RESUMO

 

O objetivo deste artigo é apresentar uma pesquisa bibliográfica sobre o assédio moral no ambiente de trabalho, onde muitas pessoas sofrem essa exposição e não possuem condições psicológicas para procurar solução. O assédio moral traz problemas não apenas para o trabalhador, mas especialmente para a organização, devendo assim, ser erradicado devido às diversas consequências para o desenvolvimento da empresa. Estudos realizados sobre o assédio moral na vida do trabalhador comprovam os efeitos psicológicos, emocionais e sociais pelo terror que a prática do ato é colocada na vítima, inferindo danos para a saúde psíquica e social. O assédio moral é caracterizado pela exposição prolongada do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, dispensando um tratamento digno que todos os seres humanos merecem. Este artigo aborda de forma minuciosa o tema, com embasamento doutrinário que aponta todos os aspectos jurídicos, psicológicos e sociais do assunto. Por ser um tema atual, polêmico, de difícil comprovação, o intuito do trabalho é demonstrar o assédio moral no ambiente de trabalho e as condutas que caracterizam o ato. O trabalhador, a partir do momento em que toma conhecimento dos seus direitos, passa a ter atitudes e posturas que favorecem a luta por justiça e preservação dos interesses, focando, primeiramente, na legalidade e na luta por uma vida melhor e mais digna.

Palavras–chave: Assédio Moral. Dignidade. Trabalho.

 

ABSTRACT

 

The purpose of this article is to present a survey on bullying in the workplace, where many people suffer this exposure and have no psychological conditions to look for solution. Bullying brings problems not only for the worker, but especially for organization and should therefore be eradicated due to various consequences for the development of the company. Studies on bullying in the worker-s life prove the psychological, emotional and social effects of terror that the performance of the act is put on the victim, implying damage to the psychological and social health. Bullying is characterized by prolonged exposure of the worker to humiliating and embarrassing, paying decent treatment that all human beings deserve. This article discusses in detail the topic, with doctrinal foundation that point all the legal, psychological and social aspects of the subject. Being a current theme, controversial, difficult to prove, the work order is to demonstrate bullying in the workplace and the behaviors that characterize the act. The worker, from the time it takes knowledge of his rights, is replaced by attitudes and norms supporting the struggle for justice and the preservation of interests, focusing primarily on the legality and struggle for a better and more dignified life.

Keywords: Moral Harassment. Dignity. Work.

1 INTRODUÇÃO

              O assédio moral causa na vida do trabalhador efeitos psicológicos, emocionais e sociais pelo terror que a prática do ato é colocada na vítima, inferindo danos para a saúde psíquica e social. Tomando por base que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, onde deve haver políticas sociais e econômicas que atendam às necessidades do indivíduo, a Constituição Federal ainda complementa que aquele que, por ação ou omissão, ocasionar em violar esses direitos causando danos a outrem, deve ser penalizado pela prática de ato ilícito.

              O assédio moral, embora imagine-se que seja uma prática atual, vale ressaltar que não é um fenômeno novo, porém passou a ser conhecido e ganhou mérito recentemente. Vários estudos despontam sobre a sua ocorrência e as consequências sentidas pelas vítimas especialmente dentro do ambiente de trabalho. O assunto proporciona o conhecimento em uma área multidisciplinar na qual o profissional de direito tem um campo aberto para atuar.

              O trabalho demonstra de forma superficial as formas de ocorrências do assédio e quais as principais consequências sentidas pela vítima, considerando que esse fenômeno pode ocorrer em diversos lugares. Não havendo um local específico para ocorrer, o assédio pode ocorrer no trabalho, no ambiente familiar e no ambiente escolar, considerando que cada ambiente desencadeia uma nova linhagem de pesquisa, dando recurso para novos trabalhos. Como o foco desse trabalho é no ambiente de trabalho, verifica-se que se deve ter em mente não apenas as questões materiais, mas também a segurança do emprego, a melhor condição física e econômica dentro do ambiente do trabalhador. O emprego deve oferecer diversas proteções ao indivíduo, sendo em especial a proteção moral.

              A proteção moral está diretamente ligada ao bem da vida, da dignidade e manutenção dos direitos da personalidade e esses aspectos são apontados como primordiais para que as pessoas tenham uma vida digna e de qualidade, possuindo integridade psíquica e intelectual, especialmente a corporal.

              Vale considerar que o assédio moral no ambiente de trabalho consiste de uma das principais causas de cobrança de dano moral na esfera do trabalho, salientando que se deve punir o agressor que fere a dignidade e, ao mesmo tempo, coage moralmente o trabalhador. O assédio moral representa uma prática condenável em todos os sentidos, atingindo as esferas: moral, intelectual e emocional do ser humano. O mesmo oportuniza grandes transtornos e doenças psíquicas que tendem a levar a um processo depressivo que muitas vezes influenciam significativamente a vida da vítima.

              O presente artigo apresenta uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial realizada sobre o assédio moral ocorrido no ambiente do trabalho, partindo inicialmente do conceito de assédio moral, seu retrospecto histórico, para posteriormente apontar as principais consequências dessa problemática na vida do ser humano.

2 EVOLUÇÃO DOASSÉDIO MORAL

Para sua existência e subsistência, o homem sempre teve no trabalho o amparo para obtenção de alimentos, segurança mediante outras espécies; isso, desde os primórdios, é uma prática comum.

Com o desenvolver da sua história, a busca pela sobrevivência tinha como marco a força, onde os mais fortes conseguiam sobressair. Quando não se demonstrava força, esse ficava submisso ao mais forte, tornando-se escravo. Na condição de escravo, o homem passava a exercer funções exaustivas e desonrosas, sendo vistos como objetos pelos seus proprietários (VIANA, 2000).

No período feudal, os escravos, embora libertos, continuavam vivendo para servir seus senhores. Como não estavam mais na condição de escravos, ganhavam salários miseráveis e ainda tinham que pagar impostos altíssimos por estarem em suas terras, por utilizar suas ferramentas e outros utensílios que eram fundamentais para a realização de seus trabalhos. Com isso, percebemos nos servos os primeiros modelos de trabalhadores assalariados na história da humanidade, que sofriam de assédio (NASCIMENTO, 2004).

Porém, nesse período, os servos eram considerados como propriedade de seus senhores, tendo esses trabalhadores o único direito de praticar os serviços braçais, e ainda garantir a sua sobrevivência, não possuindo nenhum outro direito.

Os direitos voltados ao trabalhador começaram a surgir no século XVIII, com o aparecimento da revolução industrial, o que despertou a consciência por lutar por seus interesses, bem como garantir a proteção do Estado ao trabalhador, ante a sua debilidade, junto ao poder econômico e industrial, não importando mais o poderio absoluto dos senhores feudais.

O direito do trabalho surgiu como consequência da questão social que foi precedida da revolução industrial do século XVIII e da reação humanista que se propõe a garantir ou preservar a dignidade do ser humano ocupado no trabalho das indústrias, que com o desenvolvimento da ciência, deram nova fisionomia ao processo de produção de bens na Europa e em outros continentes. A necessidade de dotar a ordem jurídica de uma disciplina pra reger as relações individuais e coletivas de trabalho, cresceu no envolvimento das “coisas novas” e das ‘ideias novas’ (NASCIMENTO, 2004, p. 4).

Leciona Rufino (2007) que o direito específico para o trabalho no Brasil surge com o advento da Lei Áurea em 1888, pois findava a escravidão. Nesse ato, o trabalhador passava a receber pela sua força de trabalho. Com a declaração universal dos direitos humanos Proclamada pela Assembleia Geral da ONU, foi outra força ao direito do trabalho, que desde 10 de Dezembro de 1948, versado em seu artigo 23, cita que toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, à condição equitativa e satisfatória de trabalho e à proteção contra o desemprego.

Atualmente, tendo como base as noções dos direitos do homem, o conceito de democracia, que expressa a valorização e o respeito à dignidade humana, é atribuído como um bem fundamental do homem e do trabalhador. Todos esses direitos devem possuir sincronismo com o bem estar e a saúde do trabalhador, estimulando especialmente a qualidade de vida do mesmo. São valores que marcam, na íntegra, a Carta Magna trazendo em seus art. 1° e 5°, respectivamente, o seguinte:

Art. 1°- A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui em Estado democrático de direito e tem como fundamento:

[...] III - a dignidade da pessoa humana;

IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano moral ou à imagem;

[...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL, 1988).

A Constituição Federal de 1988 estabelece outros valores voltados aos direitos dos trabalhadores, que são mencionados nos Títulos VII – Da Ordem Econômica e Financeira e VIII – Da Ordem Social, através dos artigos 170 e 193, respectivamente, conforme demonstrado abaixo:

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social.

Essa conquista ocorreu após muita luta, tendo seu respaldo legal com o advento da Constituição de 1988. Antes desse período, não havia esperança de se conceder uma indenização por danos morais. Isso devido aos direitos da personalidade só terem reconhecimento nos casos ligados ao dano patrimonial; no caso de trabalhadores, estes necessitavam, além da proteção dos bens materiais, de proteção a sua dignidade como pessoa humana.

No Brasil, estes direitos passaram a ganhar uma maior importância com a promulgação da Lei Maior. A criação dos dispositivos constitucionais, frutos da fase pós-ditadura e inicio da fase democrática, resgatou a importância da dignidade, da liberdade, da cidadania, dos direitos da personalidade, períodos nos anos do regime ditatorial, resgatando a valorização de bens de extrema importância para o homem e sua relação na sociedade, inclusive dentro das relações empregatícias. (RUFINO, 2007, p. 25).

A revolução tecnológica, a globalização, os avanços da modernidade, especialmente no setor industrial, acelera a competitividade, a ambição pela lucratividade, o ativo econômico; todos esses fatores alteraram as relações de trabalho. Com a competitividade, aumenta-se a necessidade de uma melhor excelência nas prestações de serviço, sendo este então o objetivo das organizações. Essa nova lei do mercado contribuiu para que os trabalhadores adquirissem distúrbios de ordem física e psíquica. Outro fator marcante foi o desemprego, preocupação cada vez mais frequente na vida do trabalhador, o que ocasiona na pressão psicológica em manter seu emprego ou lutar por melhores condições de trabalho, fazendo com que no local de trabalho apareça uma luta de disputas pessoais e, com isso, maior impessoalidade nas relações de emprego.

O espaço interno da organização é traçado de modo a atender às exigências externas do mercado, bem distante das preocupações e necessidades do trabalhador e bem longe também da felicidade e auto-realização daqueles que ali estão (AGUIAR, 2006, p. 56).

 

A necessidade não é somente nos aspectos econômicos. Existe, ainda, a influência nos aspectos culturais, situação em que a pressão por permanecer empregado sujeita o trabalhador a situações vexatórias e consequentemente o assédio moral nas relações de emprego.

Ciente de que a cultura é um conjunto de valores, conhecimentos, crenças, mitos, lendas e costumes, que podem ser provados e reprovados, onde as organizações criam modelos de gestão que buscam atender seus interesses. Aguiar (2006) complementa que os traços da cultura brasileira não se distanciam da rotina de uma organização, pois o estilo paternal e autoritário de administrar gerado no engenho se perpetuou e foi fortalecido no coronelismo e se solidificou no seio da gerência empresarial até os dias de hoje.

Esse fator autoritário faz repensar no passado não muito remoto, relacionando entre colonizador-colonizado, senhor-escravo e, por fim, empregador-empregado, evidenciando que a classe dominante está vinculada ao latifúndio e a classe trabalhadora aos ex-escravos. Essa distinção de classes, essa base cultural evidencia a relação empregatícia, onde, de um lado, está o empregado sempre obrigado a aceitar as condições impostas e do outro, o empregador estabelecendo as tarefas e instituindo a gestão organizacional de acordo com suas crenças e valores culturais. Esse conflito consiste em uma herança da cultura brasileira.

 

A concentração de poder, o personalismo, a postura de espectador, o evitamento de conflitos, a lealdade às pessoas, o formalismo, a flexibilidade e a impunidade. A combinação de todos os traços citados é o que constitui e opera o sistema de ação cultural brasileiro. (AGUIAR, 2006, p. 66).

Conforme Aguiar (2006), o poder representa uma marca nos setores empresariais, em virtude da relação de superioridade e submissão, onde o superior sempre determina como quer e o submisso é sempre inseguro, evidenciando uma dependência pelo emprego e, consequentemente, pelo seu patrão. Essa desigualdade tende a ser vista de forma natural, havendo uma hierarquia que é considerada normal, podendo ser de maior ou menor nível.

Essa submissão natural consiste de elementos específicos que sustentam o fenômeno do assédio moral, especialmente nos países onde as situações econômicas apresentam maior desigualdade. De acordo com Thome (2009), uma conferência mundial da saúde mental e do trabalho, realizada em 2005, informou que o governo e empresas privadas gastaram 20 bilhões de euros com indenizações de assédio moral. O autor nos fala, ainda, de uma empresa francesa que pagou uma indenização de 150.000 francos pela prática de assédio moral.

Casos de constrangimento moral foram julgados na justiça desde a década de 1960. Sua maior exposição, atualmente, dá-se devido ao desemprego, rotatividade da mão-de-obra e ocupações precárias. As pessoas, hoje, agarram-se ao trabalho, em detrimento de sua saúde física ou mental, diminuindo a produtividade, aumentando o absenteísmo e as doenças do trabalho. Em tal competitividade, até os direitos previstos na declaração dos Direitos do Homem são esquecidos, dentro da máxima não reclame porque, ao menos, você tem emprego (THOME, 2009, p. 23-24).

O conhecido episódio do arremesso do anão bem ilustra a hipótese:

 

Em uma cidade francesa chamada Morsang-sur-Orge, a Prefeitura, utilizando seu poder de polícia, resolveu interditar um bar onde era praticado o lançamento de anões, argumentando que aquela atividade violava a ordem pública, pois era contrária à dignidade da pessoa humana. Não se conformando com a decisão do Poder Público, o próprio anão (Sr. Wackenheim) questionou a interdição, argumentando que necessitava daquele trabalho para a sua sobrevivência. O anão argumentou que o direito ao trabalho e à livre iniciativa também seriam valores protegidos pelo direito francês e, portanto, tinha o direito de decidir como ganhar a vida.

Em outubro 1995, o Conselho de Estado francês, órgão máximo da jurisdição administrativa daquele país, decidiu, em grau de recurso, que o poder público municipal estaria autorizado a interditar o estabelecimento comercial que explorasse o lançamento de anão, pois aquele espetáculo seria atentatório à dignidade da pessoa humana e, ao ferir a dignidade da pessoa humana, violava também a ordem pública, fundamento do poder de polícia municipal. O Sr. Wackenheim, mais uma vez inconformado, recorreu ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, alegando que a decisão seria discriminatória e violava o seu direito ao trabalho.

Em setembro de 2002, o Comitê de Direitos Humanos da ONU confirmou a decisão do Conselho de Estado francês, reconhecendo que o lançamento de anão violaria a dignidade da pessoa humana e, portanto, deveria ser proibido (TORQUES, 2013, p. 1).

           

              Para erradicar o assédio moral, a Constituição Federal ainda exige que o ambiente de trabalho deve ser um lugar equilibrado e saudável, que ofereça condição de direito fundamental à pessoa humana, assim como estabelecendo um conjunto de mecanismos que promova a proteção do trabalhador, conforme mencionado no art. 225:

Art. 225 – todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988).

Buscando entender esse ambiente, pode-se observar que sua tutela estende uma compreensão para além dos limites do meio natural, subjugando o ambiente do trabalho como o local onde o homem desenvolve sua atividade laboral em interação com outros seres. Local de produção e interação do trabalhador, que precisa apresentar condições relativas à qualidade de vida.

Para ser um local equilibrado, é relevante que uma vez que é neste ambiente que o ser humano passa grande parte do seu tempo lutando por sua sobrevivência e pela sobrevivência e qualidade de vida de toda sua família.

[...] quando a constituição federal, em seu art. 225, fala em meio ambiente ecologicamente equilibrado está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. E, ao dispor ainda, que o homem para encontrar uma sadia qualidade de vida necessita viver nesse meio ambiente ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória também a proteção do ambiente no qual o homem, normalmente, passa a maior parte de sua vida produtiva, qual seja, o trabalho. (PADILHA, 2002, p. 32).

A Constituição Federal de 1988 estabelece que esse ambiente deve ser saudável, atendendo à necessidade de todos os trabalhadores, visto que este meio influencia de maneira direta na qualidade de vida do ser humano, razão pela qual a comunidade jurídica exige do empregador que este ofereça as mínimas condições socioambientais ao trabalhador, podendo este desenvolver sua atividade laboral de forma sadia, a fim de preservar a sua integridade física e mental e a sua personalidade por meio do trabalho (RUFINO, 2007). Quando se relata um ambiente sadio, isto envolve ausência de afecções ou doenças, ou qualquer outro mecanismo que afete a saúde do trabalhador e estes estão diretamente ligados à higiene, saúde, segurança e bem estar.

A saúde do ambiente de trabalho depende decisivamente do modo pelo qual o poder diretivo é exercido. Tanto o exercício abusivo do poder quanto a omissão e inoperância dos dirigentes podem não apenas favorecer, como potencializar o desenvolvimento das relações perversas no interior da empresa. (GUEDES, 2004, p. 58).

O ambiente de trabalho deve ser sadio; esse direito é reconhecido internacionalmente e reforçado constitucionalmente como um dispositivo de fundamental importância para a vida do trabalhador, além de ser um bom desenvolvimento nas relações trabalhistas, de maneira saudável e equilibrada, apoiado em um respeito mútuo dentro das organizações de trabalho.

3 ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO

              O Assédio Moral possui a definição de harcèlement moral (assédio moral), na França; bullying (tiranizar), na Inglaterra; mobbing (molestar), nos Estados Unidos e na Suécia; murahachibu ijime (ostracismo social), no Japão; psicoterror laboral, acoso moral (psicoterror laboral, assédio moral), na Espanha, ou manipulação perversa ou terrorismo psicológico. No Brasil, o termo é utilizado para designar toda conduta que ocasione constrangimento psicológico e físico a uma pessoa (NASCIMENTO, 2004).

              O assédio moral consiste em uma conduta abusiva que fere a dignidade psíquica, sendo uma ofensa moral que ocorre de forma repentina e prolongada, situação que tende a humilhar, constranger, ofender a personalidade, dignidade ou a integridade do ser humano.

              Segundo Leymann (2003, p. 22 apud FALKEMBACH, 2007), a definição de assédio moral é:

[...] a deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não éticas (abusivas), que se caracterizam pela repetição, por longo tempo, de um comportamento hostil de um superior ou colega (s) contra um indivíduo que apresenta como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura.

A Constituição Federal no artigo 196 relata que a proteção à saúde brasileira visa a redução de doenças e outros agravos. A saúde referida amplamente no texto legal se refere à saúde física, psíquica e de meio ambiente:

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988).

O Código Civil Brasileiro, nos Artigos 186 e 187, referente ao dano moral ou material do trabalhador, continua estabelecendo que:

Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187 – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (BRASIL, 2002).

 

O assédio moral consiste em um ato agressivo, que tende a desqualificar, desmoralizar e desestabilizar emocional e moralmente o profissional. Esse ato acaba por tornar o ambiente de trabalho desagradável, hostil e insuportável, fazendo com que o trabalhador, mesmo que sem ter a intenção, peça demissão por não suportar as condições sofridas no ambiente de trabalho, que em grande parte dos casos compromete a saúde física e mental do trabalhador, afetando a ordem orgânica e psíquica.

3.1 Tipos de Assédio Moral no trabalho

              Os assédios no ambiente de trabalho podem ser encontrados de diversos tipos, representando uma forma de perseguição moral que podem ocorrer tanto na forma vertical como horizontal.

              No caso da perseguição vertical, ocorre com maior frequência no fluxo descendente, quando o chefe abusa de sua autoridade formal, em boa parte dos casos com a permissão da instituição, humilhando e perseguindo o empregado.

              Na perseguição horizontal, no fluxo ascendente, sendo esta a mais comum, ocorre quando vários profissionais, por não aceitarem o seu superior, convivem com diferença e hostilidade em virtude dessa não aceitação.

3.1.1 Elementos caracterizadores de Assédio Moral no trabalho

              Diversos são os tipos de comportamentos que caracterizam o assédio moral, considerando que, para efetuar esse fenômeno, o agressor utiliza de diversas técnicas que objetivam desmoralizar e desestabilizar a vítima.  

              Dentro desse entendimento, Leymanm (2003, p. 22 apud FALKEMBACH, 2007) aponta as seguintes técnicas:

1) Técnicas de relacionamento (p.ex.: quando o assediador: ignora a presença da vítima, não lhe dirige o olhar nem a palavra, impede a vítima de comunicar-se);

2) Técnicas de isolamento (p.ex.: quando à vítima são atribuídas funções que a isolam dos demais ou, ao contrário, a deixam sem qualquer atividade, impedindo, assim, o contato desta com os demais colegas do serviço);

3) Técnicas de ataque (p.ex.: atos praticados pelo assediador visando à vítima, desacreditando-a ou desqualificando-a diante dos colegas ou clientes da empresa);

4) Técnicas punitivas (p.ex.: quando a vítima é colocada sob pressão).

 

Todas as atitudes apresentadas possuem o objetivo principal de trazer problemas emocionais e desestabilizar o profissional de forma que não consiga desenvolver o seu trabalho e com isso possa ter motivos para não permanecer mais no emprego.

3.1.2 Perfil do assediador

O assediador pode adotar diversos perfis, de maneira que todas as suas atitudes possuem um objetivo comum: desestabilizar o empregado e fazer com que esse não consiga desenvolver suas funções corretamente e, consequentemente, peça demissão. Para conseguir atingir esses objetivos, os assediadores podem apresentar os seguintes perfis:

1 – Profeta – Considera que sua missão é demitir indiscriminadamente os trabalhadores para tornar a máquina a mais enxuta possível. Para ele demitir é uma “grande realização”. Gosta de humilhar com cautela, reserva e elegância.

2 – Pit-bull – Humilha os subordinados por prazer, é agressivo, violento e até perverso no que fala e em suas ações.

3 –Troglodita – É aquele que sempre tem razão. As normas são implantadas sem que ninguém seja consultado, pois acha que os subordinados devem obedecer sem reclamar. É uma pessoa brusca.

4 –Tigrão – Quer ser temido para esconder sua incapacidade. Tem atitudes grosseiras e necessita de público para recebê-las, sentindo-se assim respeitado (através do temor que tenta incutir nos outros).

5 – Mala – babão – È um “capataz moderno”. Bajula o patrão e controla cada um dos subordinados com “mão de ferro”. Também gosta de perseguir os que comanda.

6 – Grande Irmão – Finge que é sensível e amigo dos trabalhadores não só no trabalho, mas fora dele. Quer saber dos problemas particulares de cada um para depois manipular o trabalhador na “primeira oportunidade” que surgir, usando o que sabe para recebê-lo.

7 – Garganta – Vive contando vantagens (apesar de não conhecer bem o seu trabalho) e não admite que seus subordinados saibam mais que ele.

8 – Tasea (“tá se achando”) – É aquele que não sabe como agir em relação às demandas de seus superiores; é confuso e inseguro. Não tem clareza de seus objetivos, dá ordens contraditórias. Se algum projeto ganha os elogios dos superiores ele apresenta-se para recebê-los, mas em situação inversa responsabiliza os subordinados pela ‘incompetência’ (SCHMIDT, 2002).

 

              Independente do perfil adotado pelo assediador, verifica-se que o objetivo é o mesmo, ou seja, menosprezar e desmoralizar o assediado, criando obstáculo para que não consiga desenvolver as suas funções corretamente. Através desse método, conseguirá comprovar que o profissional é realmente incapaz e precisar sair de dentro da corporação.

3.2 Natureza Jurídica do Assédio

              Para melhor entendermos o assédio, é preciso compreender a sua natureza jurídica, que está diretamente ligada ao “dano moral” ou “discriminação”. Tomando por base a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), no artigo 483, a cobrança de serviços superiores às possibilidades de trabalho, rigor excessivo e redução do trabalho e rendimentos se enquadram nos assédios morais.

Conforme o art. 483 da CLT, quando um profissional perceber que está sendo vítima desse tipo de fenômeno, poderá pedir indenização mensurando a intensidade do assédio.

Em nosso ordenamento jurídico, não existe legislação criminal que determine ou classifique o assédio moral, não determinando-o como crime, embora exista o Projeto de Lei Federal nº. 4.742/01, de autoria do Deputado Federal Marcos de Jesus, que estabelece no art. 146-A, no Código Penal, a seguinte redação: “Desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral”. (BRASIL, 2001).

O art. 146-A, no Código Penal, que o agressor que desqualificar um profissional poderá sofrer a pena que varia de 3 meses a um ano de detenção mais multa.

Embora a legislação concreta consista de leis municipais sobre o assédio moral, pode-se embasar no art. 331 do Código Penal que:

Art.331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.

Considerando que todos os cidadãos são iguais perante a lei, o funcionário público não é diferente de outro profissional. Para que isso não fira o princípio da igualdade, esclarece-se que assediar moralmente um trabalhador, independente de qual seja sua função, é motivo de penalização com os rigores que a lei disponibiliza.

4 CONCEITO, CARACTERIZAÇÃO E EFEITOS DE ASSÉDIO MORAL

Conforme já relatado, embora a violência psicológica seja algo antigo no ambiente de trabalho, apenas nas últimas décadas que a sociedade jurídica tem dado atenção aos estudos e pesquisas sobre o assunto, tendo maior ênfase com a divulgação dos relatos do alemão Heinz Leymann[1], encontrado na obra do autor Felker (2010).

De acordo com Aguiar (2006), em sua obra, Leymann afirma que a partir da década de 80, os psicólogos, médicos do trabalho e juristas passaram a se ocupar com maior frequência com assuntos relacionados ao fenômeno do assédio moral, também apreciado como terror psicológico ou assédio psicológico.

Boa parte dos estudos referentes ao assunto reconhece a prática do assédio moral como bilateral, possuindo duas partes: a vítima e o agressor. Observam-se situações em que existem humilhações que denigrem a honra e a imagem do trabalhador, causando-lhe danos psicológicos e físicos.  Dependendo do ambiente onde ocorre o assédio, este se modifica e, quanto maior o grau de escolaridade, ele se torna mais imperceptível, isto é, quanto maior a hierarquia analisada dentro da organização, mais sofisticado e perverso será o assédio e, consequentemente, muito mais difícil de ser provado (MARQUES JR., 2009).

Segundo Marques Jr. (2009), o assédio moral pode surgir de forma sutil e dissimulada, antecipando reações das vítimas para que tais reações não sejam usadas contra as próprias vítimas de suas violências. Porém, quando as agressões são perceptíveis, a violência chega a ser brutal, de forma direta e verbal; podendo ser agressões físicas e xingamentos.

Muitas vezes pela ignorância ou por pouco conhecimento, o trabalhador nem mesmo sabe o que está acontecendo, e, portanto, jamais se manifesta contra, em sua maioria com medo de perder o emprego, que é a sua única fonte de renda.

Teixeira (2009) conceitua o assédio moral como uma espécie de dano moral, pois um implica em decorrência do outro, porém de forma continuada, a chamada habitualidade da conduta patronal, causando uma violência emocional e um efeito devastador na vítima. Mas é bom que fique claro que assédio moral não se dá apenas em ambiente de trabalho, ele está ligado à natureza humana de convívio desequilibrado.

Em relação ao assunto, verifica-se a explicação de assédio moral:

Nada mais é que a perseguição injustiçada, acarretando uma série de distúrbios psicológicos para a vítima, que acabam por resultar em consequências danosas também à sua saúde física e as relações sociais do trabalho. Ressalta-se que o assédio moral é um processo, ou seja, uma sequência de atos. Ele não se caracteriza por uma simples ação isolada, ainda que tal comportamento tenha o condão de gerar danos psicológicos ou morais à vítima. (MARQUES JR., 2009, p. 16).

 

Teixeira (2009) acrescenta que o assédio moral representa um momento em que um determinado indivíduo, ou até mesmo um grupo de pessoas, exerce uma ação de extrema violência psicológica sobre alguém de forma repetitiva e sistemática; relação esta que possui como marco a relação de poder dentro de um ambiente de trabalho, tendo com esse ato o objetivo de destruir as relações e a rede de comunicação da vítima, além de denegrir a reputação desta, perturbando, assim, seu exercício de trabalho, fazendo com que esta abandone seu emprego.

As práticas de condutas abusivas deflagram uma situação de assédio moral, geralmente decorrente de conflitos mal resolvidos entre colegas de trabalho, no momento em que uma das partes passa a uma posição hierárquica superior, e percebe que o outro torna-se “fraco” em relação a ele naquele ambiente.

De acordo com os estudos realizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) Felker (2010, p. 214) afirma:

As perspectivas para os próximos vinte anos são muito pessimistas no que tange ao impacto psicológico nos trabalhadores das novas políticas de gestão na organização do trabalho vinculadas ás políticas neoliberais. Segundo tal pesquisa, predominarão nas relações de trabalho as depressões, o estresse, angústias, desajustes familiares e outros danos psíquicos, denotando o dano ao meio ambiente laboral.

Os tipos de assédio moral podem ser determinados de acordo com a posição hierárquica que os indivíduos (vítima e agressor) ocupam na empresa: assédio vertical descendente, assédio horizontal, assédio moral vertical ascendente e o novo fenômeno do assédio moral institucional, muito mais amplo do que o típico assédio moral individual, dentro de uma perspectiva constitucional, ou seja, como forma de proteção da dignidade da pessoa humana do trabalhador.

As pessoas que normalmente são vítimas de assédio moral, tendem a se envolver em brigas e entram constantemente em discussões de trânsito; com mais frequência, algumas ainda começam a fumar e beber ou aumentar suas doses e em alguns casos se tornam dependentes químicos.

Observa-se que os efeitos vão muito além das fronteiras empresariais ou organizacionais. Alguns casos tomam proporções gigantescas e afetam toda a sociedade em que estiverem inseridos. O assédio moral pode ser um problema de saúde pública, dependendo da sua gravidade e da sua relação no contexto social.

Os efeitos do assédio moral no trabalho são apresentados por Marques Jr. (2009) e Barros (2009). Eles alertam para as questões prejudiciais à saúde do trabalhador, sendo considerado como uma doença do trabalho que pode causar males diretos ou indiretos, sendo estes decorrentes dos vários aspectos causados pelo terror psicológico proveniente do assédio moral, conforme é demonstrado no quadro abaixo.

Quadro 1 – Sintomas do assédio moral na saúde das vítimas

Sintomas

Mulheres

Homens

Crises de choro

100

-

Dores generalizadas

80

80

Palpitações, tremores

80

40

Sentimento de inutilidade

72

40

Insônia ou sonolência excessiva

69,6

63,6

Depressão

60

70

Diminuição da libido

60

15

Sede de vingança

50

100

Aumento da pressão arterial

40

51,6

Dor de cabeça

40

33,2

Distúrbios digestivos

40

15

Tonturas

22,3

3,2

Ideia de suicídio

16,2

100

Falta de apetite

13,6

2,1

Falta de ar

10

30

Passa a beber

5

63

Tentativa de suicídio

-

18,3

Fonte: Marques Jr. (2009, p. 36).

A partir dos problemas elencados, verifica-se que, devido à frequência, o trabalhador, com o passar dos anos, acaba se acostumando com esse ambiente de trabalho, acreditando que suas condições psíquicas são decorrentes de saúde fragilizada. Em alguns casos, nem percebem que estão sendo vítimas do assédio moral e, para se verem livres do problema, ou das situações vexatórias, acabam pedindo demissão em um ato de desesperado. Muitas vezes acreditam que são inúteis e improdutivos, desencadeando uma depressão, e muitos acabam enveredando à marginalidade (FREITAS, 2011).

Em outros casos, observa-se que alguns trabalhadores, por medo de perderem seus empregos, viram reféns das regras do mercado de trabalho, especialmente nas empresas que possuem políticas altamente conservadoras que visam somente a produtividade.

Contudo, caracterizar o assédio moral não representa uma tarefa fácil, especialmente porque o ordenamento jurídico brasileiro ainda se padece de qualquer definição legal a respeito do tema no âmbito do trabalho. A sociedade jurídica tem que ser apoiada e auxiliada por conceitos oriundos da área da psicologia e medicina, segundo a psicanalista francesa Hirigoyen (2010, p. 65), pioneira do estudo sobre o tema na área da psicologia do trabalho, a qual indispensavelmente traz em seus escritos uma construção de conceito jurídico sobre assédio moral, da seguinte forma:

Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.

Assim, o assédio moral é caracterizado pela exposição prolongada do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, dispensando um tratamento digno que todos os seres humanos merecem. Vale considerar algumas questões pertinentes à caracterização do assédio moral nas relações de emprego.

Primeiro, este fenômeno não se limita apenas ao ambiente físico da empresa, mas a todos os locais em que existam atividades laborativas. De acordo com Ferreira (2005), é imprescindível que o processo do assediador seja exclusivamente praticado durante o exercício do trabalho, eliminando assim, qualquer possibilidade de ser confundido com questões pessoais que possam surgir dentro do local de trabalho, mesmo que se estendam para fora do ambiente de trabalho.

Em segundo, deve ser considerado a conduta do assediador que configura o assédio mediante o conjunto de comportamento em relação à vítima, tendo o intento de hostilizá-la e humilhá-la, em um período prolongado e contínuo, embora não haja um prazo mínimo. Porém, se existe uma situação conflituosa ou um comportamento agressivo de maneira constante ou isolada, não deixa de se configurar um assédio moral. Principalmente em se tratando de uma situação de humilhação repetitiva e que esteja interferindo na vida do trabalhador de modo mesmo indireto, comprometendo, assim, a sua identidade, dignidade, relações sociais, acarretando vários danos a sua saúde física e mental, interferindo, consequentemente, na sua produtividade dentro de seu trabalho (FERREIRA, 2005).

5 LEGISLAÇÕES CIVIS APLICÁVEIS À PRÁTICA DO ASSÉDIO MORAL

Dentro dos âmbitos estadual e municipal, existem leis e projetos de lei que preconizam acerca dos direitos do trabalhador. No entanto, a competência é exclusiva da União, conforme disposto no art. 22, inciso I da Constituição Federal: “Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”. (MARQUES JR., 2009, p. 42).

Todavia, Marques Jr. (2009) complementa que o § 1° deste mesmo artigo estabelece que, quando a competência é privativa da União, esta poderá ser delegada através de lei complementar, que autoriza Estados e Municípios a legislarem sobre essa determinada matéria.

No caso do servidor público, difere da iniciativa privada, pois a administração pública direta poderá regulamentar as relações que possui com os seus respectivos servidores. Assim, a União atém exclusivamente a competência para legislar acerca do serviço público federal, os Estados, dos seus servidores Estaduais, etc.

Dentro do âmbito federal, a Lei de nº 8.112/90 estabelece a conduta do servidor. Embora não exista um artigo que estipule penalidades aos praticantes diretos do assédio moral, existem projetos de leis que estão em tramitação aguardando aprovação, prevendo, inclusive, advertências, bem como demissão para o agressor (MARQUES JR., 2009).

O Rio de Janeiro foi o pioneiro a aprovar as Leis que procuram coibir a prática do assédio moral, a Lei de nº 3.921/2002. Segundo Marques Jr. (2009), a Lei nº 3921, de 23 de Agosto de 2002, veda o assédio moral no trabalho, no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades da administração centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, do poder legislativo, executivo ou judiciário do Estado do Rio de Janeiro, inclusive concessionárias e permissionárias de serviços estaduais de utilidade ou interesse público, e dá outras providências.

Ainda segundo Marques Jr (2009), Iracemápolis – SP, foi o primeiro município a apresentar norma jurídica sobre o assédio moral, iniciando no ano de 2000, com a Lei de nº 1.163/2000.

Conforme o artigo estabelece, todo servidor municipal que sofrer por assédio moral deverá apresentar o infortúnio ao Chefe do Poder Executivo, para que as providências legais sejam tomadas e o agressor seja penalizado conforme estabelece a lei.

6 VALOR E CRITÉRIOS DE INDENIZAÇÃO

Ciente que o assédio moral acarreta em indenização por danos morais verifica-se que a vítima, tendo por base a doutrina como a jurisprudência, tem se debruçado acerca dos critérios que estipulam os valores de cada indenização, ou seja, cabe aos magistrados estabelecerem tais valores a serem pagos pelos assediadores.

A indenização pode ser determinada e reconhecida com base em provas referente às condutas tipificadas do agressor, pela agressão principalmente psicológica e também física de forma prolongada que fere a honra do trabalhador, de forma a ser exposto a situações constrangedoras em seu ambiente de trabalho e principalmente na presença de seus colegas de trabalho e até mesmo de clientes, na tentativa de desestabilizar emocionalmente o empregado.

O assédio moral, conforme muitos estudos, oferece grandes prejuízos ao trabalhador e a muitas organizações, podendo ser pela produtividade reduzida, devido à vítima não conseguir mais produzir como antes, por se considerar inferior, rebaixada ou ultrajada, ou pelas indenizações pagas às vítimas (MARQUES JR., 2009).

Essa situação é complicada, visto que o dano moral proveniente do assédio afeta especialmente a vida psicológica do indivíduo em seus atributos subjetivos. Portanto, essa análise não pode simplesmente obedecer a um cálculo aritmético para se chegar supostamente a um valor exato, a título de reparação.

O dano material implica a perda ou prejuízo que fere diretamente um bem patrimonial, seja diminuindo o valor, restringindo a utilidade, ou até mesmo, anulando a utilidade do mencionado bem; sendo que, o dano moral refere-se à ofensa ou violação que não atinge os bens de ordem moral, atingindo-se, portanto, um bem psíquico. (THOME, 2009, p. 125).

Torna claro que existe uma dificuldade em encontrar uma aferição ao valor do reparo indenizatório. Embora esse fator não isente à vítima o direito de pleitear a reparação financeira “adequada” pelo dano sofrido, assim como do agressor de ser punido pala sua conduta antijurídica, pois, como foi mencionado ao longo deste estudo, o direito à indenização por danos morais está assegurado na Carta Maior em seu artigo 5°, incisos V e X.

Mensurar um valor devido, a título de indenização, àqueles que são condenados pela prática de assédio moral tem sido uma tarefa árdua para os magistrados trabalhistas, uma vez que é impossível encontrar ou se aproximar ao real valor do sofrimento ou da dor. Certo de que a dificuldade seja um fato, resta aos magistrados apontarem basicamente dois critérios como pagamento, sendo o critério aberto e o tabelado.

No primeiro, o valor indenizatório é estipulado de maneira arbitrária pelo juiz; todavia, limitado a determinados parâmetros norteadores. Enquanto que, pelo critério tabelado, os valores são pré-estabelecidos, obedecendo a uma quantia determinada para cada situação, devendo os magistrados, em cada caso, também avaliar os parâmetros norteadores.

Faz-se necessário, portanto, observar que o nosso ordenamento jurídico tem seguido o caminho do sistema aberto, já que não existe um cálculo matemático correspondente ao valor do dano sofrido, cabendo ao juiz ou magistrado, atribuir uma quantia indenizatória, conforme os critérios de proporcionalidade e razoabilidade vigente no artigo 944, Parágrafo Único, do Código Civil, onde se lê: “Art. 944 - A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.”

Tecendo comentários a este entendimento legal, as lições do Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Wladimir Oliveira da Costa, em sua publicação, mostram ainda a dificuldade de mensurar o quanto vale a ofensa sofrida pela pessoa em seu patrimônio íntimo:

 

A operação judicial na fixação da reparação de dano moral é das mais difíceis e complexas, uma vez que a legislação carece de parâmetros objetivos que possibilitem ao juiz quantificar, com certeza, o quantum líquido a ser ressarcido à vítima, quando se trata de indenização por ofensa à intimidade, deferida com apoio na teoria subjetiva da responsabilidade civil por ato ilícito ou abuso de direito.

Fixando como critério para a apuração da indenização a extensão do dano (CCB, art. 944), o legislador deixou ao critério prudencial do juiz a atribuição de quantificar o valor da indenização, estabelecendo que se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização (parágrafo único do art. 944 do CCB). De igual modo, poderá aumentar o valor. (COSTA, 2007, p. 13).

 

Desta maneira, apesar de ser delegado ao juiz o poder de estipular o valor reparatório às vítimas de assédio moral, obedecendo a uma subjetividade pessoal, doutrina e às próprias jurisprudências, estes procuram, sobretudo, estabelecer parâmetros objetivos para a aferição devida, principalmente a discricionariedade diante do caso concreto.

Quando comprovados esses fatos, o juiz fixa um valor da indenização, verificando, inclusive, se além do assédio, existe também dano material para serem somados, tornando cada vez mais normal o pedido de indenização por assédio moral pelo empregado nas diversas reclamações trabalhistas.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

              Conclui-se que o assédio moral é uma forma desumana de desestabilizar um profissional a ponto de que o mesmo não consiga desempenhar sua função de forma responsável e competente, no intuito de oportunizar a demissão do mesmo, de forma forçada.

              Observa-se que a questão do assédio moral deve ser analisada de forma mais cautelosa no que se refere à caracterização jurídica, verificando a natureza psicológica do dano causado ao trabalhador, podendo oferecer problemas graves à sua integridade física e emocional.

              Esse tipo de agressão que fere a dignidade da pessoa humana deve ser penalizada, por verificar que a impunidade e o descaso oportunizam o aumento do índice de trabalhadores afastados das suas funções por problemas de saúde, demonstrando a necessidade de preservar a saúde mental dos trabalhadores.

Lamentavelmente, o empregador, de forma arbitrária, tem utilizado o seu poder diretivo para submeter seus empregados a situações desumanas, a fim de obter maior produtividade ou até mesmo no intento de excluir determinado funcionário, atingindo seus direitos e sua dignidade, ferindo a manutenção do estado democrático de direito. Esse tipo de prática é inaceitável, tendo em vista as devastadoras consequências à vítima do assédio. É sabido, inclusive, que novas leis e novos projetos de leis destinados ao combate do assédio moral têm surgido, porém, não apresentando muita eficácia para a eliminação do problema.

O combate ao assédio moral em todas as suas formas de manifestação (assédio vertical descendente, assédio vertical ascendente, assédio horizontal, assédio institucional e assédio misto) passa pela conscientização para, depois, encontrar respaldo na responsabilização dos envolvidos.

A espécie de assédio mais encontrada nos julgados é a denominada de vertical descendente, cuja prática assediadora parte do empregador ou de um superior hierárquico, para o empregado. E a maior preocupação é que esta prática vem se alastrando no ambiente laboral de forma natural dentro da organização de algumas empresas e/ou de algumas profissões. Nesse mesmo sentido, tão rápido quanto o surgimento ou descoberta da existência do assédio moral, está sendo a sua banalização e sua aceitação como “normal” no cotidiano laboral, através das chamadas políticas motivacionais, mascarando as condutas de violência moral e física, em face de uma coletividade de trabalhadores.

Nota-se, portanto, que os Magistrados têm contato com a situação real relatada nos processos, demonstrando certo distanciamento do caso em si, o que compromete uma análise precisa dos fatos. É preciso que os magistrados encontrem um meio que confira uma maior proximidade com os relatos de ambas as partes do processo e com as testemunhas constantes dos julgados, e não somente nas palavras insertas nas folhas dos autos.

Em relação à responsabilidade civil do empregador, grande parte dos magistrados tem utilizado a teoria subjetiva expressa no art. 186, 187 e 927 do Código Civil, em que precisa ser provado a culpa do agente para ensejar a indenização, além da teoria objetiva, presente no art. 932, III e 933 do Código Civil, para gerar a condenação por danos morais. Esta última, pode parecer a forma mais adequada de responsabilização, embora pouco presente nos julgados, já que, além de conceder à pessoa do trabalhador uma importância primordial, contribui para um maior cuidado por parte do empregador no combate à pratica do assédio moral.

Sendo assim, o combate ao assédio moral em todas as suas formas de manifestação passa pela conscientização para, depois, encontrar respaldo na responsabilização dos envolvidos. E os conflitos causados por esta temática têm-se consagrado como uma difícil resolução por apresentar um caráter subjetivo, não restando dúvidas de que as lesões injustas causadas pela prática do assédio moral constituem ataque direto a tudo aquilo que faz parte do universo humano.

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[1] Um psicólogo de origem alemã, radicado na Suécia

 

 

Elaborado em abril/2015

 

Como citar o texto:

COELHO, Luiz Felipe Martins; VILARINHO, Daniel Cervantes Angulo..Assédio moral no trabalho: perseguição desnecessária. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 24, nº 1257. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/3586/assedio-moral-trabalho-perseguicao-desnecessaria. Acesso em 22 mai. 2015.

Importante:

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