1. Introdução

 

2. Conceito de execução e a execução trabalhista

Toda atividade jurisdicional tem como função principal dirimir conflitos, gerando certeza, segurança e a efetivação de um direito.

Nessa sistematização, baseada na superada divisão tripartite dos processos (em processos de conhecimento, de execução e cautelares), o processo de conhecimento tem como função principal a certificação da existência de um direito, o cautelar a segurança e a execução, por sua vez, a função efetivadora deste mesmo direito.

De acordo com essa sistemática, tem-se a impressão de que cada processo possui exclusivamente uma única função, o que não é verdade, seriam apenas “funções dominantes”, afinal tem-se, por exemplo, cognição no processo cautelar, efetivação no processo de cognição.

Couture, com toda sabedoria e precisão, observa que “na ordem jurídica, execução sem conhecimento é arbitrariedade; conhecimento sem possibilidade de executar a decisão significa tornar ilusórios os fins da função jurisdicional”. (COUTURE, 1974, p.444)

A execução, em si, visa forçar o cumprimento de uma prestação pelo réu. Executar uma obrigação é, pois, dar-lhe cumprimento, vale dizer, realizar a prestação que ao devedor incumbe.

Se o cumprimento é espontâneo, diz-se que a execução é voluntária; se é obtida por meio de intervenção coativa do Estado no patrimônio do devedor, tem-se a execução judicial ou execução forçada.

Araken de Assis afirma que a execução é a transformação, operada no mundo dos fatos, com o emprego da força do Estado, em obediência a um comando judicial. Diz:

execução, vale recordar, se realiza no mundo real, implicando variações de fato, e não se contenta com ordens solenes ou declarações de princípio (ASSIS, 1998, p. 35).

o ato executivo possui a virtualidade de provocar alterações no mundo natural. Objetiva a execução, através de atos deste jaez, adequar o mundo físico ao projeto sentencial, empregando a força do Estado (ASSIS, 1998, p. 105).

a execução ostenta caráter específico, expresso nas transformações materiais destinadas à satisfação de direitos (ASSIS, 1998, p. 257).

a nota comum dos atos executivos recai no deslocamento coativo, abrangendo pessoas e coisas, e, no caso de se destinarem à satisfação do direito, na transferência, também forçada, de bens para outro círculo patrimonial(ASSIS, 1998, p. 22).

Assim, não constitui execução propriamente dita, o cumprimento espontâneo de obrigação declarada ou constituída por sentença. A espontaneidade exclui o requisito “emprego da força do Estado”.

Ao Estado, como se vê, está atribuída a titularidade do direito de praticar a execução forçada, cabendo ao credor apenas a faculdade de requerer a atuação estatal, através do seu direito de ação.

Destarte, a expressão “execução” contida na lei, compreende o exercício da prestação jurisdicional do Estado, por intermédio do Poder Judiciário ao qual recorre o credor para exigir do devedor o cumprimento, não efetuado voluntariamente, da obrigação resultante da sentença transitada em julgado ou de algum título extrajudicial a que a lei outorga efeitos executivos. Se o credor tiver seu direito assegurado num processo de conhecimento por sentença condenatória irrecorrível, ou reconhecido pelo próprio devedor num título executivo extrajudicial, estará autorizado a ingressar na execução a fim de que, pelo Estado, seja a sanção devida aplicada ao devedor inadimplente.

Via de regra, a execução visa a tirar bem do patrimônio do devedor, para, transformado ou não em dinheiro, entregá-lo ao credor.

O exeqüente, detentor de justo título, líquido, certo e exigível tem a possibilidade de satisfazer seu direito reconhecido mediante decisão judicial condenatória transitada em julgado ou através de título executivo extrajudicial, assim reconhecido, que preencha os requisitos necessários a conferir-lhe executividade.

Deste modo, para a execução prevalecem as mesmas condições genéricas de todas as ações: a legitimidade das partes, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido, sendo a aferição delas mais facilmente constatada porque a lei só irá admiti-la quando o devedor possuir título executivo e a obrigação nele documentada já seja exigível, consoante determina os artigos 583 e 586 do CPC.

Neste sentido, como bem salienta Humberto Theodoro Júnior (2004) pode-se estabelecer dois requisitos específicos da execução, um formal, que representa a existência de um título executivo atestando a certeza e liquidez da dívida, e um outro, prático, que é atitude ilícita do devedor, correspondente ao inadimplemento da obrigação, que comprova a exigibilidade da dívida.

A execução, segundo a técnica de efetivação utilizada pelo Estado, poderá ser direta ou indireta. Considerar-se-á direta se o Estado se sub-rogar na ação, como substituto do devedor inadimplente, procurando dar satisfação ao credor, proporcionando-lhe o mesmo benefício que para ele representaria o cumprimento da obrigação, e indireta se a parte for coagida a agir, tendo-se como exemplos de coação, a multa e a prisão.

Poderá ser ainda, definitiva ou provisória. Será definitiva quando ela, ao se iniciar, puder ir até o final; e provisória quando, iniciada, já se sabe que não poderá ir até o final, pois o título no qual se funda é ainda precário, pendendo recurso sobre ele por não ter transitado em julgado.

Considerar-se-á a execução como imprópria quando tratar-se apenas de realização de atos voltados para a complementação da efetivação de direitos potestativos. Apesar desses direitos, como regra, se realizarem com o verbo, às vezes, precisam de uma complementação física, por exemplo, o divórcio precisa de sua averbação para ser efetivado. É, portanto, a complementação de uma satisfação já obtida.

No que diz respeito à Execução Trabalhista, antes de tudo, deve-se pontuar que se encontra regida pela Consolidação das Leis do Trabalho nos artigos 876 a 892, cujas seções têm os seguintes subtítulos: das disposições preliminares, do mandado e da penhora, dos embargos à execução e da sua impugnação, do julgamento e dos trâmites finais da execução, da execução por prestações sucessivas.

Entretanto, o legislador da CLT, foi previdente ao estabelecer no seu artigo 769 que:

nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.(CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS, 1943)

Na Justiça do Trabalho tem prevalência a execução por quantia certa, em que o objeto é a expropriação de bem do devedor para o pagamento do credor, e cuja forma de executar está prevista no artigo 880 da CLT.

O Juiz ou Presidente do Tribunal, requerida a execução, mandará expedir mandado de citação ao executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas, ou em se tratando de pagamento em dinheiro, para que pague e 48 horas, ou garanta a execução, sob pena de penhora. (CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS, 1943)

A execução poderá ser feita provisoriamente, ou seja, quando a decisão ainda não transitou em julgado, e o recurso interposto foi recebido apenas no efeito devolutivo, vale dizer, sem efeito suspensivo, como acontece, via de regra, no Processo do Trabalho.

No Processo do Trabalho, depois de transitada em julgado a Sentença, esta poderá ser objeto de Liquidação e, em seguida, de execução, que será processada, nos próprios autos da ação de conhecimento.

Conceituando-se Liquidação de sentença, José Augusto Rodrigues Pinto (2002), diz ser o conjunto de atos que devem ser praticados com a finalidade de estabelecer o exato valor da condenação ou de individualizar o objeto da obrigação.

A doutrina dominante, a exemplo de Graziella Zappalá Giuffrida Liberatti, concebe a liquidação como uma fase preparatória da execução; ela antecede a execução, apesar de ser parte integrante da mesma. (LIBERATTI, 2003, p. 03)

Isso ocorre, pois, a maioria das sentenças de processos trabalhistas, após proferidas e transitadas em julgado, não possuem valor determinado, necessitando, assim, de liquidação para apuração dos valores a serem executados, conforme preceitua o artigo. 879 da CLT.

Pelo disposto no mencionado artigo 879 da CLT a liquidação pode se dar por três modos: por cálculos, arbitramento ou artigos.

Por fim, vale lembrar apenas que, no Processo Trabalhista, a despeito do princípio da inércia da jurisdição, o Juiz pode iniciar, de ofício, a execução.

3. Princípios da Execução

Partindo do pressuposto de que todo sistema jurídico possui linhas gerais que o conduz, os chamados princípios, com o processo de execução também não é diferente.

Na Execução são seus princípios norteadores que emprestam notas típicas ao modo desta se processar e aos seus institutos, bem como orientam e inspiram à elaboração e o modo de aplicar e interpretar as normas legais.

A fim de desenvolver um estudo mais completo, de início, torna-se necessário averiguar qual o significado do vocábulo princípios dentro do ordenamento jurídico, para que somente assim, se possa adentrar e discorrer a respeito dos pontos cruciais de pesquisa deste trabalho.

Os princípios seriam definidos como “certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”. (REALE, 1991, p.300)

Em seus ensinamentos, os estudiosos dos vocábulos jurídicos, afirmam que “os princípios são o conjunto de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em uma operação jurídica”. (SILVA, 1991, p.447)

Ainda neste sentido, segundo Bandeira de Mello (1991), princípios são, por definição, mandamentos nucleares de um sistema, verdadeiros alicerces dele, disposições fundamentais que se irradiam sobre diferentes normas, dando a estas o seu verdadeiro espírito e exata compreensão e inteligência, exatamente por definirem a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe conferem a tônica e lhe dão sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que possibilita a compreensão das diferentes partes componentes do todo unitário que é o sistema jurídico positivo.

Resta, portanto, concluir que os princípios constituem o fundamento maior de uma ciência jurídica, possuindo fundamental importância dentro de um ramo do direito, seja na elaboração da norma legal ou na aplicação em face dos casos concretos.

Em se tratando de Execução, podemos destacar alguns princípios.

São princípios do processo de execução como um todo: o princípio da autonomia, o princípio da disponibilidade, princípio da execução menos gravosa ao devedor, princípio da responsabilidade, princípio do contraditório, princípio da maior coincidência possível, e princípio do título.

Críticas surgem em relação ao aludido princípio, afirmando que embora se trate de um princípio, o melhor entendimento é de que a atividade executiva esteja no próprio processo cognitivo, sendo este considerado um princípio sem muita razão de ser.

O Princípio da Disponibilidade, esculpido no artigo 569 do CPC, reza que o credor poderá desistir da execução, ou de algumas medidas executivas. O processo de execução está à disposição do credor, pois este visa satisfazer o seu crédito. No processo de conhecimento, a desistência do autor é condicionada, pois visa gerar a certeza de que é interesse de ambas as partes. Já a execução, visa satisfazer apenas o interesse do credor, por isso, este pode desistir do mesmo.

Todavia, com relação ao princípio da disponibilidade no processo de execução, há alguns limites que precisam ser salientados: a desistência não é cabível após a assinatura do termo de arrematação, consoante regra do artigo 694 do CPC; a desistência unilateral não será possível nas execuções de prestação de fazer fungível, quando esta já tiver sido cometida por terceiro, consoante às regras dos artigos 634 e 634 § 3º do CPC.

Outra limitação ao mencionado princípio, diz respeito à desistência, da ação de execução por quantia certa contra devedor insolvente, que somente pode ser realizada até a sentença declaratória de insolvência, pois daí em diante esta sujeita à anuência do devedor, mediante regra do artigo 761 do CPC.

O próprio parágrafo único do artigo 569 do CPC diz respeito aos limites do princípio da proporcionalidade. Como ao devedor é garantido se defender através dos embargos à execução, onde ele pode discutir a dívida em si (o chamado embargos de mérito) e os embargos sobre a validade do processo (o chamado embargos processuais), havendo embargos processuais, o credor poderá sempre desistir sem anuência, conforme preceitua o artigo 569, alínea a do CPC.

Havendo, entretanto, embargos de mérito, o credor só poderá desistir com a anuência do embargante/ devedor, segundo a alínea b deste mesmo artigo.

O Princípio do Título é o princípio da nulla executio sine título, considerado como pressuposto jurídico da ação de execução, que reza que todo processo de execução só pode ser instaurado se o credor for portador de um título que o justifique.

Existe também o Princípio da Responsabilidade ou Patrimonialidade, preceito esculpido no artigo 591 do CPC, que determina que só pode responder pela dívida o patrimônio do devedor, ressalvada a parte coberta pelas vedações, exclui-se portanto, a possibilidade do devedor ter, por exemplo, a sua integridade física violada em decorrência da existência de uma dívida.

Isso decorre do fato de que toda execução é real, isto é, a atividade jurisdicional executiva incide sobre os bens do devedor, e não sobre a pessoa do mesmo.

Ademais, em que pese alguns considerarem que o Princípio do Contraditório não existe no processo de execução, sendo adstrito ao processo de conhecimento, o aludido princípio também se encontra presente na execução.

Com efeito, somente não existirá contraditório a respeito do montante devido já decido. O mérito, o valor do título não se pode discutir. Se não houvesse contraditório, como poderia o devedor não concordar com os cálculos feitos pelo contador ou com o valor do bem vendido.

Porque o Princípio da Especificidade da execução ou da Maior Coincidência Possível, segundo Humberto Theodoro Júnior,

a execução deve ser específica, no sentido de propiciar ao credor, na medida do possível, precisamente aquilo que obteria, se a obrigação fosse cumprida pessoalmente pelo devedor. Permite-se, porém, a substituição da prestação pelo equivalente em dinheiro (perdas e danos) nos casos de impossibilidade de obter-se a entrega da coisa devida (art. 627), ou de recusa da prestação de fato (art 633). (JUNIOR THEODORO, 2004, p.12)

Logo, o processo de execução deve resultar para o credor da forma mais coincidente possível com o seu direito. A tutela deverá ser a mais específica possível.

3.1 Princípio da Execução Menos Gravosa

Outro princípio de suma importância à execução, e objeto do presente trabalho, portanto merecendo destaque, é o Princípio da Tutela do Executado, também conhecido como Princípio do Menor Sacrifício do Executado, ou ainda, Princípio da Execução Menos Gravosa ao Devedor, segundo o qual, em que pese a preocupação com a total satisfação do crédito, por outro lado, procura-se não prejudicar o devedor de forma desnecessária.

Denominado também por alguns de “princípio da economia”, encontra-se enunciado por Cláudio Viana de Lima, da seguinte forma:

Toda execução deve ser econômica, isto é, deve realizar-se da forma que, satisfazendo o direito do credor, seja a menos prejudicial possível ao devedor (LIMA, 1973, p. 25).

Considerado como regra de proteção ao executado, no texto do Código do Código de Processo Civil, o princípio em análise encontra-se traduzido no artigo. 620, in verbis:

[...] quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.(CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 1973)

Anota Alcides de Mendonça Lima que:

Historicamente, a execução evoluiu dos atos contra a pessoa do devedor para o seu patrimônio. A prisão do devedor e, até, o seu esquartejamento cederam lugar a providências contra seus bens. Gradativamente, à medida que as instituições processuais progrediam, menos drásticos se tornavam os meios executivos, tanto os de coação como os de sub-rogação (LIMA, 1990, p. 601).

O mesmo processualista, explica ainda de forma singular, a justificativa para existência do aludido primado em sede de execução:

modernamente, ainda que a execução seja realizada como resultado do exercício de um direito do credor, para satisfazer à obrigação assumida pelo devedor, nem por isso o sujeito passivo deve ser inutilmente sacrificado, quando, por outro modo que não o usado pelo sujeito ativo, seja atingido o mesmo objetivo quanto à solvência da prestação. O interesse social e a finalidade ética do processo exigem, sem dúvida, que a dívida (em acepção ampla) seja totalmente adimplida. Mas nem assim o credor tem o direito de agravar a situação do devedor, no curso da execução, escolhendo meio mais oneroso do que outro que possa alcançar o mesmo alvo, quer por ignorância como, geralmente, por má-fé, com a intenção preconcebida de lesar o devedor (LIMA, 1990, p. 601-602).

É bom lembrar, como assim fez Alcides de Mendonça Lima (1990) que a regra em apreciação não é novidade em nosso ordenamento jurídico, já se encontrando presente desde o antigo Código de 1939, no seu artigo 903, ocasião em que era interpretada como decorrência do princípio do favor debitoris, segundo o qual se concedia ao sujeito passivo um benefício especial com o intuito de se evitar um agravamento maior que, normalmente, a execução já lhe causa.

Frise-se que, o tom do enunciado do art. 620 do vigente CPC – "o juiz mandará" – não deixa dúvida de que a aplicação do primado em tela, não se trata de mera faculdade judicial, mas sim, de norma cogente.

Logo, conforme explica Alcides de Mendonça Lima (1990) se o credor desobedecer qualquer dos dispositivos que garantem ao devedor uma execução mais suave ou se o devedor mesmo usar da prerrogativa assegurada em seu benefício, o juiz, na primeira hipótese, não deverá permitir a iniciativa, determinando que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor; e na segunda, deverá autorizar o pedido do devedor.

O aludido dispositivo confere, assim, amplos poderes ao juiz, que poderá agir de ofício, restando claro que, podendo o mais (agir de ofício), o juiz também poderá o menos, isto é, indeferir postulações do credor, se entender que a sua efetivação seja gravosa para o devedor.

O importante é, em todos os casos, que, qualquer que seja o meio empregado, haja a obtenção do fim pretendido pelo exeqüente, que é a sua reparação, e o menor sacrifício possível para o executado.

Essa tutela assegurada ao executado pode ser também vislumbrada por via do artigo 574 do CPC, que obriga o credor a ressarcir ao devedor “os danos que esse sofreu, quando a sentença passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que ensejou a execução.”

Assim, na hipótese de se ter uma sentença posterior que nega direito ao credor contra o devedor, por exemplo, através de uma rescisória, trará para o suposto credor responsabilidade objetiva sobre os prejuízos causados ao devedor.

Deste mesmo princípio, decorre um outro, o Princípio de que a execução tende apenas a satisfação do direito do credor, sendo que a penhora sobre os bens do devedor deverá somente ser efetuada para satisfazer o montante devido, e nunca mais que isso, consoante leitura do artigo 659 do CPC.

Conjuga-se ainda tal princípio, com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Previsto no artigo 1º, inciso III, do Diploma Maior cumulado com o artigo 649 do CPC, este reza pela impenhorabilidade de determinados bens, visando, assim, o preceito de que a execução, conforme ressalta Couture (2001) não deve “causar a ruína, a fome e o desabrigo do devedor e de sua família”, pois desta forma, estaria à execução a gerar situações incompatíveis com o princípio constitucional supra citado.

Não se tolera que o direito de executar possa ser manejado de tal maneira a levar o executado "a uma situação incompatível com a dignidade humana" (COSTA, 1959, p. 53).

Seguindo este mesmo raciocínio, o legislador editou a regra do artigo 649 do CPC, bem como a Lei de Impenhorabilidade dos bens de família.

Compõe esta tutela a impossibilidade de penhora de bens de valor inferior às custas do processo, de valor insignificante; sob o fundamento de que é irrazoável a retirada do patrimônio de alguém para fim inútil, afinal a dívida não será paga.

Os instrumentos imprescindíveis ao trabalho do devedor também são impenhoráveis, assim como a penhora excessiva também é proibida.

Em se tratando, pois, de um direito subjetivo do executado, conclui Pontes de Miranda que:

Na aplicação do art. 620, o juiz não tem arbítrio, mas sim dever de escolher o modo menos gravoso para o devedor (MIRANDA, 1976, p.43)

Sendo assim, o ilustre Pontes de Miranda (1976) conclui que o credor, por sua vez, não tem escolha entre o meio menos gravoso e o mais gravoso para o devedor. Somente pode, validamente, pleitear aquele meio, entre os vários possíveis, que onere menos o executado. Os outros se tornam, por conseqüência lógica, ilegais. E, "se a escolha foi contra a lei..., tem o juiz de indeferir o pedido".

4. Princípios da Execução Trabalhista

A Execução é, sem sombra de dúvidas, a fase processual do Direito do Trabalho, que envolve mais complexidade e desafio à função judicante, quanto à aplicação dos princípios, já que é nela que se vislumbra verdadeiramente a prestação jurisdicional, com a entrega do bem da vida perseguido no processo.

Não bastasse a complexidade peculiar desta fase processual, o legislador demonstra seu descaso com essa fundamental fase de procedimento trabalhista na abordagem tímida e superficial que empresta à matéria, regulada por apenas 17 artigos, os artigos 876 a 892 da CLT. Agrava o quadro com a remissão a pouco aplicada Lei nº. 6.830/80 (que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências) que, por não preencher todas as lacunas da CLT, exige à aplicação do Código de Processo Civil.

Registre-se que, por conseqüência lógica da mencionada aplicação subsidiária do Direito Processual Comum ao Direito Processual do Trabalho, trazida no artigo 769 da CLT, também deve se aplicar, supletivamente, os princípios supra explanados, na Execução Trabalhista, desde que compatíveis com os princípios que regem o processo trabalhista.

Como bem salienta José Augusto Rodrigues Pinto,

o Direito do Trabalho, como ramo da ciência jurídica, também se servirá obrigatoriamente de outros princípios peculiares a determinados ramos, princípios gerais, como o princípio da razoabilidade de conduta, da proporcionalidade, princípio da boa-fé nos contratos, princípio do não locupletamento com a própria malícia, dentre outros inúmeros, conforme autoriza de forma expressa o artigo 8o da Consolidação das Leis Trabalhistas. (PINTO, 2003, p.80).

Destarte, como é de se esperar, a Execução Trabalhista também possui princípios próprios a sua fase, que costumam seguir a mesma lógica dos princípios do Direito Material do Trabalho, mas precisamente o princípio da proteção; dando origem a princípios como o da Superioridade do Exeqüente Trabalhista, “axioma” segundo o qual a execução se faz no interesse e benefício unicamente do Exeqüente.

Passemos à análise dos mesmos:

a) Princípio da superioridade do exeqüente trabalhista

Segundo este primado, o exeqüente encontra-se num plano de superioridade em relação ao executado.

Essa posição de superioridade parte do pressuposto de que o contraditório e a ampla defesa já foram exercidos quando da fase de conhecimento, daí porque não se verifica mais a igualdade das partes.

O devedor está sujeito à execução, devendo suportar os prejuízos e gravames inerentes à sua condição. Dado o axioma segundo o qual a execução se faz no interesse e benefício do exeqüente.

Essa ideologia permeia todo o processo de execução e ganha vulto na esfera trabalhista, onde a execução se faz para satisfazer o crédito do trabalhador, visto, em regra, como a parte hipossuficiente.

O princípio da superioridade do exeqüente, igualmente conhecido como princípio do resultado, está consagrado em várias regras do CPC, da CLT e da L. 6.830/80 (aplicável ao processo do trabalho em razão do disposto no art. 889 da CLT).

Desse princípio, extraímos premissas e conclusões valiosas. Em primeiro lugar, a compreensão para alguns de que o princípio da execução menos gravosa ao devedor, consagrado no art. 620 do CPC, se aplicável ao processo do trabalho, não se afirmaria no mesmo patamar do processo comum.

Entretanto, podem conviver harmonicamente, pois o fato de promover uma execução menos onerosa, nem sempre implicará em prejuízo do empregado. E se eventualmente ocorrer choque entre eles, deve-se o princípio da proporcionalidade, o que será abordado no item 4.1 do presente trabalho.

Outra conseqüência reside na superioridade absoluta atribuída ao crédito trabalhista, o que traz implicações dignas de registro, como a prática de constrição sobre bens hipotecados ou alienados fiduciariamente, execução não sujeita a concurso ou juízo universal etc.

É tomando como foco este princípio que na esfera trabalhista, diversas situações são deduzidas: a execução de ofício, limitação dos recursos cabíveis na execução e o seu efeito meramente devolutivo (salvo no tocante aos casos em que haja controvérsia acerca de valores, quando o apelo nesse aspecto tem o condão de sobrestar a execução), a cognição restrita dos embargos à execução (art. 884, § 1º, da CLT) e a execução definitiva na pendência de recurso extraordinário (art. 893, § 2º, da CLT).

Sofre, outrossim, influência desta orientação a desconsideração da personalidade jurídica para efeitos de penhora, arresto e outras medidas constritivas sobre bens dos sócios ou gerentes (LTDA) e acionistas (majoritários), administradores e diretores (S/A).

b) Princípio da patrimonialidade ou da natureza real

À execução trabalhista, como a todo tipo de execução, se atribui conteúdo real, ou seja, a execução visa o patrimônio do devedor (art. 646, do CPC).

Esse princípio reside em outro, estabelecido no art. 591, do CPC, segundo o qual o executado responde na execução com seus bens, tanto os presentes como os futuros.

No processo moderno, contudo, a rigidez dessa patrimonialidade, em certos casos, cede espaço ao emprego de medidas coercitivas sobre a pessoa do devedor, que podem ser, ou não, consideradas exageradas a depender do caso.

Isso acontece por que, não se contenta mais o legislador com a mera penhora de bens ou a conversão de obrigações e deveres em indenizações. A busca da efetividade gera hoje uma prática cada vez maior da utilização de arsenal de medidas pelo juiz para a satisfação concreta do direito ou interesse da parte.

c) Princípio da utilidade

A execução, como toda atividade jurisdicional, há de ser útil. Logo, não comunga com atos e diligências sem relevância prática, tampouco com meros caprichos do credor.

Desta maneira, deve-se ter como proibida a realização de penhora quando evidente sua total inutilidade para o pagamento dos créditos do obreiro (art. 659, § 2º, do CPC). Presente essa situação, o juiz precisa sobrestar o andamento da execução, a ser reativada na oportunidade em que forem encontrados bens aptos a ensejar uma execução frutífera.

d) Princípio do superprivilégio do crédito trabalhista

Esse princípio orienta o pensamento daqueles que lutam pela inexistência da vis atractiva operada pela falência e pela liquidação extrajudicial junto aos créditos trabalhistas, ao fundamento de que sendo créditos de natureza alimentícia, preferem a qualquer outro, mesmo previdenciários, fiscais e tributários.

É em função desta superioridade atribuída ao crédito trabalhista que por vezes, pode-se verificar penhora de bem hipotecado, de bem dado em garantia de cédula de crédito industrial e bem adquirido em alienação fiduciária e arrendamento mercantil, práticas afastadas na seara cível, por exemplo.

Com efeito, Cláudio Armando Couce de Menezes (2003), afirma que o crédito trabalhista seria superprivilegiado, sobrepondo-se a todos os demais. Assim, não pode ter um tratamento inferior ao da hipoteca, independente de ter sido constituída antes ou depois do crédito laboral.

O crédito real é destituído de qualquer eficácia para afastar execução fazendária, de acordo com o disposto nos artigos. 10 e 30 da LEF (Lei. 6.830/80), então, diante da superioridade do crédito trabalhista em face aos demais, também se afastaria o crédito real quando este configurar empecilho à sua execução.

O crédito trabalhista, por gozar de superprivilégio, coloca-se acima do próprio executivo fiscal, só cedendo lugar ao crédito acidentário (art. 186 do CTN - L. 5.172/66), à lei dos executivos fiscais (L. 6.830/80).

A justificativa por vezes estaria na hipótese de se tratar de uma situação em que o trabalhador, após anos de percalços judiciais; encontra apenas um único bem para satisfazer o seu crédito, justamente o que está hipotecado e não executado pelo credor hipotecário, logo, em razão aos reclamos da efetividade da prestação jurisdicional não pode ser ignorado em favor de credores civis ou comerciais. Até porque seus créditos não gozam do prestígio que a lei concede ao hipossuficiente.

e) Princípio do dever de indicação obrigatória dos bens sujeitos à execução

Dispõe o art. 600, IV, do CPC, que o executado incorre em atentado à dignidade da Justiça quando “não indica ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução”. Alguns processualistas sustentam que tal proceder consiste em autêntico dever do executado, cujo descumprimento levaria a preclusão da faculdade de nomeação de bens para efeito de penhora, e eventual cominação pelo magistrado de pagamento da multa do art. 601 do CPC.

O respeito ao princípio da indicação obrigatória de bens, que também encontra apoio nos incisos I e III, dos arts. 600, e 17 do CPC, é de fundamental importância para a satisfação do direito do credor trabalhista.

Busca-se afastar com isso, manobras procrastinatórias à execução, como a omissão na informação do paradeiro dos bens, que se confunde com a própria ocultação fraudulenta de bens e além de configurar, outrossim, resistência injustificada ao andamento do processo.

Para que a localização dos bens do devedor seja possível, o Direito brasileiro autoriza ainda a requisição de informações junto aos órgãos e entes públicos, bancos privados e estatais, mercê da quebra dos sigilos fiscal e bancário.

Existem inclusive alguns convênios, feitos entre o Judiciário e as instituições financeiras, em decorrência deste aludido princípio, a exemplo do BACENJUD (convênio firmado entre o Banco Central e o Poder Judiciário, para o fornecimento de informações de contas bancárias em nome dos executados).

Por ora, importante se faz destacar que a realizada identificação e a análise correta dos princípios norteadores da Execução, são de fundamental importância para a solução de inúmeros problemas da execução trabalhista sem prejuízo da efetividade da prestação jurisdicional.

5. Conclusão

Após toda exposição, resta arrematar que vez e outra vai haver execução e que não existe execução não gravosa. O que deve nortear os aplicadores da lei, mais especificamente na pessoa dos juízes é que se existe forma de proceder com a execução de maneira menos dispendiosa, custosa para o executado, a mesma deve ser adotada em detrimento das outras, com base até no princípio protetor que norteia o Direito do Trabalho.

É, ainda, regra que precisa ser observada em todas as situações, visando concretizar a execução, alcançando o objetivo, mas não destruindo o executado que, por estar sendo executado, já está de qualquer maneira, sendo “castigado”.

Espera-se, com as reflexões apresentadas, contribuir para o debate sobre a aplicação do princípio da execução menos gravosa no processo do trabalho, lembrando, o jurista não, pode deixar de ser responsável por diminuir as amarguras da vida de cada pessoa, oferecendo opções menos danosas para solução dos problemas e as dificuldades afligem a vida.

6. Referências

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Tribunais, 1998.

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Data de elaboração: julho/2010

 

Como citar o texto:

SILVEIRA,Clariana Oliveira da..Abordagens sobre a execução trabalhista e os princípios aplicáveis. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/2163/abordagens-execucao-trabalhista-os-principios-aplicaveis. Acesso em 18 fev. 2011.

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