RESUMO: A polêmica questão do jus postulandi atualmente tem sido severamente combatida, e a maior crítica tem recaído sobre sua presença na justiça trabalhista, é perceptível que tal instituto teve um início sui generis, mas cuja aceitação nos dias atuais se mostra como uma afronta a busca da verdade real, a concretização da justiça e à satisfação dos interesses envolvidos. Interessante notar que o atual posicionamento do ordenamento brasileiro, assim como da doutrina e jurisprudência majoritária são na verdade uma afronta aos princípios norteadores do direito, à letra expressa da Constituição Federal e mesmo a mais simples e elementar lógica, devendo de pronto ser rejeitada e combatida.

PALAVRAS-CHAVE: 1 Jus postulandi. 2 Advogado trabalhista. 3 Segurança jurídica. 4 Justiça

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INTRODUÇÃO

     Observado a atual tendência e expansão do jus postulandi surgem fortes críticas as suas benesses, as quais levantam temas como a relevância e o papel do advogado no seio da sociedade, assim como que meios se mostram como realmente efetivos na proteção dos hipossuficiêntes, ou mesmo qual o real papel do judiciário, questões às quais não se pode manter o silêncio sob pena de se ter por aceitável severas e danosas conseqüências.

Tal tema ganha ares cada vez mais preocupantes quando observado que a Justiça do Trabalho, os Juizados Especiais Cíveis e os Juizados Especiais Federais têm estabelecido a possibilidade de ingresso em juízo sem a necessidade do acompanhamento de um advogado como um princípio nobre e essencial, tendência esta que já encontra defensores de sua aplicação em todos os âmbitos do judiciário.

Ocorre que a grande maioria dos postulantes ingressa em juízo sem um mínimo de conhecimento técnico jurídico, mas em contrapartida, em geral, encontram, como parte adversa, grandes empresas ou detentores de uma confortável situação econômica, representados com toda uma equipe preparada e especializada para este fim, o que gera um desequilíbrio evidente e perigoso.

Neste ponto pergunte-se, será que tal jus postulandi é realmente uma vantagem? Será que garante acesso à justiça e à verdade? Ou poderia ser uma mera ilusão? Uma máscara sutil, mas causa de grandes e terríveis desdobramentos?

1 ANÁLISE CONCEITUAL

Em linhas gerais e visando apenas uma introdução ao tema tem-se que jus postulandi trata-se de uma expressão latina que faz menção a prerrogativa de postular em juízo, em geral, privativa de advogado, sendo o jus postulandi das partes um instituto que permite a qualquer indivíduo capaz postular pedido e/ou defesa perante o Poder Judiciário independentemente da representação por advogado.

No ordenamento brasileiro tal possibilidade revela-se como uma exceção a regra e encontra-se aplicável apenas em casos específicos, quais sejam, na impetração de habeas corpus (Código de Processo Penal, art. 654), na reclamação de alimentos (L. 5.478/68, Art. 2º), em processos relativos à condição de nacionalidade (L. 818/49, Art. 6º, §5º), nos decorrentes de acidentes de trabalho (L. 6.367/76, Art. 13), nas causas cíveis com valor até 20 salários mínimos ou nas federais até 60 salários mínimos e nas Ações trabalhistas (Decreto-Lei 5.452/43), além dos casos de inexistência, recusa ou impedimento do auxílio de um advogado (Código de Processo Civil, Art. 36).

Sobre tais exceções Orlando Teixeira da Costa, referindo-se aos artigos 791 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), 36 do CPC, 9º da Lei 7.244/84 e 2º da Lei 5.478/68, escreve:

Este breve elenco ressalta a preocupação do legislador de amparar o pobre, o desvalido, o hipossuficiente, possibilitando-lhe acesso ao Poder Judiciário sempre que a circunstância ou a natureza do pedido justificarem. Seria incompatível com o interesse público que a lei vedasse a essas pessoas reclamar alimentos, salários ou formular pedidos de pequena significação econômica; por isso, a lei reconheceu, excepcionalmente, que o patrocínio do advogado poderá ser facultativo nesses casos. (1994, pag. 543)

Em tese, essa capacidade postulatória visa garantir à toda a sociedade o direito constitucional de livre acesso à Justiça (Art. 5º, inciso XXXVI), de feita que restringir tal direito a obrigatoriedade da presença de qualquer profissional seria macular este livre acesso e gerar um corporativismo nacional e perigoso.

Nestas linhas iniciais percebe-se que alguns conceitos precisam ser estabelecidos para devida abordagem do tema, assim, mister se faz a compreensão do que vem a ser o profissional denominado “advogado”, assim como do que a atual Carta Magna brasileira estabeleceu como direito fundamental do livre acesso ao judiciário.

Pois bem, por advogado tem-se um profissional conhecedor das ciências jurídicas e devidamente habilitado junto a Ordem dos Advogados do Brasil. Neste ponto cabe destacar que não lhe basta apenas o término de um bacharelado, mas também se faz necessário a inscrição e manutenção de seu cadastro junto ao órgão legalmente competente. Assim, este é não apenas um conhecedor de determinado assunto, mas também, e com muito mais ênfase, um mediador entre a lei e a sociedade, entre a justiça e o humano, um representante por excelência.

Já o direito de livre acesso ao judiciário nada mais é do que o próprio direito de ação, o qual tem íntima relação com o do devido processo legal, tratando-se de duas faces de uma mesma moeda. A quinta emenda da Constituição norte-americana expressamente afirma que “ninguém será privado da vida, da liberdade ou da propriedade sem o devido processo legal” e este é um ótimo resumo do devido processo legal, mas visto da perspectiva da defesa, de outra feita tem-se que a todos será concedido o direito de ingressar em juízo para concretização e pleito de seus direitos, e isto sem entraves ou obstáculos. Tratando do acesso à Justiça, assim preceitua Paulo Roberto de Gouvêia Medina:

Quando se fala em acesso à Justiça, têm-se em vista as condições oferecidas às pessoas para postular suas pretensões, sem entraves burocráticos ou financeiros. Os ônus impostos às partes não podem ser de molde a tolher-lhes o exercício do direito de ação. Repugna, por isso, ao princípio do devido processo legal a estipulação de custas ou taxas judiciárias em valores exorbitantes. Assim como não compadece com este princípio fundamental a exigência de garantia de instância para recorrer. (2010, pág. 37)

Atente para o exemplo citado pelo doutrinador, o qual afirmou que o direito de postular suas pretensões não pode ser barrado pela burocracia ou limitações de ordem econômica como a aplicação de exorbitantes taxas judiciárias ou garantias para recurso. Em momento algum houve a defesa por uma anarquia processual, de modo que as pretensões seriam efetivadas de qualquer forma, mas ocorreu, sim, a defesa de um acesso justo e equitativo.

2 DESENVOLVIMENTO E APLICAÇÃO

     Visando alcançar uma abordagem da questão ainda mais segura e serena nada melhor do que observar como ocorreu a formação do atual modelo de acesso livre e pessoal ao judiciário e como esta se concretiza e é aceita no seio da sociedade.

2.1 UM OLHAR PELO MUNDO

     Um fato é possível afirmar sem sobra de dúvidas: nem o jus postulandi nem a polêmica que o envolve são privilégios do Brasil. Voltando a atenção para a Europa têm-se nada menos do que nove países nos quais os advogados são dispensáveis em qualquer área de atuação, tais países são: Inglaterra, Áustria, Finlândia, Espanha, Suécia, Albânia, Bulgária, Romênia e Bósnia.

     Em inúmeros outros a atuação deste profissional apenas é obrigatória em determinadas ocasiões ou fases processuais como, p.e., na República Tcheca na qual este representante precisa estar presente quando os processos alcançam a Suprema Corte.

     No outro extremo desta linha temos uma série de Estados que encaram tal mediação como uma atividade única, extremamente séria e hábil a causar grandes danos, de feita que se faz necessário a sua constante observância e fiscalização. Um bom exemplo é a Itália, país no qual nenhum advogado pode adquirir o título de especialista se tiver menos de seis anos de atuação e mesmo os que atendem a tal requisito ainda tem que participar de um curso e provas regularizados pelo Consiglio Nazionale Forense[2], como se tal não bastasse ainda há uma limitação para as especializações reconhecidas, quais sejam, família, responsabilidade civil, comercial, trabalhista, empresarial, concorrencial, tributário, administrativo, penal e União Européia, podendo um profissional acumular apenas duas especializações.

O certo é que desde a antiguidade a advocacia era exercida por um grupo específico[3], fato este que ganhou grande ênfase na Grécia antiga, com seus filósofos e grandes oradores. Na Roma primitiva a advocacia era exercida com exclusividade pelos Patrícios, até a promulgação das XII tábuas, que vieram a permitir algo parecido o o livre jus postulandi.

Todo este cuidado e discussão levaram à criação do modelo que hoje se entende por Ordem dos Advogados, sendo que alguns atribuem sua origem a determinação do Imperador Justino[4], já no século VI, enquanto outros defendem que o início da Ordem se deu França, com a qual todos os que desejassem advogar teriam que se submeter a um registro e normas específicas de atuação.

Tudo isto revela a existência de duas possibilidades básicas: de um lado tem-se aqueles que vêem a figura de um advogado como um luxo dispensável, vez que a justiça é inata ao homem e não a uma profissão específica, por outro lado há os que encaram a advocacia como uma função de alta responsabilidade, algo que beira o divino, merecendo, portanto, um intenso cuidado com quem e como advoga, sendo esta função indispensável a concretização da justiça no seio da sociedade.

2.2 UM OLHAR SOBRE O BRASIL

No Brasil, a advocacia tinha por raízes as Ordenações Filipinas, que estabeleciam os requisitos mínimos pertinentes a estes profissionais, dentre os quais cite-se a necessidade do estudo das ciências jurídicas por, pelo menos, oito anos.

O que se tem nesta nação é que a capacidade postular em juízo sempre foi um tema delicado, sendo esta uma infeliz herança do período colonial. As primeiras graduações em direito em terras tupiniquins apenas foram formadas após a vinda da família real portuguesa, data até a qual os bacharéis em direito tinham que estudar em Portugal, privilégio concedido a poucos.

A criação desta e outras graduações no Brasil se tornou essencial após a independência e largamente solicitada pela população, de feita que em 1825 o imperador instituiu, por decreto, o ensino dos cursos jurídicos no Rio de Janeiro, iniciativa a qual não chegou a se concretizar. A questão foi retomada pelo Parlamento no ano seguinte vindo a resultar em Lei datada de 11 de Agosto de 1827, ano de fundação da Faculdade de Direito de Olinda, depois transferida para Recife e da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, atualmente vinculada a Universidade de São Paulo.

Antes disto a quantidade de profissionais devidamente habilitados era ínfima em relação ao todo populacional, de sorte que começaram a surgir inúmeros praticantes de ofícios, quer fossem médicos, engenheiros, professores ou advogados. Após a independência deu-se início a efetiva regulamentação das profissões, sendo no campo jurídico, fundado o Instituto dos Advogados, o qual teve por grande defensor Francisco Gê Acaiaba de Montezuma.

Advogados eram apenas os que detinham o título de bacharéis, sendo aos “profissionais práticos” reservado a alcunha de “rábulas”, os quais tinha que possuir autorização concedida pelo Instituto dos Advogados. Tal modelo foi ainda recepcionado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 1930, vigendo até a década de 60, quando tornou-se obrigatório o título de bacharel em Direito.

Neste contexto tem-se por bom exemplo Evaristo de Moraes, notório advogado criminal do Brasil, mas que apenas se tornou bacharel aos 45 anos, ano até o qual era um rábula, eis trecho de seu discurso de formatura:

Eis-nos, enfim, bacharéis - como toda gente, dirão com sediça ironia, os impertinentes chasqueadores do bacharelismo... Todos recordamos o que disse, com experiência própria, o grande Cícero: a advocacia foi em Roma o viveiro das honras - "est corpus advocatorum seminarium dignitatum".

Através dos séculos, vemos a advocacia enaltecida e glorificada pelo bens que promove, pelos males que evita: auxiliar da justiça, amiga natural da liberdade, inimiga capital da tirania, insuflando aos perseguidos coragem para afrontar os poderosos, a estes se impondo por sua sobranceira independência... seja permitindo ao recém-togado lembrar que, entre os muitos elogios prodigalizados à profissão da advocacia, é dos mais repetidos o do Imperador Leão, no escrito em que ele pondera que os advogados não são menos úteis à humanidade do que os que dão o seu sangue à pátria: 

"A nossos olhos, os defensores do nosso Império não são somente os que combatem armados do gládio, do escudo e da couraça; também o servem os advogados, estes que, com a modéstia convinhável à verdadeira eloqüência, dão esperança ao desgraçado que sofre, protegem-lhe a vida e os filhos." 

 

Focando na Justiça do Trabalho tem-se que esta teve origem como um órgão administrativo, assim permanecendo até por volta de 1937. Sendo, em sua essência, executivo não havia qualquer necessidade da presença de um advogado

Após o Decreto-Lei 6.596/40 deu-se a organização da Justiça do Trabalho, a qual veio a absorver conceitos básicos da esfera administrativa, com ênfase à celeridade e desnecessidade de um advogado. Com o advento da Constituição Federal de 1988, forte ênfase foi concedida a função do advogado (art. 133), o qual foi considerado essencial ao advento e concretização da justiça, destaque este que foi acentuado pelo estatuto da advocacia em 1994, lei 8.906.

Merecido destaque deve ser dado a este estatuto, que em seu art. 1º assim preceituava:

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

 

Entretanto tal artigo teve, inicialmente, sua aplicação suspensa por força de uma liminar do Supremo Tribunal Federal, em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (ADIn 1.127-8), ao  fim da qual teve-se por decidido que a expressão “qualquer” deveria ser considera inconstitucional sob alegação de corporativismo[5].

A polêmica em torno do jus postulandi na Justiça Trabalhista abordou tanto a sua receptividade pela Constituição Federal de 1988 como também os seus limites, sendo constantemente questionado se tal seria aceito em qualquer que fosse o caso ou mesmo se seria admitida em sede recursal.

Os defensores de sua não receptividade pela Carta Magna tomavam por fundamento o expresso no Art. 133, in verbis:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

 

Entendendo que este texto teria expressamente revogado o direito das partes postularem pessoalmente em juízo. A corrente contrária se manifestava afirmando que a CLT seria, justamente, um destes “limites da lei”, vindo o Supremo Tribunal Federal a se posicionar neste sentido.

Ora, tendo o STF decidido que o jus postulandi do trabalhador, expresso no Art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho[6], havia sido recepcionado pela Carta Magna de 1988, bastava agora ser decidido o que poderia ser considerado o final do processo, para, assim, se perceber com clareza onde se encontra os limites deste instrumento.

A princípio inúmeras decisões seguiam a tendência de estabelecer limites mais amplos e genéricos, chegando o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região a se posicionado da seguinte maneira:

JUS POSTULANDI. POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DIRETAMENTE PELA PARTE. Nos termos do art. 791 da CLT, empregados e empregadores estão autorizados a reclamar pessoalmente na Justiça do Trabalho, além de acompanhar suas ações até o final, independentemente de estarem assistidos por advogado, permitindo-se tal atuação também na esfera recursal, sendo que as partes necessitarão de advogado apenas para postular perante órgãos que não pertençam à esfera trabalhista, no caso, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Assim, a reclamada que subscreve petição de recurso deve tê-lo regularmente processado, tendo em vista o exercício do jus postulandi. (TRT 3ª. Região, Processo nº. 00955-2006-107-03-00-7 RO, Primeira Turma, Relator Convocado José Marlon de Freitas, Publicação DJMG, 25/05/2007, Página 7)

Restando claro que entendia ser possível que a parte postulasse inclusive no Tribunal Superior do Trabalho. Entretanto tal posicionamento não se manteve, de feita que o próprio TST passou a manter postura contrária, chegando, por fim, a aprovar , em 29 de Abril de 2010, a redação da Súmula 425, a qual assim dispôs:

SÚMULA Nº 425 - JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE. 

O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho. 

 

            Decisão esta que passou a ser livre e constantemente aplicada:

 

12907441 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO. JUS POSTULANDI. ALCANCE. A regularidade processual é pressuposto de admissibilidade recursal, sob pena de não conhecimento. O jus postulandi, com o escopo de garantir o direito fundamental de acesso à justiça para o jurisdicionado hipossuficiente, confere capacidade postulatória à parte, inclusive podendo acompanhar sua reclamação até o final. Não obstante a aplicação desse princípio nesta justiça especializada, há limites para sua aplicação. O entendimento desta corte é no sentido de que nos recursos de natureza extraordinária, que requerem tecnicismos processuais, faz-se necessária a atuação de advogado devidamente habilitado para sua interposição e acompanhamento. Óbice da Súmula n. º 425 desta corte. Agravo de instrumento não conhecido. (TST; AIRR 31140-73.2007.5.18.0004; Quarta Turma; Relª Minª Maria de Assis Calsing; DEJT 04/02/2011; Pág. 1511)

12884458 - RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE. Nos termos da Súmula nº 425 desta corte, o jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT limita-se às varas do trabalho e aos tribunais regionais do trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do tribunal superior do trabalho. Ação rescisória cuja extinção se decreta, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, IV, do CPC. (TST; RO 109500-38.2008.5.09.0909; Segunda Subseção de Dissídios Individuais; Rel. Min. Pedro Paulo Teixeira Manus; DEJT 19/11/2010; Pág. 323)

            Toda a discussão tinha por pano de fundo uma questão hermenêutica e lógica. Hermenêutica pois havia a necessidade de compreensão do que seria uma “reclamação padrão” e o que viria a ser seu final, restando decidido que as instâncias superiores são esferas extraordinárias de atuação, de modo que a reclamação normal, em tese, encontra seu fim nos Tribunais Regionais do Trabalho. A questão lógica toma por fundamento o próprio propósito dos Tribunais Superiores, nos quais não será discutido os fatos per si, mas o direito e o processo, questões estas essencialmente técnicas e burocráticas.

           

3 CONSEQUENCIAS INEVITÁVEIS

Atualmente, dados divulgados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil revelam a existência de mais de 632 mil advogados neste país, isto equivale a uma média de um advogado para cada 305 habitantes. Recentes pesquisas divulgadas pela LawFuel[7] revelam que o Brasil é o 2º país com mais advogados do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos o qual possui um advogado para cada 265 habitantes. Para se ter idéia de quão altos são estes números cite-se Portugal, conhecido pela sua alta litigiosidade, no qual existe um advogado para cada 385 habitantes. Destacando-se que no Brasil a maioria destes profissionais trabalha com porcentagens do eventual ganho, de modo que afirmar a necessidade do jus postulandi pela falta de profissionais capacitados é uma assertiva há anos desatualizada.

O que há de certo é que o jus postulandi aliena a sociedade, induzindo-a a crer que é hábil a lutar por seus direitos sem a ajuda de um profissional capacitado, visto que este é dispensável. Fato o qual não resiste a uma análise mínima, ora, é semelhante a aconselhar e induzir a auto-medicação, mas sob uma desculpa genérica e banal, como que tal não possa ocorrer em todas as ocasiões, apenas nas de menor potencial, talvez apenas para cura de dores de cabeça ou pequenas torções, entretanto há de se convir que uma simples dor de cabeça pode ser sinal de uma meningite ou mesmo um tumor, será que todos estarão aptos a reconhecer as sutis diferenças?

Apenas a imensa quantidade de advogados existentes no Brasil já é razão suficiente para não haver necessidade para o jus postulandi, mas mesmo que se supere tão informação ainda ter-se-á uma infinidade de outros motivos. Cite-se a obrigação do Estado em conceder justiça e dignidade, preceitos estes tidos por fundamentais pela Constituição Federal, assim, é obrigação do país conceder ao seu povo meios adequados de acesso a justiça e tal não se dá com a auto-medicação, mas com a disponibilização de uma assistência judiciária gratuita, ou seja, advogados habilitados e a serviço da federação para se atender o povo, a boa e velha defensoria-pública.

Entretanto ao se defender a busca por seus direitos de forma livre e pessoal a mensagem que é transmitida é de que não há uma defensoria-pública hábil e suficiente para atender a demanda, assim, se não se pode conceder os meios devidos que se entregue os fins de qualquer forma! Neste ponto um paralelo pode ser traçado com a concessão de cotas de acesso a universidade, de modo que em vez que se conceder um ensino fundamental e médio de qualidade, abrem-se as portas do superior, independente da devida qualificação, em vez de se resolver a causa, tenta-se maquiar as conseqüências.

Na Justiça do Trabalho estas injustiças ganham contornos ainda mais preocupantes, devido a quantidade de demandas, os valores envolvidos e as drásticas conseqüências.  O que geralmente se observa é que o reclamante, parte hipossuficiente da relação e, assim, naturalmente mais vulnerável, torna-se indefeso perante o advogado da outra parte, profissional treinado e competente não apenas para resolver as questões jurídicas, como também para protelá-las, ou manipulá-las com sutis subterfúgios processuais, de modo a prejudicar a procedência dos seus direitos pretendidos na demanda, ou mesmo forçar inúmeros e constantes acordos totalmente injustos.

Falar do judiciário é tratar de toda uma ciência especializada, detentora de rituais e costumes próprios. Os profissionais que por ela se enveredam têm a difícil tarefa de adquirir toda uma nova cultura, para lhes tornar aptos a iniciar sua caminhada. Um bom exemplo de tais dificultados é a linguagem que lhe é própria, como pode um leigo compreender termos como “concluso”, “despacho” ou “acórdão”? Como poderá apresentar ou se defender de Embargos com efeitos modificativos, ou recursos ordinários ou de revistas? Como lidará com os prazos, publicações, pré-questionamentos, requisitos de admissibilidades ou pedidos contrapostos? Todos estes são pontos que para serem bem realizados exigem o preparo e a dedicação de toda uma vida.

Por certo não faltarão defensores do fim desta especificidade e ritualística, entretanto há de se convir que ela é fruto de milênios de evolução, lutas e trabalho duro, se existe tem um motivo e uma história, tem por objetivo maior a concretização do mais próximo possível da real justiça.

Mas a questão vai além dos ritos processuais, envolvendo um sério domínio do direito material, o que vem a ser a legítima defesa ou os cargos de confiança? Como calcular a hora-extra ou a hora noturna? Quais os descontos permitidos, os obrigatórios ou as convenções e princípios a serem observadas em cada caso?

O jus postulandi mostra-se como empecilho até para a clara comunicação, vez que quando dois indivíduos travarem um discurso sem compartilhar dos mesmos conceitos o resultado será apenas balburdia e confusão. Um cidadão comum, que não viva neste meio, não disporá dos meios necessários para o estabelecimento de uma argumentação clara, lógica e compreensível, o que prejudicará o pleito de seu direito, assim como sua própria defesa.

     Neste sentido perfeitas são as palavras de André Cardoso Vasques e Otávio Augusto Xavier:

Hoje, há um sem número de categorias profissionais, cada uma com seus dissídios coletivos, acordo coletivos, cada caso possui inúmeras particularidades, os processos trabalhistas tramitam durante anos, há um número enorme de nomas, leis, portarias do Ministério do Trabalho, um jurisprudência não menos vasta e assim por diante. (2001, p. 54-55)

 

O advogado é o profissional devidamente qualificado para representar e defender os direitos da parte. A importância e imprescindibilidade deste profissional para o acesso à Justiça não pode ser ignorada. O Art. 131 da Constituição Federal foi claro e devidamente interpretado pela Lei 8.906/94, tal não se mostra como intuito corporativista, mas como simples aplicação da mais pura e elementar lógica. E, por mais que muitos possam dizer que a CLT venha a ser uma possível lei a impor limites a atuação do advogado, o certo é que atualmente ocorreu uma fuga ao defendido pela Assembléia Constituinte, não podendo o Art. 791 ser tido por recepcionado pelo constituinte. O intuito da norma era aproximar a sociedade das leis vigentes por meio dos advogados, trata-se de zelo para com direitos que o povo brasileiro demorou tanto para alcançar, mas que hoje são ignorados e deixados a míngua.

Há ainda de se questionar a relativização do jus posulandi vez que o ordenamento brasileiro apenas o permite em algumas situações bastante contraditórias: ou (i) em direitos tidos por essenciais e urgentes, p.e., nas ações que versam sobre alimentos, ou (ii) em causas de menor simplicidade e proveito econômico, p.e., nas ações cíveis com valor de causa inferior a 20 (vinte) salários mínimos. Em outros termos tem-se por permitido o livre e pessoal acesso ao judiciário nas causas extremamente importantes e nas de menor importância, eis o próprio conceito de um paradoxo!

Ainda nesta linha de raciocínio ter-se-á uma preocupante distorção do conceito de justiça, vez que, há uma valoração de direitos, encarando casos semelhantes de formas distintas. Imagine-se que determinada instituição financeira cause um dano a empresário, de modo a comprometer 50% do rendimento mensal de sua empresa, assim, facilmente haverá a superação da alçada dos juizados especiais, tendo que tal demanda ser solucionada na justiça estadual comum e sob mediação de advogados. Imagine-se, agora, que a mesma instituição causa dano que compromete 50% do salário de um comerciante, de acordo com nosso ordenamento tal demanda não é tão complexa quanto a anterior, nem seus desdobramentos tão severos quanto o exemplo prévio e, portanto, não será preciso a presença de um advogado. Pergunta-se: será isto justo? Esse comerciante enfrentará, sozinho, a mesma estrutura e advogados que o empresário, em jogo não está apenas o rendimento de uma pessoa jurídica, mas o dinheiro para suprir de alimentos, vestuários, remédios e alimentação de toda uma família, então qual é o danos mais preocupante? Qual é realmente o capaz de gerar maiores prejuízos?

Por fim tem-se que a presença de um advogado representando as partes apresenta um benefício extra, mas deveras salutar, qual seja, ela ameniza as paixões. Em geral pode-se dizer que onde houver demandas aí haverá litígios, e onde existem litígios também ter-se-ão egos ultrajados, valores feridos e visões de mundo distintas, ou seja, uma ocasião perfeita para que uma busca por justiça se torne uma guerra pessoal. Entretanto, havendo uma representação por terceiros tais emoções poderão ser contidas a ponto de não interferirem na busca da verdade.

4 TENDÊNCIAS OBSERVÁVEIS

 

Diante deste assunto não existem meio termos a se aceitarem, pelo menos não por muito tempo. Ocorre que a legislação brasileira e as decisões de Tribunais por todo o país findaram por manter esta nação justamente em meio a um contraditório e constrangedor impasse.

     Percebe-se que o ordenamento e as relações jurídicas se tornaram cada vez mais complexas, tendo o legislador vislumbrado isto e culminado com o Art. 1º da Lei 8.906, mas, em contrapartida inúmeros magistrados, julgadores e doutrinadores não vieram a corroborar com tal mudança, se erguendo como os principais defensores do jus postulandi livre e pessoal. Infelizmente tal constatação apenas fortalece a velha rixa e mal estar que acompanham os relacionamentos de magistrados e advogados, tornando a sociedade refém e a mantendo a mercê de sérios danos.

O que há de concreto é que o Brasil tem caminhado para uma cada vez maior especialização do direito e do judiciário e tal tendência é perceptível desde a independência desta nação. Neste sentindo cabe destacar uma das novas regras estabelecidas pelo Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, na qual as partes ficarão proibidas de desconstituírem advogado sem antes constituir outro em seu lugar, assim, a importância do advogado é mais uma vez ressaltada em alto e bom tom.

Nos dias atuais esta nação vive o limiar de uma mudança, na qual uma escolha deverá, de uma forma ou de outra, ser tomada, entretanto pode-se adiantar que 630 mil advogados com certeza não se calarão, assim como nenhum daqueles que provaram dos danos decorrentes desta ilusão chamada jus postulandi das partes. Pelo bem de toda uma sociedade e pela manutenção do que se chama de direito, espera-se que tal mudança ocorra o mais breve possível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante todo o exposto torna-se claro que o livre jus postulandi já teve sua importância e razão de existir, mas atualmente tem sido causa de uma constante alienação da sociedade, a qual tem sido afastada da compreensão e luta por seus direitos sob uma ilusória concepção de liberdade e economia.

Neste ponto há de se observar a grande influência dos grandes grupos políticos e da imprensa dominante, casal este que apesar das constantes brigas parece compactuar com o distanciamento da sociedade do conhecimento e lutas por seus direitos, sempre induzindo ao uso exclusivo e irrestrito de vias administrativas, como o Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON), em detrimento do ingresso em juízo pela satisfação de seus direitos. Não que os órgãos administrativos sejam destituídos de valor, mas qualquer um que conviva ou atue na advocacia cível conhecerá a infinidade de direitos prescritos e nunca satisfeitos que confiaram em tais órgãos.

Ora, o raciocínio é dos mais simples: os que buscam construções seguras precisam de um bom engenheiro, os que anseiam pelo cuidado de sua saúde dependem de um bom médico, assim, os que desejam resguardar seus direitos deverão ter o auxílio de um advogado. Há de se destacar que o uso de um profissional habilitado e capaz tem sido aconselhado até para as situações mais simples e cotidianas. Cada vez mais normas têm sido impostas às farmácias contra a venda de medicamentos sem prescrição, assim como, cotidianamente são efetuadas fiscalizações em construções, reformas e edifícios para observância de preceitos mínimos de segurança, todos sob responsabilidade do engenheiro responsável. Tal regra é perceptível nas mais diversas relações sociais, neste sentido, cite-se ainda a atuação dos farmacêuticos, enfermeiros, químicos, professores e administradores, entre inúmeros outros, os quais tem sido exigidos como obrigatórios, cada um, em suas áreas de atuação.

A alegação de que depender do advogado é meio hábil a impedir o acesso à justiça nada mais é do que uma falácia, sem fundamentos e extremamente perigosa, por completo incompatível o Brasil hodierno e que deve ser forte e enfaticamente combatida. O direito de ação não se confunde com a desobediência ao procedimento e, observado o nível técnico do atual judiciário brasileiro, aqueles que se arriscam em desbravar seus caminhos sem um guia hábil está fadado a trilhar caminhos sombrios e tortuosos.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Ísis de. Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002.

BREVIDELLI, Scheilla Regina. A falácia do jus postulandi: garantia de acesso à injustiça. Jus Navigandi, Teresina, a.6,n. 54, fev. 2002. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2008.

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[2] Espécie de Ordem dos Advogados da Itália.

[3] Segundo fragmentos do Código de Manu aos sábios em leis cabiam a defesa dos necessitados perante autoridades.

[4] Este fato é letra expressa do Código de Justiniano o qual estabelecia regras bem semelhantes as atuais.

[5] A decisão se deu por maioria de votos sendo publicada em 26 de Maio de 2006

[6] “Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.”

[7] Disponível em <http://www.lawfuel.com>. Acesso em dezembro de 2011

 

 

Elaborado em janeiro/2012

 

Como citar o texto:

ARAUJO, Victor Bruno Rocha..Livre postulação da parte: verdades e perigos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1119. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/2884/livre-postulacao-parte-verdades-perigos. Acesso em 14 nov. 2013.

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