Discute-se, se nas próximas eleições de 03 de outubro, as coligações partidárias serão ou não verticalizadas. O TSE – Tribunal Superior Eleitoral -, na Resolução nº. 22.156 (Instrução nº. 105, Classe 12ª – DF), de 03.03.2006, no § 1º do art. 3º, manteve o entendimento expressado em 2002, ao dizer:

“§ 1º Os partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em coligação, candidato à eleição de presidente da República não poderão formar coligações para eleição de governador de estado ou do Distrito Federal, senador, deputado federal e deputado estadual ou distrital com partido político que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato à eleição presidencial (Lei nº 9.504/97, art. 6º; Res. - TSE nº 21.002, Consulta nº 715, de 26.2.2002).”

Renan Calheiros, PMDB-AL, e Aldo Rebelo, PC do B – AL, presidentes do Senado e da Câmara Federal, na ordem respectiva, demonstraram indignação. Segundo Aldo Rebelo, o TSE havia extrapolado ao dispor sobre matéria da competência do STF. A indignação resultava de uma PEC que tramitava no Congresso Nacional, aprovada e ainda não promulgada, que alterava a redação do § 1º do art. 17 da CF, passando-se a acolher as candidaturas coligadas ou isoladas, horizontais. Para os Presidentes das Casas Legislativas, o TSE somente deveria tratar das coligações após a publicação da PEC – Projeto de Emenda constitucional, que veio a ser a EC 52/2006. Observar-se-á que a Sessão do TSE que resultou na RES 22.156, publicada em 03.03, ocorreu no início de fevereiro do ano em curso e antes da publicação da EC 52/2006.

Para os leigos e os iniciantes na seara jurídica, é importante distinguir ambas as coligações, verticalizadas e horizontais. Na verticalização, como bem postado na RES-TSE, § 1º do art. 3º, se um partido político lançar, isoladamente ou em coligação, candidato a Presidente da República, nas eleições estaduais, não poderá coligar-se com outro partido e concorrer ao governo estadual.  Nas coligações horizontais ocorre o inverso.  Trocando em miúdos. Exemplo: Se o PMDB lançar candidato próprio à presidência da República, na Bahia, não poderá se coligar com outro partido político para concorrer ao governo estadual. Se quiser, terá que concorrer com candidato próprio. Na horizontalidade, a anarquia é generalizada. Exemplo: PSDB e PFL, em coligação, lançam candidato à presidência da República, concorrendo com a coligação formada pelo PT e PP. No Estado, nada impede que o mesmo PSDB se coligue ao PT, formando uma coligação a nível estadual, concorrendo ao governo do Estado, o que se constitui em evidente contradição e esfrangalha as agremiações. Enquanto na verticalização resulta o fortalecimento dos partidos políticos, na horizontalidade, a venda é a varejo. Atende-se apenas aos interesses paroquianos.

O TSE agiu corretamente. Não exorbitou, apenas interpretou a lei vigente. O art. 17 da Constituição Federal, originariamente, tinha a seguinte redação:

 “Art. 17 - É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I - caráter nacional; § 1º - É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias.

Com a EC 52, de 08.02.2006, o § 1º do art. 17 transcrito, passou a ter a seguinte redação:

“§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.”

Aparentemente, em face da EC 52, para os incautos e os políticos casuístas, uma vez que já publicada, a EC seria de aplicação imediata, restando afastada a verticalização. Isso não ocorre. O TSE não exorbitou e nem invadiu a competência do STF, como foi colocado por Aldo Rebelo, em sua indignação.

Sobre o TSE, a CF, o CE e a Lei nº. 9.507, assim dispõem: CF: Art. 92 - São órgãos do Poder Judiciário: V - os Tribunais e Juízes Eleitorais; Art. 118 - São órgãos da Justiça Eleitoral: I - o Tribunal Superior Eleitoral; Art. 121 - Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais. O texto constitucional no art. 121 menciona que LC disporá sobre a organização e competência das instâncias eleitorais. Não havendo LC, o texto aplicado é o CE – Código Eleitoral, Lei nº. 4.737, de 15.07.19665, vez que recepcionado pela CF de 1988. No CE, encontramos: Art. 1° Este Código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado. Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá Instruções para sua fiel execução. Art. 12. São órgãos da Justiça Eleitoral: I - O Tribunal Superior Eleitoral, com sede na Capital da República e jurisdição em todo o País; Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior: X - expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código. Temos ainda a Lei nº. 9.507, de 30.09.1997, que em seu art. 105, estatui: Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral expedirá todas as instruções necessárias à execução desta Lei, ouvidos previamente, em audiência pública, os delegados dos partidos participantes do pleito.

Logo após a Sessão do TSE que deliberou sobre a regulamentação das eleições de outubro próximo, se falou em crise institucional entre os Poderes da República, Legislativo e Judiciário, isso, porque, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, para atender os interesses políticos regionais e a candidatura Petista do Presidente Lula, defendiam que o TSE deveria aguardar a publicação da EC 52, pois, publicada ela, seria de aplicação imediata, e sendo de aplicação imediata, a verticalização restaria afastada, antecipando-se o estado de anarquia partidária que somente será instaurada a partir das eleições de 2010.

Tendo o TSE até o dia 05.03 para regulamentar as eleições de outubro próximo, art. 105 da Lei nº. 9.507, não estava obrigado a aguardar a publicação da EC que tomou o nº. 52, em razão do princípio constitucional estabelecido pelo art. 16 da CF, com a alteração introduzida pela EC 04, de 1993. A norma constitucional última mencionada dispõe: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”

Em 2002, quando o TSE publicou a RES 21.002, ela foi objeto de apreciação pelo STF. Na oportunidade, foi sustentado que o TSE, ao adotar a verticalização na formação das coligações, houvera legislado, cuja competência é reservada ao Congresso Nacional. O STF reconheceu que o TSE não legislara, apenas houvera interpretado a norma constitucional existente, art. 17, I, e § 1º, da CF, e se não legislou, não violou a norma primária, ou seja, não houve inconstitucionalidade na Resolução.

O que se indaga agora é se a EC tem aplicação imediata a operar efeitos já em relação às próximas eleições. A resposta é não. O art. 16 da CF se opõe ao § 1º do art. 17, alterado pela EC 52. Nem toda EC tem eficácia plena, imediata, de pronto. Independentemente da vedação do art. 16 da CF, o § 1º do art. 17, precisa ser regulamentado, desde que a Lei nº. 9.096, de 19.09.1995, que dispõe sobre os partidos políticos e regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, da CF, pelo que deverá ser alterada para também regulamentar o novo § 1º, não tendo, por isso mesmo, a EC 52, eficácia plena. Com regulamentação ordinária ou não, prepondera a norma do art. 16.

Entendo, ainda, que há evidente contradição entre o § 1º do art. 17 da CF, com a redação dada pela EC 52, com inciso I do mesmo artigo. Sob que pese a nova redação dada ao parágrafo, restou inalterado o inciso I do art. 17, que acolhe a princípio do da nacionalidade partidária, o que também está repetido, e de outra forma não poderia ser, no art. 5º, parte inicial, da Lei nº. 9.096, que diz: “A ação do partido tem caráter nacional...”  Como se vê, a discussão não se exaure.

Quanto à aplicabilidade ou não da EC 52 aos próximos pleitos de outubro, a palavra estará com o STF que decidirá nos próximos dias. Pela tendência já revelada, espera-se que os membros da nossa Corte Maior façam respeitar o princípio do art. 16 da CF, mantendo a verticalização nas próximas eleições, contudo, lastimavelmente, ultimamente, temos visto decisões lamentáveis, a preservar interesses particulares e não da sociedade. É preciso resgatar a plenitude da credibilidade das nossas Cortes de Justiça. Que diga o PMDB vidigalizado.

(Texto elaborado em março de 2006)

 

Como citar o texto:

MONTALVÃO, Antonio Fernando Dantas..Verticalização nas eleições de outubro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 192. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-eleitoral/1467/verticalizacao-nas-eleicoes-outubro. Acesso em 20 ago. 2006.

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