RESUMO                        

A fim de apontar uma realidade de trabalho no Brasil compreendida como um fenômeno social considerado crime desde 1940 pelo Código Penal, a exploração da mão de obra análoga a de escravo se manifesta em diversos setores da economia. Levando em consideração as marcas da história e seus reflexos no âmbito social, esta pesquisa se desenvolve sob uma ótica humanista se atendo principalmente ao modo como essa realidade reverbera na vida das vítimas. Há casos no Brasil de imigrantes que são reduzidos à essas condições de trabalho por uma questão de sobrevivência, isso se constata através de denúncias feitas pelas vítimas e por órgãos de fiscalização que apontam a insalubridade e as péssimas condições de trabalho além do baixo salário. O Brasil conta com uma herança cultural escravocrata que de certo modo ainda se manifesta, mesmo que de forma diferente, incidindo em diversos setores da economia, e a utilização dessas práticas, de acordo com o Código Penal brasileiro, caracteriza a redução do indivíduo à condição análoga a de escravo ferindo fortemente os direitos humanos, as leis trabalhistas e os direitos fundamentais trazidos na Constituição Federal. Deste modo, para a materialização desta pesquisa, empregou-se da abordagem qualitativa, alcançado por meio de método dialético e de forma mais específica a fim de garantir mais precisão nos estudos dos fatos sociais utilizou-se do método histórico. Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados revisão de bibliografia específica bem como análise documental. Foi realizado um recorte dos casos a serem estudados, contando como cenário as empresas têxteis da cidade de São Paulo que foram comprovados por denúncias e dados estatísticos trazidos por órgãos competentes como Ministério Público do Trabalho que são regiões de exploração da mão de obra análoga a escravo. A discussão se inicia com a exposição de conceitos e uma breve abordagem histórica do tema analisando seus reflexos nos dias atuais, passando para o contexto brasileiro, conceituação contemporânea e os dispositivos legais ligados ao tema. Por fim, a conclusão abordou a forma pela qual a exploração de mão de obra análoga a de escravo no setor têxtil brasileiro é um fenômeno social que vem confrontando com princípios inerentes ao homem, apontando os impactos sociais sofridos por essas vítimas.

Palavras chave: Exploração; Escravo; Indústria têxtil; Moda; Trabalho

 

ABSTRACT

In order to point out a work reality in Brazil understood as a social phenomenon considered a crime since 1940 by the Penal Code, the exploitation of slave-like labor is manifested in various sectors of the economy. Taking into account the marks of history and its reflexes in the social sphere, this research is developed from a humanistic perspective, focusing mainly on the way this reality reverberates in the lives of victims. There are cases in Brazil of immigrants who are reduced to these working conditions for the sake of survival, this is evidenced by complaints made by victims and inspection agencies that point to unhealthy and poor working conditions beyond the low salary. Brazil has a slave cultural heritage that still manifests itself, even if differently, in various sectors of the economy, and the use of these practices, according to the Brazilian Penal Code, characterizes the reduction of the individual to the condition. analogous to that of a slave strongly injuring human rights, labor laws and fundamental rights brought in the Federal Constitution. Thus, for the materialization of this research, we used the qualitative approach, achieved by dialectical method and more specifically in order to ensure more accurate studies of social facts was used the historical method. As data collection instruments were used specific literature review as well as document analysis. A cut was made of the cases to be studied, against the backdrop of the textile companies of the city of São Paulo that were proven by complaints and statistical data brought by competent bodies such as the Public Prosecutors Office, which are regions of exploitation of slave-like labor. . The discussion begins with the exposition of concepts and a brief historical approach of the theme analyzing its reflexes in the present day, moving to the Brazilian context, contemporary conceptualization and the legal devices related to the theme. Finally, the conclusion addressed the way in which the exploitation of slave-like labor in the Brazilian textile sector is a social phenomenon that has been confronting with principles inherent to men, pointing out the social impacts suffered by these victims.

 

INTRODUÇÃO

A globalização, a internet, a exposição midiática são meios patrocinadores de uma indústria da moda muito intensa e transitória, isso significa que para acompanhar toda essa constante modificação surgiu diversas alternativas para aumentar a produtividade aliado ao barateamento da produção de peças tendências. Esse fenômeno é sustentado por grandes empresas têxteis que utilizam da exploração da mão de obra de trabalhadores para alcançar maior rentabilidade.

A lucratividade que os grandes empresários obtêm da exploração da mão de obra barata ainda é uma opção bastante vantajosa no mundo capitalista por se tratar de uma atividade sem vínculo empregatício. Essa realidade remete imediatamente ao nosso passado escravista, nos seus quase quatro séculos de duração deixou na sociedade uma cultura com marcas de divisão social, racial e cultural que refletem na sociedade atual. As razões pelas quais essa realidade ainda persiste são muitas. Não sendo relevante apenas para o âmbito acadêmico, a responsabilidade e o interesse se expandem quando se trata de questão social. Sem conhecer a realidade, a sociedade é indiretamente a principal financiadora dessa prática que ainda persiste no Brasil e no mundo em diversas áreas da economia.

A realidade da condição análoga à de escravo na indústria da moda não é comumente visível aos olhos da sociedade, muitos nem sabem da existência desse problema. Segundo dados da OIT, entre 1995 e 2015, foram libertados 49.816 trabalhadores que estavam em situação análoga à escravidão no Brasil, esses dados demonstram a necessidade que se tem da atuação e fiscalização do poder público no combate dessa prática. Para realizar a proposta, o método escolhido foi o dialético, com o intuito de realizar uma pesquisa de caráter exploratório, de abordagem qualitativa, utilizando a revisão da literatura especifica e análise documental como instrumento de coleta de dados.

Visando, pois, verificar como a condição de trabalho análogo ao escravo se manifestou no setor têxtil brasileiro e de que forma os órgãos competentes atuaram no combate desses casos, foi necessário comparar o contexto e evolução histórica do trabalho escravo com os dias atuais, identificar no contexto contemporâneo a utilização de mão de obra análoga a escravo no setor têxtil brasileiro e suas formas, demonstrar quais foram as ações adotadas pelos órgãos responsáveis e a forma que eles têm atuado para combater esse tipo de exploração de mão de obra bem como apontar os benefícios trazidos desde a promulgação da CLT que são confrontados com a realidade da exploração da mão de obra escrava.

Por essa razão este projeto se propõe a pesquisar a questão do trabalho escravo trazendo uma evolução histórica dos aspectos mais relevantes que marcaram a escravidão até os dias atuais, pontuando a sua intervenção em perspectivas constitucionais, trabalhistas e penal. Na sequência, trará o conceito da escravidão contemporânea baseado na Convenção Internacional do Trabalho (OIT) além de dados do Ministério Público do Trabalho.

 

1.      CONCEITUAÇÃO, CONTEXTO HISTÓRICO, DIVERGÊNCIAS E PROXIMIDADES. CONCEITO CONTEMPORÂNEO E DISPOSITIVOS LEGAIS.

Há uma grande divergência entre doutrinadores e estudiosos sobre o uso do termo trabalho escravo para o contexto atual. Deste modo, não seria adequado falar essa expressão por se tratar de uma condição ilegal, mas sim em situação análoga à de escravo como é empregado no Código Penal Brasileiro. A revisão bibliográfica apresenta várias denominações como trabalho escravo, trabalho forçado, servidão por dívida, entre outros.

Dentre as denominações utilizadas pela doutrina, a mais comum é ‘’trabalho escravo’’. Critica-se, no entanto, a referida expressão, pois como a escravidão não é mais permitida pelo ordenamento jurídico-positivo, não se pode conceber que o ser humano, mesmo em virtude da conduta ilícita de outrem, venha a ser considerado escravo, podendo, no máximo estar em situação análoga a de escravo. (SILVA, 2010, p. 29) 

 

1.1 O passado escravista como um aspecto histórico relevante. 

Ocorre que, as características dessa forma de trabalho divergem da conhecida escravidão de antigamente. Há indícios de que a escravidão existe desde a Pré-História, mas foi com o surgimento das primeiras civilizações que essa exploração tomou maiores proporções. Iniciando no Egito Antigo e se espalhando para os países mais próximos como Roma e Grécia, a escravidão era uma forma de sujeição de um povo ao outro. Essa realidade era imposta aos prisioneiros de guerra e também àqueles que não honravam com suas dívidas contraídas.

Trazendo para uma abordagem nacional, por volta de 1530 inicia-se a colonização do Brasil. Segundo FIGUEIRA et al. (2013), quando os portugueses chegaram no Brasil e se depararam com os índios, quiseram impor seus costumes e forçá-los a trabalhar, mas os nativos opuseram tanta resistência que logo essa mão de obra foi sendo substituída pela escrava. Os relatos acerca da travessia dos negros trazidos do continente africano narram as condições horrendas com que eram escravizados e embarcados para o Brasil. Ao chegarem no litoral eram distribuídos para diferentes localidades para realizar qualquer tipo de trabalho.

Segundo Amaral (2012), esses escravizados eram coisificados como à época do direito romano, podiam ser vendidos, doados, trocados ou partilhados como um bem propriamente dito. Eram submetidos a castigos e violências físicas como forma de manter e reafirmar o poder e dominação sobre eles.

Nessa situação de insatisfação da sociedade, no início do século XIX iniciam as revoltas, os movimentos abolicionistas, e na segunda metade do século, o fim do tráfico negreiro. Também em escala mundial o trabalhador começou a ser reconhecido. A Revolução Industrial trouxe a necessidade de pessoas para operar as máquinas a vapor e têxteis o que acabou por impor a substituição da mão de obra escrava e servil pelo trabalho assalariado acarretando também na divisão dos trabalhos e especialização das funções. Essa realidade de constante desenvolvimento das máquinas trouxe problemas desconhecidos, riscos de acidentes de trabalho, surgindo a necessidade de uma regulamentação para os operadores das máquinas que garantisse a proteção e reparação de acidentes. (AMAURI M. NASCIMENTO; SONIA M. NASCIMENTO, 2014)

Algumas leis gradualmente foram sendo criadas, visando a libertação do trabalho escravo. Promulgada em 1845 na Inglaterra, a Lei Bill Aberdeen proibia o tráfico de escravos africanos, podendo então qualquer navio saindo da África ser revistado. No Brasil, começaram a criminalizar a entrada de africanos escravos com a Lei Eusébio de Queiroz de 1850. Em 1871, todas as mulheres grávidas teriam seus filhos libertos dessa realidade, isto é não seriam escravos como sua mãe, esta foi a Lei do Ventre Livre. Em 1885, foi concedida a liberdade a escravos com mais de 60 anos de idade, chamada Lei do Sexagenário.

Em 13 de maio de 1888 foi formalmente abolida a escravidão no Brasil, podendo se considerar um grande marco da História do Direito do Trabalho brasileiro. Gomes (2002) destaca que o momento histórico marcado pela transição da Abolição da escravidão seguida da Proclamação da República embora não seja um momento de mudanças revolucionárias, é um momento marcado por transformações políticas e sociais.

Infelizmente, porém, a assinatura de uma lei não foi suficiente para afastar o problema da realidade, ainda sendo encontrados trabalhadores submetidos a condições análogas a de escravo como acontece nos dias atuais. Também destaca Almanaque Abril (2015, p. 319), que esta lei não previu medidas de integração dos ex-escravos à sociedade, como por exemplo, acesso à terra e à educação.

Por tudo isso, uma das principais características no início de uma luta por direitos do trabalho no Brasil foi a necessidade de enfrentar a dura herança de um passado escravista, que marcou profundamente toda a sociedade, nas suas formas de tratar e de pensar seus trabalhadores. (GOMES, 2002, p. 10)

As leis trabalhistas eram esparsas e foram sendo criadas de acordo com a necessidade de cada profissão. O governo reuniu os textos legais existentes num só diploma compilando as leis sobre direito individual, direito coletivo e direito processual do trabalho surgindo a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT sendo promulgada pelo Decreto-lei n. 5.452, em 1° de maio de 1943. (AMAURI M. NASCIMENTO; SONIA M. NASCIMENTO, 2014)

 

1.2 A escravidão contemporânea e sua realidade no setor têxtil.  

Apesar dessa longa jornada em busca da abolição da exploração da mão de obra, é certo que o Brasil ainda não deixou seu passado escravocrata, essa luta ainda continua e a exploração da mão de obra análoga a de escravo, a chamada escravidão contemporânea se apresenta em diversos ambientes urbanos, mas sendo necessário também fazer a distinção de alguns conceitos. Na esteira desse conhecimento define José Claudio Monteiro de Brito Filho (2004, p. 61):

Trabalho Decente é um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais.

Essa realidade de exploração de mão de obra barata contraria um trabalho decente uma vez que se apresenta em ambientes degradantes ou insalubres onde é comum que os trabalhadores sejam imigrantes atraídos por promessas de bom salário. O empregado se submete a essas condições humilhantes para suprir suas necessidades básicas, sendo nesses casos forçado a produzir para pagar dívidas, coagido a aceitar jornadas exaustivas de trabalho e em sua grande maioria são vítimas de ameaça por parte dos patrões sofrendo violências físicas e psicológicas.

Pode-se apontar que o empregador aproveita- se das desvantajosas condições do empregado. Este, normalmente, encontra- se em situação de desemprego, em penúria, ávido por uma fonte de renda e que tiverem frustradas as suas expectativas, sonhos e metas. Ao deparar-se com uma proposta de emprego, seja ela qual for, vê̂-se diante de uma chance irrecusável de melhoria para sua vida. (MARTINS E KEMPFER, 2013, p. 83)

Essa prática clandestina geralmente ocorre em locais sem fiscalização e sem vistas para a sociedade. Grandes lojas que terceirizam seus serviços se abstêm de pagar os direitos trabalhistas aos funcionários bem como os tributos devidos, gerando para si maior lucratividade. A terceirização do setor têxtil tem impactos negativos pois sem o vínculo formal com a empresa o empregado não dispõe de mecanismos legais para se proteger dos abusos e exploração na relação de trabalho. No caso de imigrantes esse problema se agrava uma vez que estão em situação irregular no país e para não serem denunciados se submetem a essas condições de trabalho.        

Muito similar é a situação de estrangeiros em busca de oportunidades em outros países. Além de enfrentarem a situação de permanência irregular, com possibilidade de deportação, ficam desprovidos de garantias legais para reivindicar seus direitos. Os empregadores, de certa forma, preferem tal condição, pois diminuem os riscos de condenações judiciais uma vez que os imigrantes ilegais não procuram a tutela estatal. (MARTINS E KEMPFER, 2013, p. 83)

Em âmbito global, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) fundada em 1930, responsável por promover a justiça social e proporcionar um trabalho decente em condições de liberdade, segurança e dignidade, utiliza as expressões ‘’trabalho forçado’’ e ‘’trabalho compulsório’’ como sinônimas. Estas foram consagradas pela Convenção n° 29 de 1930 com a seguinte definição ‘’trabalho forçado ou compulsório é todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade. ’’ 

A Constituição Federal garante a igualdade e a proteção de homens e mulheres no Brasil. Em seu artigo 5°, inciso III dispõe sobre os direitos e garantias fundamentais, garantindo que ‘’ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.’’ Quanto à dignidade da pessoa humana, é um princípio fundamental constitucionalmente estabelecido em seu artigo 1°.  Esse dispositivo, no entanto, não se aplica na condição de escravo, uma vez que lhe é tirado qualquer manifestação de vontade sob o risco da ameaça de uma punição por parte do seu superior.

Essa prática também reflete na esfera penal, o Código Penal tipifica como conduta criminosa sendo considerada a conceituação mais completa pois nela se contempla quatro elementos caracterizantes do trabalho análogo ao de escravo, conforme disposto a seguir  

Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. (BRASIL, 1940)

Nesse contexto, trabalho forçado se caracteriza pela submissão do indivíduo a condições em que é explorado, tem seus documentos retidos, sofre pressões psicológicas, violências físicas, permanece em locais de difícil acesso, isolados geograficamente, como formas de coagi-los ao serviço.

A jornada exaustiva se caracteriza por longos expedientes que vão muito além de horas extras colocando em risco a integridade física e mental do trabalhador, além de terem seus intervalos rigorosamente controlados e seus horários de descanso semanal não respeitados, impedindo a vida social e familiar. 

A servidão por dívida se caracteriza pela obrigação de trabalhar para quitar as dívidas contraídas com transporte, alimentação, ferramentas de trabalho e moradia. Esses itens são cobrados de forma abusiva e descontados no salário o que em muitos casos tem todo o seu salário retido no pagamento das dívidas.

As condições degradantes se caracterizam por um conjunto de elementos em que o trabalhador é submetido, desde o alojamento precário que em muitos casos é o mesmo local para toda a família e durante o dia é o espaço de trabalho, como também alimentação ruim, maus tratos, ausência de higiene e água potável.

Dessa forma, reduzir um trabalhador a condição análoga a de escravo além de configurar um crime previsto no Código Penal, viola os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição bem como na esfera trabalhista violando os direitos ao salário, às férias, carga horária, condições dignas e fundo de garantia. Nesses casos, quando ocorre a privação da liberdade ou perturbação da dignidade do indivíduo caracteriza-se também como uma grave violação aos Direitos Humanos como ocorre com as vítimas de exploração da mão de obra. Em se tratando de trabalhadores independente de serem nacionais ou estrangeiros, todos os direitos mencionados são indisponíveis e invioláveis e albergam todos os trabalhadores que trabalham no território nacional.

 

2.      A INDÚSTRIA DA MODA E AS VÍTIMAS DA EXPLORAÇÃO.

Segundo Resende (2013), o direito do trabalho é o ramo da ciência que estuda as relações jurídicas entre empregadores e empregado, isto é, nas relações de trabalho subordinado. Foi necessária a criação de um ramo específico da ciência para proteger o trabalhador em decorrência das desigualdades econômicas. O princípio que visa compensar essas desigualdades e a condição de hipossuficiência do trabalhador é o princípio da proteção cuja finalidade é reequilibrar a relação jurídica ‘’mediante o estabelecimento de mecanismos de proteção à parte mais fraca da relação jurídica’’. (RESENDE, 2013, p. 24)

A indústria da moda hoje utiliza de uma grande estratégia de produção em larga escala aliada a um baixo custo de peças tendências. Este fenômeno é denominado fast fashion, isto é, moda rápida, a empresa espanhola ZARA é uma das precursoras dessa nova maneira de consumir a moda. A marca inovou ao adaptar para a indústria têxtil as lições da montadora japonesa Toyota, que desenvolveu um sistema de logística para eliminar os grandes estoques das fábricas. Como uma estratégia de marketing, a empresa renova sua vitrine de modo permanente, dando aos consumidores novidades toda semana para que ele retorne num espaço curto de tempo a comprar um novo produto.

A prática do fast fashion teve início em 1970, mas o termo só foi cunhado em 1990.Foi a maneira que a mídia criou para expressar a alteração cada vez mais veloz da moda por grandes empresas. O que antes era vendido de acordo com as quatro estações do ano, hoje a todo momento, a toda semana, vem lançando novas coleções, as próprias marcas da moda procuram transformar o vestuário em algo descartável. As empresas que trabalham com esse modo observam o que as pessoas estão consumindo das marcas renomadas e fabricam em larga escala modelos parecidos, porém com qualidade inferior, como ocorre em grandes marcas e em lojas de departamento que foram denunciadas. Desse modo, há uma maior garantia de que as peças serão consumidas.

Essas empresas praticam a chamada moda globalizada, que permite que os mesmos tipos de produtos circulem por toda a rede de lojas ao redor do mundo, sem produzir peças com particularidades locais, o que barateia muito o produto final. Esse fenômeno é um dos principais incentivadores da exploração da mão de obra escrava em razão da alta produtividade e da produção em larga escala.

No mundo inteiro, grandes marcas populares e grifes internacionais terceirizam suas produções em vez de fabricá-las do início ao fim. Essa é uma estratégia muito vantajosa de evitar o pagamento dos tributos e os direitos trabalhistas aumentando a margem de lucro, como é o caso da Amissima, uma marca de roupas de luxo.  No ano de 2018 foram identificados 14 costureiros escravizados em duas oficinas que produziam as roupas da marca. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2003 e 2014, foram fiscalizados 34 casos de trabalho análogo ao de escravo, dos quais foram libertados 452 costureiros de oficinas cuja maioria se encontrava no estado de São Paulo.

Nesse processo de reestruturação, houve uma fragmentação da produção e as empresas formais se concentraram na criação, modelagem, corte de tecidos e comercialização dos produtos finais. Já́ a costura, justamente a etapa com emprego mais intensivo de mão de obra, foi terceirizada em uma série de oficinas subcontratadas, nas quais é grande o peso do trabalho informal. A terceirização foi a principal estratégia de gestão de mão de obra utilizada para lidar com a produção diversificada e de pequena escala. As oficinas de costura proliferaram nos bairros habitados pelas antigas operárias das fábricas, que foram demitidas neste processo. (RIZEK; GEORGES; SILVA, p. 120, 2010)

As vítimas dessa realidade são imigrantes subcontratados que se submetem a jornadas exaustivas para alcançar uma alta produtividade em decorrência do valor baixíssimo que é pago por cada peça. A inserção massiva dos imigrantes bolivianos ocorre na etapa do trabalho informal e precário nas oficinas de costura. Os contratos de trabalho são estabelecidos verbalmente e o valor da passagem é a primeira dívida contraída pelo imigrante. Nesses casos geralmente o trabalhador mora no local e tem sua família no mesmo ambiente perto das máquinas de trabalho, estratégia utilizada para aumentar a produtividade. Segundo o site Repórter Brasil, casos de exploração da mão de obra análoga à de escravo são encontrados em fornecedores de marcas populares e grifes internacionais.

Auditores fiscais do trabalho flagraram, em setembro de 2017, imigrantes bolivianos que recebiam uma média de R$ 5 por peça que eram vendidas por até R$ 698 nas lojas da Animale. A marca, que define “luxo e sofisticação” como suas “palavras de ordem”, tem mais de 80 estabelecimentos no país, muitos em shoppings de alto padrão. Os costureiros subcontratados trabalhavam mais de doze horas por dia no mesmo local onde dormiam, dividindo o espaço com baratas e instalações elétricas que ofereciam risco de incêndio. (REPÓRTER BRASIL SITE, 2017)

Esses trabalhadores são de diversas regiões do Brasil e do mundo. Em 2013, o desabamento do prédio Rana Plaza, em Bangladesh, escancarou ao mundo a realidade dos trabalhos que tornam possível a fast fashion. O prédio de oito andares colapsou por falta de manutenção, matando mais de 1.100 pessoas. O assunto ganhou a mídia na época, mas refletia apenas uma parte muito pequena do problema. 

De acordo com os dados do Ministério do Trabalho e Emprego de 2017, o setor de confecção é marcado pela predominância de mão de obra imigrante. De acordo com dados relativos as ações de fiscalização e de combate ao trabalho escravo realizados em 2017, o MTE relacionou os dados com as migrações e concluiu que de todos os trabalhadores resgatados, 35% eram imigrantes, isto é, um de cada três trabalhadores resgatados pelas ações de combate ao trabalho escravo na cidade de São Paulo são imigrantes. Esses trabalhadores podem ser de países latino americanos como Bolívia, Paraguai, Peru, do continente africano como o Haiti como também do Oriente Médio.

O Brasil é o quarto país que mais produz peças para vestuário no mundo. Nos grandes centros, principalmente na cidade de São Paulo, há oficinas de costura que escondem a prática do trabalho escravo. A cadeia produtiva no Brasil não se diferencia das praticadas por marcas internacionais em países do sul da Ásia. A empresa detentora da marca se posiciona no topo de uma pirâmide, defendendo a responsabilidade social, econômica e ambiental, mas entre o topo e a base são terceirizados os serviços a uma ou mais empresas que fazem a intermediação entre a detentora da marca e os trabalhadores das oficinas de costura, que vivem uma cruel realidade para confeccionar peças de roupas. (CALDAS, p. 45, 2017)

Além dos imigrantes que são alvos da exploração da mão de obra escrava no setor têxtil brasileiro, há também a população de diversos estados das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, comunidades mais carentes, geralmente de cidades com menores índices de desenvolvimento humano (IDH) que, em busca de emprego e melhoria de vida acabam mudando para grandes centros e se tornam vítimas do trabalho forçado. (REPÓRTER BRASIL SITE, 2019)

Segundo os relatos colhidos pela Ong Repórter Brasil, a questão do Brasil não é a falta de trabalho, no entanto não se pode afirmar que todos os tipos de serviço sejam de forma digna e que respeitem os direitos dos trabalhadores. A realidade é que os indivíduos que se encontram em situação de vulnerabilidade social e econômica aceitam essas condições e se conformam que ter essa ocupação ainda é melhor que o desemprego.

Sendo assim é possível afirmar que o trabalho escravo urbano em análise é aquele realizado em meio a condições degradantes de trabalho, com jornadas exaustivas e em desrespeito a condições mínimas que garantam um ambiente de trabalho sadio. Normalmente não está vinculada a restrição de liberdade (ir e vir), pois o trabalhador vai até a sua casa ou pensão cedida pelo próprio empregador para passar o curto período de descanso noturno. Além disso, muitas vezes está ligado a dívidas contraídas com o empregador ou aliciador, que limitam a sua desvinculação do trabalho. (MARTINS E KEMPFER, p.89, 2013) 

A capital paulista e a região metropolitana de São Paulo (SP) concentram a maior parte dos casos do gênero já flagrados por fiscais do governo federal. Quase sempre estas oficinas são empreendimentos terceirizados mas há também muitos flagrantes de trabalho escravo associados a pequenos varejistas instalados em importantes polos comerciais de roupas, como o bairro paulistano do Bom Retiro. Esses indivíduos veem no Brasil uma alternativa de melhores condições de vida.  Para essas pessoas, a Constituição prevê no caput do artigo 5º a igualdade de estrangeiros no país, no entanto, em decorrência de trabalharem de forma irregular, autoridades brasileiras não têm informações exatas para quantificá-los.

 

2.1              Mecanismos de atuação e fiscalização no combate à exploração da mão de obra escrava.   

Existe hoje no Brasil diversas organizações não governamentais que buscam combater o trabalho forçado. Uma delas é a Repórter Brasil, fundada em 2001 por jornalistas, cientistas sociais, educadores com o objetivo de despertar nas pessoas a reflexão sobre a violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores no Brasil. É considerada a maior fonte de informações sobre trabalho escravo além de terem seus dados utilizados pelos grandes órgãos e lideranças para auxiliar no combate a essa prática. Trabalhadores que conseguem sair ou fugir dessa situação recorrem a órgãos públicos ou a essas organizações para denunciar as violações que sofreram.

O governo brasileiro tem buscado coibir essa prática através da fiscalização de locais, propriedades e empresas denunciadas. Em decorrência da reincidência desses trabalhadores libertos a sujeitar-se novamente a essa prática, também foram criadas políticas públicas que visam assistência e prevenção de novas vítimas como é a proposta do Escravo, nem pensar!  que atua em escolas de forma multidisciplinar com informações e atividades para a mobilização de jovens. De forma a atuar como órgão interveniente quando entender a existência de interesse público que o justifique, o Ministério Público do Trabalho poderá atuar também como órgão agente, ajuizando ação civil pública e outros procedimentos.

Após a M.Officer negar sua relação com a oficina, o Ministério Público continuou a investigação e, em 6 de maio de 2014, realizou uma auditoria na Vila Santa Inês, bairro da periferia de São Paulo. Em um imóvel aparentemente residencial, seis bolivianos trabalhavam em condições semelhantes às da primeira inspeção — os auditores apreenderam duas peças-piloto da marca, um blazer e uma calça, que possuíam ficha técnica com instruções sobre medidas, tamanho e técnica do corte. (REVISTA GALILEU, 2016)

O MPT criou a Coordenadoria Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo (CONAETE) com o intuito de uniformizar a atuação do órgão em todo o país coibindo todas as formas de trabalho análogo ao de escravo. Atuam juntamente com policiais e integrantes de Ongs fiscalizando locais de trabalho mediante denúncias e irregularidades recebidas. Diante de uma infração trabalhista o empregador assina um Termo de Ajustamento de Conduta perante o MPT, se comprometendo a reparar as violações os prejuízos causados com essa prática. Além das punições judiciais, algumas ações que visam coibir essa realidade incidem economicamente no bolso do empregador para que deixe de ser tão rentável como é o caso dos acordos que algumas empresas possuem de não manter relações comerciais com pessoas físicas e jurídicas que utilizam dessa prática, o chamado Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.                                                                                                         

Outra forma de combate foi a aprovação da PEC do Trabalho Escravo para expropriar propriedades rurais que forem acusadas do uso de mão de obra análoga a de escravo para que sejam destinadas a reforma agrária. E também o cadastro de empregadores na Lista Suja, considerado como um dos instrumentos mais efetivos de combate. (REPÓRTER BRASIL SITE, 2019) A lista suja expõe os nomes dos empregadores e os locais que foram autuados. Esse cadastro será repassado para os órgãos públicos responsáveis para as devidas providências, inclusive instituições financeiras também tem grande interesse nesse cadastro, pois também utilizam disso ao conceder algum empréstimo. O nome permanece na lista por dois anos, caso não haja reincidência no crime e após o pagamento de todas as multas trabalhistas.

Nesse contexto, a titulo de conhecimento e informação, um aplicativo de celular desenvolvido pela Repórter Brasil, Moda Livre, tem a função de informar baseada em uma pontuação, o modo como cada indústria de roupa atua para monitorar o cumprimento da lei trabalhista entre os seus fornecedores. Todos têm acesso a essa plataforma de forma que a sociedade de consumo tenha conhecimento de onde vem a roupa que compra e se a marca tem cumprido com suas obrigações trabalhistas diante das terceirizações.

Foi julgado em agosto de 2018 pelo Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e o Recurso Extraordinário em repercussão geral 958252, que versavam sobre a possibilidade de terceirização em todas as atividades da empresa.

A tese de repercussão geral aprovada no RE foi a seguinte: “É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. (STF, 2018)

A constitucionalidade da terceirização das atividades meio e fim das empresas, o que antes era considerado ilegal pela Súmula 311 do TST com a justificativa da transferência do risco do negócio, o STF entendeu, portanto, que a terceirização não precariza direitos e está assegurada pelo princípio constitucional da livre iniciativa, mantendo a responsabilidade subsidiária do contratante acreditando, portanto, não haver qualquer impedimento legal quanto à terceirização da atividade.

Isso quer dizer que não afasta a possibilidade de a empresa tomadora de serviços responder de forma subsidiária em caso de eventual reclamação trabalhista ajuizada contra o prestador de serviços, pretendendo o trabalhador terceirizado o recebimento de verbas trabalhistas.

A referida Súmula 331, III, do TST pressupunha a ilegalidade da terceirização da atividade-fim, ao dispor que bastava este fato para o reconhecimento do vínculo de emprego direto com o tomador de serviços, sem nem mesmo precisar analisar se existiam todos os requisitos da relação de emprego. Portanto com essa decisão do STF, a atividade terceirizada como sendo atividade-meio ou fim não será mais analisada isoladamente para definir acerca de vínculo empregatício, serão necessários também outros requisitos legais.

A título de informações, um Recurso Ordinário do TRT demonstra o trabalho em condições degradantes cuja ré foi condenada ao pagamento da indenização por danos morais.

TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO. TRABALHO DEGRADANTE CARACTERIZADO. INDÚSTRIA TÊXTIL. REPARAÇÃO MORAL. 1. O trabalho escravo contemporâneo atinge tanto a liberdade do trabalhador quanto a sua dignidade. Sobre o tema, convergem as Convenções 29 e 105 da OIT, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal de 1988, no esforço de abolir o trabalho escravo, assegurar um meio ambiente de trabalho salubre e condições dignas de labor. 2. Consoante o art. 149 do Código Penal Brasileiro, o trabalho em condições análogas a de escravo abarca quatro tipos distintos: i) o trabalho forçado; ii) o trabalho em condições degradantes; iii) o trabalho em jornadas exaustivas, e; iv) o cerceio da liberdade de locomoção em contexto do trabalho. O trabalho degradante comporta um tipo conceitual que é configurado por um feixe plástico de atos ilícitos adotados pelo empregador, de modo distinto da submissão à jornadas exaustivas, caracterizada por uma só prática reiterada. Conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego, o trabalho degradante é a modalidade de trabalho análogo à escravidão mais recorrente, no campo e no meio urbano, ante aos mecanismos e subterfúgios adotados para camuflar o aviltamento à dignidade do trabalhador. 3. Na hipótese, o complexo probatório demonstra o trabalho em condições degradantes, confirmando as seguintes, dentre outras, práticas ilícitas sincrônicas adotadas pela ré: a) exigência de metas excessivas; b) a falta de urbanidade dos prepostos, inclusive, com emprego de insultos, ameaças e coações (assédio institucional); c) falta de estipulação da contraprestação pelas peças produzidas, não obstante o salário fosse por tarefa (o qual combina os critérios de unidade de obra com unidade de tempo); d) a não concessão do intervalo intrajornada (medida de segurança e medina no trabalho); e) insuficiência quantitativa de banheiros e restrição em sua utilização pelas empregadas; f) restrição ao acesso à água; g) adoecimento da empregada tendo como causa o trabalho. 4. Diante deste quadro, mantem-se a condenação da ré no pagamento da indenização por dano moral, com a redução de seu valor para R$50.000,00 (cinquenta mil reais), com a ressalva do entendimento desta Relatora Designada no que concerne ao quantum indenizatório. (TRT-1 - RO: 00002071820125010004, Data de Julgamento: 14/09/2016, Sétima Turma, Data de Publicação: 19/10/2016)

Segundo o penalista Cunha (2018), prevalece o entendimento que a competência para o processo e o julgamento do crime previsto no Código Penal de redução a condição análoga a de escravo em regra seja da Justiça Estadual, salvo quando na denúncia pelo artigo 149 vier juntamente um dos crimes contra a organização do trabalho. 

Embora esse seja o predominante, a corrente que defende a competência da Justiça Federal tem crescido por argumentar que este crime viola a organização do trabalho e subsidiariamente a liberdade individual do homem. Neste caso, a prática do crime 149 atrai a competência da Justiça Federal conforme dispõe na Constituição Federal no seu artigo 109 que compete aos juízes federais processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho.

Neste caso, quando apenas um trabalhador for atingido pela conduta do agente, não há ofensa à organização do trabalho, senão à sua liberdade individual, competindo, portanto, à Justiça Estadual a apreciação da causa.

 

CONCLUSÃO

A partir desse pequeno conjunto de incursões da pesquisa constata-se, em primeiro lugar, o passado escravista como um aspecto histórico relevante de subordinação bem como a influência da imigração como uma realidade de troca de interesses que no final o trabalhador é o principal prejudicado. Diante de tanta fiscalização de órgãos responsáveis, leis trabalhistas, convenções internacionais além de diversas organizações que atuam no combate dessa prática torna-se contraditório analisar o quanto esses números ainda são assustadores. As razões pelas quais milhões de pessoas se submetem a certas situações estão ligadas a inúmeros fatores econômicos, sociais, políticos ou até mesmo familiares uma vez que buscam por melhores condições de vida e de trabalho não sendo muitas vezes uma questão de escolha e sim de sobrevivência.

Esta escravidão contemporânea se apresenta no âmbito rural e urbano nos diversos setores da economia, no entanto a pesquisa trouxe a realidade da exploração no setor têxtil dentro das oficinas de costura da cidade de São Paulo e a terceirização da produção como uma forma de apontar que não se trata apenas de uma questão social, mas sim de uma indústria da moda muito intensa e transitória que torna as grandes empresas cada vez mais interessadas no lucro e na produtividade. A questão dos imigrantes se justifica por fatores políticos, sociais e econômicos. Na Bolívia por exemplo, existe agências de emprego que aliciam pessoas para trabalharem de costureiro no Brasil sem informar como de fato serão essas condições de trabalho.

No entanto, as sanções impostas às grandes empresas que utilizam dessas práticas clandestinas não intimidam ao ponto de não cometer mais este tipo de crime afinal, os números de condenação ainda são irrisórios comparados aos de denúncia. Essas empresas, além de conseguirem camuflar a ilegalidade mediante a terceirização da produção, dificultam cada vez mais a identificação da raiz do problema, isto é, os responsáveis pelo crime. Mesmo havendo pena de prisão para quem o comete, está sujeito também a inclusão do nome do empregador na Lista Suja.

Marcas famosas, grifes luxuosas e até mesmo lojas de departamento são alvo de denúncias dessas práticas. Ao terceirizar sua produtividade para empresas menores, subcontratando uma mão de obra com salários baixíssimos acabam se envolvendo numa ilegalidade e quando são denunciadas alegam não saber de tal ilegalidade. A luta contra a erradicação ao trabalho forçado não acabou em 1888 e nem termina em 2019. Há muito a ser feito, começando na intensificação da fiscalização, aumento de fiscais que ganhem um bom salário para que não sejam corrompidos e nem subordinados, mas também é necessário uma conscientização e reflexão do consumidor ao escolher onde está investindo seu dinheiro pois ele pode ser também um patrocinador dessa prática.

Atitudes de escolher a próxima roupa que estará em seu guarda-roupa é uma ferramenta poderosa. Afinal, caso os consumidores não deem mais dinheiro para marcas que exploram trabalhadores, aumentam as chances de toda a cadeia de produção da moda sofrer transformações positivas. Quanto mais os consumidores exigirem a transparência das marcas e das roupas que usam mais eles estarão responsáveis a dar uma resposta sobre tudo o que se passa por trás dessa grande indústria. As pessoas estão cada vez mais isoladas, o sistema econômico motiva as pessoas a pensar de maneira mais individual sem muitas vezes observar a realidade que está cercada.

 

REFERÊNCIAS

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Data da conclusão/última revisão: 19/11/2019

 

Como citar o texto:

MANDUCA, Maria Luisa Gama; NAVARRO, Leonardo Aquilino..O trabalho análogo à condição de escravo no setor têxtil brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1673. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/4646/o-trabalho-analogo-condicao-escravo-setor-textil-brasileiro. Acesso em 9 dez. 2019.

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