O vale-transporte é um direito previsto pela legislação trabalhista para que o empregador auxilie o empregado nas suas despesas com o deslocamento residência-trabalho e vice-versa.
Como forma de incentivar a adoção desse mecanismo, a legislação determina que o vale-transporte não tem natureza salarial, nem configura rendimento tributável do trabalhador.
Para conceder o benefício, o empregador é autorizado a descontar 6% do salário básico do trabalhador. O empregador, portanto, adquire os vales-transporte necessários ao deslocamento do trabalhador e paga o valor que exceder a 6% do salário base.
Adotou-se no Brasil, em algumas empresas, a prática de pagar o referido benefício em dinheiro. Quando procedem assim, agem de boa fé e, muitas vezes, fundadas em convenções coletivas.
O Superior Tribunal de Justiça, contudo, tem reprovado essa prática. Há inúmeras decisões judiciais determinando que o vale-transporte pago em dinheiro passa a ter caráter salarial, com todos os seus reflexos em férias, 13o. salário, etc. As decisões determinam também que o pagamento em dinheiro faz com que o direito em questão torne-se fato gerador das contribuições previdenciárias (INSS).
Essa situação estava praticamente pacífica perante o Poder Judiciário.
Em 15 de fevereiro do presente ano, contudo, o Presidente da República editou a Medida Provisória n° 280, que tem força de lei, autorizando o pagamento do vale-transporte em dinheiro, desde que o valor desse pagamento não excedesse a 6% do limite máximo do salário-de-contribuição do Regime Geral de Previdência Social.
Em 23 de fevereiro também desse ano, entretanto, uma nova medida provisória foi editada. Trata-se da medida provisória n° 283, que revogou o artigo que permitia a concessão do vale-transporte em dinheiro.
Agora, novamente, as empresas que pagarem o vale-transporte em dinheiro estarão descumprindo a legislação trabalhista e sujeitando-se a penalidades que podem, por exemplo, equivaler a 100% da contribuição previdenciária não recolhida.
A situação é absurda, especialmente quando se considera que uma medida provisória somente pode ser editada em caso de relevância e urgência.
Isso significa dizer que em 15 de fevereiro, o presidente da república considerava relevante e urgente modificar uma legislação que já estava em vigor há mais de 20 anos para que o vale-transporte pudesse ser pago em dinheiro. O mesmo presidente, contudo, em 23 de fevereiro mudou de idéia e considerou relevante e urgente que o vale-transporte não mais pudesse ser pago em pecúnia e, por isso, determinou a volta ao sistema que antes vigorava.
É verdade que a forma de concessão do vale-transporte envolve longos debates ideológicos. Essa questão, no entanto, foge ao objetivo do presente artigo, que é chamar a atenção sobre a forma de condução da sociedade brasileira.
Vive-se no Brasil um grave clima de insegurança jurídica. As medidas provisórias são editadas de acordo com o humor do governante de plantão. No caso em tela, uma norma vigorou por nove dias. Há casos em que o tempo de vigência é ainda menor e isso afeta o valor mais caro ao ordenamento jurídico, que é a segurança.
É necessário que se limite a edição de medidas provisórias, devendo o Congresso Nacional tomar uma atitude enérgica nesse sentido. É necessário que deputados e senadores assumam a responsabilidade para a qual foram eleitos: legislar. Somente assim o cidadão brasileiro viverá em um verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Marcelo Harger
Advogado em Joinville (SC), mestre em Direito Administrativo e doutorando em Direito do Estado pela PUC/SP e membro do Conselho Estadual de Contribuintes de Santa Catarina.Website: www.hargeradvogados.com.br
Código da publicação: 1141
Como citar o texto:
HARGER, Marcelo..O vale-transporte e a edição de medidas provisórias. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 171. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/1141/o-vale-transporte-edicao-medidas-provisorias. Acesso em 27 mar. 2006.
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