Apesar de não ser um conceito pacífico, entende a melhor doutrina que o Direito é conseqüência direta da vida social. Neste sentido, o Direito Internacional Público (DIP) surge como um tipo de mediador na resolução dos conflitos em esfera internacional. Porém, o conceito tal qual proposto é insuficiente, pois não basta simplesmente ser um mediador, pois nem todos são sujeitos de DIP. Desta forma, entende Luis Ivani de Amorim Araújo, ao tentar um conceito para o Direito Internacional Público (ARAÚJO, 2001) “ o Direito Internacional Público é o conjunto de regras jurídicas- consuetudinárias e convencionais – que determinam os direitos e deveres, na órbita internacional, dos Estados, dos indivíduos e das instituições que obtiveram personalidade por acordo entre Estados”. São sujeitos do DIP: a ONU, os entes equiparados, a Santa sé, o indivíduo e os Estados e é justamente sobre as relações atuais entre estes últimos sujeitos de DIP (os Estados) que objetiva tratar o presente trabalho.

A atual conjuntura sócio-política traz a tona questionamentos acerca da globalização, assim como da relação desta com o Direito Internacional Público. Em um primeiro momento, percebe-se que a globalização ocupa um papel no sentido de fortalecer o DIP, pois ao tempo que desaparecem as fronteiras entre os Estados, surge a necessidade de regulamentação do novo paradigma através de normas internacionais.

Tais normas surgem, com o Direito internacional Público e nesse sentido a globalização é mola propulsora do DIP.

Entretanto, em outro momento, percebe-se a globalização como sendo a causa primária do desaparecimento do DIP, pois possibilitará, com a gradual diminuição das fronteiras, o aparecimento de “super-estados”. Ainda que tal desaparecimento de fronteiras seja muito mais teórico do que prático, pretende-se aqui especular uma possibilidade “para além do tempo” onde tais fronteiras desaparecessem de fato como conseqüência do processo de globalização. Certamente, nesta nova realidade, tais “super-estados” seriam regidos por uma nova legislação interna. E sendo assim, surge a indagação: cederia o DIP, lugar ao direito interno?

Esta pergunta depara-se em algumas dificuldades, como por exemplo, da real viabilidade da criação de tais “super-estados”, vez que existem países com problemas históricos de guerras com outras nações, o que impossibilitaria uma futura união. Entretanto, entendo que tal dificuldade pode ser superada, vez que os problemas de hoje não serão necessariamente os mesmos de amanhã e a História como tal, poderá ser rescrita no futuro.

Para longe da globalização, as dificuldades apresentadas pelos doutrinadores, que pregam uma suposta inexistência do Direito Internacional, tem argumentações frágeis e normalmente pecam pela visão por demais positivista. Dentre elas, pontua Andréa Pacheco Pacífico e Ana Claudia M.R. Lisboa ao tratar do tema: (JUSTILEX, ano V, nº 50, p.31) “1)não há lei internacional que regule os direitos e obrigações dos Estados, pois onde não há código, não há direito; 2)Não há juiz ou tribunal que julgue os Estados. A regra que não encontra sanção numa sentença judiciária é ineficaz, é como se não existisse; 3)Não há força pública organizada para fazer respeitar o Direito Internacional”.

A inexistência do DIP resultaria portanto, basicamente da ausência de uma norma internacional eficaz, um poder público centralizado e sanções.

Sobre isto, tenho objeções:

A despeito das normas internacionais, sua existência pode ser conferida nos diversos Tratados formados entre os Sujeitos de Direito Internacional Público. A inexistência do poder público, por sua vez, poderia ser suprida pela ONU que atualmente é o órgão que mais se aproxima desta idéia e por fim a inexistência de sanções pode ser amplamente discutida, pois as sanções no DIP existem, como por exemplo: embargos, boicotes, retorsão, represálias, etc. Desta forma, a sanção existe, o que pode ser alegado é que ela não possui a eficácia devida. Neste sentido, pontua Celso D. de Albuquerque Mello (MELLO, 2004) “O sistema de sanções no DI é inteiramente diverso do sistema de sanções no direito interno. Na ordem jurídica internacional ele não é monopolizado por um poder central superior aos Estados ou indivíduos, mas, pelo contrário, elas são ainda de fato aplicadas pelos próprios interessados. Por outro lado, elas são coletivas, ao contrário do Direito Interno, em que as sanções são individuais”. Além das palavras esclarecedoras do eminente Professor, o problema da eficácia das sanções pode ser debatido com tranqüilidade, pois entendo que não é a ineficácia da sanção de descaracterizaria o Direito. Sabe-se, por exemplo, que o Direito Penal aplica sanções privativas de liberdade (reclusão ou detenção) que do ponto vista funcional não têm nenhuma eficácia! Pois é notório que as prisões não cumprem o seu papel no sentido de ressocializar o apenado, pelo contrário costumam formar delinqüentes ainda piores.

Ainda assim o Direito Penal não deixa de ser Direito por isso.

Desta forma, a maior dificuldade para o DIP não se encontra na ausência de leis positivadas, de força pública ou de sanções. Em um futuro provável, tal dificuldade encontrar-se-á no próprio homem, mais precisamente no avanço da tecnologia, que o levará à formação dos grandes blocos econômicos, um prenúncio dos “super-estados”, em um processo sem volta que o mundo passou a chamar de globalização.

Fonte:

ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim - Curso de Direito Internacional Público, 10ª ed., Forense, 2001

MELLO, Celso D. de Albuqurque – Curso de Direito Internacional Público,15ª ed., Renovar 2004.

PACÍFICO, Andréa Pacheco - A Crise do Direito Internacional Público, Revista Justilex, 2006 Ano IV- nº 50 – págs. 30 e 31

LISBOA, Ana Claudia M. R. - A Crise do Direito Internacional Público, Revista Justilex, 2006 Ano IV- nº 50 – págs. 30 e 31

 

Como citar o texto:

VASCONCELOS, Milton Silva de..Globalização, uma faca de dois gumes para o Direito Internacional Público. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 167. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/1066/globalizacao-faca-dois-gumes-direito-internacional-publico. Acesso em 27 fev. 2006.

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