Não raramente, aliás, muito pelo contrário, é comum que a classe patronal atribua à legislação trabalhista epíteto de benesse demasiada aos trabalhadores, imputando-lhe, muitas das vezes, a responsabilidade pela não prosperidade da atividade econômica.

Tal preconceito se põe absolutamente destituído de amparo lógico. Simples elucubrações de caráter econômico bastariam para apontar os verdadeiros vilões deste cenário de estagnação e, porque não dizer, recesso, porém, não é este o objeto deste texto.

Com efeito, a legislação que regula as relações de trabalho no Brasil, assim como muitas outras no mundo, inspira-se em princípios voltados basicamente a idéia de hiposuficiência do trabalhador, daí porque da legislação ser de proteção ao trabalho e ao trabalhador.

Contudo, descabido seria sustentar um pragmatismo ideológico unilateral, uma vez que, qualquer fenômeno produtivo, compreendido a partir do Sistema Capitalista, envolve tanto a força de trabalho quanto o capital, que, conjurados, representam os elementos imprescindíveis à capacidade produtiva.

Nesta seara, a legislação trabalhista precisa ser entendida como um mecanismo de doutrina da relação estabelecida entre partes distintas, porém, de igual relevância em face de um processo que é imprescindível à vida humana, mormente nos dias atuais.

Sob este preâmbulo, urge o corolário de que, o Direito do Trabalho é um conjunto de normas cuja função precípua é zelar pelo equilíbrio da atividade produtiva, observando os princípios da dignidade da pessoa, a isonomia material etc. Para isso, evidentemente, é preciso, como dizem os democratas contemporâneos, tratar desigualmente os desiguais, na exata medida em que se desigualam, a fim de realizar a “justiça de fato”.

Outrossim, por questões notadamente políticas, o legislador brasileiro inovou na ordem jurídica trabalhista, suplantando um mecanismo que visava a eficácia da norma trabalhista por outro que, teoricamente, prestigia as novas faces do cenário econômico.

Neste particular, o que ocorreu foi a ruptura com a Estabilidade empregatícia em favor de um Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o que, na verdade, implicou na absoluta ineficácia dos Direitos dos Trabalhadores (grifo).

Com efeito, o antigo sistema – estabilidade – embora por si só não representasse um instrumento altamente eficaz, era, inegavelmente, uma das grandes molas propulsoras da eficácia da norma trabalhista. Neste particular, deve-se destacar que, o poder (dever ou função, como queiram) judiciário, tem como princípios inafastável a chamada inércia, segundo a qual somente se pronunciará quando provocado de forma legítima e adequada.

Assim, a mera existência (validade e vigência) da uma lei não significa que tal produzirá seus efeitos tal e qual pressupõe “seu espírito”, para tanto, é preciso que existam mecanismos que lhe subsidiem a eficácia, inclusive nas hipóteses em que não haja cumprimento voluntário do imperativo legal.

A partir desta noção, pode-se concluir que, de fato, o arcabouço legal destinado a proteção da relação entre empregador e empregado tem nítida prelazia por este, contudo, a despeito de toda cautela principiológica, será que se pode afirmar a eficácia de referido arcabouço? Parece-nos que a resposta mais acertada é negativa.

Em linhas gerais, pela própria natureza do fenômeno, que, conforme já dito, reúne elementos díspares, e além disso, circunda uma atividade produtiva, portanto de cunho econômico (em linhas gerais, repito), por mais que se verifique uma tendência jurídica de tutela, que a grosso modo se coloca em guisa abstrata, formal, na prática, o que se depreende é uma relação de sujeição do hiposuficiente, sobremaneira pela inexistência de uma segurança quanto a continuidade de seu trabalho, o que, aliado ao cenário do mercado de trabalho, ilustram a receita perfeita da ineficácia da legislação trabalhista.

Diante deste quadro, por corolário, eis que urge uma assertiva, qual seja, na verdade, temos um Direito do Desempregados (grifo), e não dos trabalhadores, haja vista que, se a eficácia das normas esta diretamente vinculada a uma intervenção do estado (uma vez que adesão voluntária coloca-se abalada pela falta de fomento do cenário econômico-social), e esta só ocorre quando legítima e adequadamente avocada, temos que, isso só ocorrerá quando o sujeito ativo da demanda não mais estiver empregado, uma vez que, na vigência do Contrato de Trabalho (ou Emprego, como queiram), tal “provocação” do judiciário é quase nula, sobretudo em se tratando da classe proletariada de mão-de-obra física, braçal por assim dizer, que representa a grande maioria dos trabalhadores no Brasil.

Pelo exposto, conclui-se que, a ausência de um mecanismo legal voltado a estabilidade do emprego derruba a possibilidade de que a ordem jurídica trabalhista se imponha com a robustez necessária para lhe tornar de eficácia satisfatória. Neste particular, não há que se olvidar os fundamentos da suplantação desse sistema, haja visto que, o fulcro essencial deste processo foi a necessidade de crescimento econômico, isso, em um cenário pós segunda guerra mundial. Hoje, e especialmente no Brasil, o grande empecilho ao crescimento econômico – falando-se em iniciativa privada – é a carga tributária, onde se compreende a questão previdenciária, porquanto, pelas mesmas razões que levaram a sucessão do sistema anterior, deve-se suplantar o atual, que atrofia a iniciativa privada por lhe impor um ônus previdenciário. Ademais, o propósito almejado – ou pelo menos aquele apregoado – pelo “FGTS”, não se erige com propriedade em nossos dias, uma vez que, se o desemprego é um dos maiores males que assolam a sociedade brasileira, falar em período de recolocação no mercado é quase que irônico, utópico (isso desprezando a perspectiva de ascensão profissional, que era um dos elementos defendidos quando do processo de sucessão já delineado).

Em última análise, concluímos que, entre a ironia de uma recolocação ascendente e a segurança da estabilidade empregatícia, parece óbvio qual deve preponderar, mormente em um país cujos lastres de sustentação econômica são a agricultura e a exportação, geralmente correlacionadas, atividades estas onde a idéia de ascensão profissional encontra barreiras significativas.

 

Como citar o texto:

SILVA, Flavio Alexandre da..FGTS X Estabilidade: a receita da ineficácia das normas de proteção ao trabalho. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 203. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/1598/fgts-x-estabilidade-receita-ineficacia-normas-protecao-ao-trabalho. Acesso em 4 nov. 2006.

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