O presente trabalho tem como objetivo descrever a luta feminista pelo direito ao voto no Brasil, apresentar as precursoras em cada principal cargo político nacional e, apontar como a sub-representatividade feminina na política tem sido combatida no país. Isso se justifica em razão do baixo número de mulheres na política, mesmo após um século da primeira eleita pelo voto popular, bem como, da luta feminista em relação ao direito ao voto. O método de pesquisa utilizado é o descritivo analítico sendo que o objeto da pesquisa é colocado sob uma perspectiva histórica e a abordagem adotada é a qualitativa. Além disso, na aplicação da abordagem qualitativa utiliza-se do procedimento documental, bibliográfico e da pesquisa legislativa.

INTRODUÇÃO

A luta feminina contra a dominação patriarcal se inicia no século XV com o livro A Cidade das Mulheres escrito por Christine de Pisan e abre caminho para trajetória da luta feminina contra a opressão imposta pela sociedade ao ser impedida de estudar, trabalhar e até mesmo de votar. Neste trabalho será abordada a trajetória da luta feminina viabilizada para superar as opressões manifestadas pela sociedade até a conquista do direito ao voto feminino, bem como, as pioneiras na política brasileira.

No início do século XX muitas mulheres no Brasil, como Bertha Lutz e Leolinda de Figueiredo Daltro, se destacaram na luta por direitos civis, e, gradualmente, conseguiram quebrar antigos padrões e diminuir a distinção entre os sexos em uma sociedade predominantemente machista e patriarcal, levando as mulheres do direito ao sufrágio, às eleições presidenciais, conquistando cargos nas esferas municipais, estaduais e federais durante o percalço.

Apesar das conquistas acima mencionadas, muito ainda deve ser feito para a quebra da hegemonia masculina na política, abrindo, assim, espaço para a inserção da mulher nesse contexto. Um exemplo disso aconteceu nas eleições de 2018, onde as mulheres conquistaram apenas 18% dos mandatos concorridos, e tendo em vista que, segundo o IBGE, as mulheres representam mais de 50% da população. 

Dado esse contexto, compreender a trajetória da luta feminina, o alcance de conquistas de direitos e de sua inserção no exercício de cargos políticos dentro de uma perspectiva histórica é salutar para entender a disparidade entre o número de homens e mulheres no Congresso Nacional.

Cumpre, portanto, verificar a historicidade da luta feminista no país, discorrendo acerca da conquista do direito ao voto, bem como das primeiras candidaturas conquistadas após as demandas serem atendidas. E ainda, compreender a necessidade de haver representatividade feminina no cenário político brasileiro que não é alcançada diante da discrepância entre o número de homens e mulheres no Congresso Nacional e no Senado Federal levando assim as pautas de direitos e deveres femininos serem decididos por uma maioria masculina. 

 

1 CONTEXTO HISTÓRICO DO REPRESENTATIVO FEMININO NOS GOVERNOS DO BRASIL

Desde a separação entre Brasil e Portugal, apenas três mulheres governaram o país, sendo que as três desempenharam esse papel após a independência conquistada e uma após a proclamação da república. Apesar de tantos anos terem se passado, ainda é árdua é a luta feminina por representatividade no contexto político brasileiro até mesmo pelo pouco incentivo.

A primeira mulher a governar o Brasil independente foi Maria Leopoldina de Áustria, como sendo uma governante interina através de um decreto do Imperador D. Pedro I de 23 de agosto de 1822 durante o período em que ele precisou fazer uma viagem para Minas Gerais e São Paulo. A Imperatriz tinha poder de tomar medidas urgentes e demais decisões deveriam ser comunicadas ao Imperador para que ele emitisse aprovação e ratificação das decisões. Por essa atribuição ela reúne o Conselho de Estado para discutir um plano que defendesse o território brasileiro (REZZUTTI, 2018). Em 7 de setembro de 1822 ao ser proclamada a independência por D. Pedro I, ainda em viagem, às margens do Ipiranga, Leopoldina ainda estava como regente, portanto, sendo a primeira mulher a governar o Brasil independente. Porém, de lá para cá, poucas vezes uma mulher pôde exercer esse grande papel de governante neste âmbito.

A segunda mulher no governo foi a Princesa Isabel, regente do Império do Brasil por três vezes. A primeira regência foi em maio de 1871 a março de 1872 em razão do Imperador D. Pedro II estar em viagem; a segunda regência aconteceu de março de 1876 a setembro de 1877 novamente em razão de uma viagem do Imperador. A terceira e última regência dela foi de 1887 a agosto de 1888 em virtude de uma outra viagem do Imperador, sendo que nesta os motivos foram de saúde (CAMPOS, 2016). Um grande marco de sua terceira regência foi a promulgação da Lei Áurea que aboliu a escravidão no território brasileiro. 

A república teve a sua 36ª presidente uma mulher eleita democraticamente através do voto popular que foi Dilma Vana Rousseff. Ela esteve exercendo seu cargo de 2011 até o ano de 2016, ano no qual foi afastada por meio de um processo de impeachment, sucedida após por seu vice.

No meio dessa trajetória vitórias femininas foram conquistadas como é o caso do direito ao voto feminino, da criação de incentivo para a candidatura feminina e da possibilidade de as mulheres poderem vivenciar a representatividade feminina nos cargos do poder executivo e legislativo.

Portanto, um longo caminho foi percorrido por trás de cada conquista feminina. As três mulheres acima possuíam um admirável conhecimento técnico para poderem exercer tais cargos e esses conhecimentos aplicados foram de extrema importância para a construção do país que existe hoje.

 

2 O MOVIMENTO FEMINISTA E A LUTA PELO DIREITO AO VOTO DAS MULHERES

O movimento feminista, cuja a principal bandeira é a igualdade de gênero, emerge na sociedade sendo liderado por mulheres, como Mary Wollstonecraft e Simone Beauvoir, que estavam reivindicando a igualdade, direitos civis femininos e questionando o modelo de sociedade patriarcal em que estavam inseridas.

O início dessa trajetória do movimento feminista se dá pelo protofeminismo e ganha força com o advento da Revolução Francesa e após com as lutas operárias. Com esse fortalecimento, a reivindicação do voto feminino como um direito a ser conquistado é pauta de movimentos sufragistas no século XIX e início do século XX no Brasil e em alguns lugares do mundo, como na Inglaterra. Em razão desses acontecimentos, o desfecho dessa história constrói os moldes sociais atuais, sendo fundamental o seu detalhamento.

 

3 OPRESSÃO FEMININA NO CONTEXTO SOCIAL E O INÍCIO DA DESCONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO PATRIARCAL SOBRE AS MULHERES

Desde os primórdios a opressão sofrida pela mulher se manifesta através das divisões de tarefas e atividades cotidianas, como por exemplo, sendo o homem responsável por trazer os alimentos provenientes de sua caça a mulher com a incumbência de cuidar do lar e dos filhos da família constituída. Diante desses comportamentos, o homem esteve mais inserido no ambiente externo ao lar, sendo mais ativo socialmente em razão de não ser privado da convivência social em detrimento de seus afazeres domésticos (MATOS, 2010).

Essa forma patriarcal de família e consequentemente de sociedade é capaz de produzir efeitos até os dias atuais. Contudo há poucos séculos a mulher tem buscado o tratamento igualitário dentro da sociedade e nele inclui-se a igualdade dentro da política.

Diante desse comportamento social foi-se implementando atividades como sendo exclusivamente masculinas e atividades exclusivamente femininas dando abertura ao poder de decisão sobre a vida das mulheres no âmbito emocional, sexual, e política ao longo da história (MATOS, 2010).

No livro A Política escrito por Aristóteles, um dos maiores filósofos gregos, é possível se observar que é documentada a colocação em que os bárbaros colocavam a mulher na mesma classe que um escravo tendo ambos uma característica comum que é a ausência do poder de mandar em alguém em detrimento da presença do obedecer. “Alguns seres, ao nascer, se veem destinados a obedecer; outros, a mandar. E formam, uns e outros, numerosas espécies. A autoridade é tanto mais alta quanto mais perfeitos são os que a ela se submetem” (ARISTÓTELES, 2011, s/p). Para Aristóteles existem aqueles que mandam e aqueles que devem obediência ao que manda.

"[...] Entre os bárbaros a mulher e o escravo se confundem na mesma classe. Isso acontece pelo fato de não lhes ter dado a natureza o instinto do mando, e de ser a união conjugal a de uma escrava com um senhor. Falaram os poetas: “Os gregos têm o direito de mandar nos bárbaros”3 como se a natureza distinguisse o bárbaro do escravo.

§ 6. Esta dupla união do homem com a mulher, do senhor com o escravo, constitui, antes de tudo, a família." (ARISTÓTELES, 2011, s/p)

Essa linha de raciocínio perdurou-se como quase absoluta até as primeiras manifestações do protofeminismo com a pioneira Christine Pisan, a primeira escritora que defendeu os direitos das mulheres e em sua obra a Cidade das Mulheres em que no século XV em 1405 se dedicou a escrever sobre uma cidade em que as mulheres eram defendidas. Essa obra é a primeira documentação literária da manifestação feminina contra o patriarcado (CAMPAGNOLO, 2019).

A denominação de protofeminismo se dá em razão de naquela época não haver a terminologia para a defesa dos direitos femininos consolidada. Séculos após Christine escrever a Cidade das Mulheres, uma das principais escritoras, Marie de Gournay, também se dedicou a entregar seu conhecimento para o levante feminino se iniciar nas obras Égalité des Hommes et des Femmes e Grief des dames (CAMPAGNOLO, 2019).

Em sequência, a história mundial se transforma com a Revolução Francesa, com a Revolução Industrial, bem como com a independência dos Estados Unidos da América. Esses eventos capazes de mudar a sociedade. A mulher começa a deixar o lar para ter que trabalhar na indústria, recebendo um salário menor que o homem. Além disso, as condições precárias de trabalho contribuíram para que o grupo operário viesse a se unir e reivindicar proteção até o surgimento do movimento sindical. 

Em detrimento desse evento, houve um êxodo rural muito grande, levando as famílias para as cidades, ocorrendo assim grandes transformações sociais. Nesse mesmo contexto o acesso à informação começa a ganhar força e ser cada vez mais ampliado.

Com a Revolução Francesa o modelo aristocrático começa a ruir no mundo inteiro, levando a política ser modificada, bem como as leis civis começam a serem traçadas com mais modernidade à luz da época. Acontece que não houveram mudanças significativas no que diz respeito ao direito das mulheres.

E a independência dos Estados Unidos da América foi capaz de mostrar aos outros Estados dependentes que era possível, se necessário fosse, o povo se levantar pelo interesse coletivo de ser uma nação independente de outra.

Todos esses episódios históricos foram essenciais para a sociedade encarar as questões sociais e estudá-las com mais afinco, deixando de ser dominada pelo modelo aristocrático, por dono de indústrias, e por um povo que dominava outro. Frente a isso não deixou de ser diferente com relação ao domínio patriarcal sobre a mulher. Mulheres com o desejo coletivo de reivindicar igualdade de gênero, de tratamento, igualdade política, sexual, com coragem e muita luta se unem para derrubar tal hegemonia patriarcal e essa luta nunca acabou.

Assim, Mary Wollstonecraft, no século XVIII, escreveu a obra literária Reivindicação dos Direitos da Mulher, sendo nomeada como a obra que institui o feminismo levantando, por exemplo, a bandeira do direito à educação para as mulheres (CAMPAGNOLO, 2019).

Saindo do Estado Moderno e adentrando para a contemporaneidade, nesse período, com os Estados tendo uma mudança significativa no âmbito jurídico e na esfera social, a forma como a política se dava, proibindo a mulher de tomar decisões como era o caso do voto, foi sendo amplamente discutida entre as mulheres. 

Além disso, é importante salientar que no âmbito trabalhista ainda assim a história do feminismo aponta a consolidação do capitalismo e a revolução industrial como um marco e essas desigualdades perduram até os dias atuais. As mulheres eram inseridas em uma realidade abusiva e as suas condições de trabalho eram precárias ??em um sistema superexploração, a carga de trabalho sendo duas vezes maior que a dos funcionários homens e recebendo uma contraprestação de 1/3 do pagamento que lhes foi concedido. Portanto, a classificação feita a partir desses fatos é de a mulher sendo muito mais explorada do que trabalhadores do sexo oposto. (BEAUVOIR, 2016).

Essas questões no âmbito trabalhista é o reflexo de uma sociedade que ainda é patriarcal e que colocava e coloca ainda hoje a mulher em panorama inferior ao homem. É apenas um dos reflexos e das consequências sociais vivenciadas pelas mulheres. Não há como na política o posicionamento ser distinto.

 

4 LUTA FEMININA PELO DIREITO AO VOTO NO BRASIL E SUA INFLUÊNCIA ESTRANGEIRA

No Brasil, mesmo com a Proclamação da República e uma nova constituição em vigor, nada a respeito do voto feminino ela tratava.

O movimento sufragista, emergente na Inglaterra do século XVIII, e cuja principal pretensão era o direito ao voto, o qual é conquistado em 1920 no território inglês foi um dos precursores na luta feminina no mundo inteiro. Diante disso, ao ver alguns lugares no mundo em que já era possível a mulher exercer seu direito de votar, algumas mulheres brasileiras foram pioneiras nessa luta e reivindicação desse direito.

Em 1910, na República dos Estados Unidos do Brasil, Leolinda de Figueiredo Daltro funda o Partido Republicano Feminino (PRF). Esse partido tinha a exigência de que apenas mulheres poderiam participar dele. Apesar do requisito do partido, Leolinda sempre buscou apoio de políticos homens em razão de sua proximidade com eles e da visibilidade que eles tinham (FUJITA, 2016). 

Essa mulher foi uma importante ativista que lutou pelo direito ao voto feminino levando as mulheres às ruas de Salvador na Bahia em 1917. Em 1921, com sua influência um projeto de lei no Senado que objetivava o sufrágio feminino passou por uma de duas votações, contudo, nunca houve a segunda e necessária votação para a provação do projeto (TOSI, 2016).

Já em 1927, no Rio Grande do Norte, Celina Guimarães Viana, se tornou a primeira mulher a fazer o pedido de alistamento eleitoral. Mediante o deferimento, Celina se tornou a primeira eleitora, não somente no Rio Grande do Norte, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina (VAINSENCHER, 2016).

Outro grande nome da luta feminina brasileira foi Bertha Lutz. Bertha, no ano de 1919, criou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher e ainda realizou a organização do primeiro congresso feminista do país, bem como abordou as questões de proteção à mulher na Organização Internacional do Trabalho (OIT) (AGÊNCIA SENADO, 2015)

Em 1932, o então Presidente da República, Getúlio Vargas assina o direito ao voto feminino e em 1933 as brasileiras puderam exercer o seu direito na votação da Assembleia Constituinte, ainda que facultativamente e em 1934 era um dever constitucional o alistamento (TOSI, 2016).

Portanto, com muita perseverança, coragem, persistência e acima de tudo com muita seriedade em detrimento da igualdade, as mulheres lutaram e conquistaram o direito de votar e de serem votadas. Tal luta não se deu por vencida, ainda nos dias de hoje é realizado trabalho de incentivo à candidatura feminina. Muitas foram pioneiras na política e devem ser reconhecidas por seu mérito.

 

5 PRINCIPAIS MULHERES PIONEIRAS NA POLÍTICA BRASILEIRA

Ainda quando era o Império do Brasil, no século XIX, a Princesa Isabel no poder como regente sofreu na pele o preconceito popular de uma mulher estar na governança de um império.

Por ser a única filha viva de D. Pedro II, Isabel do Brasil, passou a ser vista pelo povo como uma mulher que estava fazendo os mandos de seu marido, o Conde d’Eu, um francês, e em razão disso críticas surgiram com esse fundamento, um estrangeiro estava no controle do poder (INÁCIO, 2015). Diante disso, percebe-se a questão de gênero sendo atacada popularmente apenas pelo fato de a Princesa ser uma mulher e essa condição de ser mulher já seria motivo suficiente para ela não ter os seus próprios posicionamentos como regente.

Como mencionado anteriormente, na República dos Estados Unidos do Brasil, Leolinda de Figueiredo Daltro fundou o Partido Republicano Feminino (PRF) no ano de 1910. Foi uma mulher muito influente na política brasileira em seu tempo. 

Em setembro de 1928, pela primeira vez as mulheres não apenas poderiam votar nas eleições, mas também participar das mesmas no Rio Grande do Norte, e Bertha Lutz queria garantir que ambos os papéis fossem exercidos. No mesmo ano, a líder feminista viaja ao Rio Grande do Norte afim de se encontrar com o então senador Juvenal Lamartine. 

“É provável que Juvenal Lamartine de imediato tivesse se lembrado da filha mais velha do seu correligionário Miguel Teixeira de Vasconcelos porque, certo dia, em visita pelo interior do estado, ele arranjou um encontro entre o coronel e Bertha Lutz. Os dois foram recebidos para um almoço na fazenda primavera. A determinação de Alzira Soriano, à época com 31 anos, surpreendeu a líder feminista brasileira” (SOUSA, 1993, p. 29).

Foi durante este almoço que o convite para candidatura fora feito a Alzira Soriano. A mesma possuía o apoio do governador do estado e de seu pai, coronel Miguel Teixeira de Vasconcelos, características comuns nas eleições do período da Primeira República, visto que as alianças coronelísticas eram comuns naquela época. Ainda assim, a mesma se colocou em uma posição ousada para o período. Neste cenário, elegeu-se a primeira mulher prefeita da América Latina. Alzira Soriano tinha 32 anos, quando disputou a eleição, e venceu com 60% dos votos (SOUSA,1993).

Antes de Bertha assumir o cargo como deputada na Câmara Federal, a primeira mulher a exercer o cargo como deputada federal no Brasil foi eleita em 1933, Carlota Pereira de Queirós, declarou-se ao GLOBO, em 1933 após ser eleita pelo Partido Constitucionalista (PC-SP) à Assembleia Nacional Constituinte, como sendo não feminista e entender o feminismo como sendo as mulheres que pediam o direito ao voto e faziam suas reivindicações, mas que adaptava sua ideia no que tange à emancipação feminina pelo trabalho. Apesar de não se intitular como feminista, Carlota foi uma grande parlamentar e inaugurou a trajetória feminina no Congresso Nacional.

Em seguida, em 1936 Bertha Lutz também veio a assumir o cargo de deputada como suplente em razão do falecimento do deputado Cândido Pessoa. Na oportunidade lutou por igualdade salarial, licença maternidade e por uma jornada de trabalho menor para as mulheres. Ambas mulheres foram deputadas até o fechamento do Congresso Nacional em 1937. 

Já no Senado o desfecho se inicia ainda no Brasil Imperial. A Constituição de 1824 previa em seu art. 46: “Os Príncipes da Casa Imperial são Senadores por Direito, e terão assento no Senado, logo que chegarem à idade de vinte e cinco anos”, sic (BRASIL, 1846). Em virtude dessa normativa constitucional a Princesa Isabel do Brasil ao completar a idade exigida foi a primeira Senadora mulher do Brasil. Como o patriarcado ainda era muito forte, novamente levantou-se o questionamento acerca da legitimidade de a Princesa Isabel ser Senadora pelo fato de a letra da lei dizer príncipe com a palavra no sexo masculino. 

O autor e senador José de Alencar foi um dos que se colocaram contra esse assento no Senado por parte da Princesa Isabel. Em sua obra Uma These Constitucional: a princesa imperial e o príncipe consorte no Conselho de Estado, José de Alencar, em 1867, se dedica a expor seu posicionamento sobre a questão.

Entretanto, a primeira Senadora Federal a assumir o cargo legislativo foi Eunice Michiles em 1979 que em sua posse foi recebida com flores e com muita comemoração e entusiasmo por parte dos seus colegas Senadores da Casa até mesmo pelos opositores a seu partido. E em parte do seu discurso disse: 

“Como primeira senadora, sinto os olhares de milhões de mulheres na expectativa de que lhes saiba interpretar as reivindicações. O Código Civil nos coloca ao nível do índio, da criança e do débil mental. Somos fruto de uma cultura patriarcal e machista, onde a mulher vive à sombra do homem e rende obediência ao pai, ao marido ou, na falta deste, ao filho mais velho. Em 1979, temos muito a melhorar” (AGÊNCIA SENADO, 2019).

Eunice em seu mandato lutou pelos direitos das mulheres, bem como pela revogação do Código Civil de 1916 em que, como disse, colocava a mulher em muita obediência e dependência masculina. Essa revogação só aconteceu com a vigência do Código Civil de 2002.

Como chefe do poder executivo de uma unidade federativa a primeira mulher a ser eleita governadora foi Roseana Sarney pelo então partido PMDB no ano de 1994, sendo ainda eleita para mais dois mandatos em 1998 e 2010 (G1, 2014)

E por fim, em 2010 a primeira mulher é eleita democraticamente para chefiar o poder executivo do país. Dilma Vana Rousseff, a primeira Presidente do Brasil filiada pelo Partido dos Trabalhadores exerceu seu cargo de 2011 até o impeachment sofrido em 2016, pouco tempo após ser reeleita para o exercício do cargo. Como sendo a 36ª Presidente do Brasil é possível notar que após trinta e cinco homens no poder uma mulher teve a oportunidade de estar neste posto. 

Na campanha presidencial de 2018, de 13 candidatos, 2 eram mulheres que são: Marina Silva e Vera Lucia (CAMPOS, 2018). Já na campanha anterior, em 2014, de 11 candidatos ao pleito, 3 eram mulheres, quais sejam: Dilma Rousseff, Marina Silva e Luciana Genro (R7, 2014).

 

6 MEIOS ADOTADOS PARA A CORREÇÃO DA DISPARIDADE ENTRE HOMENS E MULHERES NO PODER

Com o intuito de diminuir a desigualdade de gênero nas eleições, na década de 90, instituiu-se a Lei n. 9504 de 30 de setembro de 1997 que em seu art. 10, §3º, dispunha que o limite mínimo para cada sexo é de 30% e o limite máximo é de 70% a serem preenchidos por cada partido ou por cada coligação:

"Art. 10.  Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo: 

§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)" (BRASIL, 1997).

O referido texto de lei está em vigor até os dias de hoje. Pouco mais de 20 anos de sua publicação o número de senadoras mulheres, por exemplo, ainda é muito inferior ao número de homens. Atualmente, de acordo com o site do Senado Federal[3], em exercício no Senado, de 81 senadores apenas 10 são mulheres.

O Tribunal Superior Eleitoral, no início do ano de 2020 iniciou uma campanha de incentivo à participação da mulher na vida política sendo transmitida através dos veículos de TV e rádio. Esse tipo de incentivo por parte do Estado, ainda que pareça pequeno pode gerar frutos no futuro. Em publicação o Tribunal Superior Eleitoral afirma: 

“[...] o número de deputadas federais eleitas no pleito geral de 2018 cresceu 50% em relação ao pleito de 2014, depois que a legislação eleitoral tornou obrigatória a destinação, por parte dos partidos, de pelo menos 30% dos repasses de campanha a candidaturas femininas” (TSE, 2020).

Não obstante a este feito, a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 regularizou, em seu artigo 44, o uso e distribuição do Fundo Partidário, resguardando, em seu inciso V, a destinação de parte dos recursos para a difusão do poder político das mulheres, e estabelecendo no parágrafo 5° as sanções para caso o mesmo não seja cumprido, como previsto abaixo: 

"Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: V - na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e executados pela Secretaria da Mulher ou, a critério da agremiação, por instituto com personalidade jurídica própria presidido pela Secretária da Mulher, em nível nacional, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total (Redação dada pela Lei nº 13.877, de 2019). 

§ 5º O partido político que não cumprir o disposto no inciso V do caput deverá transferir o saldo para conta específica, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa, de modo que o saldo remanescente deverá ser aplicado dentro do exercício financeiro subsequente, sob pena de acréscimo de 12,5% (doze inteiros e cinco décimos por cento) do valor previsto no inciso V do caput, a ser aplicado na mesma finalidade (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)" (BRASIL, 1995).

O sufrágio como aplicação da lei universal, bem como as lutas entre o estigma gênero, religião, raça e escolha sexual, consequentemente trouxeram ao século XXI a necessidade da representação política feminina como um meio de garantir equidade, justiça e igualdade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Apesar de instituições propagarem o incentivo a candidaturas femininas, de se haver no ordenamento jurídico leis que existem para diminuir a disparidade e a desigualdade de gênero na representação política o Brasil ainda está muito longe de ser um modelo de igualdade no âmbito legislativo e executivo.

Mulheres como Bertha Lutz e Leolinda Daltro se emprenharam em modificar o cenário político brasileiro composto apenas por homens. Com o pioneirismo delas, outras mulheres puderam representar o gênero nos cargos legislativos, como Eunice Michilis como Senadora e Carlota Queirós como Deputada Federal. A representatividade feminina na Presidência da República em 2011 com a Presidente eleita democraticamente através do voto, Dilma Vana Rousseff, um século após a instituição do primeiro partido feminino no Brasil (PRF) em 1910, demonstra como a trajetória da luta feminina foi trilhada pouco a pouco para se chegar a este grande feito. 

A primeira Presidente da República eleita no Brasil, após, trinta e cinco Presidentes homens é um reflexo da desigualdade de gênero que há no Brasil, tanto a que existe na sociedade quanto na política. É essa desigualdade que vem sendo combatida desde pioneiras acima mencionadas até os dias atuais com os incentivos previstos em lei e os desempenhados pelo Tribunal Superior Eleitoral.

A democracia tem como base a representação do povo no poder. O Brasil não é um país com tão poucas mulheres como se é possível ver na ocupação de cadeiras legislativas e de cadeira presidencial. 

A política não está sendo um reflexo do povo quando não há essa devida representação por parte feminina. Isso gera consequências ao serem levantadas pautas femininas no Congresso e no Senado por falta de representação adequada. No Brasil a maioria que decide os direitos e deveres femininos ainda são homens. É necessário que esse cenário seja modificado para que haja justiça e a efetiva igualdade.

 

REFERÊNCIAS

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ALENCAR, José. Uma these constitucional: a princeza imperial e o principe consorte no Conselho de Estado. Rio de Janeiro: Na Livraria Popular de A. A. da Cruz Coutinho, 1867. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242445. Acesso em 17 out. 2020.

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BRASIL, Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em: 18 out. 2020 

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CAMPOS, Ângela Bonard Micci Borges de. A Dimensão E Formação Política Da Princesa Isabel. Leopoldianum, v. 41, n. 113, 114 e 115 Santos 2016. Disponível em: http://periodicos.unisantos.br/leopoldianum/article/view/651/539. Acesso em: 24 out. 2020.

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FUJITA, Gabriela. Há 106 anos, Brasil teve um partido feminista para lutar pelo voto da mulher. Uol. 28 nov. 2016. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/11/28/sabia-que-o-brasil-ja-teve-um-partido-feminista-e-faz-mais-de-um-seculo.htm. Acesso em: 17 out. 2020.

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NOTAS:

[3] SENADO. Senadores em Exercício: 56ª Legislatura (2019 - 2023). Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/senadores/em-exercicio/-/e/por-sexo. Acesso em: 18 out. 2020.

Data da conclusão/última revisão: 07/11/2020

 

Como citar o texto:

CHAVES, Natasha Ribeiro..A participação feminina no cenário político nacional: do direito ao voto às eleições presidenciais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1011. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-eleitoral/10791/a-participacao-feminina-cenario-politico-nacional-direito-ao-voto-as-eleicoes-presidenciais. Acesso em 1 jan. 2021.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.