Vários administradores públicos já declararam que o problema das enchentes não tem solução. Trata-se, realmente, de ineficiência do planejamento urbano que acontece há anos, em diversas cidades do Brasil, e que, certamente, não será resolvida de um dia para o outro, se é que tem remédio. Nesse contexto, existem pessoas que não conseguem dormir sem analisar a previsão do tempo e que, quando chove, ficam de prontidão, já esperando o pior. Quando o pior acontece, perdem-se móveis, que muitas vezes sequer integralmente quitados foram. Esse cenário afronta a dignidade da pessoa humana, consagrada pelo art. 6º da Constituição Federal. Não há como viver com sadia qualidade de vida dessa forma. É dever do Estado promover o bem comum. Para tanto, cobram-se impostos, como o imposto sobre a propriedade territorial urbana, IPTU, cujo produto da arrecadação serve para disponibilizar galerias de águas pluviais, limpar a cidade a fim de evitar entupimentos, desentupir bocas de lobo, etc.. Vai daí a conclusão de que o munícipe paga o IPTU para ter a contrapartida de serviços prestados pelo Estado, tais como disponibilidade na região de rede de água e esgoto, de transporte público, de escolas públicas e postos de saúde, etc.. Além do IPTU, a Prefeitura e o Estado cobram especificamente por determinados serviços, como ocorre com a água, a luz, o esgoto e o gás de rua, por exemplo. Como se percebe, o contribuinte paga para o Estado para que ele preste serviços públicos, como o desenvolvimento de políticas públicas em geral (promoção da saúde, tapagem de buracos, asfaltamento de ruas, desentupimento de bueiros e bocas de lobo, etc.). Trata-se, assim, de inequívoca relação de consumo, o que permite ao consumidor invocar o Código de Defesa do Consumidor, em caso de dano. O art. 22 do Código de Defesa do Consumidor trata especificamente dos serviços públicos, determinando que estes sejam adequados, eficientes e seguros. Afirmam alguns autores que o Código só se aplica àqueles serviços remunerados diretamente, como água e luz. A nós parece que todos os serviços prestados pelo Estado são remunerados, ainda que indiretamente, observando a capacidade contributiva de cada um. Ainda que alguns paguem menos impostos, porque imposto todo o mundo paga, aqueles que pagam mais compensam esse quadro. Por isso afirmamos que ninguém recebe nada de graça do Estado. Se de um lado o problema das enchentes é de difícil solução, de outro não há como negar também que muito pouco tem sido feito para evitá-las. A limpeza das cidades, especialmente dos bueiros e das bocas de lobo, não ocorre como deveria. Em cidades que têm praticamente toda as suas superfícies asfaltadas, os escoamentos devem ser eficientes, o que não acontece. Diante dessa ineficiência atual, não há como negar o dever de indenizar das Prefeituras, principalmente. No entanto, a responsabilidade dos entes públicos é objetiva, o que significa que basta ao consumidor fazer a prova do dano que teve, relacionado à prestação do serviço ou ao dever do ente público. Todos aqueles que tiveram prejuízo com as enchentes, a nosso ver, podem invocar o Código de Defesa do Consumidor contra os Municípios. Em não havendo o pagamento de indenização na via administrativa, caberá ao consumidor propor a ação perante o poder Judiciário. A fim de facilitar a defesa dos consumidores, associações de bairro, por exemplo, podem propor ações coletivas, para buscar o ressarcimento das vítimas das enchentes. A falta de reclamação por parte dos consumidores acaba eternizando o pouco caso do poder público. Sobre o autor: ARTHUR ROLLO é mestre e doutorando em direito do consumidor pela PUC/SP.
Redação
Código da publicação: 9371
Como citar o texto:
Os consumidores e as enchentes. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 7, nº 385. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/fique-por-dentro/9371/os-consumidores-as-enchentes. Acesso em 1 jan. 2009.
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