1. Introdução

Atualmente, não há quem possa negar que a proteção aos direitos autorais possui grande relevância em nosso ordenamento jurídico.

A corroborar tal assertiva, há de se observar que a própria Constituição Federal de 1988 houve por bem versar sobre este tema no título “Dos direitos e garantias fundamentais”, em seu artigo 5.º, XXVII, protegendo o chamado direito imaterial.

O assunto é tratado também pelo Código Penal brasileiro em seu art. 184 e §§, que será melhor analisado a contento.

2. Breves considerações acerca da origem do instituto e sua evolução histórica no Brasil

Há quem afirmou, como é o caso de Vittorio Scialoja[1], que o direto romano já tratava do direito autoral (pelo caráter moral que esse tema possui) quando defendia os interesses da personalidade intelectual, mediante a actio iniurarum.

É que os jurisconsultos romanos não aceitavam a idéia de que um autor pudesse reclamar a propriedade dos produtos “intelectuais” que criava.

De acordo com o professor Paulo José da Costa Jr.[2], “O direito autoral, como direito subjetivo, remonta a menos de três séculos. Com a invenção da imprensa no século XV, os livreiros buscaram determinados privilégios, junto ao príncipe, para eliminar a concorrência de outros editores. O primeiro estatuto de que se tem notícia é o English Copyright Act of Queen Anna, de 10 de abril de 1710. Depois, surgiram os copyrights dos Estados norte-americanos de Connecticut, Massachussetts e Maryland. A seguir, com a Revolução Francesa, de 1989, forma promulgadas as leis da Constituinte, de 1791, e as da Convenção subseqüente, onde se vislumbrou pela primeira vez o moderno direito autoral”.

A proteção aos direitos autorais, conforme visto, começara a ganhar força, efetivamente, com a invenção da imprensa no século XV.

Após esse período inúmeras leis e decretos regulamentaram, cada qual ao seu modo, o tema em apreço. Hoje, a Lei n.º 9.610, de 19/02/98 regula a matéria.

3. Conceito

A propriedade intelectual engloba tudo aquilo que se oriunda da inteligência humana, independentemente dos escopos por ela visados (artístico, empresarial, educacional etc.), excluindo-se, por óbvio, os de caráter imoral, bem como os que contrariam os interesses coletivos.

O direito autoral, segundo Julio Fabbrini Mirabete[3] “pode ser conceituado como sendo os direitos que o criador detém sobre sua obra, fruto de sua criação, e os que lhe são conexos (...) Direitos conexos ao direito de autor são os direitos dos artistas, intérpretes, ou executantes da obra literária ou artística, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão”.

O crime de violação de direito autoral encontra-se definido no art. 184, caput, do Código Penal, verbis:

“Violar direito de autor e os que lhe são conexos:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.”

Trata-se, como se pode observar, de norma penal em branco, pois é o Direito Civil que conceitua o direito autoral por meio da Lei n.º 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais).

4. Objetividade jurídica e seus aspectos penais

É a proteção do direito autoral.

O núcleo do tipo é violar, ou seja, infringir, transgredir, divulgar abusivamente etc.

A violação do direito autoral dá-se com a publicação ou reprodução abusiva (denominada contrafação e plágio, respectivamente).

Deste modo, não há que se falar em violação aos direitos do autor quando ocorre a reprodução, em periódicos, por exemplo, a citação em revistas, jornais ou livros, com objetivos de estudo e nas demais hipóteses previstas nos arts. 46 a 48 da Lei dos Direitos Autorais.

O crime é qualificado pelo meio de execução, nos termos do § 1.º do art. 184 do Código Penal, ipsis verbis:

§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

            Para que se configure a hipótese desse parágrafo, necessário se torna, conforme expresso, que o sujeito pratique a conduta descrita para fins de comércio, de modo que se a reprodução se realizar e o agente não tenha o intuito de lucro, o fato é atípico.

Por sua vez, o § 2.º, do artigo em comento, prevê de forma alternativa vários núcleos, tais como vender, ocultar, trocar etc., e exige, também, o elemento subjetivo do injusto, isto é, o dolo específico, que, nesse caso, se traduz no intuito de lucro, sendo certo, portanto, que sem tal finalidade a conduta será atípica.

Confira-se o teor do dispositivo:

§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

São incriminadas, destarte, condutas posteriores que tenham por objeto original, cópia produzida ou reproduzida sem autorização dos titulares dos direitos de autor e conexos.

  O § 3.º está redigido da seguinte forma:

§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Como se pode perceber, o objetivo do legislador, em face das grandes mudanças tecnológicas do mundo moderno foi o de ampliar a proteção do direito autoral e dos conexos, contra sua crescente violação.

Da mesma forma do previsto nos §§ anteriores, para a configuração desse delito é de se exigir o intuito lucrativo do agente.

A Lei n.º 10.695/03, além da alterações que fez nos parágrafos 1.º, 2.º e 3.º, acrescentou o § 4.º ao art. 184, assim disposto:  

§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. (Incluído pela Lei nº 10.695,  e 1º.7.2003)

Coadunando com o magistério do professor Mirabete[4] entendemos que a presente regra é, a rigor, desnecessária, tendo em vista que se há exceção ou limitação legal ao direito do autor não ocorre a sua violação, sendo, ademais, o fim do lucro expressamente previsto nos parágrafos anteriores como elemento do tipo penal.

5. Sujeito ativo

Por se tratar de crime comum, a violação ao direito autoral pode ser praticada por qualquer pessoa, sendo possível a co-autoria e a participação, como por exemplo, o editor do livro plagiado.

6. Sujeito passivo

Segundo o professor Damásio E. de Jesus[5], “Sujeito passivo é o autor ou o terceiro titular do direito autoral sobre a obra intelectual. Os direitos do autor podem ser total ou parcialmente cedidos a terceiros. Se a transmissão é total, nela se compreendem todos os direitos do autor, salvo os de natureza moral (Lei n.º 9.610/98, art. 49, I). Portanto, sujeito passivo é o titular do direito violado com a conduta criminosa, podendo ser o autor ou terceiros”.

A pessoa jurídica de direito privado ou de direito público também podem ser titular dos direitos autorais de outrem, desde que tais direitos estejam previstos em contrato, ocasião em que tais entes poderão ser sujeitos passivos do crime em tela.

Vale lembrar que, na ausência do autor da obra, os sujeitos passivos serão os herdeiros ou sucessores.

Para a proteção de seus direitos, ao autor da obra intelectual é conveniente registrá-la, conforme o caso, na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Cinema, entre outros.

Podem ainda ser sujeitos passivos os artistas interpretes (atores, cantores, músicos etc.) quando se tratar de violação de direitos conexos com os do autor.

7. Consumação e tentativa

A consumação varia conforme a modalidade em que a conduta é praticada. A tentativa é possível em qualquer das hipóteses, pois trata-se de crime plurissubsistente.

8. Da ação penal cabível

Para a espécie de ação penal a ser utilizada, conforme o caso, devem ser observadas a regras delineadas no art. 186 do Código Penal, in litteris

Art. 186. Procede-se mediante: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

I - queixa, nos crimes previstos no caput do art. 184; (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

II - ação penal pública incondicionada, nos crimes previstos nos §§ 1o e 2o do art. 184; (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

III - ação penal pública incondicionada, nos crimes cometidos em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público; (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

IV - ação penal pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3o do art. 184. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

9. Conclusão

Diante de todo o exposto, é de se concluir que a reprodução/utilização de obra intelectual está condicionada, salvo as exceções legais, à autorização de seus autores, pois, ao contrário, estará o agente sujeito a incorrer nas penas acima estudadas, sem prejuízo das responsabilidades de âmbito civil.

BIBLIOGRAFIA

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 3ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 1999.

COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal – ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 2002.

JESUS, Damásio E. de. Direito penal – 25.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – 22.ª ed. – São Paulo: Atlas, 2004. 

SCIALOJA, Discorso nell’ultima seduta plenaria della conferenza diplomatica di Roma del 1928 per la revisione della convenzione di Berna, Actes de la conférence, Berna, 1929.

Notas:

[1] Scialoja, Discorso nell’ultima seduta plenaria della conferenza diplomatica di Roma del 1928 per la revisione della convenzione di Berna, Actes de la conférence, Berna, 1929, p. 316.

[2] Costa Júnior, Paulo José da. Comentários ao Código Penal – ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 628.

[3]  Mirabete, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – 22.ª ed. – São Paulo: Atlas, 2004,  p. 374. 

[4] Manual. Ob. Cit. p. 377.

[5] Jesus, Damásio. Direito penal – 25.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002,  p. 08.

(Elaborado em novembro/2005)

 

Como citar o texto:

RAMOS, William Junqueira..Dos crimes contra a propriedade intelectual. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 152. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-autorais/880/dos-crimes-contra-propriedade-intelectual. Acesso em 14 nov. 2005.

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