A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.139), estabeleceu a tese de que é vedada a utilização de inquéritos ou ações penais em curso para impedir a aplicação da redução de pena pela configuração do chamado tráfico privilegiado (artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006).
De acordo com o dispositivo da Lei de Drogas, as penas previstas no parágrafo 1º do artigo 33 podem ser reduzidas de um sexto a dois terços caso o agente seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividades delitivas nem integre organização criminosa.
Confirmando jurisprudência majoritária das turmas criminais do STJ, a seção considerou que, enquanto não houver o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, eventuais ações contra o réu não podem ser consideradas para impedir a redução da pena pelo tráfico privilegiado.
"Todos os requisitos da minorante do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 demandam uma afirmação peremptória acerca de fatos, não se prestando a existência de inquéritos e ações penais em curso a subsidiar validamente a análise de nenhum deles", afirmou a relatora dos recursos analisados, ministra Laurita Vaz.
Redução da pena é direito subjetivo do réu que cumpre os requisitos
A relatora apontou que a aplicação da redução de pena prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 constitui direito subjetivo do acusado, caso estejam presentes os requisitos legais, não sendo possível afastar a sua incidência com base em considerações subjetivas do julgador.
Ainda segundo a ministra, o STJ tem diferenciado o aproveitamento de inquéritos e ações penais em curso no caso de medidas de caráter precário – a exemplo das prisões cautelares, nas quais se admite a utilização desses processos, pois não se exige, em tais situações, a afirmação inequívoca de que o réu seja autor do delito – e na fundamentação de medidas de caráter definitivo, como na imposição de pena.
"Uma vez que a prisão cautelar é provisória, pode ser revertida a qualquer momento no curso do processo e não implica nenhum juízo peremptório acerca da conduta do acusado, não se constata nenhuma violação ao princípio da presunção de não-culpabilidade na utilização de inquéritos e ações penais em curso para fundamentar a decisão que a decreta", completou a relatora.
Aplicação de pena exige conjunto probatório mais rigoroso
Por outro lado, na imposição da sanção penal, Laurita Vaz apontou que é preciso um conjunto probatório mais rigoroso do que aquele necessário para as medidas cautelares.
A ministra ressaltou que, nos termos do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, a afirmação definitiva de que um fato criminoso ocorreu e é imputável a um autor só é possível quando houver o trânsito em julgado da sentença condenatória.
"Até que se alcance esse marco processual, escolhido de maneira soberana e inequívoca pelo constituinte originário, a culpa penal, ou seja, a responsabilidade penal do indivíduo, permanece em estado de litígio, não oferecendo a segurança necessária para ser empregada como elemento na dosimetria da pena", afirmou, ao lembrar que o mesmo raciocínio foi empregado pelo STJ ao editar a Súmula 444.
Em seu voto, Laurita Vaz comentou que inquéritos e ações penais podem perdurar por anos sem que haja resultado definitivo. Assim, ponderou, a conclusão desses processos poderia ocorrer só após o réu ter cumprido a pena pelo crime de tráfico na qual foi negada a redução – quadro que, potencialmente, traria resultados irreversíveis ao apenado.
Para a magistrada, se há a necessidade de invocar inquéritos e ações penais em curso na tentativa de demonstrar a dedicação criminosa – e, assim, afastar o tráfico privilegiado –, "é porque os demais elementos de prova são insuficientes, sendo necessário formular a ilação de que o acusado não é tão inocente assim, o que não se admite em nosso ordenamento jurídico".
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1977027REsp 1977180
Como citar o texto:
Terceira Seção veda uso de inquéritos e ações em curso para impedir aplicação do tráfico privilegiado. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1096. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/noticias/11514/terceira-secao-veda-uso-inqueritos-acoes-curso-impedir-aplicacao-trafico-privilegiado. Acesso em 17 ago. 2022.
Importante:
As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.
Pedido de reconsideração no processo civil: hipóteses de cabimento
Flávia Moreira Guimarães PessoaOs Juizados Especiais Cíveis e o momento para entrega da contestação
Ana Raquel Colares dos Santos LinardPublique seus artigos ou modelos de petição no Boletim Jurídico.
PublicarO Boletim Jurídico é uma publicação periódica registrada sob o ISSN nº 1807-9008 voltada para os profissionais e acadêmicos do Direito, com conteúdo totalmente gratuito.