RESUMO

A Reforma Trabalhista, de 2017, trouxe uma série de mudanças práticas na vida dos trabalhadores e empregadores. Dentre elas, a demissão de comum acordo entre empregador e funcionário, podendo, o trabalhador, pedir demissão, ou ser demitido pela empresa, com ou sem justa causa, numa alternativa que garantia vantagens parciais tanto para o empregado quanto para a empresa. Com sanção da Lei Nº 13.876, no entanto, acirrou-se o cerco aos acordos trabalhistas, de modo que, segundo o novo dispositivo, deverá ser discriminado no acordo se a verba rescisória a ser paga é de natureza remuneratória, que prevê incidência de tributação, ou indenizatória, que é isenta de imposto. Tendo em vista esse cenário, o presente estudo, teve por objeto, analisar as relações trabalhistas firmadas mediante acordos celebrados entre empregado e empregador, sob a ótica da recente Lei 13.876 e suas alterações, em comparação com a Lei Nº 13.467/2017, também conhecida como Reforma Trabalhista.

Palavras-chave: Acordo Trabalhista. Lei Nº 13.876. Reforma Trabalhista.

ABSTRACT

The 2017 Labor Reform brought a series of practical changes in the lives of workers and employers. Among them, the resignation by mutual agreement between employer and employee, and the worker may resign, or be dismissed by the company, with or without cause, in an alternative that guarantees partial advantages for both the employee and the company. With the sanction of Law 13.876, however, the siege to the labor agreements was tightened, so that, according to the new provision, it should be discriminated in the agreement if the termination amount to be paid is of a remunerative nature, which foresees incidence of taxation, or indemnity, which is exempt from tax. In view of this scenario, the purpose of this study was to analyze labor relations signed through agreements between employee and employer, under the perspective of the recent Law 13.876 and its amendments, in comparison with Law No. 13.467 / 2017, also known as Labor Reform.

Keywords: Labor Agreement. Law No. 13.876. Labor Reform.

 

INTRODUÇÃO

A Lei Nº 13.876 foi sancionada em 20 de setembro de 2019 com o intuito de modificar a incidência de impostos pelos valores recebidos por trabalhadores em acordos trabalhistas tanto em acordo amigável como pela via judicial, ao estabelecer que que os valores oriundos de acordos trabalhistas não podem mais ser declarados apenas como indenizatórios quando envolverem questões de natureza remuneratória como férias, 13º salário e horas extras.

Até o advento da referida lei, as partes podiam determinar como discriminariam os valores acertados. A nova norma acaba com uma prática comum, de estabelecer todo o valor como indenização (danos morais, prêmios e bonificações, por exemplo) para fugir da tributação - contribuição previdenciária e Imposto de Renda.

Desse modo, de acordo com o texto da nova lei, a parcela referente à verba de natureza remuneratória não poderá ter como base de cálculo valores mensais menores que o salário mínimo ou do piso da categoria do trabalhador, de modo que os tributos, também, não poderão ser calculados tomando como base valores menores que a diferença entre o valor devido pelo empregador e o efetivamente já pago ao trabalhador.

Ao inserir dois novos parágrafos no artigo 832 da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, a nova medida, ainda, estabelece que os valores de acordos trabalhistas só poderão ser classificadas totalmente como indenizatórias caso o pedido original esteja, exclusivamente, relacionado a verbas dessa natureza, tendo em vista o fato de que, em muitos acordos trabalhistas feitos em mesa de audiência, as partes sempre procuram fazer com que a discriminação ocorra na base de cálculo de natureza indenizatória.

Vale ressaltar que, ambos os parágrafos introduzidos, são dependentes do parágrafo 3º, e há expressa referência a ele. O parágrafo 3º do art. 832, da CLT – introduzido pela lei 10035/2000), determina que as decisões cognitivas (e.g. sentenças) ou homologatórias (i.e. acordos judiciais ou extrajudiciais) deverão sempre incluir a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo, visando, naturalmente, a fixar a base de cálculo das contribuições previdenciárias incidentes, o que inclusive é evidenciado na parte final do mesmo parágrafo.

Assim, o presente estudo, portanto, teve por escopo analisar e estabelecer um debate acerca dos elementos constituintes dos acordos trabalhistas, levando em consideração, em especial, no que diz respeito aos possíveis efeitos e modificações jurídicas trazidas pelas disposições contidas na Lei Nº 13.876/2019.

 

2 DOS DIREITOS TRABALHISTAS

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A história das relações trabalhistas é ampla, tendo início a partir do momento em que os seres humanos sentiram a necessidade de realizar tarefas, muitas vezes, para sobreviver, criando ferramentas e usando a força física a seu favor.

Quando o homem começou a reunir-se em tribos iniciaram-se as lutas pelo poder e domínio, onde os perdedores tornar-se-iam prisioneiros, surgindo desta forma a escravidão. A mão de obra escrava, caracterizada pela submissão dos escravos aos seus senhores, era uma forma de trabalho, no entanto não havia remuneração nem tampouco uma jornada de trabalho pré-definida. A relação do escravo com seu senhor/proprietário era como uma mercadoria e seu dono, não havendo como se falar em direito do trabalho.

Mesma condição se apresentava no período feudal, onde os senhores feudais ofereciam aos seus servos, que não eram livres, proteção política e militar em troca do serviço.

No período final da Idade Média, onde os artesãos trabalhavam por conta própria e vendiam suas mercadorias e surgiam as corporações de arte e oficio, o trabalhador passou a ser caracterizado como uma pessoa, embora com seus direitos bastante limitados, pois as jornadas de trabalho por muitas vezes passavam de 18 horas diárias e havia exploração de mulheres e crianças, agregada a condições de trabalho por muitas vezes perigosas e insalubres.

Os aprendizes que trabalhavam nas oficinas de artesanato deviam obediência ao seu mestre e, no final do seu aprendizado, aquele ainda continuava vinculado ao seu mestre até que fosse submetido e aprovado em uma prova que era paga e, aqueles, por muitas vezes não tinham condições de fazê-las.

Assim, conforme os séculos foram passando, as relações de trabalho foram se modificando, de acordo com o contexto histórico, num longo processo desde as relações escravocratas até as relações trabalhistas nos moldes que conhecemos hoje.

A Revolução Industrial (entre XVIII e XIX) trouxe uma transformação nas condições de trabalho. As atividades, que antes eram executadas apenas pelo homem, foram substituídas pelas máquinas, e como consequência, muitas pessoas ficaram desempregadas essa situação fez com que a qualidade de vida dos trabalhadores se tornasse precária, tendo que trabalhar, muitas vezes, mais do que 14 horas diárias. Mulheres e crianças eram discriminadas e não recebiam uma remuneração justa. Além disso, ocorriam vários acidentes.

Nesse cenário, os direitos dos trabalhadores não eram regulamentados, pois, o Estado interferia de forma mínima ou quase não interferia na economia. As condições de trabalho eram precárias, havendo muito desemprego e exploração, o que levou os trabalhadores a se unirem em busca de melhores condições de emprego e contra os abusos cometidos pelos patrões, com o propósito de regulamentar as condições mínimas de trabalho, fator que deu início aos primeiros contornos do Direito do Trabalho, enquanto consequência das razões política e econômica da Revolução Francesa e a Revolução Industrial, respectivamente.

As primeiras revoltas sociais foram fruto dessas condições precárias, dentre elas, a igualdade era um dos principais pontos defendidos. Desses movimentos surgiram também as primeiras leis trabalhistas:

  • Lei de Peel - surgiu na Inglaterra, em 1802 com o objetivo de proteger os trabalhadores, os aprendizes nos moinhos. Eles deveriam trabalhar no máximo 12 horas diárias, sempre após as 6 da manhã e antes das 21 horas. Além disso era observado a higiene e educação deles;
  • Trabalho Infantil - na França, em 1813, houve a proibição do trabalho de menores nas minas. Já em 1839, houve a proibição do trabalho de menores de 9 anos e a jornada de trabalho dos menores de 16 anos foi reduzida para 10 horas por dia.
  • Encíclica Rerum Novarum - a igreja também contribuiu para a defesa dos trabalhadores. O Papa Leão XIII, publicou uma encíclica em 15 de maio de 1891, a Rerum Novarum, que significa Das Coisas Novas, citando sobre previdência social, salário mínimo, jornada de trabalho e outras questões de caráter social. Representou um instrumento valioso para o Estado, na alteração das regras trabalhistas.

Também conhecido como fase de formação, o período compreendido entre 1802 e 1848, marcado pela a edição da Lei de Peel, na Inglaterra, destacou-se, especialmente, pela adoção de normas protetivas aos menores, não sendo permitida, por exemplo, a admissão de menores de 10 anos. As Leis editadas durante este período visavam basicamente reduzir a violência brutal da superexploração empresarial sobre mulheres e menores, concedendo um maior caráter humanitário as relações de trabalho.

Figura importante da fase de formação, Robert Owen, um reformista social, nascido no país de Gales em 1771, foi considerado um dos fundadores do socialismo e do cooperativismo que, no ano de 1800, sendo conhecido como o pai do Direito do Trabalho. Após assumir a fábrica de tecidos de New Lamark, na Escócia, o reformista empreendeu inúmeras mudanças na qualidade de vida de seus operários bem como de suas famílias, com a construção de casas para seus empregados, caixa de previdência para amparo na velhice e assistência médica, e também, o primeiro jardim de infância, a primeira cooperativa e a criação do Trade Union, que pode ser comparado a um sindicato dos dias atuais.

A segunda fase evolutiva do Direito do Trabalho, também denominada intensificação, esteve situada entre 1848 e 1890, destacando-se pelo surgimento do “Manifesto Comunista de 1848” e, na França, pelos resultados da Revolução de 1848, com a instauração da liberdade de associação que havia sido tolhida pela Lei Chapelier e a criação do Ministério do Trabalho.

A terceira fase, chamada de consolidação, estende-se de 1890 a 1919. Tem como março inicial a Conferência de Berlim no ano de 1890 e a Encíclica Católica Rerum Novarum 1891, publicada pelo Papa Leão XIII, que, sensibilizado pela intensa exploração do homem, agora “escravo” da máquina, tenta estabelecer regras mínimas para o trabalho.

Com o término da Primeira Guerra Mundial, surgiu o chamado Constitucionalismo Social, compreendendo a inclusão de dispositivos pertinentes à defesa de interesses sociais, inclusive garantindo direitos trabalhistas, nas Constituições.

É neste cenário que se inicia a quarta e última fase, nomeada de autonomia do Direito do Trabalho, inicia-se em 1919 e estende-se até o fim do século XX, tendo como marco inicial a criação da OIT 1919, através do Tratado de Versalles, e pelas Constituições do México de 1917, caracterizada como a primeira Constituição mundial a proteger o direito dos trabalhadores, e da Constituição de Weimar - Alemanha em 1919, trazendo em seu bojo os direitos trabalhistas. (CASTRO, 2013)

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, que teve como principal base o Tratado de Versalhes, em Genebra, seria responsável por ditar normas, convenções e recomendações sobre direito trabalhista, que foram incluídos na Declaração dos Direitos Humanos de 1948, prevendo diversos direitos trabalhistas, como férias remuneradas, limitações de jornada, dentre outros, elevando esses direitos trabalhistas ao status de direito humano.

A nível nacional, Constituição do Império de 1824, seguindo os princípios da Revolução Francesa, aboliu as corporações de ofício assegurando ampla liberdade ao trabalho, contando com a presença do trabalho escravo, que foi de forma paulatina sendo substituída pela mão de obra proletária. Em 1871 foi editada a Lei do Ventre Livre, em que os nascidos do ventre de escrava já não eram mais escravos. Evoluindo nesta ideia, em 1885 foi editada a Lei Saraiva Cotegibe, que libertou os escravos com mais de 60 anos de idade, desde que estes cumprissem mais 3 anos de trabalho espontâneo. Essa situação perdurou até que, em 13 de maio de 1888, foi editada a Lei Áurea, considerada como a mais importante lei do império, libertando os escravos e abolindo o trabalho escravo do cenário brasileiro. (CASTRO, 2013)

Entretanto, a abolição da escravatura trouxe uma série de consequências e uma nova realidade para sociedade, uma vez que acarretou um aumento da demanda no mercado de mão de obra desqualificada e não havia trabalho para todos.

Diante deste contexto, foi promulgada a Constituição Federal 1891, onde se garantiu a liberdade no exercício da qualquer profissão, da mesma forma que se assegurou a liberdade de associação, além da edição do Decreto 1.313/91, onde se proibiu o trabalho do menor de 12 anos em fábricas, fixando a jornada de trabalho em 7 horas para menores entre 12 e 15 anos do sexo feminino e entre 12 e 14 anos do sexo masculino.

Até a promulgação da Constituição Federal de 1934, considerada a primeira constituição brasileira a ter normas específicas de Direito do Trabalho, houve uma série de avanços neste tema como: em 1919 a criação do instituto do acidente do trabalho; a criação do Conselho Nacional do Trabalho em 1923; a extensão do direito de férias de 15 dias úteis para os trabalhadores de estabelecimentos comerciais, industriais e aos bancários, em 1925. (CASTRO, 2013)

No ano de 1930, Getúlio Vargas tornou-se presidente e criou o Ministério do Trabalho, Indústria e comércio com o propósito de coordenar as ações institucionais a serem desenvolvidas, resultando em um aumento significativo nas legislações sobre o tema inclusive em relação à previdência social.

A Constituição de 1934 elencou em seus artigos 120 e 121 normas como salário mínimo, jornada de trabalho de 8 horas diárias, férias, repouso semanal, pluralidade sindical (assegurando maior liberdade e autonomia), indenização por despedida sem justa causa, criação efetiva da Justiça do Trabalho (apesar de ainda não integrante de Poder Judiciário).

Com o Golpe de 1937 e a implantação do regime ditatorial, foi outorgada a Constituição de 1937, delegando competência normativa aos tribunais trabalhistas diante do fechamento do Congresso Nacional, caracterizando-se pela expressa intervenção estatal, instituindo o modelo de sindicato único vinculado ao Estado e considerando a greve e o lockout como recursos antissociais nocivos a economia.

A existência de uma legislação espaça sobre o Direito do Trabalho trouxe a necessidade de uma sistematização e junção das mesmas, com isso em 01 de maio de 1943, através do Decreto-lei nº 5.452/43 surge a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho.

 

2.2 NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

Com a Constituição de 1934, o governo brasileiro passou a buscar o equilíbrio entre os elos que formam a corrente do capital industrial a partir do governo Vargas. Nela estavam previstos direitos trabalhistas como salário mínimo, jornada de trabalho de 8 horas, repouso semanal, férias remuneradas e assistência médica e sanitária. Fica exposto nessas ações que as leis do trabalho não eram apenas do trabalho, eram também sociais.

Em 1943, no dia 1º de maio, foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O contexto de sua criação é particular: o governo buscava legitimidade para a figura de Getúlio Vargas. Mais do que apenas ser legítimo, Vargas, que acabara de instituir o Estado Novo, buscava personificar a figura de “pai dos pobres”. O país passava por uma fase de desenvolvimento: o número de trabalhadores aumentava e suas reivindicações também. Por isso, era necessário unificar as leis do trabalho. A CLT garantiu parte das demandas dos trabalhadores. Leis posteriores garantiriam também 13º salário, repouso semanal remunerado e outras conquistas que abordaremos em outros momentos desta trilha.

Outras medidas foram tomadas na história recente, todas elas quase sempre impulsionadas por momentos de tensão entre trabalhadores, governos e grandes corporações. Os direitos trabalhistas, como pudemos perceber nesta breve exposição da história dos direitos trabalhistas, giram em torno dessas tensões e servem muitas vezes como um anestésico funcional para as grandes massas.

Ela é responsável por regulamentar as leis referentes ao direito trabalhista e processual do trabalho no país. Por isso, os trabalhadores são contratados nas empresas sob o regime da CLT e são conhecidos como celetistas, isso quer dizer que, eles serão sujeitos às normas desta lei. Além desta opção, há a de Pessoa Jurídica, onde o trabalhador não possui vínculo com a empresa, realizando um trabalho independente.

As primeiras regras foram criadas pelos Estados Europeus que tratavam sobre greve, acidentes de trabalho, seguros sociais, etc. Houve também uma reformulação para que estas normas se adaptassem ao contexto de determinado país e suas mudanças sociais, sempre procurando valorizar o indivíduo.

Mesmo sendo criticada por suas leis consideradas exageradas, seu objetivo é agir em benefício tanto do trabalhador urbano e rural, quanto do empregador. Além disso, ela tem sofrido modificações, umas delas ocorreu em 1977, com a inserção de capítulos que tratam da Medicina do Trabalho, Férias e Segurança.

 

2.3 NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL

A Constituição de 1988 inova de modo muito peculiar diante todas as constituições anteriores no instante em que estatuiu que todo poder emana do povo, que o exercerá por meio de seus representantes eleitos diretamente.

Destaca-se também uma nova relação entre o sindicato e o Estado, baseada na organização sindical e na autonomia de administração do sindicato, passando principalmente a se permitir a livre criação dos sindicatos, sem a necessidade de previa autorização do Estado.

O art. 7º da Carta Política trata dos principais direitos dos trabalhadores a serem assegurados:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

III – fundo de garantia do tempo de serviço;

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; (BRASIL, 1988)

Outras modificações expressivas também podem ser destacadas com a promulgação da Constituição, tais como: a redução da jornada semanal de trabalho de 48 para 44 horas; a generalização do regime do FGTS e a suspensão da estabilidade decenal; indenização nos casos de demissão sem justa causa; elevação do adicional de hora extra para no mínimo 50%; aumento da remuneração de férias em 1/3; garantia da licença gestante para 120 dias e a criação da licença paternidade; elevação para idade mínima para trabalhar em 14 anos; dentre outros. (BRASIL, 1988)

Em 1999, a edição da Emenda Constitucional 24, transformou as juntas de conciliação e julgamento em varas de trabalho, bem como a supressão da representação classista.

Com a edição da Emenda Constitucional 45/2004, ampliou-se a competência da justiça do trabalho, para que pudessem solucionar também lides oriundas de todas as demais relações de trabalho.

A última mudança significativa ocorrida no cenário trabalhista brasileiro é a Emenda Constitucional nº 72/2013, onde foi ampliado o rol de direitos assegurados aos trabalhadores domésticos. Tal medida é um avanço na legislação brasileira na medida em que tenta equiparar e trazer direitos igualitários aos empregados domésticos aos urbanos e rurais.

Os pontos de maior relevância são: o empregado doméstico será caracterizado quando laborar por mais de 2 dias no mesmo local de trabalho; a regulamentação para concessão de aviso prévio na forma da CLT; a possibilidade de contrato de experiência por até 45 dias; empregados com menos de 18 anos são proibidos de trabalhar como domésticos; férias, jornada de trabalho de no máximo 44 horas semanais; adicional de hora extra de no mínimo 50%; pagamento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS e INSS de forma conjunta (na seguinte proporção: 8% de FGTS, 8% de INSS, 0,8% de seguro contra acidente e 3,2% relativo a rescisão contratual) no total de 20% de encargos que o empregador deverá recolher.

 

2.4 DA REFORMA TRABALHISTA DE 2017

A Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), aprovada em julho de 2017, buscou modernizar as relações de trabalho e adequar as regras existentes às necessidades dos trabalhadores e empregadores, o que inclui significativamente a rescisão contratual.

O principal motivo é a idade da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, que, mesmo tendo sofrido algumas alterações com o decorrer dos anos, ainda mantinha muitas normas que dificultavam o dia a dia das empresas, além de não ter regras para relações de trabalho mais modernas, como o home office.

Uma das mudanças trazidas pela reforma trabalhista foi a criação de outra modalidade de rescisão contratual: a de comum acordo. Até então, as demissões podiam acontecer por iniciativa do empregado ou do empregador, com ou sem justa causa.

Dependendo do motivo do encerramento contratual, são devidas diferentes verbas. Nas demissões sem justa causa por iniciativa do empregador ou com justa causa por iniciativa do empregado (rescisão indireta), este tem direito de receber 40% de multa do saldo do seu FGTS, além de poder movimentar a conta e solicitar o seguro-desemprego.

Antes da Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) não havia qualquer possibilidade legal do empregado e empregador fazer um acordo de desligamento que pudesse, ao mesmo tempo, atender a vontade do empregado em ser desligado da empresa para poder sacar o FGTS e o seguro-desemprego, ou de atender a vontade do empregador em desligar o empregado sem ter que desembolsar os 40% da multa do saldo fundiário a que o empregado tem direito.

Isto porque, em síntese, só haviam duas possibilidades de ocorrer o desligamento, sendo:

  • Empregado pede demissão: neste caso não teria direito ao aviso prévio indenizado, ao saque do FGTS, nem à multa de 40% do saldo fundiário, bem como não teria direito ao seguro desemprego; e
  • Empresa demite o empregado: neste caso a empresa teria que arcar com todos os custos de um desligamento imotivado, ou seja, pagar o aviso prévio (trabalhado ou indenizado), depositar a multa de 40% sobre o saldo fundiário e conceder as guias para saque do FGTS e recebimento do seguro desemprego.

Embora não houvesse lei que permitisse o "acordo de rescisão", na prática, não eram raros os casos em que a empresa fazia o desligamento do empregado, pagava a multa de 40% e depois o empregado devolvia "por fora" o valor da multa para a empresa, configurando a chamada rescisão fraudulenta.

Com a inclusão do art. 484-A da CLT (Reforma Trabalhista), o acordo entre empregador e empregado para extinção do contrato de trabalho passou a ser válido (a contar de 11.11.2017), deixando de ser fraude, desde que obedecidos alguns critérios:

Art. 484-A O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

I - por metade: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

a) o aviso prévio, se indenizado; e (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no § 1º do art. 18 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 1o A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I- A do art. 20 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 2o A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (BRASIL, 1943)

Assim, tendo em vista os altos índices de fraude, como forma de trazer opções para os empregados e empregadores, a Reforma Trabalhista buscou definir uma nova modalidade de rescisão do contrato de trabalho: a rescisão ensejada em comum acordo.

Nesse caso, as duas partes entram em um consenso sobre o encerramento do contrato de trabalho. O empregador deverá pagar 20% da multa do FGTS e metade do aviso prévio (em regra 15 dias). Já o empregado poderá movimentar 80% do fundo de garantia, mas não terá acesso ao seguro-desemprego.

Apesar de a Reforma ter criado um acordo de demissão legal, aquele em que o empregador demite o funcionário e recebe, de volta, os 40% da multa continua configurando fraude trabalhista.

Outra alteração trazida pela Reforma, está relacionada à figura do sindicato, uma vez que, conforme disposto na CLT, os pedidos de demissão ou recibos de quitação dos contratos de trabalho de períodos maiores que um ano só são válidos quando homologados pelo sindicato da categoria do empregado ou por autoridade do Ministério do Trabalho e Previdência Social. Para os contratos com menos de um ano, essa homologação era desnecessária.

Assim, a Reforma Trabalhista revogou essa previsão legal, ou seja, não há mais necessidade da homologação sindical para as rescisões trabalhistas, não importa o tempo do contrato. Com isso, os procedimentos ficaram menos burocráticos, apesar de não haver nenhum impedimento para que, o empregado, no momento da rescisão, mesmo na empresa, esteja acompanhado por um advogado ou por um representante do seu sindicato — basta que ele tome a iniciativa e busque essa assistência. Ainda, não há impedimento para que ocorra a homologação sindical, desde que ambas as partes concordem.

 

2.5 DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI N. 13.876/2019

Com a legislação agora alteradora, o art. 832, da CLT, passou a contar com dois parágrafos intermediários (A e B) adicionais ao parágrafo 3º, razão pela qual convém a reprodução do texto do caput e também do parágrafo 3º, com seus adendos:

Art. 832 - Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão.

§ 3º As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso.  

§ 3º-A.  Para os fins do § 3º deste artigo, salvo na hipótese de o pedido da ação limitar-se expressamente ao reconhecimento de verbas de natureza exclusivamente indenizatória, a parcela referente às verbas de natureza remuneratória não poderá ter como base de cálculo valor inferior: (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)

I - ao salário-mínimo, para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido na decisão cognitiva ou homologatória; ou  (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)

II - à diferença entre a remuneração reconhecida como devida na decisão cognitiva ou homologatória e a efetivamente paga pelo empregador, cujo valor total referente a cada competência não será inferior ao salário-mínimo.   (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)

§ 3º-B Caso haja piso salarial da categoria definido por acordo ou convenção coletiva de trabalho, o seu valor deverá ser utilizado como base de cálculo para os fins do § 3º-A deste artigo.   (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019) (BRASIL, 2019)

Assim, verifica-se que, ambos os parágrafos introduzidos, são dependentes do parágrafo 3º, e há expressa referência a ele. O parágrafo 3º do art. 832, da CLT – introduzido pela lei 10035/2000), determina que as decisões cognitivas (e.g. sentenças) ou homologatórias (i.e. acordos judiciais ou extrajudiciais) deverão sempre incluir a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo, visando, naturalmente, a fixar a base de cálculo das contribuições previdenciárias incidentes, o que inclusive é evidenciado na parte final do mesmo parágrafo.

No entanto, nenhum dos parágrafos acrescentados afasta, revoga ou mesmo torna inaplicável ao processo do trabalho o disposto no art. 515, em seu parágrafo 2º, do CPC, que reza:

Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:

§ 2º A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo. (BRASIL, 2015)

Dessa forma, o que se extrai como limitação imposta por este dispositivo é precisamente o fato de que, se houver o reconhecimento, na decisão cognitiva, ou no acordo homologado, de verbas de natureza remuneratória, essa natureza jurídica (desde que legalmente imposta), deve ser observada, já que as partes não podem excluir a incidência de contribuição previdenciária sobre parcelas que expressamente se incluem na base de cálculo de contribuição previdenciária.

De fato, a norma inova ao fixar uma base de cálculo mínima para a incidência da contribuição previdenciária, estabelecendo que deve ser observado o salário-mínimo, para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido na decisão cognitiva ou homologatória, ou ainda a diferença entre a remuneração reconhecida como devida na decisão cognitiva ou homologatória e a efetivamente paga pelo empregador, cujo valor total referente a cada competência não será inferior ao salário-mínimo. Mas, por outro lado, mesmo quanto às verbas de natureza remuneratória que por ventura sejam reconhecidas, a lei alteadora cria embaraços onde antes não havia. 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei Nº 13.876, fortalece os esforços para a redução do déficit previdenciário e garante a arrecadação de contribuições sociais em ações judiciais e em acordos trabalhistas. A nova lei deixa claro que a Justiça do Trabalho deverá discriminar, nas verbas rescisórias, os valores que correspondem a verbas remuneratórias (13º salário, férias, horas extras) – sobre as quais há incidência de Imposto de Renda e de contribuições sociais, como a contribuição previdenciária – e os valores que dizem respeito a verbas indenizatórias, que são isentas de tributos.

Mais do isso, a nova lei fixa o salário mínimo ou o piso de cada categoria como menor verba remuneratória possível, a cada mês do período de trabalho abrangido por decisão judicial ou acordo trabalhista que ensejar a verba indenizatória. Assim, em um acordo trabalhista referente a um período de cinco anos (60 meses), por exemplo, as verbas rescisórias classificadas como verbas remuneratórias não poderão ser inferiores a 60 vezes o valor do salário mínimo ou do piso da categoria.

No entanto, apesar de bem-intencionada, a lei objeto deste estudo, detém algumas “complicações”. Originalmente, o projeto legislativo, apenas, dispunha sobre pagamento de honorários periciais no âmbito previdenciário da Justiça Federal, mas recebeu substitutivo para somar a modificação na CLT. A Lei Nº 13.876, por outro, passou a impor a fabricação de conteúdo previdenciário mínimo, ainda que não correspondente à efetiva dívida do principal (verbas de natureza remuneratória). Havendo acordo com reconhecimento do vínculo de emprego ou sentença declaratória da relação, mesmo que não se estabeleça dívida de pagar verba correspondente à base a recolhimentos previdenciários, obriga-se que haja pagamento tomando por base o salário mínimo ou outra referência salarial base incidente.

Antes da promulgação da referida lei, ao realizar um acordo trabalhista, as partes poderiam discriminar livremente os valores acertados. Na maioria dos casos, para fugir da tributação (IR e INSS) as partes discriminavam os valores como sendo indenizatórios. Contudo, com as mudanças trazidas pela Lei Nº 13.876, esta prática não será mais possível, salvo nos casos em que o pedido seja exclusivamente de verba indenizatória, como danos morais, por exemplo.

Assim, na nova modalidade as partes deverão discriminar as verbas tendo como base de cálculo em regra, o piso normativo da categoria. O salário-mínimo ou a diferença salarial reconhecida em juízo, também poderão ser utilizadas no para cálculo. Com isso, as empresas terão que desembolsar um valor cerca de 20% maior aos realizados atualmente, visto que os juízes não poderão homologar os acordos sem a correta discriminação, acarretando, possivelmente, na redução nos números de acordos trabalhistas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Decreto-lei Nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova A Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 16 set. 2019.

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_______. BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em: 10 ago. 2017.

_______. Lei Nº 13.876, de 20 de setembro de 2019. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Lei/L13876.htm. Acesso em 15 set. 2019.

CASTRO, Brunna Rafaely Lotife. A Evolução histórica do Direito do Trabalho no Mundo e no Brasil. Disponível em https://brunnalotife.jusbrasil.com.br/artigos/111925458/a-evolucao-historica-do-direito-do-trabalho-no-mundo-e-no-brasil. Acesso em 15 set. 2019.

Data da conclusão/última revisão: 28/9/2019

 

Como citar o texto:

RODRIGUES, Mathews dos Santos..Os acordos trabalhistas e as modificações trazidas pela Lei nº 13.876/2019. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1657. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/4567/os-acordos-trabalhistas-as-modificacoes-trazidas-pela-lei-n-138762019. Acesso em 8 out. 2019.

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