Muitos de nós já usamos ou ouvimos falar a expressão: achado não é roubado. Mas, essa simples expressão traz, na sua essência, vícios e erros jurídicos, além de tentar justificar um crime, não o de roubo, mas, sim, o de apropriação de coisa achada.

Para ilustrar, eis o fato: um belo dia alguém pode achar um objeto de alheio, um livro por exemplo, e pensar que aquele dia foi de sorte, pois adquiriu um

objeto que, possivelmente, lhe será útil, de relevado valor econômico e nem precisou pagar nada. Além do mais achado não é roubado. Certo? Errado.

O Código Civil, na norma do art. 1.233 e seguintes, frustra aquele que encontrar coisa de outrem, porque dela não poderá se apropriar, pois estaria contrariando a lei. O referido Código nos informa: aquele que achar coisa alheia deve devolvê-la ao dono ou ao legítimo possuidor. Na falta desses, a coisa deve ser entregue à autoridade competente.

Isto não é novidade no direito civil brasileiro, porque o mesmo tema já era tratado no Código Civil de 1916, nos arts. 603 e seguintes. Sendo assim, achar coisa e não devolver nunca foi aceito como lícito no direito contemporâneo pátrio.

E para aqueles que se utilizam do desconhecimento como desculpa é só se reporta ao art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil : Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Desta forma, achar objeto alheio perdido e não conhecendo o proprietário, deverá entregar a

autoridade judiciária ou policial competente. Essa, por sua vez, lavrará o Auto Arrecadação como o objetivo de individualizar a coisa e, após, encaminhará ao juízo competente, que mandará publicar edital para que o dono ou possuidor legítimo a reclame, conforme prevê o Código de Processo Civil, em seu art. 1.170.

Mas nem tudo é motivo de tristeza para o "sortudo", que encontrou coisa alheia perdida.

Após a divulgação do edital podem ocorrer duas situações distintas: a primeira, e menos provável, o proprietário da coisa aparecer. Nessa hipótese, deverá provar que é o dono da coisa. Levadas as provas até o conhecimento do Juiz, esse ouvirá o Ministério Público e a Fazenda Pública, e, convencido da titularidade mandará entregar a coisa ao descuidado proprietário.

Há possibilidade, também, de recompensa àquele que achou a res (coisa) perdida. O valor da indenização não poderá ser inferior a 5% do valor do bem. Poderá

este valor ser acrescido pelas perdas e danos causados pela conservação da coisa e, ainda, pelos gastos despendidos pelo descobridor, no esforço realizado para descobrir o real dono do bem encontrado.

A segunda opção, e mais provável de acontecer, é o proprietário do objeto, após o prazo decadencial de 60 dias da publicação do edital, não reclamar da ausência do bem. Se ocorrer referida possibilidade, a coisa será avaliada e alienada em hasta pública ("leilão"). Caso aconteça a venda do bem, serão deduzidas as despesas, inclusive com a indenização daquele que achou o bem, e o restante revertido em favor do Município da circunscrição, local em que o objeto perdido foi encontrado. Não havendo a venda do bem em hasta pública aquele que encontrou a res poderá pedir sua adjudicação, ou seja, a propriedade do bem.

No âmbito penal, quem encontrar coisa alheia perdida e não a restituir ou não entregar à autoridade competente, no prazo máximo de 15 dias, cometerá o

crime tipificado no art. 169, II, do Código Penal Brasileiro, tendo como pena de detenção de 1 mês a 1 ano, ou multa. Para a consumação do crime, pouco importa aquele prazo estipulado, basta aquele que achou a coisa perdida comportar como se proprietário fosse, do objeto.

Mas, se a coisa alheia for de relevado valor econômico e não houver a restituição, não se preocupem, pois será difícil ter sua liberdade cerceada em decorrência do crime. Isso devido a Lei 9.099/95, que regulamenta o Juizado Especial Criminal.

Por essa Lei, aquele que comete ilícito penal de menor potencial ofensivo, como o crime em análise, e se compromete a comparecer no Juizado Especial no dia e hora pré-fixados não poderá ser preso em flagrante e, muito menos, se exigir fiança, conforme prevê a norma do art. 69, parágrafo único. Além do mais, por tratar-se de ação penal pública incondicionada e, em obediência ao artigo 76 da Lei do Juizado Especial, o "autor do fato" poderá fazer acordo com o Estado, através do Ministério Público, o qual poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direito ou multa. Ou seja, prestação de serviços à comunidade ou o pagamento de alimentos não perecíveis a alguma instituição de caridade.

Com isso, ao encontrar coisa de relevante valor econômico, que não seja de sua propriedade, e não tendo notícia do verdadeiro dono, o mais prudente é levar o objeto à autoridade competente. A uma delegacia, por exemplo, para que sejam tomadas as devidas providências. Caso contrário, cometerá crime previsto no Código Penal Brasileiro.

Sendo assim, a popular frase "achado não é roubado", ficaria corretamente se dita "achado, não encontrado o dono da coisa pelas vias legais, e adjudicado não é furtado", pois se é achado, entenda-se que não houve grave ameaça à pessoa, por isso, não se pode referir a roubo.

 

Belo Horizonte, 25 de agosto de 2005

Renato Braga Bicalho.

rebbicalho@ig.com.br

(31) 91985664

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia:

VENOSA, Silvo de Salvo, Direito Civil, 3ª ed., volumes II e III, editora Atlas, 2003, São Paulo

DELMANTO, Celso, Código Penal Comentado, 3ª ed, editora Renovar, 1997, Rio de Janeiro.

JÚNIOR, Humberto Teodoro, Curso de Direito Processual Civil, volume I, 41ª edição, editora Forence, Rio de Janeiro, 2004

JÚNIOR, Humberto Teodoro, Curso de Direito Processual Civil, volume II , 41ª edição, editora Forence, Rio de Janeiro, 2004

 

Como citar o texto:

BICALHO, Renato Braga..É verdade que achado não é roubado?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 142. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/trabalhos-academicos/766/e-verdade-achado-nao-roubado. Acesso em 7 set. 2005.

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