SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 NO BRASIL, QUEM É CONSIDERADO ESTRANGEIRO?; 3 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA APLICÁVEL À AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RURAL POR ESTRANGEIRO; 4 IMÓVEL RURAL ADQUIRIDO POR PESSOA FÍSICA ESTRANGEIRA; 5 IMÓVEL RURAL ADQUIRIDO POR PESSOA DE NACIONALIDADE PORTUGUESA; 6 IMÓVEL RURAL RECEBIDO POR ESTRANGEIRO NO CASO DE DIREITO SUCESSÓRIO; 7 IMÓVEL RURAL ADQUIRIDO POR PESSOA JURÍDICA ESTRANGEIRA; 8 TRANSAÇÃO COM IMÓVEL RURAL NA FAIXA DE FRONTEIRA ENVOLVENDO ESTRANGEIRO; 9 O ARRENDAMENTO RURAL POR ESTRANGEIRO; 10 REVOGAÇÃO OU NÃO DO §1º DO ART. 1º DA LEI Nº 5.709/71, SEGUNDO O PARECER GQ-181 E A CORRENTE DOUTRINÁRIA. REEXAME DO PARECER N. AGU/LA- 04/94; CONCLUSÃO.

Palavra- chave: Imóvel rural. Aquisição e uso. Estrangeiro. Hipóteses. Pessoa física e pessoa jurídica.

 

1 INTRODUÇÃO

Qualquer país com as dimensões territoriais, variações geográficas e climáticas como o Brasil tem o sucesso do seu desenvolvimento econômico condicionado à exploração da terra.

O Brasil precisa de investimentos estrangeiros na área rural, pois o equilíbrio da balança comercial depende muito das exportações agrícolas. O território nacional apresenta oportunidades rurais por todos os lados, em especial a onda de investimentos atuais nos Estados de Mato Grosso e Goiás.

Na aquisição e uso de imóvel rural por estrangeiro, muitos são os detalhes e as hipóteses que poderão ocorrer, cujas exigências e requisitos  legais deverão ser cuidadosamente observados sob pena de nulidade dos atos praticados e responsabilização nas esferas administrativa, cível e penal.

No presente estudo, visualiza a aquisição e uso de imóvel rural por estrangeiro, tanto na qualidade de pessoa física como jurídica, far-se-á uma abordagem sucinta da legislação pertinente ao assunto, com destaque para os requisitos da escrituração e do registro de tais imóveis.

Será feita uma abordagem das variadas hipóteses de aquisição de imóvel rural, primeiramente por pessoa física estrangeira, de acordo com o Módulo de Exploração Indefinida, inclusive envolvendo portugueses, como também a aquisição de área rural por pessoa jurídica estrangeira, inclusive os requisitos a serem preenchidos na aquisição de terras rurais na faixa de fronteira.

Será estudado, ainda, o uso de imóvel rural por estrangeiro, conforme prevê a Constituição Federal Brasileira de 1988, bem como a aplicação, por analogia, da Lei nº 5.709/71.

Por fim, Será analisado se o §1º  do art. 1º da Lei nº 5.709/71, não recepcionado pela Constituição Federal de 1988, nos termos do seu art. 171, sofreu repristinação em virtude da revogação do citado artigo constitucional, ou ainda, se há de falar em repristinação, com abordagem do Parecer AGU/LA-1/94.   

 

2  NO BRASIL, QUEM É CONSIDERADO ESTRANGEIRO?

Por conceito, considera-se estrangeiro aquele indivíduo que tenha nascido fora do Estado onde se encontra e não tenha adquirido a sua nacionalidade. Há dois tipos de estrangeiros: - os permanentes (residentes); -  os temporários (não residentes).

Segundo José Afonso da silva (1), ao discorrer, em sua obra, quem seja o estrangeiro, assim se manifestou, verbis:

“Reputa-se estrangeiro, no Brasil, quem tenha nascido fora do território nacional que, por qualquer forma prevista na Constituição, não adquirira a nacionalidade brasileira. Há os estrangeiros residentes no país e os não residentes. Aqueles integram a população brasileira e convivem com os nacionais sob o domínio da ordenação jurídico-politica pátria.”

A Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro)  complementa a Constituição Federal.

3 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA APLICÁVEL À AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RURAL POR ESTRANGEIRO

A Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964 , conhecida como o Estatuto da Terra, é a base do regime jurídico do imóvel rural.

A Lei 5.709, de 7 de outubro de 1971 e sua regulamentação pelo Decreto 74.965, de 26 de novembro de 1974, estabelecem a base do regime jurídico da aquisição de imóvel rural por estrangeiro.

A Lei 6.634, de 2 de maio de 1979, que dispõe sobre a faixa de fronteira e Decreto 85.064, de 26 de agosto de 1980, representam a base do regime jurídico da aquisição de imóvel rural localizado em faixa de fronteira.

Considera-se como justificativa dessas leis a defesa da integridade do território nacional,   a   segurança   do   Estado   e   a   distribuição   da   propriedade.

4 IMÓVEL RURAL ADQUIRIDO POR PESSOA FÍSICA ESTRANGEIRA

Somente o estrangeiro com permanência regularizada no Brasil poderá adquirir imóvel rural. A lei não fala em residência permanente ou provisória, apenas prova de residência no território nacional.

Assim, a definição de residência é a da lei civil (Código Civil). Significa dizer  que é o lugar onde a pessoa é encontrada com habitualidade, sem que haja qualquer viés de definitividade, ou de centralização da vida jurídica do estrangeiro.

Dessa forma, o estrangeiro que não tiver permanência regularizada no Brasil, não poderá adquirir imóvel rural, de forma alguma.

A Lei nº 5.709/71 se encontra sob a égide do art. 190 da Constituição Federal, que diz, verbis:

“A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.”

O estrangeiro residente no Brasil poderá adquirir livremente propriedade rural, desde que obedeça os seguintes requisitos, concomitantemente:

- a aquisição de mais de um imóvel, mesmo com área não superior a três módulos (§3º, art. 7º do Decreto 74.965/74), só será possível com a autorização do INCRA; se com a nova aquisição, somada à anteriormente efetivada,    seu tamanho não seja superior a três  módulos, a aquisição posterior é livre;

- não ultrapasse os limites percentuais de terras de estrangeiros no município: limitação de 25% ou 10% da zona rural do município de titularidade de estrangeiros ou nas mãos de titulares de um único país, respectivamente ( art. 12, §1º da Lei nº 5.709/71)

- não seja localizada em faixa de fronteira;

- declare, sob as penas da lei de que não possua outro imóvel rural ( art. 9º do Decreto nº 74.965/74).

O termo módulo, mencionado na lei no parágrafo primeiro do artigo terceiro da lei 5.709/71 se refere expressamente ao módulo de exploração indefinida- MEI ()art. 4º do Decreto 74.965/74), que não se confunde com módulo rural, nem com módulo fiscal.

O Módulo Rural é uma unidade de medida, expressa em hectares, que busca exprimir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico. É calculado para cada imóvel, levando em conta outros atributos do imóvel (atividade econômica, forma de exploração – familiar ou empresarial, mão-de-obra, etc).

Já o Módulo Fiscal é estabelecido para cada município, e procura refletir a área mediana dos módulos rurais dos imóveis do município- aspecto geral. O aspecto particular do imóvel considera a área aproveitável total do imóvel  frente ao módulo Fiscal do município.(2)

Quanto ao Módulo de Exploração Indefinida é a unidade de medida, em hectares, a partir do conceito de módulo rural, sem levar em conta a exploração econômica, estabelecido para uma determinada região definida, que são as ZTM (Zona Típica  de Módulo) estabelecida pelo Incra. Essa é a referência  para os módulos na questão de aquisição por estrangeiro e não o módulo fiiscal.

De acordo com a Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso (Capítulo 12, Seção 1, Item 1.4), o oficial do Registro de Imóveis deverá manter-se atualizado quanto à dimensão dos módulos adquiridos por estrangeiros, sob as penas da lei, diante das restrições impostas  pela Lei 5.709/71. 

Na aquisição de imóvel rural por estrangeiro é da essência do ato a escritura pública, além do que tal aquisição está sujeita a uma série de análises e providências por parte do notário e do registrador imobiliário, devido às regras estipuladas pela Lei  nº 5.709/71, onde a aquisição de imóvel rural que viole os mandamentos da referida lei, será nula de pleno direito, respondendo civilmente pelos danos, bem como criminalmente por prevaricação e falsidade ideológica o tabelião que lavrar a escritura e o oficial que a registrar .

A Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso determina que a escritura relativa à tal aquisição por pessoa física estrangeira constará, obrigatoriamente, o documento de identidade do adquirente, que poderá ser a cédula de Identidade de estrangeiros classificados como permanentes (RNE), com validade de nove anos, ou o passaporte com o visto dentro do prazo de validade, ou ainda o Bilhete de Identificação para os estrangeiros signatários do Mercosul; prova de residência no território nacional; e, quando for o caso, a autorização do órgão competente, ou assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional, quando for o caso, observado o disposto nas Leis 5.709/71 e 6.634/79.(3)

A  apresentação de CPF e passaporte emitidos pelo Governo Brasileiro não desonera o estrangeiro da apresentação da cédula de Identidade (RNE)     quando da lavratura de escritura pública de aquisição de imóvel rural, em que a formalidade e a fiscalização nesta hipótese é redobrada por imperativo legal.

Mas, caso seja a aquisição de imóvel rural  maior que três e menor que cinqüenta Módulos  de Exploração indefinida, ou ainda, que seja a aquisição de um segundo imóvel rural , por pessoa física estrangeira, mister se faz a autorização do Incra (4), cuja autorização terá prazo de trinta dias. O notário mencionará a autorização na escritura e arquivará cópia em pasta própria, assim como o registro deverá ocorrer em quinze dias.

Na aquisição de imóvel rural por estrangeiro, cuja área seja maior de cinqüenta MEI, ou quando os limites de percentagens pertencentes a estrangeiro no município forem ultrapassados, será necessário a autorização do Presidente da República por decreto. (5)

 Os Serviços de Registro de Imóveis terão um cadastro especial, com escrituração em livro, para controle obrigatório das aquisições de terrenos rurais por pessoas físicas (residentes no país) ou jurídicas estrangeiras.

Os Oficiais do Serviço de Registro de Imóveis também remeterão, trimestralmente, sob as penas da lei, à Corregedoria- Geral da Justiça e ao órgão federal responsável pelo controle da política agrária (INCRA), relação das aquisições de áreas rurais por estrangeiros, com os dados exigidos por lei (artigo 16, Decreto nº 74.965/74). Ainda que inexista aquisição de bem imóvel rural por pessoa estrangeira, deverá ser feita a comunicação .

Como exceção à exigência da Lei 5.709/71, no que se refere aos limites de percentagens pertencentes a estrangeiro no território do município, têm-se quando a área for inferior a três módulos (MEI); em que o adquirente tenha compromissado a compra, por escritura pública ou instrumento particular registrado no Registro de Imóveis e cadastrado em seu , no Incra, até 10 de março de 1969; ou que o adquirente tenha filho brasileiro ou seja casado com pessoa brasileira, sob o regime da comunhão universal de bens.

Todas as restrições e requisitos da legislação são extensivos ao brasileiro(a) casado(a) com estrangeiro, desde que o regime de bens implique a comunicação do imóvel rural.

5 IMÓVEL RURAL ADQUIRIDO POR PESSOA DE NACIONALIDADE PORTUGUESA

Com a igualdade de direitos e deveres entre brasileiros e portugueses(6), desde que preenchidos requisitos como capacidade civil segundo a lei brasileira; residência permanente no território brasileiro e gozo da nacionalidade brasileira(6), os portugueses equiparam-se aos nacionais brasileiros na aquisição e arrendamento de imóvel rural.(7)

O cidadão português declarado titular de direitos civis em igualdade de condições com os brasileiros (CF, art. 12, §1º) poderá adquirir livremente imóveis rurais, mediante comprovação dessa condição com apresentação da carteira de identidade, consignando-se o fato no título a ser registrado (8).

Caso o imóvel se localize na faixa de fronteira, tal aquisição também dependerá da prévia autorização do Conselho de Defesa Nacional.

6 IMÓVEL RURAL RECEBIDO POR ESTRANGEIRO NO CASO DE DIREITO SUCESSÓRIO

Não se deve observar as exigências impostas ao estrangeiro pessoa física que tenha recebido o imóvel rural por sucessão legítima, pois a lei assim determina, salvo quando aquele imóvel estiver situado em área considerada indispensável à segurança nacional, pois em tal hipótese se torna obrigatório o assentimento do Conselho de Defesa Nacional. (9)

Pelo Decreto 5.709/71 em seu art. 1º , §2º que as restrições não são aplicadas à transmissão causa mortis assim como o benefício deverá ser restrito ao âmbito da sucessão legítima ou legal, portanto , aos  herdeiros declinados no art. 1829 do Código Civil, que são : a) descendentes; b) cônjuge sobrevivente; c) ascendentes e d) colaterais até o quarto grau.(10)

Tratando-se, portanto, de imóvel rural recebido pelo estrangeiro a título de herança ou legado a ele atribuído por força da sucessão testamentária, deverão ser observados todas as restrições e requisitos da legislação, quando do registro do título judicial no serviço registral de imóveis ( formal de partilha, ato de entrega de legado ou carta de adjudicação). Tais restrições não são aplicáveis quando da lavratura do testamento.

7 IMÓVEL RURAL ADQUIRIDO POR PESSOA JURÍDICA ESTRANGEIRA

As pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários industriais ou de colonização, vinculados a seus objetivos estatutários, onde tais projetos devem ser aprovados pelo Ministério da Agricultura, ouvido o órgão federal  competente de desenvolvimento regional na respectiva área, e, caso se trate de projeto de caráter industrial será ouvido o Ministério da Indústria e Comércio .

Quanto ao limite de área, a pessoa jurídica estrangeira só poderá adquirir imóveis rurais cuja soma não ultrapasse 1/4 (um quarto) da superfície do município onde se situe, ou, caso se trata de pessoas jurídicas da mesma nacionalidade, não podem ser proprietárias de mais de 40% (quarenta por cento) do limite de 1/4 (um quarto) da superfície em cada município (11).

Cuidando-se de adquirente de imóvel rural a   pessoa jurídica  estrangeira,         a escritura conterá a transcrição do ato que lhe concedeu a autorização para a aquisição da área, dos documentos comprobatórios de sua constituição e da licença para seu funcionamento no Brasil. Aplica-se tais requisitos inclusive nos casos de fusão ou incorporação de empresa, de alteração do controle acionário da sociedade, ou transferência de pessoa jurídica nacional para pessoa jurídica estrangeira.(12)

8 TRANSAÇÃO COM IMÓVEL RURAL NA FAIXA DE FRONTEIRA ENVOLVENDO ESTRANGEIRO

Na faixa de fronteira, envolvendo pessoa física estrangeira residente no Brasil, pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no país, ou pessoa jurídica brasileira, da qual participe, a qualquer título, detendo a maioria de seu capital social, pessoa física estrangeira aqui não residente ou pessoa jurídica estrangeira sediada no exterior, os negócios jurídicos que envolvam a obtenção de posse, do domínio ou de qualquer outro direito real sobre o imóvel rural, dependerão, após início do processo no INCRA, da autorização prévia do Conselho de Defesa Nacional.

A autorização do Conselho de Defesa Nacional, antiga Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, é exigível nas áreas de fronteira- faixa de fronteira de 150 Km ao longo da divisa  do ,país, ou ainda em uma faixa de 100 Km ao longo de rodovias federais.   A pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil e a pessoa física brasileira da qual participe pessoa física estrangeira aqui não residente ou sediada no exterior, somente estarão autorizadas a atuar na faixa de fronteira, quando o imóvel rural se destinar a implantação de projeto agrícola, pecuário, industrial ou de colonização, em consonância com seus estatutos.

Os Serviços de Notas e de Registro de Imóveis exigirão prova do assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional.(13)

9 O ARRENDAMENTO RURAL POR ESTRANGEIRO

Trata-se o arrendamento rural de um contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra o uso e gozo de imóvel rural, podendo incluir outros bens, para a prática de atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, seja por tempo determinado ou não e por certa retribuição ou aluguel. (14)

O arrendamento rural está enquadrado, conforme a Constituição Federal, no rol das limitações impostas às pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, aplicando-se, por analogia, as regras da Lei nº 5.709/71.

Segundo Darcy Walmor Zibetti (15), ao abordar o arrendamento rural por estrangeiros, verbis:

“Justifica-se sua inclusão, eis que, o Estatuto da Terra- Lei nº 4.504/64 e seu regulamento Decreto  nº 59.566/66 prevêem o direito de preferência na compra ou aquisição da propriedade frente a terceiros em igualdade de condições. (art. 92, § 3º do ET c/c o 45 e 46 do Decreto ).”

O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica autorizada a funcionar no Brasil só poderão arrendar imóvel rural na forma da Lei Nº 5.709/71, tendo competência o Congresso Nacional para autorizar tanto a aquisição ou       o arrendamento além dos limites de área e percentual fixados na Lei Nº 5.709/71, como a aquisição ou arrendamento, por pessoa jurídica estrangeira, de área superior a 100 (cem) módulos de exploração indefinida.(art. 23 e §2º, Lei 8.629/93)

10 REVOGAÇÃO OU NÃO DO §1º DO ART. 1º DA LEI Nº 5.709/71, SEGUNDO O PARECER GQ-181 E A CORRENTE DOUTRINÁRIA. REEXAME DO PARECER N. AGU/LA- 04/94

O Parecer nº AGU/LA-01/97 da Advocacia Geral da União diz  respeito sobre a revogação do § 1º do art. 1º da Lei  nº 5.709/71, em face da Constituição Federal Brasileira de 1988. Tal parágrafo da citada lei fala da aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica brasileira da qual participem pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas.

Diz o § 1° desse art. 1° da Lei nº 5.709/71, verbis: "Art. 1°. .............................................................................. ........................... § 1°. Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no exterior."

No reexame do parecer nº  AGU/LA-04/94, Processo nº 21400.001082/93-02, assim ficou redigido a Ementa do Parecer nº GQ-181, verbis:

EMENTA : 1. A conclusão do Parecer n° AGU/LA-04/94, relativa à revogação do § 1° do art. 1° da Lei n° 5.709, de 7 de outubro de 1971, permanece inalterada, apesar da revogação do art. 171 da Constituição de 1988. De acordo com o parecer  o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, conflita com o conceito exarado no inciso I do art. 171 da Constituição Federal, não tendo sido recepcionado, assim como não vislumbrou guarida para a sobrevivência daquele dispositivo legal no art. 190 da Constituição. Tal entendimento encontrou respaldo de parte da doutrina pátria, com nomes consagrados como José Cretella Júnior, Celso Ribeiro Bastos, Estevão Mallet, entre outros.

Ainda segundo o parecer,  a Emenda Constitucional nº 6, de 15 de agosto de 1995, em seu art. 3º, revogou o art. 171 da Constituição, sendo que  essa revogação não tem o condão de repristinar a norma que se entendera revogada. Desse modo, continua revogado o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/71, permanecendo inalterada a conclusão do referido Parecer n° AGU/LA-04/94. Parece que essa linha de raciocínio é a mais correta. Por outro lado, há corrente doutrinária que entende que, como o art. 190 da Constituição Federal não foi revogado pela EC nº 6/95, a qual revogou somente o art. 171 do mesmo diploma legal,  continua guarnecendo a Lei nº 5.709/71, não podendo falar em recepção ou repristinação.

Darcy  Walmor Zibetti, ao comentar o Parecer GQ-181, assim se manifestou,  verbis

         “E, como o art. 171 da CF/88 não foi revogado pela EC nº: 6/95 (que revogou o art. 171 da CF/88), o qual mantém seu manto protetor constitucional sobre a Lei nº 5.709/71, (que define sociedade estrangeira no seu §1º do art. 1º), não há o que se falar  do instituto da recepção e do instituto da repristinação , invocados de forma equivocada pelo douto parecerista da AGU. O equívoco reside nos pressupostos e fundamentos teleológicos, utilizados pelo douto parecerista, na exegese da mens legis, e mens legislatoris da Lei nº5.709/71, do §1º do art. 1º, conjugado com os arts. 171 (revogado, 190 e 5º da CF/88).”

Conclui tal corrente doutrinária que também deve ser observado o princípio da livre concorrência de mercado e o princípio da soberania do Estado, no caso o Brasil.

 CONCLUSÃO

Face à legislação vigente no Brasil, constata-se que somente o estrangeiro com permanência regularizada poderá adquirir imóvel rural, não falando a mesma se se trata de estrangeiro em caráter permanente ou provisório. Justifica-se tal legislação  a defesa da integridade do território nacional, a segurança do Estado.

Verifica-se como requisitos para livre aquisição de imóvel por pessoa física estrangeira que o imóvel a ser adquirido tenha área menor que três MEI; e que o adquirente não tenha outro imóvel rural no Brasil; que o adquirente tenha compromissado a compra, por escritura pública ou instrumento particular registrado no Registro de Imóveis e cadastrado  em seu nome, no Incra, até 10 de março de 1969; que o adquirente tenha filho brasileiro ou seja casado com pessoa brasileira, sob o regime de comunhão universal de bens. Como requisito para aquisição de imóvel maior que três e menor que cinqüenta MEI, ou de um segundo imóvel por pessoa física estrangeira será obrigatória a autorização do Incra. Que no caso de imóvel rural maior que cinqüenta MEI, por pessoa física estrangeira, ou quando os limites de percentagens pertencentes a estrangeiro, no município forem ultrapassados, mister se faz a autorização dada pelo Presidente da República por decreto, obviamente, ouvidos os órgãos competentes, como o Conselho de Defesa Nacional. No arrendamento rural por estrangeiro serão observados os requisitos e limitações impostas pela Lei nº 5.709/71. Na escritura relativa à aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira constará, obrigatoriamente, o documento de identidade do adquirente, prova de sua residência no território nacional e, quando for o caso, a autorização do INCRA.

Na aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira dependerá sempre de autorização do Ministro da Agricultura, mesmo para imóveis com área inferior a três módulos de exploração indefinida. A escritura conterá a transcrição do ato que lhe concedeu na autorização para a aquisição da área rural, dos documentos comprobatórios de sua constituição e da licença para seu funcionamento no Brasil, constando a aprovação pelo Ministério da Agricultura e a autorização do Presidente da República, nos casos previstos no Decreto 74.965/74.

A mesma seriedade dos requisitos de aquisição e uso de imóvel rural por estrangeiro deve ser observado pelo tabelião que lavrar a escritura e o oficial que a transcrever, respondendo civil e criminalmente pelos danos que causarem.

Quanto aos cidadãos portugueses que adquiriram a igualdade de direitos e obrigações civis, podem adquirir livremente imóvel rural, salvo se localizado na faixa de fronteira, onde não só o português, mas todos os estrangeiros devem estar autorizados pelo Conselho de Defesa Nacional.

No que se refere à manutenção da revogação do §1º do art. 1º da Lei nº 5.709/71, mesmo face à revogação do art. 171 da Constituição de 1988, destaca-se a divergência da doutrina pátria e o Parecer AGU/LA- 04/94, cujo reexame pelo parecerista da Advocacia Geral da União manteve o entendimento de tal revogação, não repristinando a norma que se entendera derrogada pela não recepção.

NOTAS

1 Curso de direito constitucional positivo, p. 321. 2 Adriano Erbolato Melo. Imóvel rural. p.05. 3 Item 12.1.1.7, Seção I, Capítulo 12. 4 §2º do art. 7º c/c parágrafo único do art. 10 do Decreto 74.965/74. 5 §2º do art. 7º c/c art. 10 do Decreto 74.965/74. 6 Decreto legislativo n. 82/71. 7 Art. 2º do Decreto n.70.463/72 8 Item 1.7, Seção I, Capítulo 12 9 Art. 1º, §2º c/c art. 7º da Lei n. 5.709/71. 10 Adriano Erbolato Melo, Imóvel Rural, p. 5. 11 Art. 5º, §§ 1º e 2º do Decreto n. 74.965/74. 12 Item 12.1.1.8, Seção 1, Capítulo 12, Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria do Estado de Mato Grosso. 13 Art. 46 do Decreto n. 85.064/80. 14 Art. 3º, Decreto 59.566/66. 15 Aquisição e exploração de imóvel rural por estrangeiro, p. 232.

REFERÊNCIAS

Advocacia Geral da União. Disponível em:<https://sistema.planalto.gov.br/asprevweb/exec/parecerAGU181.cf. Acesso em 06 set. 2007.

BARROSO, Lucas de Abreu, [et al]. O direito agrário na constituição. Lucas de Abreu Barroso, Alcir Gursen de Miranda, Mário Lúcio Quintão Soares, organizadores e colaboradores, Rio de Janeiro: Forense, 2006.

DECRETO Nº 70.436, de 18 de abril de 1972. Brasil. Regulamenta o Decreto Legislativo n. 82/71.

DECRETO Nº 74.965, de 26 de novembro de 1974. Brasil. Regulamenta a lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971.

LEI Nº 4.504, DE 30 de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra.). Brasil.

LEI Nº 5.709, de 7 de outubro de 1971. Brasil. Dispõe sobre a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, e dá outras providências.

LEI Nº 6.634, de 2 de maio de 1979. Brasil. Dispõe sobre a faixa de fronteira.

LEI Nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Brasil. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.

MATOS, Valério. Condição jurídica do estrangeiro no Brasil. Disponível em : 

MELO, Adriano Erbolato. Imóvel rural. IRIB.  Disponível em; SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 10ª ed. ver. São Paulo: Malheiros, 1995.

 

Como citar o texto:

CAMOLESI, Marcos Roberto Haddad.Aquisição e uso de imóvel rural por estrangeiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 251. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-notarial-e-registral/1836/aquisicao-uso-imovel-rural-estrangeiro. Acesso em 30 out. 2007.

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