido dentro de São Paulo, que inclui os cartazes dos políticos, as favelas, mas, também os “gatos” das ligações elétricas clandestinas que, várias vezes interromperam sua viagem com o espocar de luzes, como se fossem fogos de início de ano.

Procura-se a qualidade urbanistica pela adoção de processos higienistas, desprezando as causas para combater os efeitos. Ainda agora, na Praça da Sé, impede-se que pessoas carentes durmam nos bancos públicos, fazendo-os de impossível uso para essa finalidade. Não são, essas pessoas, recolhidas a abrigos ou a lugares que possam habitar. Nada disso. O que se faz é construir bancos de inegável traço higienista, embora, do outro lado, o urbanismo de alguns possa ser aplacado pela expulsão dessas pessoas carentes da Praça da Sé.

Achamos pouco, muito pouco, que se desprezem as causas para atacar os efeitos. Alterar a forma de realocar o mobiliário urbano não irá, de forma alguma, conduzir a cidade para um ideal maior de limpeza. Entendemos que é fortemente inexata e demagógica a campanha “cidade limpa” que altera a forma de permissão para instalação do mobiliário urbano. Até o fim do ano continuaremos a ver nossa cidade com a mesma cara sem qualquer êxito na intenção de torná-la, por força dessa nova lei , mais limpa.

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Sobre o autor: Alberto Rollo é advogado especialista em Direito Eleitoral, presidente do IDIPEA (Instituto de Direito Político Eleitoral e Administrativo) e escritor de mais de 14 livros, entre eles: “Propaganda Eleitoral – teoria e prática” e “O advogado e a administração pública”.

 

Como citar o texto:

Cidade Limpa. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 287. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/fique-por-dentro/9315/cidade-limpa. Acesso em 15 fev. 2007.

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