Ao conferir às teses do Tema 886 interpretação compatível com o caráter propter rem da dívida condominial, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a legitimidade passiva concorrente entre vendedor e comprador para responder à ação de cobrança de taxas de condomínio posteriores à imissão do comprador na posse do imóvel, na situação em que o contrato não tenha sido registrado em cartório.

No caso em julgamento, o condomínio ajuizou a ação contra um casal para cobrar quotas vencidas entre novembro de 1987 e abril de 1996. O imóvel era de propriedade de uma companhia de habitação popular, que em 1985 prometeu vendê-lo ao casal.

A ação foi julgada procedente, mas, após a frustração das primeiras tentativas de execução da sentença, o condomínio requereu a penhora do imóvel gerador das despesas, de propriedade da companhia, que não participou do processo na fase de conhecimento. A empresa, por sua vez, ingressou com embargos de terceiros para levantar a penhora, mas o pedido foi negado.

Ao STJ, a companhia requereu o reconhecimento da responsabilidade exclusiva do comprador pelo débito condominial e o reconhecimento da sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da execução.

Teses do Tema 886 devem ser interpretadas com cautela

A relatora, ministra Isabel Gallotti, lembrou que a questão da legitimidade para responder à ação de cobrança de quotas condominiais, nos casos em que o proprietário (promitente vendedor) cedeu a posse do imóvel ao promissário comprador e este não pagou os encargos devidos ao condomínio, já foi objeto de muitos julgamentos nas duas turmas de direito privado do STJ e também na Segunda Seção, sob o rito do recurso repetitivo (Tema 886).

Nesse repetitivo, foram fixadas três teses sobre o assunto, uma das quais estabeleceu que, sendo provado que o condomínio sabia da transação, "afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador".

Contudo, a ministra ponderou que há certa divergência entre as turmas do STJ, refletida também nos julgamentos de segunda instância, que ora aplicam literalmente as teses fixadas no Tema 886, ora seguem o entendimento do ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido) no REsp 1.442.840, no sentido de que tais teses devem ser interpretadas com cautela, à luz da teoria da dualidade do vínculo obrigacional.

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Segundo a relatora, isso se deve ao fato de o repetitivo não ter enfrentado a questão pela ótica da natureza propter rem das quotas de condomínio, a qual estabelece entre a dívida e o imóvel gerador das despesas um vínculo que se impõe independentemente da vontade das partes contratantes.

Promessa de compra e venda não vincula condomínio

Examinando o processo, a ministra verificou que houve a imissão na posse pelos compradores, bem como a ciência inequívoca do condomínio acerca da transação.

Para ela, no entanto, o condomínio – credor de obrigação propter rem – não pode ficar sujeito à livre estipulação contratual de terceiros. "A obrigação propter rem nasce com a titularidade do direito real, não sendo passível de extinção por ato de vontade das partes eventualmente contratantes, pois a fonte da obrigação é o próprio direito real sobre a coisa", disse.

Na sua avaliação, quando ajuizada a ação de cobrança de quotas condominiais, a promessa de compra e venda não pode vincular o condomínio – o que ocorreria se a legitimidade do proprietário ficasse condicionada à ausência de imissão na posse do imóvel pelo comprador e à ausência de ciência inequívoca do condomínio a respeito da transação –, fatores que se prendem ao acordo de compra e venda.

No caso em análise, Gallotti considerou que, embora a empresa proprietária não tenha se beneficiado dos serviços prestados pelo condomínio, ela deve garantir o pagamento da obrigação com o próprio imóvel que gerou a dívida, em razão de ser titular do direito real.
 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

 REsp 1910280

Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:

  • 1º termo - Propter rem: Obrigação propter rem (ou seja, obrigação em razão da coisa) é aquela que acompanha a coisa, esteja com quem estiver – como as taxas de condomínio em atraso, que se tornam obrigação do novo dono quando ele compra o imóvel.
  • 2º termo - Legitimidade: Condição jurídica que permite que alguém seja autor (legitimidade ativa) ou réu (legitimidade passiva) em um processo judicial, ou pratique algum ato processual.
  • 3º termo - Sentença: Decisão do juízo de primeiro grau que encerra o processo nessa instância.
  • 4º termo - Embargos de terceiros: Ação ajuizada por alguém que não é o devedor, não faz parte do processo, mas teve o seu patrimônio afetado por alguma constrição judicial, como a penhora. O objetivo é liberar o bem.
  • 5º termo - Ilegitimidade: Falta de condição jurídica para que alguém seja autor (ilegitimidade ativa) ou réu (ilegitimidade passiva) em um processo judicial, ou para que pratique algum ato processual.
  • 6º termo - Repetitivo: Recurso repetitivo é um recurso escolhido para ser julgado como representativo de uma questão jurídica presente em muitos outros processos, para que a tese fixada pelo tribunal seja aplicada na solução dos casos semelhantes em todo o país.
  • 7º termo - REsp: O recurso especial (sigla REsp) é dirigido ao STJ para contestar possível má aplicação da lei federal por um tribunal de segundo grau. Assim, o REsp serve para que o STJ uniformize a interpretação da legislação federal em todo o país.
  • 8º termo - Imissão na posse: Ato judicial que coloca a pessoa no exercício do seu direito de posse sobre um bem.

 

 

Como citar o texto:

Segunda Seção confirma que vendedor pode responder por obrigações do imóvel posteriores à posse do comprador. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1238. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/noticias/12057/segunda-secao-confirma-vendedor-pode-responder-obrigacoes-imovel-posteriores-posse-comprador. Acesso em 5 mai. 2025.

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