O presente trabalho tem como objetivo compreender a contribuição da pejotização na precarização das relações de emprego. Com o crescimento do desemprego, crises econômicas e com a revolução tecnologia, muitos trabalhadores aceitam a condição de pejotizados para obterem sua renda e o avanço desse fenômeno é capaz de produzir efeitos sociais e jurídicos, além da precarização dos direitos trabalhistas. Apesar de poder se confundir com a máscara da empregabilidade, a pejotização coloca o trabalhador em uma posição vulnerável em razão da não observância de seus direitos em sua rotina de trabalho. Diante disso, o assunto abordado nesse trabalho serão os aspetos que diferencial empregabilidade de precarização do emprego; os fatores que impulsionam a pejotização; como a pejotização contribui para a precarização do emprego; e as consequências do fenômeno pejotização.

INTRODUÇÃO

Avanços tecnológicos transformaram o mundo com a chamada terceira revolução industrial. Não obstante, a globalização também desempenhou um papel de transformação levando o mundo a uma nova era onde tudo acontece muito rapidamente. Esses dois elementos somados ao desemprego são pontes que ligam a pejotização e a precarização do emprego.

Em razão desses elementos cada vez mais o mercado de trabalho tem se modificado e se transformado. Vale ressaltar que as transformações também aconteceram na Consolidação das Leis Trabalhistas na busca por modernizar o direito, bem como que este pudesse tentar acompanhar o ritmo das mudanças no cenário do trabalho.

Uma dessas modificações é dada através de um fenômeno cuja a aplicação tem se evidenciado cada vez mais na busca por burlar as proteções dadas pelo Estado ao trabalhador, conhecida como pejotização. Tal evento tem se justificado socialmente como maneira de gerar oportunidades ao trabalhador. 

Diante disso, o presente trabalho busca compreender a maneira como essa pejotização é capaz de precarizar as relações de emprego, bem como demonstrar como é possível reverter essa situação de usurpação dos direitos do trabalhador com base principiológica e nos aspectos presentes na entrega da mão de obra ou da prestação do serviço.

 

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO TRABALHO

O Direito do Trabalho é fruto do capitalismo e das Revoluções Industriais que aconteceram ao longo da história. Antes do surgimento desse instituto, o mecanismo utilizado para dirimir as relações jurídicas entre o empregador e o trabalhador era o Direito Civil que pouco se moldava nos casos concretos sendo grande protetor daqueles que eram os mais fortes nas relações jurídicas.

Essa desproporção de forças entre empregador e trabalhador foi percebida no meio operário, mas em contrapartida viu-se que o meio operário lutando em coletivo poderia ser mais forte e ter mais voz. Assim surgiram os movimentos sindicais capazes de mudar a história do trabalhador. 

Outro fator muito importante para tal surgimento foi a necessidade britânica no século XIX em elaborar uma norma capaz de inibir a exploração de crianças e mulheres nas indústrias, contudo, permaneceu-se como uma norma solitária, sem um surgimento de um ramo jurídico voltado para tais transformações sociais (DELGADO, 2019).

 No Brasil, com a tardia industrialização, o Direito do Trabalho chega na legislação brasileira já no século XX e tem sua compilação de leis na década de 40 sendo ela a Consolidação das Leis Trabalhistas que está em vigor até os dias atuais.

Apesar dessa industrialização acontecer posteriormente isso não foi um obstáculo para as novas transformações chegarem ao país, podendo ser citada a recente chegada de aplicativos como o Uber que gerou grande impacto na vida dos taxistas.

Então, como se pode perceber, as mudanças produzem consequências na vida de um grupo, como no caso dos taxistas, e não é diferente nos outros ramos de emprego. Uma dessas mudanças do mercado se chama pejotização.

 

2. PEJOTIZAÇÃO

Diante de um cenário de crises econômicas, crescimento da automação nos processos de produção e desemprego, uma modalidade de contratação no mercado de trabalho passa a ganhar força: a pejotização. Conceitua-se como uma imposição na contratação do indivíduo a obrigatoriedade da obtenção de um registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, afim de que este seja contratado e permaneça no emprego.

O objetivo dessa contratação é o afastamento da relação de emprego, evitando assim que haja vínculo entre empregado e empregador para como mecanismo de fuga dos encargos trabalhistas. Essa tentativa de burlar a legislação trabalhista e de precarizar as condições do trabalhador vêm sendo vista até mesmo como uma forma de gerar empregos, ou seja, como empregabilidade, mas que na verdade serve para mascarar uma relação de emprego.

Segundo Luciano Martinez:

“O mesmo acontece quando empregado e empregador, de comum acordo, criam uma aparência de prestação de serviços via pessoa jurídica (pejotização) especialmente empreendida com o objetivo de diminuir a incidência de tributação” (MARTINEZ, 2020, s/p).

Em razão das dificuldades de sair da condição de desempregado muitos trabalhadores aceitam esse trabalho pejotizado e saem prejudicados e lesados em detrimento de preencherem os requisitos de empregado estando na condição de Pessoa Jurídica. A sociedade tem tolerado esse tipo de fraude em nome da empregabilidade e é possível perceber isso quando a pejotização já faz parte de alguns setores do mercado de trabalho.

Para o doutrinador Ricardo Resende, alguns seguimentos têm a pejotização como prática corriqueira sendo, inclusive, capaz de eliminar a oferta de empregos dentro dessas áreas. Vejamos:

“Tal prática é extremamente comum no cotidiano de algumas profissões, notadamente ligadas à área de tecnologia da informação e saúde, não raro praticamente elimine a oferta de empregos nestes setores. Assim, por exemplo, ao contratar um analista programador, a empresa contratante condiciona a contratação à abertura, pelo trabalhador, de empresa de prestação de serviços, de maneira que, firmando o contrato a empresa prestadora de serviços, e não com a pessoa física, a tomadora esteja isenta das obrigações trabalhistas e dos encargos sociais respectivos” (RESENDE, 2020, s/p).

Porém, não apenas na condição de desempregado um indivíduo aceita tais condições. É possível ainda que a prática da pejotização aconteça com o trabalhador que já está empregado na empresa, mas que, visando se manter nela, aceita a alteração do seu tipo de contratação para que não mude sua situação de emprego.

Apesar de o trabalhador aceitar as condições impostas pelo empregador e se transformar em Pessoa Jurídica ainda é possível que se preencham os requisitos para a configuração da relação de emprego não anula as obrigações que o empregador tem para com o seu empregado, bem como as garantias e os direitos não deixam de serem violados e desprezados. Para o doutrinador Ricardo Resende esses requisitos preenchidos em uma situação de pejotização a tornam fraudulenta, contudo, a subordinação é a mais evidente. Vejamos:

“[...] se estiverem presentes os requisitos caracterizadores da relação de emprego, notadamente a subordinação direta, estará configurada a fraude, mas isso ocorre com absolutamente todas as figuras. Em tese, portanto, cabe a pejotização nos contornos que deram à terceirização” (RESENDE, 2020, s/p).

Ocorre que a tentativa de arrancar do trabalhador suas garantias de direito e assim reduzir custos e a burocracia não é o caminho certo para se seguir. Burla-se a legislação, transformando um empregado que entrega pessoalmente sua energia laboral, trabalha de forma repetida natural, é subordinado às ordens do empregador, em contrapartida recebe salário e não exerce sua autonomia, em uma Pessoa Jurídica. Ou seja, uma pessoa que preenchendo os requisitos para a configuração das relações de emprego ainda assim é contratada como Pessoa Jurídica. Para Leone Pereira o que evidencia a relação de emprego estará presente no campo fático. Vejamos:

“A configuração do vínculo rege-se não pelo aspecto formal, mas pela realidade dos fatos em obediência ao princípio da primazia da realidade, que acarreta a descaracterização de uma relação civil de prestação de serviços, quando presentes os requisitos da relação de emprego” (PEREIRA, 2013, s/p).

Sendo assim, o preenchimento dos requisitos e baseando-se nos princípios do direito do trabalho para que seja reconhecida a relação de emprego proporciona ao trabalhador a possibilidade de conversão da contratação de pessoa jurídica para tal condição de relação de emprego.

Para tanto também se faz indispensável a aplicação dos princípios do direito do trabalho. São eles: o princípio da primazia da realidade e o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas (PEREIRA, 2013).

 

3. PRESSUPOSTOS PARA UMA RELAÇÃO DE EMPREGO

Para melhor compreensão dos requisitos da relação de emprego se faz necessário abordar a diferença entre relação de emprego e relação de trabalho. 

Relação de trabalho é a prestação de um serviço a ser realizado por uma pessoa física para outra em detrimento da onerosidade. Já a relação de emprego é um tipo de relação de trabalho, mas que é realizado de maneira subordinada. Ou seja, a relação de emprego é uma das espécies da relação de trabalho (RESENDE, 2020).

A relação de emprego surge na Revolução Industrial quando surgiu um crescimento exponencial no trabalho assalariado e que não era estipulado tempo determinado para execução dos serviços. Sendo assim, viu-se a necessidade da criação de norma que regulasse esse instituto.

Existem elementos que são necessários para o enquadramento em uma relação de emprego. O art. 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas dispõe que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste mediante salário”.

A contratação de um empregado para a prestação de um serviço não podendo este empregado ser substituído por outro, salvo em situações excepcionais de forma esporádica com sua anuência, se trata do requisito pessoalidade que também é conhecido como intuitu persoae entre o empregado e seu empregador (RESENDE, 2020).

Essa contratação irá levar em conta as aptidões do contratado para a prestação de um determinado serviço e é por essa razão que o empregador escolhe determinado empregado em razão dos concorrentes a uma vaga de emprego. E são esses atributos e qualidades que o contratante espera vê-lo desenvolver. Portanto, este empregador não queria que outra pessoa fizesse tal serviço a não ser aquela que foi contratada para tal (MARTINEZ, 2020).

Esse primeiro requisito é indispensável para se analisar se determinada contratação pejotizada se encaixa nos moldes de relação de emprego tendo em vista que a pessoa jurídica pode deixar de realizar a atividade e nomear outrem para fazê-la. Quando o contratante exige a pessoalidade é possível perceber que um outro requisito passa a ser cumprido que é a subordinação. A pessoa jurídica não deixa de exercer a sua autonomia e se entrega a subordinação.

A subordinação é um requisito determinante assim como os outros, porém, faz evidenciar o papel daquele indivíduo, se é de prestador de serviço contratado como pessoa jurídica ou se um é um empregado, tendo em vista que o subordinado deve obedecer às ordens daquele que o governa em sua empreitada. 

Para Resende, existem três dimensões dentro da subordinação. A primeira delas é a clássica. Ela se manifesta através das ordens dadas pelo empregador e obedecidas pelo empregado. A segunda é a objetiva que se revela na integração do empregado aos objetivos da empresa em que é contratado. Já a última é a dimensão inserção do empregado na dinâmica empresarial (RESENDE, 2020). As três possibilitam a análise da subordinação em diferentes aspectos, podendo, assim, encontrar dentro de um mercado de trabalho complexo, que compreende uma diversidade de atividades, a melhor dimensão para constatar a subordinação.

A contraprestação dada pelo empregador ao trabalhador por meio de uma quantia em valor previamente ajustada é chamada onerosidade. É um requisito para a relação de emprego. Em um contrato realizado com o empregado que está se comportando contratualmente como pessoa jurídica existe a onerosidade como contrapartida daquela prestação de serviço.

Por fim, de acordo com o art. 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas é considerado empregado a pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador. Essa prestação não eventual é a repetição do desenvolvimento da atividade pelo trabalhador, ou seja, o desenvolvimento de uma atividade de forma contínua.

Com base nesses pressupostos são analisadas as situações fáticas e assim são utilizados como mecanismo para a chamada despejotização que nada mais é que o reconhecimento do vínculo de emprego entre empregado e empregador para que a fraude da pejotização seja desfeita e os direitos dos trabalhadores sejam garantidos. Esse procedimento é realizado pela via judicial através do ingresso de uma ação.

A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região dispõe do seguinte entendimento:

“RELAÇÃO CONTRATUAL MANTIDA ENTRE AS PARTES. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PEJOTIZAÇÃO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONFIGURAÇÃO. Comprovado in casu que a relação mantida entre as partes desde o início preenche os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, revelando que o contrato de prestação de serviços originalmente pactuado teve por escopo fraudar a legislação trabalhista, caracterizando a famigerada pejotização, impõe-se o reconhecimento do vínculo empregatício no período anterior ao registro da CTPS. HORAS EXTRAS. PARÂMETROS DE CÁLCULO. EMPREGADO HORISTA. JORNADA CONTRATUAL DE 44 HORAS SEMANAIS. DIVISOR. Incontroverso nos autos que em parte do interregno contratual o empregado era horista, as horas extras do período, com o respectivo adicional, devem ser calculadas sobre o valor do salário-hora, não havendo que se falar em aplicação de divisor de horas extras sobre a média salarial alcançada. Por outro lado, comprovada a pactuação de jornada semanal de 44 horas quando da formalização do vínculo empregatício, é devida a aplicação do divisor 220 e não o 200, ainda que dispensado o labor aos sábados. JUSTIÇA GRATUITA. DEMANDA AJUIZADA ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467/2017. Para as demandas ajuizadas antes da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, a concessão dos benefícios da Justiça gratuita está vinculada ao preenchimento dos requisitos constantes nas Leis nº 1.060/50 e 5.584/70, art. 14, os quais, in casu, foram devidamente cumpridos pela parte autora.Recurso da Reclamada conhecido e desprovido. Recurso do Reclamante conhecido e parcialmente provido.” Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Acórdão. Processo n. 0001416-46.2017.5.10.0020. Relator: Des. João Luís Rocha Sampaio, publicado em 18 de agosto de 2020

Nesse caso concreto ficou evidente a relação de emprego em razão do preenchimento dos requisitos para o reconhecimento de vínculo empregatício. É importante salientar que para tanto todos os requisitos devem ser preenchidos, ou seja, deve haver a cumulação necessária de todos eles.

 

4. O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS EM CASOS DE PEJOTIZAÇÃO

Os princípios são fonte do Direito do Trabalho e dentre eles existe o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. De acordo com ele não há como o trabalhador abrir mão de seus direitos ou dispor deles mesmo que queira. Seus direitos são indisponíveis, inderrogáveis e não há como renunciá-los. 

Para o doutrinador Maurício Godinho Delgado, esse princípio se faz como um meio de tornar as regras trabalhistas imperativas. Vejamos:

“O presente princípio é projeção do anterior, referente à imperatividade das regras trabalhistas. Ele traduz a inviabilidade técnico-jurídica de poder o empregado despojar-se, por sua simples manifestação de vontade, das vantagens e proteções que lhe asseguram a ordem jurídica e o contrato.” (DELGADO, 2019, p. 237)

Diante disso, não há como dizer que o trabalhador na condição de pejotizado possa escolher essa modalidade de contratação quando este é capaz de preencher todos os requisitos da relação de emprego nesse negócio jurídico. A proteção ao trabalhador é dada independente da sua vontade de ingressar nesse negócio jurídico ou de permanecer nele, sendo o trabalhador incapaz de dispor daquilo que lhe é assegurado.

 

  1. O FOMENTO DA PEJOTIZAÇÃO E A PRECARIZAÇÃO DO EMPREGO

O advento da globalização (em detrimento da terceira Revolução Industrial) modificou o mercado de trabalho. Acontece que com esse evento o mercado de trabalho cada vez mais ficou competitivo. Não sendo essa a única consequência. Os processos produtivos mudaram e cada vez mais surgem inovações na seara trabalhista tornando fácil a prática de fraudes como é o caso da pejotização. A globalização ainda foi capaz de aumentar a desigualdade social e levou muitos à informalidade.

Leone Pereira explica esse processo de mudança. Vejamos:

“A globalização da economia e consequente aumento da competição, além da revolução tecnológica, determinaram um intenso processo de alteração de paradigmas. No âmbito de gestão empresarial, a nova política industrial trabalha com a ideia de reestruturação de setores sujeitos à condição de competitividade que consiste em produzir mais, com menos empregados” (PEREIRA, 2013, s/p).

Diante disso, os empregadores estão sendo cada vez mais exigentes no tocante às qualificações de sua equipe. Essa grande exigência e a pouca oferta de emprego leva os desempregados a aceitarem a usurpação de seus direitos e garantias trabalhistas em troca de uma oportunidade a fim de se inserir no mercado de trabalho.

Com essa mutação levantou-se um grande clamor para que sejam revistas as proteções e garantias dadas ao trabalhador tendo em vista que pode ser um excesso de direitos. A Reforma Trabalhista foi uma resposta dada pelo Estado para essas questões levantadas. Contudo, apesar de tentar inovar e trazer melhorias em alguns pontos não foi possível tal evolução.

Frente a esse contexto, aqueles que precisam alimentar suas famílias e obter renda através do seu ofício têm buscados formas alternativas para se inserir no mercado de trabalho aceitando até ser pejotizado.

Com o empregado sendo pejotizado é dada abertura à precarização do emprego. A precarização do trabalho ou do emprego significa piorar ou tornar precária as condições de direitos, meio ambiente do trabalho, etc. Pode ser facilmente confundida com a flexibilização.

A flexibilização é um instrumento para somar às transformações sociais trabalhistas. Muitas vezes é utilizada como justificativa para a precarização. Contudo a precarização permite que direitos fundamentais do trabalhador sejam mitigados como o direito de férias, décimo terceiro salário, adicional noturno, horas extra, licença maternidade e paternidade, FGTS, direitos referentes a seguridade social, etc. Ou seja, a pejotização está desvalorizando a mão de obra, o labor, o trabalho do indivíduo. Desvaloriza o valor social do trabalho, torna-o precário.

Sendo assim, apesar do fenômeno pejotização ser utilizado com máscara de empregabilidade ele consegue ser capaz de dificultar a vida do trabalhador, inclusive e principalmente de ordem financeira.

A Justiça do Trabalho vem desempenhando um papel muito importante para não dar oportunidade para a pejotização se desenvolver e finalmente se normalizar. A ementa de um julgado citada acima deixa evidente a intolerância da Justiça do Trabalho acerca da fraude de pejotização. O preenchimento dos requisitos de relação de emprego é a principal arma utilizada na luta contra esse tipo de ato fraudulento trabalhista. O Estado também é prejudicado com essa simulação de contrato de pessoa jurídica em sua arrecadação de tributos. 

Ora, a tributação também é motivo pelo qual o empregador busca realizar a fraude afinal de contas pagando cada vez menos impostos e se responsabilizando cada vez menos pelo trabalhador os rendimentos da empresa só tendem a crescer.

A pejotização abrange aspectos positivos e negativos. Para ele os aspectos negativos ou desfavoráveis são: o desrespeito aos princípios que são o alicerce do Direito do Trabalho. São eles o princípio da indisponibilidade/irredutibilidade dos direitos trabalhistas e o princípio da primazia da realidade que é um fundamento para descaracterizar a pejotização uma vez instituída como maneira de contratação; ao pejotizar se ofende os direitos fundamentais trabalhistas e principalmente o direito à dignidade da pessoa; não só ofende os direitos fundamentais como também os direitos trabalhistas e sociais; a precarização dos direitos trabalhistas; o rebaixamento da condição social do trabalhador; a flexibilização dos direitos trabalhistas; a inobservância da jornada de trabalho, e em razão dela decorrem acidentes de trabalho, surgimento de doenças ocupacionais e ainda a diminuição das horas dedicadas à vida pessoal do trabalhador (PEREIRA, 2013).

O autor também elenca os aspectos positivos que são os seguintes: maior possibilidade de negociação dos valores da prestação de serviços; diante da alta competitividade no mercado de trabalho há a possibilidade de se valorizar como profissional, também em razão da capacitação estar cada vez mais em voga no mercado e se buscando os bons profissionais; com a mitigação dos direitos trabalhistas e dos princípios, as amarras burocráticas são desfeitas. Com essa ausência das burocracias, surgem muitas possibilidades como a de prestação de serviço simultaneamente; e por mais que pareça divergente, surgem mais vagas de trabalho diante da redução da carga trabalhista (PEREIRA, 2013).

Apesar das colocações divididas em pontos positivos e negativos, o ponto principal dessa questão está relacionado a vulnerabilidade do trabalhador ao estar inserido nesse contexto de precarização de direitos. 

Ora, se a violação dos direitos trabalhistas àqueles que estão com um contrato de trabalho na conformidade da lei é capaz de lhe trazer grandes prejuízos, a incerteza da despejotização na vida de um trabalhador que aceitou a condição imposta de ser pejotizado por si só demonstra quão vulnerável está essa pessoa na relação jurídica.

 Os direitos trabalhistas são o bem mais precioso do trabalhador em virtude da segurança que ele tem em poder ter suas férias, décimo terceiro salário, o seu fundo de garantia, dentre outros direitos que não são apenas de cunho financeiro. O respeito à jornada de trabalho, proteção em casos de trabalhos insalubres, por exemplo, são direitos que são usurpados e que podem prejudicar até mesmo a saúde do trabalhador.

Portanto, apesar de muito se evidenciar os prejuízos financeiros ao trabalhador, é importante salientar a grande perda que este sofre ao ser obrigado a abrir mão de tantos direitos e garantias que existem no ramo do direito do trabalho, devendo ser amplamente evidenciada a aplicação do princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas.

 

CONCLUSÃO

Diante da presente pesquisa é possível auferir quão importante é separar o joio que é a precarização do emprego, do trigo que é a empregabilidade dentro do contexto em que está inserido o profissional. Apesar da possibilidade de haver pontos positivos e negativos na pejotização, não há dúvidas quanto a capacidade da precarização dos direitos fazer cair por terra os pontos vistos como positivos.

Não há como um trabalhador escolher abrir mão dos seus direitos. Seus direitos trabalhistas são indisponíveis e justamente pelo fato de serem indisponíveis é que está a demonstração de quão valiosos são os seus direitos, tão valiosos que o Estado não admite que um indivíduo seja capaz de abrir mão de suas garantias.

A precarização produzida pela pejotização prejudica não só as finanças do trabalhador, mas acima de tudo diminui o valor do seu trabalho, é capaz de torná-lo vulnerável, um trabalhador sem o seu merecido descanso de férias, sem o reconhecimento da sua jornada sendo cumprida em horas extras. Sendo assim, apesar de ser necessário olhar os dois lados da moeda, não há como comparar a sequela da pejotização com os seus pontos positivos que não conseguem traduzir o prejuízo que um trabalhador nessas condições possa vir a ter.

Além disso, os princípios do Direito do Trabalho, como por exemplo, da primazia da realidade e da indisponibilidade dos direitos trabalhistas podem ser utilizados para desfazer essa fraude que é a pejotização. Os elementos que configuram uma relação de emprego também são observados e levados em consideração para se concluir se ali está presente um trabalhador nessas condições.

Portanto, alguns trabalhadores que preenchem os requisitos necessários para a caracterização de uma relação de emprego entre ele e o empregador, mesmo nessa condição, estão entregando sua mão de obra através de um vínculo mascarado como um trabalhador pejotizado. Abrem mão de seus direitos mesmo sem poder para obterem a renda que é tão necessária para a sua subsistência e em contra partida há um empregador fazendo proveito de tal necessidade para se responsabilizar cada vez menos sobre o trabalhador, sendo este último o maior prejudicado nessa fraude.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 13 mai. 2020. 

BRASIL. Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11196.htm. Acesso em 13 mai. 2020. 

BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em 13 mai. 2020. 

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Acórdão Processo n. 0001416-46.2017.5.10.0020. Recorrente: William Fabricio Fernandes. Recorrido: Ctis Tecnologia S.A. Relator: Des. João Luís Rocha Sampaio, publicado em 18 ago de 2020. 

DELGADO, M. GODINHO. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. LTR Editora LTDA, 2019.

DUQUE, D. DAMASCENO, J. Pejotização: Uma Análise a Partir de Dados da PNADC. Blog do Instituto Brasileiro de Economia. Disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/pejotizacao-uma-analise-partir-de-dados-da-pnadc. Acesso em 13 mai. 2020. 

FACHIN, O. Fundamentos de Metodologia. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da Metodologia Científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas S.A, 2003. 

MARTINEZ, L. Curso de Direito do Trabalho. 11ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

PEREIRA, L. Pejotização: O Trabalhador Como Pessoa Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2013. 

RESENDE, R. Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: Editora Método Ltda, 2020


 Data da conclusão/última revisão:

 

Como citar o texto:

Geovanna Feitosa de Carvalho.A CONTRIBUIÇÃO DA PEJOTIZAÇÃO NA PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE EMPREGO. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1034. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/11121/a-contribuicao-pejotizacao-precarizacao-relacoes-emprego. Acesso em 7 jun. 2021.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.