O ESTADO, essa entidade política abstrata, porém extremamente visível na vida de cada um, é criação política e filosófica moderna, tal e qual o entendemos hoje, surgindo depois do DIREITO. Em que pese a precedência temporal do Direito, os manuais ensinam que este é um conjunto de normas impostas coativamente pelo Estado e, desde os romanos - base de nosso Direito - a ciência do Direito é dividida em dois ramos: Direito Público e Direito Privado, regulando o primeiro ramo as relações jurídicas em que predomina o interesse do Estado. É certo que a delimitação do que seja exclusivamente interesse público e privado nem sempre é fácil de ser mensurada, mas o critério, além de sua longa tradição, é de fácil compreensão, o que justifica sua adoção até hoje. O DIREITO ELEITORAL faz parte do DIREITO PÚBLICO, sendo seu campo de estudo as relações específicas do cidadão com o próprio Estado no tocante ao direito de voto, escolha de candidatos, processamento das eleições, diplomação dos eleitos, enfim, de todo o processo eleitoral, inclusive, da apuração de crimes eleitorais.

O DIREITO ELEITORAL é um dos poucos ramos do DIREITO que, em nosso Estado, dispõe de uma justiça especializada, a JUSTIÇA ELEITORAL.

A JUSTIÇA ELEITORAL foi instaurada em conseqüência dos ideais da REVOLUÇÃO DE 1930, ante a desconfiança dos revolucionários de que o processo eleitoral até então vigente no País era viciado, servindo apenas para manutenção do poder das oligarquias da chamada PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930).

A REVOLUÇÃO DE 1930 foi um movimento político-militar que resultou da união dos políticos e dos tenentes que haviam sido derrotados nas eleições de 1930, que culminou com a renúncia do Presidente WASHINGTON LUÍS e com a ascenção de GETÚLIO VARGAS ao poder no plano federal. Naquela época, os jovens políticos estavam na chamada ALIANÇA LIBERAL que apresentou a chapa GETÚLIO/JOÃO PESSOA, já se sabendo que o vencedor seria o candidato do governo, JÚLIO PRESTES. Estavam na ALIANÇA LIBERAL políticos que se destacariam até a década de 60 na política nacional ou que deixaram herdeiros políticos que até os dias de hoje ainda são referência na vida política tais como Oswaldo Aranha, Flores da Cunha, Lindolfo Collor, João Batista Luzardo, João Neves da Fontoura, Virgílio de Melo Franco, Maurício Cardoso e Francisco Campos. Abertas as urnas, os políticos da ALIANÇA LIBERAL trataram de denunciar fraudes e iniciou-se um movimento para impedir a posse do candidato eleito, porém essa não era a principal bandeira de luta dos componentes da ALIANÇA LIBERAL, pois havia algo mais em debate, já que um grupo pretendia, não apenas contestar o resultado das eleições, mas o próprio sistema social então vigente, destacando-se, neste grupo, JUAREZ TÁVORA, JOÃO ALBERTO e MIGUEL COSTA, destoando-se dos mais conservadores, entre os quais se destacavam Artur Bernardes, Venceslau Brás, Afrânio de Melo Franco, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e João Pessoa. O posicionamento mais radical, entretanto, estava capitaneado pelo ex-lider da COLUNA PRESTES, LUIS CARLOS PRETES, que decidiu não participar da REVOLUÇÃO e lançou um MANIFESTO REVOLUCIONÁRIO, declarando-se socialista. Apesar do apoio popular que ia conquistando seria difícil se imaginar o desfecho dos fatos, se o acaso não tivesse agido através do inimaginável assassinato de JOÃO PESSOA. JOÃO PESSOA, político paraibano, da ala conservadora da ALIANÇA, foi assassinado, em Recife, no dia 26 de julho de 1930, por um desafeto pessoal, porém, desvirtuando os fatos, os revolucionários utilizaram-se do cadáver de JOÃO PESSOA e, percorrendo boa parte do País com seus restos mortais, provocaram tamanha comoção popular e reação nos meios militares, pressionando pela renúncia de W. LUÍS, e, como este não cedeu, acabou sendo deposto no dia 24 de outubro de 1390, com o cerco que se fez ao Palácio da Guanabara. No vácuo do poder presidencial, foi instaurada uma JUNTA PROVISÓRIA DE GOVERNO formada apenas por militares, porém GETÚLIO VARGAS agiu de maneira extremamente habilidosa que conseguiu, ante a força da política gaúcha e do fato de ter sido o candidato derrotado, que a junta lhe entregasse o poder, sacramentando a tomada do poder com a chegada dos gaúchos ao Rio de Janeiro e amarrando seus cavalos no Obelisco da avenida Rio Branco, no centro da Cidade. Era 03 de novembro e chegava ao fim a PRIMEIRA REPÚBLICA, com GETÚLIO VARGAS à frente do GOVERNO PROVISÓRIO. Iniciava-se a tortuosa ERA VARGAS, daí porque até hoje se discute se tal movimento foi de ruptura ou continuidade, o fato, nesta abordagem particular sobre a História da Justiça Eleitoral, é que a REVOLUÇÃO DE 1930 institui o que se pode chamar de primeiro CÓDIGO ELEITORAL do País, através do DECRETO N.º. 21.076, de fevereiro de 1932, embora já na CONSTITUIÇÃO DE 1824 constassem normas eleitorais. Elaborado por uma comissão nomeada pelo então ministro da Justiça MAURÍCIO CARDOSO, o Código Eleitoral de 1932 regulava o alistamento dos eleitores e trazia como importantes inovações a instituição do voto feminino e do voto secreto. Além disso, estabelecia a criação da Justiça Eleitoral, retirando do Poder Legislativo o controle sobre seu próprio processo de renovação. Com o surgimento da Justiça Eleitoral, eliminava-se o mecanismo da degola pelo qual os candidatos oposicionistas eleitos para as casas legislativas do país muitas vezes tinham o reconhecimento de sua eleição negado pelos membros da legislatura anterior. Outra conseqüência do estabelecimento da Justiça Eleitoral foi a criação, em maio de 1932, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

São Bento do Una, 19/05/2004

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Como citar o texto:

ANGELIM, Augusto N. Sampaio..Justiça Eleitoral: passado e futuro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 1, nº 77. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-eleitoral/257/justica-eleitoral-passado-futuro. Acesso em 20 mai. 2004.

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