RESUMO

O presente trabalho tem por objeto analisar, sob o prisma jurídico, a aplicabilidade, vantagens e adversidades da terceirização no cenário trabalhista brasileiro, considerando-se os princípios do Direito do Trabalho e do Processo do Trabalho perante a realidade prática deste artifício, verificando o fenômeno da terceirização no setor público ante o ordenamento jurídico brasileiro, abordando aspectos, legais, jurisprudenciais e mesmo, infra legais, refletidos na realidade prática deste artifício, observando-se que a terceirização difundida no Brasil, restringia-se às atividades-meio, mas hoje, busca espaço também nas atividades-fim, por necessidade de flexibilização das normas trabalhistas. A metodologia usada será a pesquisa bibliográfica acerca da terceirização e suas perspectivas sob a luz da legislação brasileira confrontando-a com a realidade fática, sob o prisma da constituição da república federativa do brasil, leis infraconstitucionais, jurisprudências e a consolidação das leis trabalhistas, dando destaque especial à Lei 13.429/2017 e ao Decreto Federal 9.507/18.

Palavras-chave: Terceirização; Setor Público Brasileiro; Aplicabilidade. Leis Trabalhistas.

ABSTRACT

This paper aims to analyze, from a legal perspective, the applicability, advantages and adversities of outsourcing in the Brazilian labor scenario, considering the principles of Labor Law and the Labor Process before the practical reality of this device, verifying the phenomenon. of outsourcing in the public sector before the Brazilian legal system, addressing aspects, legal, jurisprudential and even infra-legal, reflected in the practical reality of this artifice, noting that outsourcing widespread in Brazil was restricted to the middle activities, but today , also seeks space in the core activities, due to the need to make labor standards more flexible. The methodology used will be the bibliographic research about outsourcing and its perspectives in the light of the Brazilian legislation confronting it with the factual reality, under the prism of the constitution of the federative republic of Brazil, infraconstitutional laws, jurisprudence and the consolidation of labor laws, giving special mention to Law 13,429/2017 and Federal Decree 9,507/18.

Keywords: Outsourcing. The Brazilian Public Sector. Applicability. Work Laws.

INTRODUÇÃO

A terceirização é um fenômeno atual e irreversível no mercado de trabalho nacional, com utilização também pela Administração Pública, mesmo não havendo uma legislação específica para o tema, o que gerou divergências jurídicas quanto à responsabilização do órgão público e de seus equiparados pelo adimplemento das verbas trabalhistas não cumpridos pelas empresas prestadoras de serviço.Dentre o largo do debate acerca da terceirização, alguns aspectos jurídicos merecem relevo e especial atenção. A terceirização de serviços no âmbito do Direito do Trabalho trata-se de um mecanismo anômalo de contratação de força de trabalho, que foge à formula clássica de relação empregatícia bilateral.Assim, o problema que se vislumbra é à questão da aplicabilidade, vantagens e adversidades do instituto no setor público, uma vez que é necessário fazer uma distinção entre terceirização lícita e ilícita ou terceirização legal e ilegal e ainda as consequências da utilização da terceirização em atividades-fim.

Dessa forma, será investigado ainda a proteção do trabalhador frente à Legislação Brasileira e a flexibilização das leis trabalhistas. Será observada ao longo deste projeto a evolução da terceirização no setor público perante a sociedade, com a sua projeção às atividades-fim e a responsabilização da Administração Pública, tomando por base as alterações mais recentes sobre os direitos trabalhistas dos funcionários terceirizados.

Nem sempre o direito, regido pelas normas pertinentes, consegue acompanhar as frequentes transformações sociais, já que são inúmeras as questões pendentes de regulamentação. E é, justamente, neste contexto que se enquadra à questão da problemática social da terceirização no setor público, uma vez que mesmo existindo previsão legal, não possui legislação específica sobre o assunto, nutrindo divagações sobre o assunto sob o prisma de diversos ramos do direito.

O presente estudo utilizou como base a pesquisa bibliográfica sob a luz da legislação brasileira confrontando-a com a realidade fática, sob o prisma da Constituição da República Federativa do Brasil, Leis infraconstitucionais, Jurisprudências e a Consolidação das Leis Trabalhistas, com dando destaque especial à Lei 13.429/2017 e ao Decreto Federal 9.507/18.

2.  DA TERCEIRIZAÇÃO

2.1 CONCEITOS E DEFINIÇÕES

A palavra terceirização, em sentido amplo, significa uma transferência de serviços. Trata-se, portanto, de uma contratação de um terceiro para a prestação de serviços ou fornecimento de produtos.

A terceirização é uma técnica administrativa utilizada pelas empresas para repassar algumas de suas atividades - acessórias e de apoio - a terceiros, com os quais se mantém uma relação de parceria, no intuito de que as mesmas se concentrem fortemente no negócio em que atuam, em busca de maior competitividade. O processo de terceirização é aplicado com base no gerenciamento das ações (GIOSA, 2008).

De acordo com a definição de Segundo Sérgio Pinto Martins (2009)

“A terceirização consiste na faculdade de se contratar um terceiro para realizar atividades que não são as principais da empresa contratante, podendo compreender tanto a produção de serviços como a de bens. Um exemplo seria quando uma empresa necessita contratar empregados para realizar atividades de limpeza, vigilância ou até mesmo serviços temporários”. (MARTINS, 2009, p. 176)

Já nas palavras de Maurício Godinho Delgado (2009):

“Para o Direito do Trabalho, a terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação do labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido”. (DELGADO, 2008, p. 430).

Assim, podemos concluir que a terceirização se constitui na transferência de certas atividades de uma empresa para outra, onde a empresa tomadora de serviços contrata uma outra empresa, fornecedora de mão de obra, destinada a prestar serviços, que podem encontrar-se vinculados diretamente à atividade preponderante da contratante ou de forma indireta. Neste cenário, a empresa-mãe ou empresa contratante é aquela que contrata de outra empresa a produção de um bem ou a prestação de um serviço. Empresa terceira ou empresa contratada é aquela que fabrica o componente ou presta o serviço para a empresa-mãe.

2.2 A TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, a terceirização começou a surgir em 1929, época na qual o país encontrava-se assolado por uma crise econômica, ocasião esta, em que cafeicultores investiram em indústrias que empregavam terceiros para execução de tarefas secundárias, no intuito de poupar a verba destinada a mão-de-obra.

Apesar de já fazer parte da realizada do país, “a intermediação de mão- de-obra não era regularizada até meados da década de 1960, quando, pelos Decretos lei n° 1.212 e nº 1.216 nasce a possibilidade da contratação de serviços de segurança bancária. A partir da vigência do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, a contratação de serviços pela Administração Pública Federal passou a ser regulamentada por norma legal.

Neste contexto, foi editada a Lei 5.645, de 1970, exemplificando alguns encargos de execução que poderiam ser descentralizados:

“As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução mediante contrato, de acordo com o art. 10, § 7, do Decreto-Lei n. 200/67”. (Lei n. 5.645/70, art., 3º, parágrafo único)

No âmbito do direito privado, devido à expansão nos ramos da terceirização, em 1974, foi feita a normatização do contrato de trabalho temporário, com a Lei n. 6.019, e em 1983, foi regulamentada a vigilância bancária e o transporte de valores, com a Lei n. 7.102.

A Lei 6.019/74 causou estranheza à sociedade na época, já que era contrária ao modelo clássico de relações trabalhistas bilaterais (empregado-empregador), criando uma relação trilateral. Porém, mesmo inovando neste sentido, ainda limitava a terceirização, pois regulava o contrato de trabalho temporário. Ou seja, permitia a terceirização apenas de forma temporária.

Posteriormente, surgiu a Lei 7.102/83, que regulava uma forma permanente de terceirização, e que, no entanto, restringia essa forma de contratação apenas a uma categoria específica de profissional, que eram os vigilantes.

No setor público, a terceirização tem como marco o Decreto-Lei n.º 200/1967, documento em que recebeu a denominação de “execução indireta dos serviços” (BRASIL, 1967; FERRAZ, 2007).  O objetivo desse decreto era implementar uma ampla reforma administrativa, adotando como postulados fundamentais a desconcentração e a descentralização das atividades de execução da Administração Pública Federal mediante sua transferência para o setor privado, por meio da celebração de contrato.  A condição, entretanto, era que a iniciativa privada estivesse suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar tais encargos.

Em 1970, foi editada a Lei n.º 5.645, exemplificando alguns encargos de execução passíveis de terceirização, basicamente os serviços transporte, conservação, operação de elevadores, limpeza e outras ditas assemelhadas (DELGADO, 2014).

Quatro anos mais tarde, a Lei 6.019/74 autorizou a contratação do trabalho temporário.  Tempos depois, pela Lei N.º 7.102/83, autorizava-se a terceirização do trabalho de vigilância bancária, primeira possibilidade de terceirização em caráter permanente para a iniciativa privada (CASSAR, 2014; DELGADO, 2014).

Alguns anos se passaram até que a terceirização novamente recebesse atenção pelo Estado, o que ocorre mais intensamente na década de 90, com a reforma gerencial, pela qual a doutrina neoliberal encontra espaço na máquina estatal brasileira (MOTTA, 2007). Assim, as medidas sugeridas pelo Consenso de Washington são retomadas no Brasil a partir da perspectiva gerencialista, tendo como discurso alcançar eficiência na capacidade de resposta da administração e melhora na gerência pública, espelhada nas teorias e técnicas da administração de empresas, tendo como um de seus pressupostos a descentralização de atividades periféricas pelas privatizações e mediante contratação de mão de obra por intermédio de parcerias com a iniciativa privada.

Desta forma, a Administração Pública, passa a se espelhar no setor privado, de quem toma emprestados os principais avanços práticos e teóricos, sob justificativa de substituir a velha administração pública, burocrática e arcaica, por um jeito novo de administrar, a partir de uma visão gerencial, eficiente e voltada para os resultados.

Já no bojo da reforma administrativa foram editados o Decreto Nº 2.271/97, que dispõe sobre a contratação de serviços pela Administração Direta, Autárquica e Fundacional, e a Lei Nº 9.632/98, que propõe a extinção de 79.000 cargos na Administração Federal e autoriza a terceirização dessas atividades.  Outra parte da regulamentação se dirigiu às empresas estatais privatizadas, tratando a matéria em alguma medida: Lei n.º 8.987/95, que disciplina o regime de concessão e permissão de serviços na área elétrica; e Lei 9.472/97, que disciplina o regime de concessão e permissão de prestações de serviços na área de telefonia (CASSAR, 2014; DELGADO, 2014).

No entanto, de modo geral, o processo de terceirização expandiu-se largamente, nos âmbitos público e privado, fora das hipóteses jurídicas previstas na confusa e esparsa legislação existente, sem merecer, ao longo dos anos, o esforço do legislador pátrio (DELGADO, 2014). Essa inércia, proposital ou não, deixou um vácuo importante que possibilitou a ampliação do sistema ameaçando os pilares fundamentais do Direito do Trabalho.

Em dezembro de 1994, a Lei n. 8.949/94 introduziu um parágrafo único ao artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, neste sentido: “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”. Este dispositivo provocou o surgimento de uma onda de terceirizações com fundamento na fórmula cooperada.

Finamente, 2017, foi sancionada a Lei Nº 13.429/2017, que alterou significativamente o conteúdo da Lei nº 6.019/1974, que antes regulava apenas o trabalho temporário, tida como o marco regulador da terceirização admissível, para muitos inclusive a denotar a ruptura da linha-mestre estabelecida pelo Tribunal Superior do Trabalho ao instante em que não haveria mais óbices ao trabalho intermediado nas atividades-fim e nas atividades-meio do tomador de mão-de-obra.

3 A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO E SUAS FORMAS

A partir da década de 80, a Administração Pública brasileira iniciou um processo de reforma, visando reduzir o tamanho do seu aparelhamento administrativo, tornando-a mais flexível, eficiente e voltada para o atendimento ao cidadão. Surge o instituto da privatização, em sentido amplo, o qual compreendia, dentre outros, a quebra de monopólios de atividades exercidas exclusivamente pelo poder público, a delegação de serviços públicos aos particulares e a terceirização, na qual se buscava a colaboração de entidades privadas no desempenho de atividades acessórias da Administração.

O Estado objetivava, com essa colaboração, a economicidade, entendida não apenas como a economia de recursos, mas também em termos de rendimento pelo capital empregado, ao se buscar prestadores de serviços especializados fora dela e redução de custos com a gestão dos serviços executados.

Nesse contexto, RAMOS (2001, p.40), aborda o conceito de privatização, em sentido amplo:

“O termo (privatização) abrange uma acepção ampla e outra restrita. Genericamente pode-se englobar no conceito amplo de privatização todo um conjunto de medidas adotadas com o objetivo de diminuir a influência do Estado na economia, ampliando a participação da iniciativa privada em uma série de atividades antes sob controle estatal. Essa concepção ampla abrange a venda de ativos do Estado, notadamente com a transferência do controle acionário de empresas estatais (desnacionalização); a desregulamentação, diminuindo a intervenção do Estado no domínio econômico, inclusive com a flexibilização das relações trabalhistas e a desmonopolização de atividades econômicas; a concessão, permissão ou autorização de serviços públicos e a adoção, cada vez mais frequente, de contratações externas (contracting out), com a celebração de ajustes para que a iniciativa privada desempenhe atividades no âmbito do setor público. Essas contratações têm sido, no direito brasileiro, denominadas de terceirização”.

Apenas à título de informação, a gestão do serviço público refere-se à forma pela qual ele é administrado e pode ocorrer em três níveis: gestão estratégica, gestão operacional e execução material. A primeira está ligada à definição das estratégias e macro-objetivos. A gestão operacional refere-se à forma como as atividades serão realizadas, e o último nível caracteriza-se pela simples execução material das atividades. Trazendo estes conceitos para a esfera prática, na descentralização por colaboração (concessão e permissão), a gestão estratégica do serviço fica a cargo do Poder Público, sendo delegadas a gestão operacional e a execução direta da atividade.

Na descentralização por serviços, quando o Poder Público delega, mediante lei, a execução de um serviço público a uma pessoa jurídica de direito público ou privado criado para esse fim (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista ou fundações públicas), as entidades recebem a própria titularidade do serviço público. Esses dois casos são espécies de descentralização, entendida como o repasse pelo Poder Público de competências para uma entidade dotada de personalidade jurídica.

Na terceirização (em sentido estrito), o Poder Público não delega a gestão estratégica nem operacional, apenas repassa a execução material de determinado serviço. Vê-se que a concessão não se confunde com a terceirização, pois na primeira, o concessionário recebe a gestão operacional do serviço público e presta-o em seu próprio nome. Inclusive a remuneração por ele recebida é realizada diretamente pelos usuários dos serviços. Já na terceirização, o contratado é mero executor da atividade (que lhe foi atribuída pelo gestor operacional, que é quem o remunera por meio de contrato), a qual constitui apenas elementos ou tarefas anexas ao serviço público, com ausência de laço contratual com os usuários do serviço público. Além disso, o objeto da concessão é todo um serviço público, enquanto na terceirização é apenas uma atividade específica (RAMOS, 2001, p. 121).

Verifica-se então que, por meio da terceirização, a Administração se utiliza dos meios privados da execução dos serviços para transferir a execução material, mantendo, contudo, a titularidade do serviço público, a qual é constitucionalmente atribuída a ela (RAMOS, 2001, p. 44).

A terceirização no setor público teve início legal a partir do Decreto-lei nº 200/67, o qual previa que a Administração Pública se utilizasse, sempre que possível, da execução indireta de algumas atividades, mediante contrato, e desde que satisfeitas algumas condições. A seguir, reitera-se os termos do artigo 10, parágrafo 7º, do Decreto-lei, o qual aborda a descentralização aqui em comento:

“Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. § 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmensurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução”. (BRASIL, 1967)

Ela, porém, se desenvolveu mais rapidamente após o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado em 1995, quando foram criadas novas carreiras de nível superior e extintos cargos de nível médio e intermediário, adotando-se a política de contratação desses serviços.

Na Constituição Federal de 1988, também há previsão do instituto. O artigo 37, inciso XXI, como já exposto, permitiu a contratação de serviços de terceiros pela Administração Pública, desde que houvesse lei específica prevendo licitação e regras para os contratos a serem realizados.

Tal dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei 8.666/93, a qual deu início à proliferação de contratos no país. Posteriormente, em 1997, foi editado o Decreto Federal 2.271/1997, que veio para disciplinar a contratação de serviços na Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, estabelecendo um rol de atividades que devem ser preferencialmente executadas de forma indireta: conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações.

3.1 FORMA LÍCITA

A terceirização lícita no Brasil é regulada basicamente pela Súmula 331, TST, onde estão assentadas as situações-tipo dessa modalidade. Essas são divididas em quatro grupos:

“I- Trabalho Temporário (Súmula 331, I, TST);

II- Serviços de Vigilância (Súmula 331, III, TST);

III- Serviços de conservação e limpeza (Súmula 331, I, TST);

IV- Serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador” (Súmula 331, I,TST).

O primeiro grupo refere-se a situações empresariais que autorizem contratação de trabalho temporário. São situações contidas expressamente na Lei nº 6.019/74 e trata-se da necessidade decorrente de acréscimo extraordinário de serviços na empresa ou de necessidades transitórias de substituição de pessoal regular ou permanente da empresa tomadora como, por exemplo, a substituição nas férias ou na licença maternidade.

Já o segundo grupo é regido pela Lei nº 7.102/83 e trata-se de serviços de vigilância. A Súmula 331, TST veio alargar o tipo legal, pois a Súmula 256 do mesmo Tribunal referia-se exclusivamente aos casos previstos na lei supracitada, e hoje, a nova Súmula menciona, de forma ampla, atividades de vigilância. Qualquer segmento do mercado de trabalho que contrate serviço de vigilância mediante empresa especializada, poderá servir-se do instrumento jurídico da terceirização.

O terceiro grupo é o que compreende as atividades de conservação e limpeza. Essas atividades foram uma das pioneiras ao ter iniciado práticas terceirizantes no âmbito privado em nosso País. A conservação e limpeza pode ser de bens ou monumentos, por exemplo, e o serviço efetuado pode ser faxina, desinsetização, limpeza de vidros, serviços de copeira, jardinagem, etc.

O quarto e último grupo de situações passíveis de terceirização lícita refere-se aos serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador. Essas atividades-meio não são expressamente discriminadas, entretanto, nada mais são, que atividades que não estão no núcleo da atividade do tomador de serviços, ou seja, são diferentes da atividade-fim.

Nos últimos três grupos citados acima, a terceirização só se manterá lícita se não houver pessoalidade e subordinação jurídica direta entre o trabalhador terceirizado e tomador de serviços (Súmula 331, III, in fine, TST).

3.2 FORMA ILÍCITA

A terceirização ilícita torna-se mais comum a cada dia no mercado de trabalho brasileiro. Os prestadores de serviço são subordinados à empresa tomadora e ainda existe pessoalidade nessa relação. Não se deve discutir se as empresas são idôneas ou não, o vínculo empregatício do terceirizado deixa de ser com o seu empregador primário e passa a ser com o tomador de mão de obra. O mesmo ocorre se a atividade exercida se trata da atividade-fim do tomador de serviços.

GARCIA, em sua obra Curso do Direito do Trabalho, cita:

“Se, com o fim de terceirizar certa atividade, for contratada empresa prestadora, mas o tomador exercer o poder diretivo perante o trabalhador, este, certamente, na realidade, passa a ter sua relação jurídica de emprego com o próprio tomador. Trata-se da consequência da terceirização ser considerada ilícita”. (GARCIA, 2008, p. 311)

A Súmula 331, inciso I, TST prevê: “A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalhador temporário (Lei nº 6.019, de 3.1.1974)”.

A violação dos preceitos citados fere os direitos trabalhistas e é uma afronta à dignidade do trabalhador, já que o trabalho humano na terceirização ilícita é transformado em simples mercadoria, o que contraria, frontalmente, os fundamentos da República Federativa do Brasil, sendo a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, contidos no artigo 1º, incisos III e IV da Constituição Federal de 1988.

MARTINS, ainda, ensina-nos sobre os requisitos da terceirização, mostrando ainda as prováveis formas de ilicitude:

“Para que a terceirização seja plenamente válida no âmbito empresarial, não podem existir elementos pertinentes a relação de emprego no trabalho do terceirizado, principalmente o elemento de subordinação. O terceirizante não poderá ser considerado como superior hierárquico do terceirizado, não poderá haver controle de horário e o trabalho não poderá ser pessoal, do próprio terceirizado, mas realizado por intermédio de outras pessoas. Deve haver total autonomia do terceirizado, ou seja, independência, inclusive quanto a seus empregados. Na verdade, a terceirização implica a parceria entre empresas, com divisão de serviços e assunção de responsabilidades próprias de cada parte. (MARTINS, 2003, p. 253)

A subordinação é algo tão importante que é citado no Decreto-Lei nº 200/67 (regulamentado pelo Decreto nº 2.271/97). No artigo 4º, incisos II e IV, preceitua-se da proibição de que constem nos instrumentos contratuais a caracterização exclusiva do fornecimento de mão de obra como objeto do contrato e veda a subordinação dos trabalhadores terceirizados para com a Administração Pública.

Nesse contexto, o Poder Público é privilegiado, já que o fato de estabelecer vínculo empregatício, sem prévio concurso público com o terceirizado, ainda que seja terceirização ilícita, feriria a Súmula 331, II, TST que dispõe: “A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública, direta, indireta ou fundacional”.

4 A TERCEIRIZAÇÃO E O DIREITO PROCESSUAL TRABALHISTA

4.1 RESPONSABILIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA TERCEIRIZAÇÃO

Em virtude das facilidades da terceirização e da possibilidade de aumento da produção, a Administração Pública, seguindo as diretrizes da Lei nº. 8.666/93 e do art. 10, §7º, do Decreto-lei nº. 200/1967, utiliza, em suas atividades-meio, a terceirização para aperfeiçoar seus resultados, aumentar sua produtividade e alcançar a eficiência, dispondo de mais tempo para se dedicar a sua atividade-fim.

Entretanto, o emprego da terceirização no setor público e a falta de regulamentação sobre o assunto, têm gerado diversas discussões jurídicas com relação à espécie de responsabilidade trabalhista que a Administração Pública possui em caso de inadimplência dos débitos trabalhistas por parte da empresa prestadora de serviços que foi contratada em processo licitatório lícito e regular.

Os empregados terceirizados têm enfrentado, ao logo dos anos, a inobservância dos seus direitos trabalhistas, segundo o Mercante (2015). Esse fenômeno desencadeou uma ação institucional do Ministério Público do Trabalho (MERCANTE, 2015, p. 9):

O Projeto Terceirização sem calote se originou da necessidade de atuação do Ministério Público do Trabalho frente aos principais problemas detectados nos contratos de prestação de serviços continuados à Administração Pública, dentre os quais se destacam:

·       a alta taxa de inadimplência de direitos trabalhistas por parte das empresas terceirizadas, principalmente quando se aproxima o ­m do contrato celebrado entre a prestadora de serviços e o ente público;

·       o alto índice de contratações emergenciais para assegurar a continuidade do serviço, ocasionando a dispensa de licitações;

·       os inúmeros litígios trabalhistas na Justiça do Trabalho;

·       as difi­culdades de obtenção de valores e/ou bens na execução trabalhista;

·       os prejuízos ao patrimônio público/erário, que muitas vezes tem que pagar obrigações trabalhistas, com responsáveis subsidiários.

           

Nesse contexto, além da postura institucional, a Administração Pública adota a teoria da irresponsabilidade nos contratos de terceirização. Entretanto, a justiça do trabalho adota, como de costume, uma postura destoante, mas em conformidade com o judiciário brasileiro, que é a não observância da legislação. A não aplicação da legislação tem como fundamento o princípio da proteção do empregado. Assim, aplica-se uma responsabilidade solidária a partir do entendimento jurisprudencial e em detrimento da lei 8.666/93.         

No contrato de terceirização, “a Administração Pública pode responder pelos encargos trabalhistas e previdenciários da força de trabalho utilizada na prestação de serviços, caso haja inadimplemento da contratada” (SEKIDO, 2010, p. 31). Esta imputação à Administração Pública tem origem da necessidade de preservar os direitos laborais que, em virtude da terceirização, já estavam sendo amplamente flexibilizados e precarizados.

A responsabilidade solidária trabalhista, com fulcro no art. 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), possui respaldo jurídico no art. 265 do Código Civil (CC), o qual dispõe que “a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes” (BRASIL, 2002, não paginado).

Martins (2012, p. 135), ao explicar como se manifesta a responsabilidade solidária, afirma que:

“Há solidariedade quando, existindo multiplicidade de credores ou de devedores na obrigação, ou de uns e outros, cada credor tem direito à totalidade da prestação, como se fosse o único credor, ou cada devedor estará obrigado pelo débito todo, como se fosse o único devedor.”

Nesse ínterim, a responsabilidade solidária prevê que a Administração Pública, enquanto tomadora dos serviços terceirizados, detém a mesma responsabilidade laboral que a empresa prestadora dos serviços, ou seja, se restar configurado o inadimplemento da empresa terceirizada, o Ente Público será igualmente responsabilizado.

Contudo, essa responsabilidade só poderá ser atribuída à Administração Pública se a terceirização for de serviços típicos da dinâmica permanente do Estado (terceirização ilícita ou ilegal), uma vez que fere a regra de que os serviços públicos devem ser exercidos por servidores públicos concursados (art. 37, II, CF/88) (BRASIL, 1988).

Este é o entendimento adotado pelo Enunciado nº. 11 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho do TST, conforme se verifica:

“11. TERCEIRIZAÇÃO. SERVIÇOS PÚBLICOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. A terceirização de serviços típicos da dinâmica permanente da Administração Pública, não se considerando como tal a prestação de serviço público à comunidade por meio de concessão, autorização e permissão, fere a Constituição da República, que estabeleceu a regra de que os serviços públicos são exercidos por servidores aprovados mediante concurso público. Quanto aos efeitos da terceirização ilegal, preservam-se os direitos trabalhistas integralmente, com responsabilidade solidária do ente público (BRASIL, 2007, p. 3).”

Dessa maneira, a responsabilidade solidária na terceirização ilícita se respalda na premissa de que o Estado tomador de serviços age como comitente, ao incumbir a empresa terceirizada, mediante pagamento, de executar um trabalho em seu nome e sob sua direção, assumindo o risco pelo eventual inadimplemento dos títulos trabalhistas daí decorrentes.

No entanto, a responsabilidade solidária não é uma realidade patente nas contratações do Poder Público. O TST somente adota esse tipo de responsabilidade em casos bastante específicos, dentre eles: empresas do mesmo grupo econômico (art. 2º, §2º, da CLT); fraude na sucessão empresarial (artigos 9, 11 e 448 da CLT e art. 942 do CC); falência da empresa de trabalho temporário (art. 16 da Lei nº. 6.019/1974); e, terceirização trabalhista, “quando há mais de um causador do dano, como a empresa prestadora de serviços e a empresa tomadora de serviços” (MARTINS, 2012, p. 136).

4.2 RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA

A responsabilidade subsidiária é a responsabilidade solidária com benefício de ordem, ou seja, a sua aplicação pressupõe o exaurimento da obrigação da empresa terceirizada (devedor principal).

Nesta esteira, colhe-se a lição de Martins (2012, p. 137):

“A palavra subsidiária vem do latim subsidiarius, que significa secundário. A responsabilidade subsidiária é a que vem em reforço de ou em substituição de. É uma espécie de benefício de ordem. Não pagando o devedor principal (empresa prestadora de serviços), paga o devedor secundário (a empresa tomadora de serviços).”   

Com embasamento jurídico no inciso IV da Súmula nº. 331 do TST, a responsabilidade subsidiária é a corrente mais difundida no meio justrabalhista, pois requer a análise da culpa do Ente Público pelos débitos trabalhistas, sem reportar à Administração uma responsabilidade automática, solidária.

A responsabilidade subsidiária trabalhista possui grande semelhança com a responsabilidade subjetiva civil do Estado, porque esta pressupõe a análise de culpa, assim com aquela que, ao ser cogitada, faz-se necessário a constatação da culpa in eligendo e da culpa in vigilando.

A culpa in eligendo é a culpa do Estado quando escolhe mal os seus contratados, ou seja, é a má escolha estatal dos prestadores de serviços terceirizados. Porém, alguns autores apontam a impossibilidade de ocorrência da culpa in eligendo na Administração Pública, sob a justificativa de que a escolha da empresa prestadora de serviços sempre será a mais correta possível, uma vez que ocorre de acordo com os parâmetros legais, sem a possibilidade de decisões discricionárias. Desta forma, somente poderia cogitar a reponsabilidade subsidiária caso comprovado, primeiramente, o vício no processo licitatório (FORTINI, 2012, p. 96).

A culpa in vigilando é a culpa do Estado quando este não fiscaliza os seus contratados, isto é, decorre da má fiscalização da conduta da empresa terceirizada durante a execução do contrato.

Nessa linha de entendimento, a execução do contrato deve ser acompanhada diretamente pela Administração, com a verificação do adimplemento das obrigações trabalhistas e previdenciárias derivadas do pacto trabalhista (FORTINI, 2012, p. 97).

Todavia, os adeptos à posição contrária à culpa in vigilando do Estado aduzem que “cabe a União, através do Ministério do Trabalho, o exercício de poder de polícia na fiscalização do cumprimento das normas de proteção ao trabalho, o que inclui a fiscalização do adimplemento de obrigações trabalhistas” (FORTINI, 2012, p. 99). Destacam, do mesmo modo, que o encargo do Estado com a fiscalização dos contratos comprometeria o objetivo da terceirização que é reduzir o tempo e os gastos públicos com atividades acessórias.

Embora razoáveis tais argumentações, é importante que a Administração Pública tenha a obrigação de acompanhar os contratos de terceirização para atender a sua função social. Ademais, o próprio Estado, ao editar a Instrução Normativa nº. 02/2008, art. 19-A[4], dispôs sobre sua preocupação em garantir o cumprimento dos deveres trabalhistas em um contrato de terceirização.

     Sobre o estudo da responsabilidade subsidiária, infere-se que a sua atribuição em consonância com as culpas in vigilando in eligendo, embora não possua fundamento legislativo, apenas sumular, é bastante plausível e prudente em um Estado Democrático de Direito, pois preserva os princípios da valorização social do trabalho (art. 1º, IV, CF/88), da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e da igualdade (art. 5º, caput, CF/88).

4.3 LEI N° 13.429/2017

Durante a tramitação do Projeto de Lei que gerou a lei 13.428/17 muito se discutiu acerca da possibilidade de terceirização da atividade-fim, entretanto, não nos parece que tenha sido esta a realidade concretizada, embora diversas manifestações em sentido contrário tenham sido veiculadas pelos meios de comunicação.

A lei 13.429/17, conhecida com a Nova Lei Trabalhista, alterou a lei 6.019/1974 e, além de modificar a disciplina para a contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário para a substituição de pessoal permanente ou para executar demanda complementar de serviço, nela inseriu disposições sobre a terceirização.

Ao alterar o texto da lei 6.019/74, a nova legislação estabeleceu expressamente que a contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário pode se destinar à realização de trabalhos tanto da atividade-fim quanto da atividade-meio da empresa tomadora dos serviços, a contratante. Tal disposição não impôs nenhuma alteração de fato, pois, a contratação nos termos da lei 6.019/74, por se destinar à substituição de pessoal permanente da empresa contratante ou à execução de demanda complementar (antes denominada acréscimo extraordinário de serviços), sempre foi permitida para a execução temporária e por trabalhadores terceiros de tarefas relativas à atividade-fim.

Contudo, ao dar foco à terceirização propriamente dita, assim considerada a relação sem prazo determinado entre empresas para que a contratada preste serviços com seus empregados (não nas hipóteses de substituição de pessoal permanente ou de demanda complementar de serviços), a lei 13.429/17 referiu que tal prestação se destina aos “serviços determinados e específicos”, sendo vedado à empresa contratante a “utilização dos trabalhadores em atividades distintas”. 

Assim, a Lei Nº 13.429/17 manteve o que já disciplinava a súmula 331/TST, reafirmando a responsabilidade subsidiária da empresa contratante (tomadora dos serviços), de maneira que  o cumprimento das obrigações relativas aos tributos e encargos trabalhistas são de total responsabilidade da terceirizada; no entanto, é papel da empresa tomadora do serviço a fiscalização do cumprimento dessas obrigações.

Percebe-se, portanto, que, apesar da iniciativa legislativa de buscar disciplinar esse tipo de trabalho, a nova lei possui poucas disposições sobre a terceirização, tratando somente de alguns pontos específicos, de modo que, de um modo geral, os trabalhadores terceirizados têm os mesmos direitos garantidos pela CLT e pela Constituição Federais a todos empregados. Isso significa que esses trabalhadores terão direito, por exemplo, a férias de no mínimo 30 dias, 13º salário, pagamento de horas extras, FGTS, INSS, salário mínimo, entre outros. Além disso, a nova lei exige que a empresa que se utiliza de um trabalhador terceirizado em seu estabelecimento ou em local indicado por ela garanta as condições de segurança, higiene e salubridade do local de trabalho.

É importante observar, porém, que o trabalhador terceirizado não é empregado da empresa que se beneficia de seu serviço. Ele é funcionário de uma empresa, denominada contratada ou prestadora de serviço, que irá disponibilizar seu empregado para prestar serviço a outra empresa, denominada contratante ou tomadora do serviço.

Em razão dessa característica do trabalho terceirizado, embora a lei preveja os mesmos tipos de direitos ao trabalhador terceirizado e aos demais, na prática, podem ocorrer diferenças significativas. Nesse sentido, por exemplo, pode ocorrer que, na realidade, existam diferenças salariais entre os terceirizados e os empregados da tomadora, principalmente, no que diz respeito ao sindicato que representa esses dois tipos de trabalhadores, de modo que eles poderão estar sujeitos a convenções e acordos coletivos diferentes. Também, uma vez que os terceirizados não são empregados da empresa tomadora, eles não se beneficiam dos direitos concedidos mediante regras internas dessa última.

Resumindo: embora a legislação preveja o mesmo rol de direitos para os trabalhadores terceirizados e os demais empregados, considerando que eles são empregados de empresas diferentes e são representados por sindicatos distintos, na prática, podem ocorrer diferenças de tratamento, como salários e benefícios diferentes.

Em outras palavras, a regulamentação federal direcionou a terceirização na administração pública para o conceito, haurido da jurisprudência trabalhista, de “atividade-meio” — se e na medida em que previu sortes de atividades materiais passíveis de execução indireta (limpeza, conservação, transporte etc.). Previu, ainda, que, para que tais atividades fossem “terceirizáveis”, seria fundamental a verificação da correspondência ou não com o plano de cargos e salários do órgão ou entidade. Almejou-se assim evitar que a terceirização de atividades autorizada pela lei (Decreto-lei 200/67) se transformasse em terceirização de mão de obra.

4.4 O DECRETO FEDERAL 9.507/18 E A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O Decreto Nº 9.507, de 21 de setembro de 2018 dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Revogou o anterior Decreto da Terceirização, Decreto nº 2.271/97. 

Suas disposições visam regulamentar o disposto no § 7º do art. 7ª do Decreto-Lei nº 200/67, dedicando-se, em sua parte mais relevante, àquilo que pode e não pode ser objeto de terceirização pela Administração Pública Federal. O texto estabelece um conjunto de regras para a Administração Pública direta, autárquica e fundacional e outro conjunto de regras para as empresas públicas e sociedades de economia mista, prescrevendo dois regimes bem distintos. Para a Administração Pública direta, autárquica e fundacional é restritivo. Para as estatais, o decreto é flexível.

O Decreto Federal 9.507/18, estabeleceu, pela primeira vez, a distinção entre o cabimento da terceirização na administração direta, autarquias e fundações públicas e nas empresas estatais e subsidiárias, de modo que, de acordo com o artigo 3º do Decreto 9.507/2018:

Art. 3º Não serão objeto de execução indireta na administração pública federal direta, autárquica e fundacional, os serviços:

I - que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle;

II - que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias;

III - que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; e

IV - que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.

§ 1º Os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de que tratam os incisos do caput poderão ser executados de forma indireta, vedada a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisão para o contratado.

§ 2º Os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de fiscalização e consentimento relacionados ao exercício do poder de polícia não serão objeto de execução indireta. (BRASIL, 2018)

Além disso, os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios das mencionadas atividades (atividades-meio) poderão ser executados de forma indireta, vedada a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisão para o contratado, assim como não poderão ser terceirizados os mesmos serviços quando relativos à fiscalização e relacionados ao exercício do poder de polícia (artigo 3º, parágrafos 1º e 2º do Decreto 9.507/18).

No que concerne às empresas estatais e subsidiárias, a seu turno, dispõe o artigo 4º do Decreto 9.507/2018 que não serão objeto de execução indireta os serviços que demandem a utilização, pela contratada, de profissionais com atribuições inerentes às dos cargos integrantes de seus planos de cargos e salário, salvo se o emprego estiver extinto ou em processo de extinção, ou se contrariar os princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, tais como na ocorrência de, ao menos, uma das seguintes hipóteses:

I - caráter temporário do serviço;

II - incremento temporário do volume de serviços;

III - atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando for mais atual e segura, que reduzem o custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente; ou

IV - impossibilidade de competir no mercado concorrencial em que se insere. (BRASIL, 2018)

Como se pode observar, é nítido que a regulamentação federal reconhece maior espectro de terceirização para as empresas da União se comparadas com órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional. Para estes últimos, continua praticamente incólume o critério de direcionamento da terceirização para as atividades-meio. Para as empresas estatais e subsidiárias, o critério garantidor da higidez da terceirização para atividades permanentes — independente de se tratar de atividade-meio ou atividades-fim — reside fundamentalmente na não correspondência das funções exercidas pelo terceirizado com as atribuições inerentes aos respectivos planos de cargos e salários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado, enquanto parte nas reclamatórias trabalhistas movidas pelos  trabalhadores, defendendo  sua não  responsabilização subsidiária, mesmo não tendo os trabalhadores sido pagos pelas empresas contratadas, pressiona a jurisprudência  contrariamente à  proteção dos  direitos sociais  fundamentais, forçando para que a terceirização seja cada vez mais ampliada, ainda que impingindo grande precarização aos trabalhadores.

Essa situação não apenas beneficia as grandes empresas, como produz um senso comum totalmente acrítico, cuja impressão é a de que se trata de um fenômeno irrefreável, uma consequência lógica das contingências econômicas, quando, na realidade, é apenas uma dentre as muitas possibilidades a serem deliberadamente escolhidas para cumprir uma finalidade desejada.

O Estado vai, assim, negligenciando os princípios constitucionais de proteção ao trabalho e à dignidade humana em nome de uma eficiência que apenas paira nos ensaios teóricos de alguns autores da Administração e naqueles escritos para implementar a reforma gerencial do Estado, inexistente no plano fático.

Tem havido, frequentemente, uma inversão do que é interesse público e do que é interesse privado, estando as instituições agindo como defensoras do interesse governamental em detrimento do interesse público e omitindo-se no real defeso dos princípios constitucionais.

Após anos de omissão legislativa, as inserções realizadas na Lei nº 6.019/1974, através da Lei No 13.429/2017, e modificações decorrentes da reforma trabalhista (Lei nº 13.4267/2017). As inovações revelam o objetivo de proteção aos empresários contra as reclamações trabalhistas que hoje abarrotam a Justiça do Trabalho, além de não se preocupar em tutelar o trabalhador, quem verdadeiramente está na posição de hipossuficiente.

Dentre as considerações genéricas, a legislação autoriza a contratação de pessoal, mediante empresas prestadoras de serviço, para a execução de trabalhos em atividades essenciais ou acessórias da empresa tomadora, ou seja, atividades fim ou meio, qualquer tipo de atividade.

No entanto, deve-se tomar cuidado com a terceirização sem limites, direcionada a tornar os direitos trabalhistas vulneráveis e flexíveis aos interesses da empresa, generalizando os efeitos do fenômeno de forma desarrazoada. Mais uma vez fica clara a tentativa de fazer com que o econômico supere o político e social, independente das consequências negativas as quais podem sofrer os trabalhadores.

Ademais, as novas disposições maculam os objetivos e fundamentos da República Federativa, entre os quais sobressaem a dignidade humana, a valorização do trabalho e a solidariedade, além de desrespeitarem os princípios de proteção ao trabalhador estampados na CLT e, ademais, compromissos internacionais assumidos pelo governo Brasileiro, como a Agenda Nacional do Trabalho decente, violando, portanto, preceitos da OIT para a efetivação do trabalho que confira produtividade e qualidade, com segurança, liberdade, equidade e dignidade para os trabalhadores.

Mais adiante, a sanção do Decreto 9.507/2018, no que diz respeito à Administração Pública direta, autárquica e fundacional, diante do conjunto dos quatro incisos do caput do seu art. 3º, a terceirização deve ser restrita à atividade não coincidente com as atribuições de cargos e empregos públicos e que não diga respeito às questões maiores institucionais e estratégicas ou ao exercício de poderes extroversos. Sobra pouco, a terceirização ficou bem confinada às atividades secundárias, de suporte ou apoio e desde que não abrangidas nas atribuições de cargos e empregos públicos, em respeito à regra constitucional do concurso público.

Desta feita, isso significa que a Administração Pública pode contratar serviços para o apoio de tais atividades, sem transferir a decisão ou ato derradeiro. A palavra final é da Administração Pública, que pode ser subsidiada por préstimos oferecidos por terceiros.

O Decreto nº 9.507/2018 resolveu afrouxar as regras para a terceirização por parte das estatais, com orientação oposta à matriz restritiva imposta à Administração Pública direta, autárquica e fundacional. Esse tratamento mais flexível em prol das estatais tem relação com o fato de elas serem pessoas jurídicas de direito privado e, pelos menos as que exploram diretamente atividade econômica, submeterem-se ao regime jurídico das empresas privadas, nos termos do inc. II do § 1º do art. 173 da Constituição Federal.

Resta claro, assim, que o legislador deve buscar soluções que compatibilizem o instituto com os direitos trabalhistas e o trabalho decente, o que, certamente, não comporta a terceirização das atividades-fim da empresa, mesmo porque é inovação eivada de inconstitucionalidade. Não se nega que a terceirização é um fenômeno mundialmente consolidado, característico das relações de trabalho contemporâneas, mas deve ser submetido a regras as quais tenham por finalidade assegurar a proteção ao trabalhador, baseadas na isonomia salarial, responsabilidade solidária da empresa tomadora quanto às verbas trabalhistas, enquadramento sindical e tratamento igualitário nas questões concernentes à saúde e segurança do trabalho.

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Data da conclusão/última revisão: 21/9/2019

 

Como citar o texto:

COLARES, Renan Silva; SILVA, Rubens Alves da..A terceirização no setor público sob a ótica da lei nº13.429/2017 e do Decreto federal 9.507/18. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1654. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/4552/a-terceirizacao-setor-publico-sob-otica-lei-n-134292017-decreto-federal-950718. Acesso em 27 set. 2019.

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