A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recursos especiais submetidos ao rito dos repetitivos (Tema 1.218), decidiu que não é possível aplicar o princípio da insignificância no crime de descaminho quando o acusado já foi processado pelo mesmo delito, ainda que os outros processos não estejam concluídos e seja qual for o valor dos tributos que deixaram de ser pagos. O colegiado, entretanto, deixou aberta a possibilidade de aplicação da insignificância se o julgador entender que ela é socialmente adequada para o caso.

Os três recursos escolhidos como representativos da controvérsia foram interpostos contra acórdãos do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), o qual havia decidido na mesma linha definida pelo STJ.

A tese do Tema 1.218 ficou assim redigida: "A reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho – independentemente do valor do tributo não recolhido –, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, se concluir que a medida é socialmente recomendável. A contumácia pode ser aferida a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes de definitividade, sendo inaplicável o prazo previsto no artigo 64, I, do Código Penal (CP), incumbindo ao julgador avaliar o lapso temporal transcorrido desde o último evento delituoso à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade."

Aspectos subjacentes à formação da tese fixada

Em seu voto, o relator, ministro Sebastião Reis Junior, ponderou aspectos relacionados aos procedimentos que podem influenciar na conclusão sobre reiteração delitiva, ao limite temporal para caracterizá-la e à relevância do valor do tributo não recolhido para a decisão quanto à atipicidade ou não da conduta.

O ministro adotou a posição de que processos administrativos e fiscais – inclusive aqueles que ainda estejam em curso – também podem ser considerados na análise sobre a insistência na conduta delitiva e, portanto, fundamentar a não aplicação da insignificância.  

Com relação ao marco temporal para a valoração desses procedimentos, o relator explicou que, a partir de entendimento estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 150 da repercussão geral, o período depurador de cinco anos previsto no artigo 64, I, do CP seria aplicável apenas à reincidência, e não à reiteração – que era o caso dos recursos em julgamento na Terceira Seção.

Assim, o ministro entendeu não haver base legal para aplicação desse prazo na análise de reiteração delitiva. Sebastião Reis Junior considerou que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade devem ser aplicados pelo juízo ao avaliar se o tempo decorrido desde a conduta anterior caracteriza ou não um comportamento habitual.

Quanto à importância do valor do tributo não recolhido, o relator acredita que admitir a incidência da insignificância na hipótese de reiteração, com base no pequeno valor do imposto não recolhido, "teria o efeito deletério de estimular uma economia do crime, na medida em que acabaria por criar uma cota de imunidade penal para a prática de sucessivas condutas delituosas".

Por fim, o ministro esclareceu que, em regra, a jurisprudência do STJ já estabelece que a reiteração é um obstáculo à aplicação do princípio da insignificância. No entanto, diante das muitas circunstâncias que podem levar à reiteração da conduta, Sebastião Reis Junior apontou a necessidade de que as instâncias ordinárias possam decidir sobre o reconhecimento da atipicidade, caso verifiquem que a medida é socialmente adequada diante da análise do caso concreto. 
 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): 

REsp 2083701

REsp 2091651

REsp 2091652

Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:

  • 1º termo - recursos especiais: O recurso especial (sigla REsp) é dirigido ao STJ para contestar possível má aplicação da lei federal por um tribunal de segundo grau. Assim, o REsp serve para que o STJ uniformize a interpretação da legislação federal em todo o país.
  • 2º termo - Repetitivos: Recurso repetitivo é um recurso escolhido para ser julgado como representativo de uma questão jurídica presente em muitos outros processos, para que a tese fixada pelo tribunal seja aplicada na solução dos casos semelhantes em todo o país.
  • 3º termo - Princípio da insignificância: O princípio da insignificância, ou da bagatela, afasta a punição de condutas pouco graves, que não representem perigo social, tenham reduzido grau de reprovabilidade e causem lesão jurídica inexpressiva.
  • 4º termo - Acórdãos: Acórdão é a decisão do órgão colegiado de um tribunal. No caso do STJ, pode ser das turmas, seções ou da Corte Especial.
  • 5º termo - Reincidência: Quando o agente comete novo crime, após transitar em julgado sentença condenatória por crime anterior.

Fim do significado dos termos apresentados.

 

 

Como citar o texto:

Em repetitivo, Terceira Seção define que reiteração no descaminho impede princípio da insignificância. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1177. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/noticias/11819/em-repetitivo-terceira-secao-define-reiteracao-descaminho-impede-principio-insignificancia. Acesso em 7 mar. 2024.

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