Síndrome de Specter

Série de TV é sucesso entre advogados

A série de televisão Norte Americana Suits, idealizada por Aaron Korsh, é um sucesso entre os advogados porque retrata a história de um escritório advocatício de notória importância na cidade de Nova Iorque.

O escritório "Pearson Hardman", comandando por Jessica Pearson, atua principalmente no ramo empresarial, defendendo empresas multinacionais além de clientes famosos, o que repercute no porte do escritório e na quantidade de advogados e colaboradores que ali trabalham.

Dentre os advogados, Harvey Specter, que ingressou como sócio júnior até se tornar um dos sócios nominais, ocasião em que o escritório passou a ser conhecido como “Zane Specter Litt”, é o protagonista da trama, sendo reconhecido por atuar em grandes causas, conquistando admiradores e tornando-se um algoz para os outros escritórios da cidade.

Harvey Specter tem um temperamento forte, não admite perder e se comporta, em várias situações, com arrogância e prepotência, humilhando seus oponentes, defeitos que lhe atrai vários inimigos, justamente o ponto central de toda trama, em que outros escritórios tentam, a todo custo, superá-lo nas negociações ou perante o tribunal, em grande parte das vezes, sem sucesso.

Specter, para superar seus “adversários”, tanto nas negociações como nos plenários, se utiliza de influências e de extremo conhecimento da matéria que atua, porém, quando em frente ao magistrado, é recriminado com veemência quando se exalta ou se utiliza de vocabulário persuasivo.

Pois bem, esse advogado, que é fictício, atrai a atenção justamente pelo sucesso das suas negociações e pela forma com que consegue vencer seus casos, porém, repita-se, ele é parte de uma trama fictícia.

Ocorre que muitos advogados se incorporam na figura de Harvey Specter, não pelos ternos extremamente elegantes e alinhados, ou pelo visual impecável, mas pela forma de agir.

Recentemente, o caso Mariana Ferrer “explodiu” no Brasil, gerando indignação e revolta pela forma como foi tratada na audiência em que acusava o empresário André Camargo Aranha de estupro.

Sem se adentrar especificamente no mérito do crime em sí, que já foi objeto de revolta quando da divulgação de um possível “estupro culposo”, outro ponto que chamou muita atenção da comunidade jurídica, principalmente da Ordem dos Advogados do Brasil, se refere à atuação do advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, que, na audiência, simplesmente humilha Mariana de forma veemente e sem qualquer tipo de compaixão.

Quando ela começa a chorar, devido a forma como estava sendo tratada na audiência, o causídico se exalta e diz: “"Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lágrima de crocodilo.", insinuando que o “ganha-pão” da Mariana é a “desgraça dos outros”.

Em entrevista ao Estadão, perguntado se teria se arrependido de alguma situação referente ao caso, expos que, em audiência, os debates são acalorados, tendo convicção de ter atuado nos limites legais e profissionais, levando-se em consideração a exaltação de ânimos que costuma ocorrer nesse tipo de audiência.

O fato é, mesmo o causídico, na sua convicção, achar que atuou de forma profissional, esqueceu-se que do outro lado existia uma pessoa, que, independentemente de qualquer circunstância, merece respeito, principalmente de um advogado que deve se pautar pela lei, pela moral e, principalmente, pela ética.

Quando o Dr. Advogado conquistou essa posição, perante seus pares e alguns membro da OAB, prolatou as seguintes palavra:

Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

Assim, com esses dizeres, comprometeu-se em zelar pela ética e respeitar os deveres e prerrogativas profissionais, dentre eles a Resolução n. 02/2015 - Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, cujo art. 1º assim está posto:

Art. 1º O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os princípios da moral individual, social e profissional. 

Não se trata, apenas, de defender seu cliente a qualquer custo, de conquistar um lugar de respeito, de ser reconhecido por grandes feitos, trata-se de respeitar as outras pessoas como elas precisam ser respeitadas, trata-se de defender seu cliente com as armas que têm, utilizando-as de forma a não menosprezar ou humilhar a outra parte, trata-se, acima de tudo, de ética profissional.

No fim da história, Harvey Specter se arrepende de muitas das suas condutas, e com isso conquista respeito e admiração, não pelos advogados, mas pelas pessoas, é o que se espera.

Data da conclusão/última revisão: 06/11/2020

 

Como citar o texto:

Síndrome de Specter. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1015. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/fique-por-dentro/10825/sindrome-specter. Acesso em 25 jan. 2021.

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