O presente artigo tem por objetivo, trazer uma ressignificação sobre o conceito de subordinação jurídica, com o intuito de compreender suas ramificações de modo abrangente, utilizando para tanto a metodologia de revisão bibliográfica acerca do tema. No início as relações trabalhistas, dentro do conceito de subordinação, eram bem rígidas, um espaço de mando onde o empregador ordenava de forma objetiva, com base em disciplina. Para o sucesso deste mando exigia-se uma vigilância constante e direta em relação a produção do trabalhador. Com as mudanças nestas relações, advindas dos novos modos de produção, de relacionamento e principalmente com a presença do teletrabalhador, que atua em atividades desempenhadas fora da sede da empresa, este conceito foi expandido, tratando de abarcar as novas competências, advindas dos muitos agentes econômicos coordenados pela unidade produtiva como, por exemplo, aqueles que sujeitam o trabalhador à subordinação estrutural e mais recentemente a subordinação integrativa. O redimensionamento do conceito enseja uma reflexão da importação para legislação pátria de uma terceira categoria dos parassubordinados, criado pelo Direito Italiano como solução do enfrentamento da problemática resultante da separação da concepção espaço-temporal no teletrabalho. Palavras-chave: Teletrabalho; subordinação jurídica; Tempo.

Sumário: Introdução. 1. Contextualização Histórica das Relações de Trabalho. 2. Elemento fático-jurídico da subordinação 3.Tratamento jurídico do teletrabalho no ordenamento brasileiro.Conclusão.Referências Bibliográficas

Introdução

O presente trabalho tem como relevância teórica, a ampliação de conhecimento intelectual sobre a repercussão social e jurídica a respeito do conceito de subordinação e seus redimensionamentos com a evolução do Direito do Trabalho e da sociedade. O estudo busca analisar o momento atual da denominada “crise da subordinação” a partir do desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação que interferem na reestruturação produtiva do capitalismo atual e no surgimento das novas formas de organização de trabalho, em especial os teletrabalhadores, compreendendo as novas dinâmicas e proporcionar um debate sobre o tema. Para tanto utilizará a metodologia de pesquisa bibliográfica, a partir de uma revisão da literatura existente sobre o assunto, no intuito de construção de uma contextualização para a justificativa do artigo e a análise das possibilidades para a concepção do escopo teórico da pesquisa.

O teletrabalho é um desdobramento derivado do trabalho domiciliar dos artesãos na época da Revolução Industrial, que ecloudiu com a  Revolução Tecnológica, nos meados do século XX, dando início a uma novo paradigma de sociedade pautada na informação e continua a ser incentivado na pós-modernidade. No atual panorama de pandemia do Coronavírus (Covid-19), declarada pela OMS, foi também  estratégia adotada pelas empresas para garantir o funcionamento da atividade econômica, minimizando os danos financeiros e riscos à saúde dos trabalhadores. O teletrabalho consiste em um trabalho atípico e flexível, no qual há a quebra da concepção tradicional das delimitações de tempo e horário de trabalho. Ao mesmo tempo que o trabalhador tem autonomia para gerir o tempo, paradoxalmente, tem que atender a demanda de trabalho sem restrição de horário  ou disponibilidade. A subordinação é medida pelo controle do tempo e espaço do trabalho, os quais são fluídos no caso dos teletrabalhadores. Neste sentido, este artigo busca colocar o teletrabalhador em uma nova categoria de subordinação jurídica atendendo as especificações deste tipo de atividade e baseado em autores que se debruçaram sobre o tema.

A partir do breve panorama histórico, conceituação e análise da legislação brasileira, a questão a ser analisada é o enquadramento do teletrabalhador em uma terceira categoria (parassubordinados) que abarque toda a complexidade da mitigação da subordinação, tendo em vista que transita entre um trabalho autônomo e subordinado.

 

1 Breve Contextualização Histórica das Relações de Trabalho 

As relações de trabalho sofreram modificações durante a história relacionadas às tecnologias introduzidas nos modos de produção capitalista e nos processos de trabalho. A heterodireção e a disciplina, como modelos rígidos de controle, presentes no modelo taylorista e fordista, revelavam o modelo clássico de subordinação de uma relação de emprego. Com a robotização introduzida no modelo Toyotismo, as formas de organização do trabalho se tornaram mais flexíveis, como, por exemplo com a terceirização de serviços.

O teletrabalho foi desenvolvido com a inserção de novas tecnologias de informação e comunicação, dos primeiros computadores e internet que culminaram na Revolução Tecnológica, que deu base para a sociedade da informação (MACEDO; XEREZ, 2016). O advento da sociedade da informação rompeu com o paradigma tradicional de espaço-temporal das relações de trabalho (Castells, 2013, p. 420 ). Para Castells, a desterritorialização muda a antiga concepção de espaço como suporte material de práticas sociais de tempo compartilhado é substituído por espaços de fluxo, pois a sociedade pós-moderna é constituída com base em fluxos (de capital, informação e tecnologia). De acordo com o autor, os fluxos são “as sequências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econômica, política e simbólica da sociedade”. (Castells, 2013, p. 436-437, ênfase da autora). Em outras palavras, no entender de Castells, o espaço dos fluxos sobrepuja e modela a nova organização social contemporânea, a da sociedade em rede.

Há uma fragmentação da concepção de tempo e espaço da jornada de trabalho no caso dos teletrabalhadores. Essas transformações sócio-econômicas, políticas e culturais tornaram as relações de trabalho mais precárias, fluídas e atípicas. Nesse sentido, o tempo é uma construção histórico-social convencionada pela sociedade, de cunho subjetivo (experiência do sujeito), que serve de regulador, utilizado pelo modo de produção capitalista para controlar a conduta do indivíduo e gerar uma dimensão de uso e de troca (FARIA; RAMOS, 2014, p. 64).

Tanto as empresas quanto os trabalhadores estão gradativamente modificando a forma de executar e controlar as tarefas, além de aperfeiçoar as estratégias de gestão e mensuração do tempo de trabalho. Outras alterações significativas podem ser observadas no ritmo de vida dos trabalhadores, estreitando os limites da vida privada versus pública e gerando um trabalho invisível. O controle espaço-temporal é um modo de manifestação do poder diretivo do empregador, de modo que a fragmentação propicia a uma crise do modelo clássico de subordinação. 

O fenômeno da flexibilização e a globalização do trabalho também refletiram em aspectos jurídicos com a edição de uma legislação mais flexível, repercutindo nas decisões dos Tribunais Trabalhistas do Brasil sobre a matéria relativa à jornada dos tetrabalhadores.

 

2 Elemento fático-jurídico da subordinação

A relação de trabalho é gênero que abarca as modalidades de prestação de labor humano com base na obrigação de fazer, tais como: o trabalho subordinado, o trabalho eventual, o trabalho autônomo, o trabalho avulso, o estágio, trabalho voluntário, entre outros (DELGADO, 2019, p. 333). De acordo com o autor, a relação de emprego é espécie deste gênero.

Quanto à natureza jurídica da relação de trabalho, a questão exige a análise casuística do conteúdo presente no vínculo obrigacional do contrato à luz do princípio da primazia da realidade, podendo ser atribuída à natureza comercial, civil ou trabalhista (CAVALCANTE; NETO, 2018, p. 35). Este diálogo entre os autores permite pontuar que à natureza jurídica da relação trabalhista está sujeita a um contrato social firmado entre as partes, as quais estabelecem os pontos que devem ser cumpridos nos modos de produção e repercutem nas consequências da quebra deste contrato.

Delgado (2019, p.337-346) considera ainda que a relação de emprego identifica-se por cinco elementos fáticos-jurídicos: 1) prestação de serviço por pessoa física a um tomador (não pode ser pessoa jurídica); 2) pessoalidade ( intuitu personae, isto é, infungível, não podendo ser substituído por outrem na concretização de serviços compactuados); 3) não eventualidade (permanente, não esporádico); 4) subordinação (ou dependência); e 5) onerosidade (tem contrapartida pecuniária). Esses elementos estão consubstanciados na conjunção do artigo 2º, caput, “considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço” e artigo 3º da CLT: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Esta diferenciação trazida tanto pela CLT e na ênfase do autor, entre quem contrata e aquele que é contratado é importante para que se compreenda de que modo estes entes estão ligados e se separam na letra legislativa e como as interpretações a respeito das responsabilidades de um e obrigações de outro e vice-versa se conectam e convergem.

Segundo Hernandez (2011, p. 56 Apud Sérgio Pinto Martins), a natureza jurídica do contrato prestado no teletrabalho depende da averiguação do liame existente entre a empresa e o teletrabalhador, além nível de alcance do poder diretivo do empregador, podendo ser trabalho autônomo ou subordinado. 

Assim, o pressuposto fático-jurídico que distingue o trabalho subordinado (modelo tradicional) em relação ao trabalho autônomo (novas formas de contratação no mundo contemporâneo) é a subordinação. Delgado (2019, p. 337-338) menciona que a palavra subordinação vem da noção etimológica ordenar ou comandar, representando um estado de sujeição de uma parte ao poder (ordens) de terceiro. 

Para entender a situação jurídica do teletrabalho, é importante a compreensão ampla do conceito de subordinação. A natureza jurídica subordinação comporta posições doutrinárias da noção de dependência previsto no art. 3º da CLT: a) jurídica; b) econômica; c) técnica. A subordinação jurídica (ou hierárquica) é a mais aceita, decorrente da lei, caracterizando-se pelo estado de sujeito do empregado ao dever de obediência ou dependência das ordens diretas e instruções do empregado (DELGADO, 2019, p. 350-353). O contrato representa um comprometimento do empregado em se sujeitar ao poder de direção da empresa no atinente ao modo, ordem, critérios técnicos e econômicos de realização da prestação de serviço (viés objetivo). O poder na empresa é multidimensional, sendo expresso pela subordinação e poder diretivo do empregado, os quais são facetas da mesma moeda (PORTO, 2009, p. 41). Esse era o modelo clássico utilizado nas sociedades industriais, no qual o empregado trabalhava nas fábricas, sob a direção do empregador que dava ordens e vigiava, sob pena de punição. Era um modelo marcado pela disciplina e organização hierárquica rígida. 

Para o entendimento do alcance do conceito de subordinação na relação entre as partes é imprescindível compreender os poderes do empregador, já que a subordinação jurídica pode ser entendida como a sujeição do empregado aos poderes do empregador. Nesse sentido, o poder de direção do empregador que recai sob a atividade do contrato de trabalho (subordinação objetiva) e não sob a pessoa do empregado (subordinação subjetiva), contendo os seguintes feixes de ações: previsão, coordenação, organização, comando e controle.

No viés da dependência econômica, o trabalho é o único ou principal meio de subsistência, portanto o empregador que faz o pagamento do salário é responsável pela subsistência do trabalhador (HERNANDEZ, 2011, p. 58).

Já o aspecto da dependência técnica está concentrada na ideia de que o empregador tem superioridade técnica, pois este é o detentor dos instrumentos e domina o processo de produção em que se insere o empregado (DELGADO, 2019, p. 350-353).

Alvarenga (2017, p. 50) pontua que a subordinação econômica e técnica servem somente de “indícios” da relação empregatícia, mas não fator determinante. Já a subordinação jurídica é traço que distingue o emprego das formas de trabalho anteriores (a escravidão e a servidão).

A concepção clássica de subordinação não comportava as novas formas de relações de trabalho cada vez mais intelectuais. Assim, os magistrados aplicavam a teoria do “conjunto dos indícios qualificadores” (PORTO, 2009, p. 48), isto é, valoravam no caso concreto a existência de feixes de indícios de forma global (remuneração, organização do trabalho, horários, propriedade dos modos de produção etc.).

Alvarenga (2017, p. 49) afirma que a relação de subordinação jurídica se torna mais tênue quanto maior o grau de escolaridade do trabalhador e mais qualificado. Isso significa dizer que o trabalhador cujas funções estão mais próximas do trabalho braçal, ou que não exigem um conhecimento intelectual especializado sofre uma subordinação mais rígida, muito próxima aquelas que eram relatadas no passado.Para Machado (2003) “a subordinação jurídica representa condição necessária para a definição do contrato de trabalho e critério lógico-dedutivo para reconhecimento da relação de emprego”.

Em suma, é pacífico que essas duas últimas vertentes já estão superadas, tendo em vista que nas denominadas no capitalismo flexível e Era da Informação, o empregador contrata o empregado muitas vezes para ter acesso a conhecimentos específicos. Da mesma forma, o critério econômico é insuficiente para mediar a proporção do poder diretivo do empregador.

Assim, a evolução das formas de trabalho levou a necessidade de adequação do conceito tradicional de subordinação. No intuito de contribuir com este debate, Delgado (2019, p. 352-353) destaca três dimensões para a subordinação: a clássica, a objetiva e a estrutural (ou integrativa).  

Na clássica (tradicional), dos primórdios do modelo taylorista e fordista, “o trabalhador compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no tocante no modo de realização da sua prestação laborativa” (DELGADO, 2019, p. 352-353). Nesse sentido, o acórdão proferido pelo Tribunal Regional da 3ª Região que explicita os conceitos de forma didática:

“Ementa: Subordinação Jurídica Dimensões Pertinentes (Clássica, Objetiva e Estrutural) –  a subordinação jurídica, elemento cardeal da relação de emprego, pode se manifestar em qualquer das seguintes dimensões: a clássica, por meio da intensidade de ordens do tomador de serviços sobre a pessoa física que os presta; a objetiva, pela correspondência dos serviços deste aos objetivos perseguidos pelo tomador (harmonização do trabalho do obreiro aos fins do empreendimento); a estrutural, mediante a integração do trabalhador à dinâmica organizativa e operacional do tomador de serviços, incorporando e se submetendo à sua cultura corporativa dominante. Atendida qualquer destas dimensões da subordinação, configura-se este elemento individuado pela ordem jurídica trabalhista” (art. 3o., caput CLT).[1] (grifos nossos)

Na subordinação objetiva, difundida na doutrina brasileira por Paulo Emilio Ribeiro de Vilhena e Arion Sayão Romita, o trabalhador está integrado aos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviço (DELGADO, 2019, p. 352-353). A atividade do trabalhador é fundamental para consecução dos objetivos empresariais, tais como econômicos, técnicos, operacionais ou administrativos, em um sinal de dependência recíproca (PORTO, 2009, p. 69). Na subordinação objetiva, há uma relação de coordenação ou de participação integrativa ou colaborativa no trabalhador no ciclo produtivo da empresa, de modo que a subordinação-controle (clássica) deve ser substituída pela visão ampliada de subordinação-integração ou objetiva (PORTO, 2009, p. 68-71).

Bastos (2017, p. 128, Apud VILHENA) também explica que “a dimensão objetiva da subordinação tem em conta a inserção da atividade do prestador na atividade da empresa, resultando em um estado de mútua dependência”, isto é, trata-se de uma subordinação-integrante. Assim, a atividade do empregado é importante para concretização dos objetivos da empresa em aspectos econômicos, técnicos, operacionais ou administrativos.

Na subordinação estrutural, o trabalhador está inserido na organização e dinâmica operativa da atividade do tomador de serviço, independente de receber ou não suas ordens e de realizar os objetivos do empreendimento (Delgado, 2019, p. 352-353), desde que dentro da estrutura da dinâmica da organização e funcionamento da empresa. Há a ampliação da extensão da subordinação objetiva para contornar os efeitos das terceirizações. 

Segundo Delgado (2019, p. 354), os profissionais que exercem trabalho a distância estão submetidos à subordinação objetiva e estrutural, pois considera que as dimensões não são excludentes, mas complementares. Ocorre que Porto (2009, p.251-253) evoluiu o conceito da subordinação objetiva e estrutural para integrativa, inspirado pela doutrina de Rolf Wank e de Piergiovani Alleva e a noção espanhola de alienação, em suas diversas dimensões.

Nessa linha de raciocínio, a subordinação estrutural pode ser caracterizada tanto nas atividades-fim nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços, como nas atividades-meio (atividades periféricas, mas nem por isso deixam de integrar a dinâmica empresarial) inseridas no quadro das necessidades normais da empresa, sendo relevantes para que esta alcance os seus fins (PORTO, 2009, p.251). 

A subordinação integrativa é aquela que se manifesta pela participação integrativa do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviços, sendo considerada “uma forma de conduta instrumental voltada para um procedimento produtivo” (ALVARENGA, 2017, p. 50 Apud VILHENA)   

Bastos (2017, p. 134) entende que o conceito de subordinação estrutural recebe uma ampliação dos vínculos de atributividade do capital e trabalho com o conceito de subordinação integrativa trazido por Lorena Vasconcelhos Porto e, depois, do instituto da parassubordinação introduzido por Otávio Pinto e Silva.

O novo modelo capitalista de acumulação flexível (Toyotismo) exigiu uma redefinição do perfil do trabalhador, que passou receber mais autonomia na atuação profissional. Com isso, houve a mitigação do poder diretivo do empregador, surgindo a teoria da parassubordinação: “relações pessoais de colaboração continuada e coordenada, em que a direção dos serviços está presente de modo difuso e pontual” (MARTINEZ, 2019).

Segundo Porto (2009, p. 119), foi Guiseppe Santoro-Passarelli, na sua obra “Il lavoro parasubordinato”, em 1979, que instituiu essa categoria especial ao constatar a existência de desequilíbrio contratual entre as partes. Os parassubordinados, instituto criado na Itália, eram considerados um terceiro gênero, mas, com a reforma legislativa de 1973, passou a ter natureza de trabalhador autônomo com alguns direitos trabalhistas que são menos extensos em relação aos garantidos aos empregados.

Essa nova categoria de trabalhadores que na realidade fática não são subordinados, mas são equiparados juridicamente, em razão de depender economicamente do tomador de serviços (hipossuficientes), razão pela qual a legislação concede alguns direitos trabalhistas e previdenciários típicos da relação empregatícia (PORTO, 2009, p. 102). Há uma redução do conceito clássico de subordinação na medida em que a nova categoria é privada de alguns direitos e garantias. É o fenômeno da dependência na autonomia.

A Lei nº. 533 de 11 de agosto de 1973 alterou o artigo 409, nº. 3 do “Codice de Procedura Civile” (Código de Processo Civil),  prevendo que o parassubordinado refere-se ao “ trabalho prestado com autonomia, continuidade e pessoalmente, mas a sua organização é coordenada com algum tipo de poder de controle a cargo do tomador de serviços” (HERNANDEZ, 2011, p. 61). Em resumo, as principais características são a autonomia, continuidade e prevalência da pessoalidade, além da presença de coordenação, e não de subordinação. Dessa forma, destacam-se os seguintes elementos: trabalhadores prestam serviço de forma prevalecente pessoal, habitual e direta a pessoa física ou jurídica (tomador de serviços); b) mediante retribuição pecuniária; c) sem colaboradores, nem subcontratação; d) prestação de serviço predominantemente a um tomador de serviços a ponto de gerar uma dependência econômica; e) situação de hipossuficiência; f) condições de prestação de serviço e direção impostas pelo tomador de serviços, assumindo o risco do negócio; e g) uso de infraestrutura produtiva e material próprio.

A ausência da heterodireção forte e constante sujeição do trabalhador a ordens patronais constantes e específicas, acerca dos diversos aspectos da prestação laborativa e a presença de hipossuficiência na relação parassubordinada não é justificante válida como razão objetiva suficiente para afastar o tratamento legal dado para trabalhadores subordinados, pois viola princípio da isonomia e retrocesso das condições sociojurídicas do trabalhador (PORTO, 2009 p. 130)

Bastos (2017, p. 138) destaca que a acepção clássica de poder diretivo é alterada em relação ao modo, tempo e lugar da atividade, sendo a autonomia no sentido de coordenação. Desse modo, a continuidade deve ser analisada como “a estabilidade, a não eventualidade e a reiteração o tempo de prestação” (Bastos, 2017, p. 138), o que não necessariamente corresponde a repetição ininterrupta, mas segue um critério de duração razoável. A prevalência de pessoalidade (não exclusividade) remete a imprescindibilidade da presença do trabalhador na prestação do serviço.

Assim, o parassubordinado é a prestação de serviços por um trabalhador autônomo de forma contínua e que persegue um resultado, havendo ações negociadas, cooperativas e coordenadas entre o obreiro e a empresa para estipulação do modo, tempo e lugar da prestação de serviços (BASTOS, 2017, p. 138-139). Na Espanha, essa categoria é considerada do trabalhador autônomo dependente do ponto de vista econômico, ressalvando de tutela legal diferenciada. A Itália inovou ao estabelecer um critério legal para enquadramento do trabalhador dependente economicamente - exige-se que 75% de seus rendimentos sejam oriundos de uma empresa (BASTOS, 2017, p. 138-139).

A insuficiência do critério binômico subordinação-autonomia gera uma análise da dimensão subordinação-autonomia-parassubordinação, como um redimensionamento do Direito do Trabalho, isto é, uma releitura do conceito tradicional para adaptar as mudanças da realidade, de forma estática e personalizada a situação jurídica de cada indivíduo, mas sem descartar todo conhecimento jurídico. O conceito é uma análise de elementos mais externos do que internos.

Porto (2009, p. 126-127) defende que os parassubordinados somente têm assegurados os direitos previstos em lei, salvo peculiaridades do caso concreto.

Os parassubordinados podem representar uma redução do conceito de subordinação, o que exclui do campo de incidência do Direito do Trabalho uma categoria de trabalhadores em situação de hipossuficiência (PORTO, 2009, p.104). O manto ampliativo e protetor é mera aparência. Na verdade, o instituto é desregulamentador e restritivo à medida que concede alguns direitos trabalhistas e previdenciários, mas resulta em uma forma de fuga de aplicação do Direito do Trabalho e incentivando o uso crescente pelas empresas de uma mão-de-obra mais barata. 

Essa categoria tem várias denominações: parassubordinados, quase-subordinados, autônomos dependentes, autônomos economicamente dependentes, semiautonômos, semi dependentes, novos autônomos, autônomos de segunda geração, autônomos de nova geração, autônomos aparentes. Um dos problemas dessa categoria é a falta de organização coletiva por meio de sindicatos e associações de empregados, pois são formados por uma massa heterogênea de trabalhadores em vínculo associativo e com baixa representatividade nas empresas. (porto, 2009, p.104)

Para alguns doutrinadores, como Porto (2009, p.104) e Hernandez (2011, p. 61-65), os teletrabalhadores estariam nessa categoria intermediária (trabalho de terceiro tipo ou tertium genus) ou chamada zona grises, mencionando a existência de uma telessubordinação ou subordinação virtual

Com relação ao teletrabalho, pode-se extrair cinco enquadramentos de derivados do direito italiano (HERNANDEZ, 2011, p.57-58, MADEIRO), sendo dois tipos com subordinação: 1) trabalho subordinado; 2) trabalho em domícilio; e três tipos autônomos, 3) parassubordinados, 4) trabalho autônomo e 5) teletrabalho.

No caso do teletrabalhador, Machado (2003) defende que o teletrabalho é um trabalho de rede, flexível e à distância, com uso intensivo de tecnologia de informação. Assim, substituiu uma obrigação de meio para uma de resultado, com a proposta de redução de custos de mão-de-obra e despesas com imobilizado, dando abertura para um enquadramento de trabalhador independente (não empregado). No teletrabalho, a subordinação jurídica pode ser considerada telesubordinação (BARROS, 2009, p.331) ou teledisponibilidade (MACHADO 2003), de modo que a ausência de controle visual substitui o controle de atividade pelo resultado.

Nesse ponto, Machado (2003) destaca que “É preciso reconhecer que o controle do tempo de trabalho - tempo e ritmo de trabalho - é a medida do controle e da subordinação, bem como da produção”. Assim, o autor menciona que a subordinação implica uma separação do tempo de trabalho e tempo de não trabalho, de modo que o tempo de trabalho equivale ao tempo de subordinação. No caso do teletrabalho, o conceito de subordinação clássiva é esvaziada pela mudança de controle de tempo pelo de resultado, bem como pela fluidez da jornada de trabalho.

Para Hernandez (2011, p. 61-65) e Porto (2009, p. 86-91), no teletrabalho a subordinação é mitigada, mas persiste como se observa: no modo on line, pelo controle de execução, quantidade e qualidade da tarefa, de forma instantânea, pela conexão direta e diálogo interativo, o empregador cumpre horário e recebe instruções digitais; no modo off line, pelo registro de tempo por sistemas de toque de teclado e registro de horário; one way line, pelo recebimento prévio de instruções e envio de relatórios de resultados. 

Porto (2009, p. 86-91) salienta que as inovações tecnológicas permitem maior controle e de forma imperceptível quando comparado aos meios tradicionais. Na forma interativa (on line) o trabalhador está em contato direto com o sistema informático de modo que o controle do empregador ocorre em tempo real. Mesmo na forma off line, o trabalhador pode estar utilizando um software da empresa que registra tempo efetivo de trabalho, pausas, número de operações e erros cometidos. Outra forma de controle são as mensagens eletrônicas por email ou telefonemas, podendo o empregador cobrar resultados e metas a partir da compilação destes dados.

No teletrabalho, a possibilidade de fiscalização do trabalho pela conexão direta pela internet entre a empresa e o trabalhador tem sido considerada para fins de “indícios de subordinação” (PORTO, 2009, p. 87). O controle no trabalho tecnologizado não é menos intenso, mas oculto e sofisticado, por vezes até mais invasivo adentrando na esfera pessoal do trabalhador.

A inserção física do trabalhador é substituída pelo trabalho de conexão à distância com a empresa, assim como, a remuneração, não tem mais como base a unidade de tempo, mas a quantidade de informações recebidas, elaboradas e transmitidas (a unidade de obra), incentivada por prêmios e gratificações vinculadas a produtividade individual e coletiva. A obrigação deixa de ser de meio para se tornar obrigação de resultado. A propriedade dos instrumentos de trabalho não é critério suficiente para distinguir o trabalho subordinado em relação ao autônomo, em razão do barateamento dos equipamentos informáticos, bem como a competividade do mercado de trabalho lhe obriga a adquirir os instrumentos laborativos. O parâmetro que mais se aproxima para detectar os denominados indícios de subordinação é a titularidade do software know-how da empresa que representa a dependência tecnológica – “o computador é do autor, mas o software é da empresa”, (PORTO, 2019, p. 89-90). 

Bastos (2017, p. 145, Apud MOREIRA) descreve o controle eletrônico do empregador como sendo “desverticalizado, objetivo, incorporado na máquina e no sistema” que media a relação empresa e empregado no trabalho à distância que, em tempo real, tem enorme capacidade de armazenamento, capaz de memorizar, cruzar e reelaborar detalhadamente todos os comportamentos dos trabalhadores. Este método de avaliação da produtividade, ou controle do teletrabalho,  muitas vezes passa despercebido pelo trabalhador, que responde a formulários, correspondência eletrônica, mensagens instantâneas fora do horário estabelecido em acordo contratual,  como uma forma de atender a necessidade da instituição de mensurar sua produtividade e tempo de trabalho.

Esteves e Filho (2019, p. 37) afirmam que as transformações tecnológicas não eliminaram a subordinação jurídica, mas tornaram mais acentuado o poder de heterodireção do empregador:

Essas mudanças no conceito de subordinação representa uma “recontratualização civilista da relação de trabalho e a desconexão do social e do econômico por meio, por um lado, de uma flexibilização não enquadrada pelos atores coletivos e pelo Estado e, por outro lado, da proclamação de direitos sociais”  (NASCIMENTO, p. 112) desligados na esfera do indivíduo.  Assim, observa uma precarização da relação de trabalho que busca extrair do indivíduo um padrão de trabalho de tempo integral e por tempo indeterminado.

Dessa forma, os mais dependentes merecem a aplicação de direito existentes aos subordinados, assim como essa figura do teletrabalho deve receber tratamento legislativo alternativo como nova categoria jurídica ou trabalhadores atípicos (HERNANDEZ ,2011, p. 61 Apud VIANA). De acordo com o autor, justifica-se a necessidade de que o teletrabalhador seja colocado em outra categoria de trabalho remunerado, dentro das ramificações de subordinação. 

Nesse sentido, na União Européia há quatro propostas para os trabalhadores economicamente dependentes (ESTEVES; FILHO, 2019, p. 51-52): aplicação direito civil; criação de nova categoria jurídica com legislação específica; redimensionamento do conceito de subordinação jurídica adequando às novas formas de trabalho; e criação de núcleo duro de direitos sociais para garantir um patamar mínimo de proteção jurídica para os trabalhadores independentes de sua classificação (autônomo/subordinado). Trata-se de uma “crise de identificação dos sujeitos a proteger” (ESTEVES; FILHO, 2019, p. 51-52 Apud OJEDA), ou seja, em muitos casos o conceito de subordinação tradicional não serve para enquadrar as relações de trabalho contemporâneas, sendo necessária a implementação de novas regras.

O autor, Otávio Pinto e Silva é um dos defensores da adoção da categoria dos parassubordinados na legislação brasileira. Já há autores (Amauri Cesar Alves) que defendem a ampliação do conceito de dependência presente no artigo 3º da CLT; e outros (Alice Monteiro de Barros) são unânimes no sentido de que não há previsão legal no ordenamento jurídico, necessitando de edição de normas específicas (PORTO, 2009, p. 198).

 

3 Tratamento Jurídico Do Teletrabalho No Ordenamento Brasileiro

O surgimento de novas formas de trabalho resultou na edição de normas jurídicas flexibilizadoras  invocadas pela classe econômica para permitir a adaptação das empresas às mudanças conjunturais (fatores econômicos, políticos e tecnológicos).

O neoliberalismo combinado com a reestruturação produtiva (denominado de capitalismo flexível) no século XX contribuiu para um discurso de implementação de medidas e políticas de austeridade na sociedade, que impulsionou uma onda desregulamentadora e de flexibilização dos direitos resultando na precarização das relações sociais. Essa desestruturação de normas protetivas, deu surgimento ao “Direito do Trabalho em Exceção” (FERREIRA, 2011), que ensejou a apressada aprovação da Reforma Trabalhista, uma proposta dita como modernizante, como no caso dos teletrabalhadores. É uma forma de chancelar formas de trabalho precarizantes.

O teletrabalho ou trabalho a distância pode ser enquadrado na quinta dimensão de direitos fundamentais (ESTRADA, 2017, p. 13). A ideia de gerações foi criada por Norberto Bobbio, em sua obra a Era dos Direitos, no qual traz três gerações ou dimensões, sendo a quarta e quinta acrescentada por Paulo Bonavides, a saber: a) primeira dimensão: os direitos individuais (vida, liberdade, igualdade e segurança); b) a segunda dimensão: direitos sociais (emprego, aposentadoria, educação etc.); c) a terceira dimensão: os transindividuais ou difusos (meio ambiente sadio, paz, ao desenvolvimento etc.) d) quarta dimensão: relativos a pesquisa genética, biotecnologia; e e) quinta dimensão: ligados ao espaço virtual ou cibernéticos; comércio eletrônico, contratos eletrônicos, propriedade intelectual da web, jogos, comunidades virtuais, publicidade virtuais etc.

Nesse sentido, um dos princípios da Declaração de Filadélfia de 1944, anexo da Constituição da OIT, prevê: “o trabalho não é mercadoria”.

Com os avanços dos sistemas de informática e tecnologia, a Organização Internacional do Trabalho disciplinou o trabalho em domicílio. Destaca-se que não tem norma específica que verse sobre o teletrabalho, mas, para suprir a lacuna é possível a aplicação das normas pertinentes ao trabalho a domicílio em razão da proximidade temática. Assim, foram editadas a Convenção nº 177  (Home Work Convention) e Recomendação 184 (Home Work Recomendation), sendo que ambas não foram ratificadas pelo Brasil.

A Convenção nº 177 da OIT, adotada pela 83ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho, datada de 20 de junho de 1996, somente entrou em vigor em 22 de abril de 2000, trazendo o conceito de trabalho doméstico no seu artigo 1º, da seguinte forma: a) desenvolvido em casa ou em outros lugares que o empregado escolher, fora da sede da empresa; b) para desenvolvimento de produto ou serviço de acordo com especificações do empregador, independente do fornecimento de equipamentos, materiais ou insumos; c) mediante contraprestação pecuniária.

Os artigos 4º e 7º determinam que a legislação nacional garantam a igualdade de tratamento legal entre o trabalhador doméstico e presencial, tais como: criação e participação de organização; proteção ao emprego e na ocupação; proteção da segurança e saúde; a remuneração; segurança nacional; acesso à capacitação; idade mínima para admissão a emprego ou trabalho; h) a proteção de maternidade; i) e segurança e saúde.

No seu artigo 9º estabelece regras de inspeção para assegurar o cumprimento de regras de segurança do trabalho, sob pena de punição.

A Organização Internacional  do Trabalho na Conferência Internacional do Trabalho, na 82ª Reunião, definiu o teletrabalho como “a forma de trabalho realizado em lugar distante do escritório central ou do centro de produção, tornando viável a separação física e induzindo à utilização de tecnologias inovadoras e facilitadores de comunicação”, conforme menciona Luiz Eduardo Gunther  e Juliana Cristina Busnardo (2017, p. 201).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) adota o termo teletrabalho (telework, em inglês), sendo as seguintes categorias: “a) local/ espaço de trabalho; b) horário/tempo de trabalho (integral ou parcial); c) tipo de contrato (assalariado ou independente); e d) competências requeridas (conteúdo do trabalho). Dentro dessas variáveis podem ser elencadas diversas categorias de teletrabalho” (ROCHA; AMADOR, 2018).

Dessa forma, a internet se torna mais presente nas atividades produtivas que marcam um modelo de gestão mais flexível. Nesse contexto, insere-se o teletrabalho, isto é, uma modalidade especial de trabalho a distância realizado por meio de tecnologia de informação e de telecomunicações.

Na âmbito jurídico brasileiro, a Consolidação das Leis do Trabalho de 1940 não tinha previsão legal sobre o tema. O trabalho telemático foi reconhecido pela legislação brasileira em 2011 e o teletrabalho na reforma trabalhista de 2017 (FINCATO, 2019, p. 60-61).

O artigo 6º da Consolidação das Leis Trabalhistas imputou uma igualização legal-formal do trabalho presencial e o realizado a distância exercido sob supervisão e controle de meios telemáticos, afastando os questionamentos em relação a existência de subordinação jurídica atinente as relações de emprego (FINCATO, 2019, p. 62).

Ao considerar o teletrabalho como exercido em domicílio, o referido artigo,  já nasceu de forma obsoleta frente aos avanços tecnológicos.Diante disso, no Brasil, antes da aprovação da Lei nº 13.467/2017,(Reforma Trabalhista) o teletrabalhador era enquadrado no artigo 62, I, da CLT, o mesmo dispositivo  que regula o trabalho externo, de modo que ambos estavam excluídos do regime de duração de trabalho e do pagamento de horas extras (ROCHA;  MUNIZ, 2013, p. 110). Esse fato já era questionado pela doutrina (Vólia Bonfim Cassar), em razão da possibilidade de controle pelos meios de informática (webcâmera, intranet, telefone, tarefas diárias etc.). Com o advento da denominada Reforma Trabalhista, com a Lei nº. 13.467/2017, que entrou em vigor em 10 de novembro de 2017, houve o redimensionando do conceito de jornada de trabalho do empregado relacionado ao teletrabalho.

A regulamentação legal antes em vigor era insatisfatória. A Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) acrescentou o inciso III no artigo 62, o artigo 611-A, VIII, e um capítulo (artigos 75-A a 75-E) na CLT destinado ao tema versando sobre aspectos consolidados no direito comparado, tendo em vista que Itália, Portugal, Espanha e Colômbia já tinham leis mais avançadas.

Miziara (2019, p. 85) critica que a Lei 13.467/2007 deixou de disciplinar situações jurídicas corriqueiras na rotina das relações trabalhistas, por segurança jurídica. Uma inovação foi a exclusão do teletrabalhador do Capítulo “Da Duração do Trabalho”, como já acontecia com trabalhadores exercentes de cargo de confiança (gerentes) e trabalhadores externos, excluindo dos direitos de intervalo intrajornada, hora noturna, adicional noturno e hora extra. Nesse sentido, prevê o inciso III, do artigo 62 da CLT: Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: “I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.”   III - os empregados em regime de teletrabalho. (grifos nossos)

Para Toledo Filho (2019, p. 18) o preceito suplementar do inciso III do artigo 62 da CLT equipara o trabalho à distância ao trabalho externo e de cargos de confiança para retirar a incidência das regras ordinárias de duração do trabalho. O elastecimento do conceito clássico de subordinação -para a noção estrutural - que objetiva o reconhecimento formal do vínculo empregatício do teletrabalho, não impõe a submissão a todas as regras de contrato típico, pois se referem a conceitos e extensões distintos. É uma regra de exceção que exige o preenchimento dos requisitos informadores, podendo ser afastada na hipótese do caso concreto. Assim, a concepção de salário-hora é alterada para ser concebida como salário-produtividade.

No Brasil, Delgado (2019, p. 1068-1069) faz uma análise a partir do trabalhador externo (inciso I, do artigo 62 da CLT), trazendo três possíveis categorias: 1) trabalho em domícilio (tradicional), como no caso de costureiras, as cerzideiras, os trabalhadores no setor de c  n, as doceiras etc. ; 2) o home-office, com base em recursos da informática e telecomunicação; e o teletrabalho, pode conjugar com o home-office, mas é realizado em diversos lugares. As duas últimas hipóteses estão inseridas no inciso III do artigo 62 da CLT.

A fiscalização do empregador sobre a prestação de serviço em regime de teletrabalho é relativamente flexível ao considerar que há sistemas avançados de controle, como banco de dados com acesso criptografado dos envolvidos (ALVES, 2007, p. 389-390). A despersonalização do trabalho que rompe com os moldes clássicos é controlada por meio eletrônico.

Há uma presunção de que o teletrabalhador não é fiscalizado. Contudo, defende a aplicação das normas atinentes à duração do trabalho na hipótese de demonstração que o trabalhador está sendo monitorado por webcâmeras, intranet, intercomunicador, telefone, número mínimo de atividades diárias (CASSAR, 2014, p. 674).

            Toledo Filho (2019, p. 18-19 BARROS, p. 40) menciona que é possível a aplicação das normas de jornada de trabalho na hipótese de o trabalhador estiver em  conexão direta com a empresa ,”que lhe controla a atividade e o tempo de trabalho mediante a utilização de um programa informático, capaz de armazenar na memória a duração real da atividade, dos intervalos, ou o horário definido pela exigência dos clientes do empregador, sem que o teletrabalhador tenha liberdade para escolher as horas que pretende trabalhar ao dia”.

Dessa forma, compreende-se através do autor, que há presunção legal relativa de que o teletrabalhador está excluído das normas de duração da jornada de trabalho e, por consequência, do pagamento de horas extras, mas suscetível de ser afastada caso verificado no mundo fático a existência de controle ou possibilidade de controle da jornada (direto ou indireto e de forma qualitativa ou quantitativa).

Miziara (2019, p. 93) também demonstra a preocupação em relação aos meios de vigilância utilizados pelo empregador como dispositivo de controle de jornada, afirmando que devem observar dois requisitos: a) prévio conhecimento por parte do empregado, não podendo ser oculto ou sub-reptício; b) respeito as direitos fundamentais; c) “observação o princípio da proporcionalidade, de modo que seja indispensável e não haja meio menos invasivo para atingimento dos fins pretendidos”.

Nesse sentido, é importante tecer comentários sobre os artigos 75-A a 75-E da CLT introduzidos pela Reforma Trabalhista. O artigo 75-A especifica que o tratamento da matéria será regulado dentro do capítuto II-A do Título “Das normas gerais de tutela do trabalho”.

Fincato (2019, p. 63) discorre que o artigo 75-B da CLT conceitua o teletrabalho como forma de prestação de serviços e não uma categoria de trabalhador diferenciada, trazendo a tríade dos elementos fáticos-jurídicos configuradores:   geográfico (preponderante fora da sede física), tecnológico (emprego de tecnologia da informação e comunicação) e organizativo (teletrabalho integrante da estrutura produtiva e recursos humanos do empregador). Assim, o artigo 75-B da CLT prevê: “Art. 75-B.  Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Parágrafo único.  O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.”    

No parágrafo único do mencionado dispositivo, o texto legal destaca que o mero comparecimento do empregado nas dependências do empregador não descaracteriza esse regime, trazendo um critério subjetivo de preponderância de  que as atividades laborais são exercidas fora do espaço físico. O legislador deixa a cargo da jurisprudência e doutrina a elaboração de um critério taxativo da a mensuração da jornada do teletrabalho.

Toledo Filho (2019, p. 23) enfatiza a importância da “especificação consistente das atividades ou tarefas que por meio dele se objetivará atingir”, bem como a execução na prática das atividades descritas formalmente no contrato, sob pena de nulidade do regime de exceção e da aplicação das regras ordinárias de duração do trabalho.

Ressalta-se que parágrafo primeiro do dispositivo consta que somente a alteração do regime presencial para o regime teletrabalho exige concordância do empregado, por se tratar de um regime de exceção. No caso de reversão do teletrabalho para o presencial, o legislador entendeu desnecessária a aquiescência formal do empregado, já que é mero exercício do poder diretivo do empregador e condição mais benéfica ao empregado (artigo 9º e 468 da CLT). Aqui, vigora o princípio protetor que orienta o direito do trabalho. O texto legal somente garante o tempo prévio mínimo de 15 (quinze) dias para o empregado se adequar a medida de transição, mediante registro no aditivo contratual (parágrafo segundo do dispositivo).

Portanto, os desafios relacionados ao controle do trabalho da nova forma de organização de trabalho pela figura do teletrabalhador enseja uma reflexão sobre um redimensionamento de forma ampliada do conceito de subordinação no sentido de aplicação no Direito Pátrio do instituto da parassubordinação criado pelo Direito Italiano. A criação de uma nova categoria pode solucionar o enfrentamento da problemática resultando da separação da concepção espaço-temporal das reconfigurações das relações de trabalho.

 

Conclusão

As relações de trabalho acompanham o tempo da socialização do trabalho no mundo civilizado. Esta afirmação, reconhece, que conforme as trocas comerciais são alteradas em um mundo globalizado, o modo como as partes lidam com o valor de sua força produtiva também sofre alterações. A evolução social, que culminou no processo de modernização e o consequente avanço tecnológico, trouxeram ao debate do direito do trabalho, a necessidade de enquadrar o novo perfil do profissional que surgia, em novas regras.

Com o surgimento da rede mundial de computadores, tornou-se possível a conexão entre pessoas que em um passado não muito distante, eram obrigadas a se deslocar por quilômetros. As atividades humanas no ano em que este artigo está sendo escrito (2020) são praticamente todas ligadas à acessibilidade de conexão em uma rede de computadores. Em contrapartida, a legislação não acompanhou com a devida velocidade as relações trabalhistas recorrentes desta evolução. 

Na era da informação, o teletrabalho surge como uma opção real e prática, com vantagens para o empregador, que pode manter-se em contato com o empregado por um tempo maior que o acesso físico, até então, permitia. Diante do exposto, reconhece-se uma nova forma de trabalho que necessita de normativas específicas, para evitar que estes trabalhadores sofram com a precarização de suas atividades e sejam prejudicados em seus direitos básicos.

Enquanto não surge uma legislação que alcance toda a complexidade da jornada de trabalho do teletrabalhador, faz-se necessário um ajuste da categoria às normas trabalhistas já existentes para que, diante de um cenário de execução de suas atividades o empregado possa usufruir de direitos, tais como o lazer e tempo livre, bem como responder a deveres mais de acordo com o seu labor, tido neste momento como extraordinário. 

Deste modo, atesta-se que o teletrabalhador, quando ocupa uma função em um emprego tradicional está sujeito a formas de controle diversas por seu empregador, o que, como exposto no desenvolvimento deste estudo, caracteriza-se por subordinação jurídica. Este controle é realizado através dos meios de comunicação existentes e de forma remota, meios estes onde o empregador mantém contato constante com seu subordinado e realiza trocas de informações sobre o labor realizado. 

A doutrina brasileira defende que, no contexto atual, que se for comprovado o controle da jornada de trabalho, com os meios existentes (resposta a correspondência eletrônica, mensagens instantâneas nos aplicativos disponíveis, ou outra forma de controle a distância), o teletrabalhador terá os mesmos direitos de que se estivesse em uma ocupação tradicional, mas os limites desta jornada ainda não estão claros. No teletrabalho, a separação da concepção de tempo e espaço em razão da prestação do serviço à distância e a existência de jornadas fluídas, muitas vezes, com mais autonomia de escolha do momento e local do labor prestado pelo  trabalhador,  torna a subordinação mais tênue. Com a alteração do controle do tempo pela produtividade do trabalhador, o tempo de subordinação e o tempo de trabalho não necessariamente equivalentes, como ocorria nos moldes da indústria clássica, resultando uma confusão da vida pública e privada.

Por motivos,como os explícitos acima, que o teletrabalhador pode ser colocado em uma terceira categoria de análise (que não apenas a subordinação jurídica ou a estrutural) e  ao compor uma normativa/ portaria ou legislação que limite sua carga horária, possibilite um controle dentro dos parâmetros a respeitar a individualidade de sua ocupação, sem que este sinta-se que está sendo invadido em sua privacidade ao mesmo tempo que o empregador possa ter meios de coletar dados sobre a produtividade do empregado,  a fim de ter sucesso no seu empreendimento. A importação para a legislação brasileira da figura do parassubordinado criado no Direito Italiano se mostra uma alternativa a ser estudada para solução da problemática.

Esta proposta seria um caminho para contemplar as partes envolvidas nas relações de trabalho sem que estas sejam precarizadas ou vilanizadas, seja em uma posição ou em outra. De todo modo, faz-se necessário e porque não dizer, que é pauta do dia, que as normas sejam ajustadas e as categorias revistas, para que o avanço tecnológico adquirido até aqui não reduza a força produtiva em uma condição de subtrabalho como as que eram realizadas em um passado próximo, e como ainda, infelizmente,sofrem muitas nações subdesenvolvidas no presente. Resolvidas estas questões, seria possível às relações trabalhistas, atuais, finalmente dizer que acompanham o tempo da socialização de trabalho, em um mundo, que hoje, socializa enquanto suas diretrizes de como contemplar esta socialização estão sendo informatizadas.

 

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[1] (Processo: 00075-2007-024-03-00-9 RO; Data de Publicação: 31/08/2007; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Mauricio J.Godinho Delgado; Revisor: Deoclecia Amorelli Dias)

Data da conclusão/última revisão:

 

Como citar o texto:

BODENMMULLER, Andréia Aline Nunes Machado..Redimensionamento da subordinação jurídica para os teletrabalhadores. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1008. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/10751/redimensionamento-subordinacao-juridica-os-teletrabalhadores. Acesso em 12 dez. 2020.

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