Uma reclamação só

Por Arthur Rollo

Poucos sabem, mas a regra, no que diz respeito aos produtos que apresentem problemas durante o prazo de garantia, é a obrigatoriedade de uma reclamação prévia do consumidor ao fornecedor.

 

Isso é o que se depreende do disposto no §1° do art. 18 do CDC que estabelece que, se o vício não for sanado pelo fornecedor em 30 dias, poderá o consumidor exigir o abatimento proporcional do preço, o desfazimento do negócio ou a substituição do produto.

Antes de poder exigir judicial ou administrativamente uma dessas alternativas, de sua livre escolha, o consumidor terá que comunicar o problema que o produto apresenta ao fornecedor, a fim de que ele possa saná-lo.

Tal regra só não vale para os casos em que o conserto do produto é inviável ou representa desvalorização para o mesmo e também não incide para os chamados “produtos essenciais”, que são aqueles que o consumidor não pode prescindir do uso nem mesmo durante o prazo de conserto. Nessas circunstâncias especiais, o consumidor pode optar imediatamente por uma das alternativas mencionadas e o fornecedor, igualmente, tem que atender ao pleito de forma imediata.

Frequentemente os fornecedores consertam o produto em menos de trinta dias e, logo após, o problema volta ou surge outro vício, que inviabiliza a plena utilização.

Isso faz com que, na prática, consumidores virem freqüentadores assíduos de assistências técnicas e que os produtos adquiridos tenham sua utilização compartilhada, pois acabam ficando quinze dias na casa do consumidor e quinze dias no conserto.

Não nos parece razoável essa situação. Se o produto apresenta problema mais de uma vez, tal circunstância autoriza que o consumidor peça a sua substituição, independentemente da renovação do problema supostamente já solucionado ou da apresentação de um outro.

O consumidor tem o dever de reclamar uma vez só e o fornecedor tem o dever de solucionar definitivamente a questão. Se este usar menos de trinta dias para o conserto, isso não significa que disponha do prazo residual para solucionar outras questões, uma vez que a oportunidade legal para sanar o problema já restará consumada.

Obviamente que o intérprete tem que ter bom senso na interpretação da norma, porque produtos mais caros como um carro, por exemplo, podem apresentar mais de um problema que demande conserto no prazo de garantia, sem que isso confira ao consumidor direito à substituição por um novo.

Afora esses casos de produtos caros e casuísmos que mereçam do Juiz solução diversa, a reclamação do consumidor será apenas uma, decorrendo da perpetuação do problema o direito do consumidor de optar por uma das alternativas do §1° do art. 18 do CDC. Do contrário, teremos essa situação constrangedora do consumidor transformar-se em freqüentador de assistências técnicas e dividir a posse do produto adquirido com as mesmas.

O consumidor, ao adquirir um produto, tem a legítima expectativa de não ter constrangimentos com o seu uso e de não manter um vínculo indissolúvel com a assistência técnica do fabricante. Essa é a nossa opinião, muito embora já tenhamos visto na prática decisão indicando a necessidade do consumidor efetuar várias reclamações e submeter várias vezes o produto adquirido ao conserto.

Sobre o autor: Arthur Rollo é advogado especialista em Direito do Consumidor.

 

Como citar o texto:

Uma reclamação só. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 6, nº 339. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/fique-por-dentro/9360/uma-reclamacao-so. Acesso em 13 fev. 2008.

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