A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que configura nepotismo póstumo a nomeação de responsável temporário pelo expediente de cartório? após a morte de seu pai, anterior titular da serventia extrajudicial. Segundo o relator do caso, ministro Sérgio Kukina, é vedada a designação de interino com relação conjugal ou de parentesco com o antigo delegatário, conforme previsão expressa do Provimento 77/2018 da Corregedoria Nacional de Justiça.
Com esse entendimento, o colegiado rejeitou, por unanimidade, recurso interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que negou mandado de segurança que buscava restabelecer a designação, como interino, do filho do falecido titular de cartório em Campos dos Goytacazes (RJ). A nomeação foi anulada pela Corregedoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro.
No STJ, a defesa alegou que o ato da corregedoria fluminense violou a Lei dos Cartórios (Lei 8.935/1994). Afirmou que a legislação, em seu artigo 39, parágrafo 2º, prevê a escolha do substituto mais antigo para chefiar a serventia extrajudicial até a realização de concurso público e designação de novo titular – segundo a defesa, essa era exatamente a hipótese dos autos, pois o filho do antigo titular trabalhava no cartório há mais de 30 anos.
Ainda de acordo com os advogados, a atividade cartorária tem contornos evidentes de direito privado e, além disso, não seria possível a caracterização de nepotismo entre uma pessoa viva e outra falecida.
Sem parentesco
Segundo o ministro Sérgio Kukina, a restrição imposta pela Corregedoria Nacional de Justiça à existência de parentesco para a nomeação de interinos em cartórios deve ser observada em consonância com o requisito legal da antiguidade, em "desenganada sintonia com o princípio constitucional da moralidade".
Kukina também rebateu a contestação da defesa no sentido de que teria ocorrido, no caso, indevida aplicação retroativa do Provimento 77/2008 por parte da Corregedoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro.
"Por intermédio do ato administrativo impetrado, dotado de eficácia ex nunc, apenas se promoveu a necessária correção de hipótese que passou a ser tida por irregular pela Corregedoria Nacional de Justiça", não sendo possível, para o ministro, invocar direito adquirido fundado em ato administrativo posteriormente tido por contrário à Constituição.
Delegação pública
Outro questionamento defensivo superado pelo relator foi o de que os serviços notariais e de registro possuiriam caráter privado, não se enquadrando na vedação ao nepotismo trazida pela Súmula Vi?nculante 13 do Supremo Tribunal Federal.
Kukina lembrou que, consoante o artigo 236 da Constituição Federal, a atividade cartorária é realizada por delegação do poder público. De acordo com o ministro, os cartórios estão sujeitos à "permanente fiscalização do Poder Judiciário e do próprio CNJ, além de se subordinarem aos princípios regentes da administração pública".
Leia o acórdão.?
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RMS 63160
Como citar o texto:
Nomeação de filho como interino em cartório no lugar de pai falecido caracteriza nepotismo póstumo, decide Primeira Turma. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1018. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/noticias/10882/nomeacao-filho-como-interino-cartorio-lugar-pai-falecido-caracteriza-nepotismo-postumo-decide-primeira-turma. Acesso em 18 fev. 2021.
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