RESUMO

Este artigo se propõe a compreender, por meio de uma revisão literária, a era da pós-verdade, não há nenhuma novidade na tentativa de falsificação política e social através da distorção de fatos e informações. O novo é que estamos em uma nova era, turbinada pela internet e pelas redes sociais, em que o crescimento é viral e o efeito, exponencialmente explosivo. O que tem de novo não é a tentativa de contar mentiras ou falsear dados, pois a manipulação de informações sempre existiu na história do mundo, mas sim o uso da rede mundial de internet e as formas de disseminação de ideias. Pretende-se, também, analisar que outras soluções e estratégias poderão vir ainda a ser propostas, de modo a lidar com esta questão no futuro. Esta secção procurará estruturar de forma sintética os tipos de debates e abordagens gerais que se encontram atualmente em prática, e perceber melhor que tipo de expectativas existem quanto ao futuro das mesmas.

Palavras-chaves: Notícias Falsas; Fake News; Política, Internet; Manipulação de dados.

 

1. Introdução

O presente artigo tem a gênese de trazer a lume a forma como a questão da Fake News é atualmente abordada pelas instituições governamentais, jornalísticas ou empresariais, como elas afetam direta e indiretamente a sociedade e suas decisões e que tipo de medidas foram ou poderão vir a ser tomadas para minimizar o problema. Numa altura em que as falsas propagações se revelam uma questão importante não apenas no âmbito acadêmico, mas também no próprio espaço público, procurando estruturar e compreender melhor este fenômeno a fim de alocá-lo devidamente em nosso ordenamento jurídico, definindo e penalizando esse tipo de conduta.

Se as pessoas acham que o problema das notícias falsas, as fake news, é grave, podem esperar que ele ainda será capaz de piorar muito. Estamos entrando no momento em que está surgindo a falsificação profunda, em que a máquina tem a capacidade de usar a inteligência artificial para sintetizar imagens (fotos), filmes, áudios, fazendo crer que rostos ou diálogos pareçam reais.

Chega quase ser impossível prever que o pode acontecer quando forem divulgadas e compartilhadas imagens adulteradas sobre um determinado fato em que as posições estejam polarizadas em grupos sociais e políticos. Especialistas partem do princípio que o cidadão acredita naquilo que vê. Ele faz uso de imagens para formar sua opinião a respeito de algo que considere importante.

Por causa disso ou por isso mesmo, quem individualmente ou em conjunto, com ou sem remuneração, se ocupa de espalhar notícias falsas, aguarda apenas o momento certo para disseminar conteúdo adulterado com o único propósito de manipular ou prejudicar alguém.

Do ponto de vista político, governos e instituições têm se esforçado para combater esse fenômeno que em nenhum outro período da história teve efeitos tão nocivos quanto o de hoje em dia.

Muitas vezes, as campanhas de esclarecimentos ou de informação promovidas por governos se chocam com o comportamento ou crença do cidadão em que a única opinião que importa mesmo é a do “tio ou primo” que mandou ou compartilhou uma mensagem por meio de um aplicativo.   

Assim como no bom jornalismo, as notícias falsas têm o objetivo de convencer o leitor de alguma coisa, por meio da informação, mas o fenômeno ganhou dimensões tão grandes que setores, departamentos, agências e empresas privadas se utilizam dos mais variados recursos para combater esse mal que está ficando cada vez mais sofisticado. Essa é uma guerra no mundo virtual que tem deixado vítimas no mundo real.

Essencialmente, parte-se aqui de três perguntas iniciais, às quais se procurará dar resposta. Em primeiro lugar, perceber de que forma as instituições e os agentes nos quais se compreendem meios de comunicação, jornalistas, plataformas em rede (e.g., Facebook), governos, entre outros – estão a lidar com a questão das falsas notícias? Ou seja, que tipo de soluções e regulações, nomeadamente à nível de políticas públicas, têm sido produzidas com o objetivo de minimizar o efeito de tal fenômeno.

Em segundo lugar pretende-se, também, analisar que outras soluções e estratégias poderão vir ainda a ser propostas, de modo a lidar com esta questão no futuro? Esta seção procurará estruturar de forma sintética os tipos de debates e abordagens gerais que se encontram atualmente em prática, e perceber melhor que tipo de expectativas existem quanto ao futuro das mesmas.

Como resultado de uma construção eclética, a Constituição Federal de 1988 consagra um extenso rol de direitos e garantias fundamentais, os quais em razão da ausência de hierarquia estabelecida a priori, frequentemente colidem entre si. Um dos mais emblemáticos exemplos da sociedade em rede na qual estamos inseridos é o choque entre a liberdade de expressão e informação versus a dignidade humana e o princípio democrático, enquanto valores indispensáveis ao Estado Democrático de Direito.

O impacto das notícias falsas é amplamente potencializado pela possibilidade de serem distribuídas instantaneamente na rede e por direcionar essas notícias para interlocutores individualizados. A personalização da temática é frequentemente exercida através de processos automatizados de decisão que determinarão o público alvo das informações, possibilitando, por exemplo, a conexão direta entre emissores de conteúdos jornalísticos, publicitários e comunidades específicas de interesse, de forma a aumentar a frequência de engajamento dos usuários com o provedor de aplicações. Ao que se refere aos aspectos penais, quando a notícia falsa é divulgada onde o seu autor tem a intenção de ofender alguém, nesse caso pode haver a configuração de crime contra a honra, ou seja, calúnia, injúria ou difamação, de acordo com o que prevê nosso Código Penal. Ainda, de acordo como art. 30 do Dec.-Lei 4.766/42 existe a tipificação do crime de disseminação de informação capaz de gerar pânico ou desassossego público.

No Brasil a Justiça dispõe de poder para julgar e condenar conteúdos difamatórios ou caluniosos, (no caso da Justiça Eleitoral o poder é mais acelerado). O combate imediato às “Fake News” deve ser realizado com a colaboração de toda a sociedade, que deve verificar a informação antes de compartilhá-la ou publicá-la.

Por outro lado, é essencial que, previamente, se contextualize a questão da disseminação desses boatos e do conceito de sociedade pós-verdade, de forma a compreender melhor o que tal significa no contexto atual, com que motivações essas mentiras são criadas e reproduzidas e que influência social e política detêm na sociedade.

E por fim, a questão punitiva. O princípio da legalidade, estabelece que as condutas criminosas devem estar descritas na lei de maneira clara e bem definida, com a respectiva pena cominada de modo a não deixar nenhuma dúvida, uma vez que no Direito Penal só se pune condutas descritas na lei como crime, visto que a elaboração de normas penais ambíguas e carregadas de termos valorativos, viabiliza o descumprimento da lei. Neste sentido, qual seria a definição de “notícia falsa”, no contexto dos projetos de leis já existentes? Na falta de uma definição objetiva, a determinação da veracidade ou falsidade das notícias ficaria a cargo de autoridades policiais e judiciárias, através do exercício de suas convicções pessoais, o que violaria, evidentemente, referido princípio. Devendo por tanto a lei estabelecer claramente o tipo penal e seus elementos a fim de facilitar sua identificação, seu processamento e sua devida punição.

 

Conceito

Fake News são notícias falsas publicadas por veículos de comunicação como se fossem informações reais. Esse tipo de texto, em sua maior parte, é feito e divulgado com o objetivo de legitimar um ponto de vista ou prejudicar uma pessoa ou grupo (geralmente figuras públicas).

As Fake News têm um grande poder viral, isto é, espalham-se rapidamente. As informações falsas apelam para o emocional do leitor/espectador, fazendo com que as pessoas consumam o material “noticioso” sem confirmar se é verdade seu conteúdo. O poder de persuasão das Fake News é maior em populações com menor escolaridade e que dependem das redes sociais para obter informações. No entanto, as notícias falsas também podem alcançar pessoas com mais estudo, já que o conteúdo está comumente ligado ao viés político.

O termo ganhou força mundialmente, em 2016, com a corrida presidencial dos Estados Unidos, época em que conteúdos falsos sobre a candidata Hillary Clinton foram compartilhados de forma intensa pelos eleitores de Donald Trump.

Mesmo com o recente uso do termo Fake News, o conceito desse tipo de conteúdo falso vem de séculos passados e não há uma data oficial de origem. A palavra “fake” também é relativamente nova no vocabulário, como afirma o Dicionário Merriam-Webster. Até o século XIX, os países de língua inglesa utilizavam o termo “false news” para denominar os boatos de grande circulação.

As Fakes News sempre estiveram presentes ao longo da história, o que mudou foi a nomenclatura, o meio utilizado para divulgação e o potencial de persuasão que o material falso adquiriu nos últimos anos. Muito antes de o jornalismo ser prejudicado pelas Fake News, escritores já propagavam falsas informações sobre seus desafetos por meio de comunicados e obras. Anos mais tarde, a propaganda tornou-se o veículo utilizado para espalhar dados destorcidos para a população, o que ganhou força no século XX.

 

2. Você não é capaz de lidar com a verdade: As origens da era pós verdade

“O povo deste país já está farto dos especialistas” a declaração foi impressionante não só pela audácia, mas por quem a proferiu. Michael Gove, então secretário britânico da justiça, era um dos membros mais intelectuais do gabinete de David Cameron, muito eloquente, culto e erudito. De todos os principais defensores do Brexit, ele era a última pessoa de quem alguém esperaria um ataque aos especialistas. Mais foi exatamente isso o que ele fez em um programa de perguntas e respostas sobre o referendo transmitido pelo canal Sky News, em três de junho de 2016. (D’ANCONA, 2018, p. 38)

Meses após o referendo, Gove disse a Andrew Marr, da BBC, que as notícias a respeito de seu comentário foram injustas, que era manifestamente absurdo sugerir que todos os especialistas estavam errados e que ele se referia a uma subcategoria de especialistas, sobretudo economistas, pesquisadores de opinião pública, cientistas socias, que precisam refletir sobre alguns erros que cometeram, da mesma forma que um político como eu refletiu sobre alguns erros que cometeu. (D’ANCONA, 2018, p. 39)

Esse colapso da confiança é a base social da era da pós-verdade: todo o resto flui dessa fonte única e deletéria. Em outras palavras, todas as sociedades bem-sucedidas dependem de um grau relativamente alto de honestidade para preservar a ordem, defender a lei, punir os poderosos e gerar prosperidade. Como Francis Fukuyama observa em seu livro Confiança - as virtudes sociais e a criação da prosperidade, o capital social que se acumula quando os cidadãos cooperam de modo sincero e bem escrupulosos se convertem em sucesso econômico e reduz os custos dos processos judiciais, da regulamentação e do cumprimento dos contratos. (D’ANCONA, 2018, p. 40)

Há muito tempo, os políticos eram objetos de suspeita. No entanto, as alegações de corruptibilidade contra os conservadores na década de 1990 e a acusação de que os governos trabalhistas entre 1997 e 2010 eram todos enrolados e sem substância foi apenas um ensaio geral desse espetáculo nacional extraordinário: por um lado, comédia; por outro, tragédia. Em 1986, apenas 38% dos entrevistados disseram que confiavam que os governos colocavam as necessidades do país acima dos interesses de seu próprio partido político.

Por isso as notícias falsas se tornaram uma questão tão importante, sobretudo no Facebook. Em 2016, entre os embustes mais lidos, destacaram-se: a afirmação de que Obama tinha banido o juramento de lealdade à bandeira nas escolas; O Papa Francisco choca o mundo e endossa Donald Trump para presidente, a notícia de que Tump estava oferecendo passagens só de ida gratuita para a África e o México àqueles que queriam ir embora dos Estados Unidos e o líder do Estado Islâmico pede para os muçulmanos norte-americanos votarem em Hillary Clinton. Os feeds de notícias automatizados fizeram com que centenas de milhares de pessoas lessem no Facebook que a Fox News demitira Megyn Kelly, uma de suas âncoras, por ser uma traidora. (D’ANCONA, 2018, p. 41)

 

2.1 As Fake News: abordagens, políticas públicas e redes sociais.

Com funcionam?

A produção e veiculação de Fake News constitui um verdadeiro mercado. Esse universo é alimentado por pessoas de grande influência, geralmente políticos em campanha eleitoral, que contratam equipes especializadas nesse tipo de conteúdo viral. Essas equipes podem ser compostas por ex jornalistas, publicitários, profissionais de marketing, profissionais da área de tecnologia e até mesmo policiais, que garantem a segurança da sede e dos equipamentos utilizados.

Alguns produtores de Fake News compram ilegalmente os endereços de e-mail e números de telefone celular de milhões de pessoas para “disparar” o conteúdo falso. Existe a preferência por contatos de líderes religiosos ou de movimentos políticos, já que eles repassam aos seus seguidores e pedem que a informação (tida como verdadeira) seja compartilhada.

Nas redes sociais, são criados perfis falsos (com fotos, dados pessoais e publicações diárias) que começam a interagir com outras pessoas para dar veracidade. Depois, os perfis começam a espalhar notícias e vídeos de sites falsos e incentivam seus contatos a fazerem o mesmo.

Os sites que contêm as Fake News, em sua maioria, também são parte da estratégia das equipes especializadas nesse serviço. Os responsáveis pelas informações virais compram domínios de páginas e adotam uma identidade visual semelhante à do alvo (partido político, por exemplo), começam com publicações por vezes verdadeiras e, assim, atraem seu público. Com o ganho de relevância nos sites de busca, os produtores de Fake News passam a publicar informações falsas como se fossem reais.

Os contratantes investem altos valores para que as notícias falsas sejam produzidas e veiculadas de forma sigilosa e sem deixar rastros para possíveis investigações. Existem gastos com alojamento temporário e com produtos como celulares pré-pagos e computadores, os quais são jogados fora após a produção das notícias.

Os pagamentos costumam sair de cartões recarregáveis para que não haja rastreamento. É comum a prática de utilizar o CPF das pessoas a serem difamadas para que os cartões possam ser cadastrados e utilizados. A tática faz com que a vítima que decida investigar a movimentação acabe chegando ao seu próprio documento, impedindo-a de continuar a procura pelos criminosos.

Para evitar a perseguição, os produtores mudam de local constantemente, assim como os profissionais de tecnologia da equipe alteram o IP (tipo de endereço do computador). O conteúdo produzido é guardado nas chamadas “nuvens”.

O alto investimento em tecnologia e a adoção de estratégias para evitar identificação de quem contrata o serviço e das pessoas que o fazem são medidas que dificultam o rastreamento dos disseminadores de Fake News. Além da dificuldade de localizar os culpados, a legislação brasileira não tem uma punição exclusiva para esse tipo de crime. Atualmente, são várias as instituições acadêmicas, políticas e jornalísticas que investigam a questão das fake news. Deste modo, e especialmente nos últimos anos, tem-se dado uma maior atenção às falsas comunicações, à sua reprodução na sociedade, características e possíveis soluções, havendo por isso um maior número de investigações e relatórios por parte de instituições que procuram incidir alguma luz sobre o problema, criando a existência de sites que “filtram” determinadas notícias a fim de buscar sua fonte e por tanto determinar sua veracidade. Tal produção de conhecimento, aliada ao debate público que tem existido em relação a este fenômeno, permite perceber que tipo de abordagens gerais são mais praticadas hodiernamente.

Por mais ridículas que essas histórias possam parecer, elas comandam a crença: em dezembro de 2016, uma pesquisa de opinião do Instituto Ipsos, para o site BuzzFeed, com mais de 3 mil norte-americanos, verificou que 75% daqueles que viram as manchetes das notícias falsas as julgaram como verdadeiras.

No debate público atual, podem ser distinguidas três teses gerais na abordagem ao fenômeno das fake news:

Atuar através de políticas legislativas, de modo a resolver um problema considerado de cariz pública e de presença generalizada;

Permitir que as instituições privadas (e.g., Facebook) resolvam, através de regulação privada, os problemas de desinformação nos seus próprios espaços ou relacionados de algum modo com os seus processos institucionais;

Olhar para a questão das fake news enquanto problema que converge e reforça atitudes e opiniões falaciosas, muitas vezes baseadas em preconceitos, que albergam na esfera pessoal e naquela de grupos que cimentam o seu sentimento de pertença atacando e menosprezando tudo o que representa notícias e conhecimentos oficiais. Isto é, olhando para o problema da desinformação e manipulação das informações do ponto de vista psicossocial. Por outras palavras, há uma parte (minoritária) de indivíduos que não são necessariamente ‘enganados’ por essas notícias, mas sentem-se antes legitimados, por causa delas, em acreditar em fatos de algum modo falsificados. (D’ANCONA, 2018) 

No entanto, é necessário considerar se essa se verifica como a melhor via, na medida em que pode ter implicações na liberdade de expressão dos indivíduos, levantando ademais questões sobre o que e como pode vir a ser considerado fake news.

 

3. Punição

Quais crimes podem ser atribuídos a uma pessoa que cria Fake News? A nossa Constituição Federal salvaguarda a liberdade de expressão, contudo, veda o anonimato, de modo que, uma Fake News sem um perfil real já tem a sua ilegitimidade que pode ser contestada de plano, de modo que, por meio de informação a rede social ou portal efetivada pelo (a) ofendido (a), se a empresa que hospeda tiver um plano de compliance pode ser que elimine o conteúdo da página. No tocante aos aspectos penais, caso a divulgação da notícia falsa seja praticada com ciência do embuste e intenção de ofender alguém, poderá configurar crime contra a honra: calúnia, injúria ou difamação, conforme previsão do Código Penal.

A disseminação de informação capaz de gerar pânico ou desassossego público, por sua vez, é tipificada pelo artigo 30 do Decreto-lei 4.766/42. Provocar alarme, anunciar desastre, perigo inexistente, ou praticar qualquer ato apto a produzir pânico são condutas classificáveis como contravenção penal, nos termos do artigo 41 da Lei de Contravenções Penais. 

Entretanto, se as implicações penais atingem apenas os que, dolosamente, espalham falsidades pela Internet, os efeitos civis podem ser mais abrangentes, alcançando também aqueles que, de forma imprudente, compartilham informações inverídicas. Isto porque, de acordo com o Código Civil, qualquer pessoa que causar prejuízos (materiais ou morais) a outro, ainda que por negligência ou imprudência, comete ato ilícito, passível de responsabilização (pagamento de indenização, multa em caso descumprimento, retratação, etc). 

Ou seja, mesmo que a pessoa não tenha a intenção de causar danos, se não agir com razoável diligência para confirmar as informações que compartilha, em especial aquelas que atribuem fatos ou falas a terceiros, poderá ser chamada a responder por eventuais danos causados.

Atualmente tramitam no Congresso Nacional 26 projetos de lei que pretendem combater a disseminação das fake news, a maior parte com um viés de maior criminalização, com punições mais severas que não sabemos ainda se é o caminho. Pessoas comuns como nossos familiares e conhecidos que compartilham as fake news sem saber, não podem ser julgadas da mesma forma daqueles que inventam e propagam fatos inverídicos intencionalmente.

Quem divulgar notícias que souber serem falsas sobre assuntos relacionados a saúde, segurança pública, economia nacional, processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante poderá ser punido com penas de detenção ou reclusão. É o que prevê o Projeto de Lei do Senado 473/2017, que aguarda a designação de relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

O projeto de lei, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), estabelece pena de seis meses a dois anos de detenção no caso da simples divulgação das chamadas “fake news”. Caso essa divulgação seja feita por meio da internet, a pena passa a ser de reclusão de um a três anos. Se a prática visar à obtenção de algum tipo de vantagem, a pena poderá ser aumentada em até dois terços.

 

3.1 Implicações Jurídicas

Há situações em que as notícias falsas têm como alvo pessoas específicas e, nesses casos, elas podem constituir os crimes de calúnia, injúria ou difamação, já previstos no Código Penal. Entretanto, há casos em que o dano da fake news não pode ser individualizado, mas atinge o “direito difuso de a população receber notícias verdadeiras e não corrompidas”. O objetivo do projeto é coibir esses casos, que ainda não estão previstos na lei.

Assim como a Justiça Eleitoral vem se preparando para combater este tema, que foi um dos mais importantes desafios das eleições gerais de 2018, os procuradores eleitorais também devem ter noção de como agir no caso de eventuais denúncias, por exemplo, como a criação de milhares de perfis falsos em favor de um determinado candidatado às eleições gerais ou à ideologia de um determinado partido político. Normalmente, as notícias falsas são criadas intencionalmente por algum motivo seja ele político, econômico ou ideológico. (D’ANCONA, 2018)

Em geral, divulgar boatos não é um ato criminoso, desde que o boato não caracterize os delitos de calúnia, difamação e injúria, previstos no Código Penal. Há também a possibilidade de a notícia caracterizar crime de racismo, previsto no art. 20, § 2º, da Lei 7718/89.

O Código Eleitoral prevê como crime a conduta de divulgar fatos inverídicos que possam influenciar no eleitorado, tipificando, também, de forma especial, os crimes de calúnia, difamação e injúria no âmbito eleitoreiro. Mas estes tipos estão atrelados ao ambiente da propaganda oficial dos candidatos. (SENADO FEDERAL, 2018).

Mas a experiência nos mostra que a ameaça mais séria das fake news não deve vir da propaganda oficial dos candidatos na internet, mas sim da multiplicação de postagens de perfis fakes, dos quais, devido sua origem duvidosa torna-se difícil achar e punir os culpados. Neste caso, desvinculados do contexto da propaganda, o enquadramento típico será o de crime comum e a competência, da justiça federal comum, e não eleitoral. Já no âmbito estrito do Direito Eleitoral, a conduta de divulgar boatos pode caracterizar ilícitos eleitorais graves, aptos a comprometer o equilíbrio e a lisura do pleito. No ambiente aberto das redes sociais, não será surpresa se o período eleitoral incentivar o discurso de ódio e a mentira como ferramentas ilícitas da polarização que se apresenta, incidindo em diversas infrações eleitorais, utilizando-se das pessoas como fantoches de um sistema muito maior, robotizado e multiplicado, que além de dar à sociedade uma falsa sensação de massificação de ideias criando um certo consenso direcionado propositalmente. (SENADO FEDERAL, 2018).

Neste contexto, a caracterização do ilícito do uso indevido dos meios de comunicação social, tradicionalmente atrelado às mídias convencionais, merecerá um novo enfoque, a possibilitar o enquadramento típico e atuação do Ministério Público Eleitoral, para abranger a divulgação de notícias falsas pela Internet. Seja por pessoas físicas, seja quando envolverem, ainda que indiretamente, instituições religiosas, sindicatos e pessoas jurídicas em geral. (MERELES, 2018).

A constatação de que houve pagamento para impulsionamento de postagens contendo fake news deve caracterizar, de plano, o ilícito de abuso de poder econômico. Em ambas as hipóteses, uma vez indiciada a anuência do candidato, justifica-se a propositura da medida judicial tendente à cassação do registro ou do diploma, conforme o caso. Para tanto, será necessário instaurar o procedimento de investigação o quanto antes, para a coleta dos elementos necessários. O primeiro passo para se investigar uma notícia falsa divulgada na Internet é a identificação do provedor de aplicações de internet (Facebook, Twitter, Youtube/Google, Whatsapp, site na web, etc.), que publicou aquela notícia falsa/criminosa, e essa identificação é feita nos sites do www.registro.br ou whois (informa se provedor está no exterior), se não for de fácil percepção. (MERELES, 2018).

Em seguida, deve ser solicitado junto ao provedor de aplicativo identificado a preservação de todos os elementos referentes àquela publicação falsa/criminosa (com identificação do nome da URL4 ou ID5 correta do perfil, de um grupo; de um vídeo etc.). Essa identificação exata é essencial para que a empresa de internet identifique corretamente nos seus serviços a publicação, que está sendo pedida preservação, e o correspondente usuário, que a publicou. Não é suficiente o nome do Perfil, por exemplo, no caso do Facebook ou envio de uma imagem, obtida com um snapshot da tela. A correta identificação da publicação é o maior entrave para o início de qualquer investigação na Internet, pois sem a URL ou ID, a empresa não tem como localizar o perfil, site ou grupo. O pedido de preservação da notícia pode ser feito diretamente pelo Ministério Público ao provedor de aplicações de Internet porque não se está pedindo qualquer dado, apenas solicitando que a empresa preserve aquela publicação e seus dados respectivos para posterior envio de uma ordem judicial. Esse pedido deve ser feito o mais breve possível, porque muitas vezes, o usuário a retira logo da Internet e sem a publicação e sua identificação não é possível iniciar uma investigação. (AMARAL, 2015)

Os grandes provedores de aplicativos à Internet, que prestam serviços no país, como Facebook e Twitter, comunicaram que estão se preparando para as eleições gerais no Brasil, dizem que deletam perfis falsos, fazem campanhas sobre fake news e colaboram com as autoridades. É necessário também o aperfeiçoamento de ferramentas no próprio aplicativo, que identifiquem os robôs, utilizados para propagar fake news em seus serviços. (AMARAL, 2015)

Por que as notícias falsas são amplamente divulgadas, pode-se pensar pela rápida propagação que ganham na internet, especialmente em grupos do Whatsapp. Talvez tenha explicações psicológicas para o fato das pessoas querem contar uma novidade, especialmente sobre algo que já se entende previamente como correto, na bolha que se forma em sua proximidade, operando uma espécie de validação digital. (AMARAL, 2015)

Neste cenário, mais uma vez a educação do internauta tem papel fundamental. Se entendermos que a censura é algo a ser evitado, cabe então, a cada cidadão exercer seus direitos na Internet com bom senso, fazendo com que os boatos minguem ao esbarrar em mentes prudentes. 

Os provedores de aplicações, ademais, precisam fazer a sua parte. Embora alguns até possuam mecanismos para a contenção de material ardiloso, providências técnicas vigorosas devem ser disponibilizadas aos usuários e anunciantes (que podem ter a imagem manchada pela associação indireta com este tipo de prática) para desincentivar o mercado negro de produção de fake news. É necessário separar o joio do trigo e fulminar as vantagens econômicas advindas de audiência às notícias fake, para que a finalidade social da rede, registrada pelo Marco Civil da Internet, seja viabilizada. 

A imprensa também tem a sua tarefa: o resgate da credibilidade, na era da crise da informação, carece do comprometimento dos veículos de comunicação social. Considere-se, ainda, que a lei 13.188/15, disciplinando o direito de resposta, repudia claramente conteúdos atentatórios à honra, intimidade, reputação, nome, marca ou a imagem de pessoas e empresas.   

Finalmente, o poder público não pode se esquivar: o Marco Civil da Internet estabelece ser dever do Estado a capacitação para o uso seguro, consciente e responsável da Internet.  

Ao que parece, portanto, somente a concatenação urgente de medidas técnicas, sociais e políticas poderá preservar a reputação da Internet como, preponderantemente, uma fonte saudável de informação e conhecimento. Afinal, “cientistas confirmam método 100% eficaz: a atuação conjunta da Sociedade pode diminuir a incidência de notícias falsas.

 

4. Marco Civil da Internet

A primeira iniciativa brasileira no combate à veiculação e disseminação de notícias falsas encontrava-se na Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 09/02/1967), declarada pelo Supremo Tribunal Federal como não recepcionada pela Constituição de 88, nos termos da ADPF 130-7/DF, da relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto.

Precisamente em seu artigo 16, a referida Lei criminalizava a conduta de “publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem: I – perturbação da ordem pública ou alarme social; II – desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica; III – prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município; IV – sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro. Pena: De 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção, quando se tratar do autor do escrito ou transmissão incriminada, e multa de 5 (cinco) a 10 (dez) salários-mínimos da região. (...).

Hodiernamente, tem-se o Marco Civil da Internet, que ocorreu com a edição da Lei nº 12.965/14, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. No que se refere ao presente estudo, o artigo 19 da Lei que instituiu o Marco Civil da Internet traz importante norma referente ao combate e à disseminação de informações falsas:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1° A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

§ 2° A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5° da Constituição Federal.

§ 3° As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.

§ 4° O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3°, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. (BRASIL, 2011)

Embora não seja uma visão partilhada por todos, o Marco Civil representa uma grande evolução na regularização. E não estamos dizendo que com isso perderemos liberdade. Na verdade, a lei veio para garantir justamente que esta liberdade não seja enfraquecida ou ignorada pelas grandes corporações.

O Brasil é um dos países que mais utilizam a rede mundial de computadores, e o Marco nos coloca em patamares parecidos com o Chile e a Holanda, que já possuem leis parecidas. A criação da lei, que já foi elogiada pela ONU e pelo próprio criador da internet, Tim Berners-Lee, pode se tornar um importante mecanismo de defesa contra danos à privacidade dos internautas, além de garantir também, que cada um tenha responsabilidade por aquilo que publica e compartilha.

Os usuários saberão exatamente o que esperar do ambiente online, tanto no que diz respeito aos seus dados, quanto à consequência de suas atitudes online. De qualquer maneira, essa lei pode ser apenas o primeiro passo de algo maior, já que é a primeira lei do tipo no país.

Com a aprovação do Marco da Internet veio à proibição do marketing dirigido. De que maneira? As empresas não poderão mais utilizar os dados de seus clientes e usuários em estratégias com fins comerciais. A decisão atinge principalmente gigantes como Google e Facebook, que formam bases de dados com informações dos usuários para lhes enviar anúncios e propagandas que sejam pertinentes com suas buscas, comentários e curtidas.

Todos os itens dizem respeito direto ao internauta, mas este último atinge em cheio os últimos escândalos sobre o sigilo que as empresas de internet mantêm sobre seus dados, e o uso que fazem deles. De acordo com o item sobre sigilo e privacidade, as empresas só poderão guardar os dados dos usuários durante o período de seis meses, e desde que isso esteja especificado em contrato aceito pelo usuário. Na era digital, é preciso chamar a atenção do leitor para conseguir o clique. Isso faz com que até veículos idôneos, como grandes jornais, usem um artifício conhecido como “clickbait”. Trata-se da criação de um título apelativo e que, muitas vezes, deixa dúvidas sobre a interpretação, para não correr o risco de propagar mentiras ou notícias distorcidas, sempre vá além do título. Abra a matéria, leia o que está escrito e veja se o tópico inicial tem a ver com a sua interpretação. Assim, não corre o risco de ser enganado pela manchete.

De um modo geral, a quem cria uma Fake News, serão aplicados o Código Penal, o Código Eleitoral, o Marco Civil e a Constituição Federal, com um julgamento judicial, dependendo do conteúdo incorrerá o criador nos crimes contra a honra de calúnia, injúria e difamação que contem no Código Penal (138 a 140) e os seus correspondentes também no Código Eleitoral (324 a 326).

No âmbito eleitoral, a Lei 12.891/13, em seu artigo 57-H, § 1°, reza que: “Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ”.

Conquanto a Lei Eleitoral, desde a sua edição original, tenha previsto o direito de resposta ao candidato ofendido por conceito, imagem ou afirmação sabidamente inverídica, apenas em 2009 passou a norma a contemplar a suspensão do acesso a conteúdo eleitoralmente ilícito veiculado na Internet.

O Projeto de Lei 6.812/2017, de autoria do deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), pretende instituir como crime a ação de quem ‘divulgar ou compartilhar, por qualquer meio, na rede mundial de computadores, informação falsa ou prejudicialmente incompleta em detrimento de pessoa física ou jurídica’.

 

5. Por que as pessoas compartilham?

Segundo levantamento feito por veículos de comunicação, como  o jornal Folha de São Paulo, as páginas de Fake News têm mais participação dos usuários de redes sociais do que as de conteúdo jornalístico real. De 2017 a 2018, os veículos de comunicação tradicionais apresentaram queda de 17% em seu engajamento (interação), enquanto os propagadores de fake news tiveram um aumento de 61%.

Para legitimar as Fake News, as páginas que produzem e divulgam esse tipo de informação costumam misturar as publicações falsas com a reprodução de notícias verdadeiras de fontes confiáveis. Outro problema presente nas redes sociais são as chamadas sensacionalistas que induzem ao erro. Quem deseja espalhar um boato pode retirar de contexto um dado ou declaração para usar em seu título ou no texto de sua postagem.

O processo de disseminação atual de informações falsas combina dois fatores específicos: o primeiro é que o boato, que sempre existiu, passou a ganhar a forma de “notícia” para aparentar credibilidade. Possui manchete, aspas de supostos entrevistados, foto e legenda que fazem parecer que aquele determinado conteúdo passou pelo crivo da apuração de profissionais. O segundo fator é a emergência, desde 2016 ou pouco antes, do que ele chamou de sites “super engajados” ou “hiper partidários”, que passaram a utilizar essa mesma formatação clássica da notícia para transmitir conteúdos opinativos.

A notícia falsa vem do fato de parecer ter passado por apuração jornalística. Os boatos assumiram a forma noticiosa, uma espécie de simulacro de jornalismo.  Com a perda de credibilidade dos veículos tradicionais e o ambiente das redes sociais que se transformaram em arenas de disputa política, cada notícia, falsa ou verdadeira, serve como uma bomba lançada contra o grupo rival.

Já se tem informações que os usuários mais radicais, que só interagem com veículos do seu próprio campo político, correspondem a menos de um quinto da audiência, mas, mais ativos, são suficientes para conflagrarem as discussões. Quando o usuário abre a sua rede social, ele vê esse fogo cruzado. O resultado é uma desinformação generalizada.

“O viés de confirmação” é a disposição de aceitar mais facilmente argumentos que corroboram com aquilo que a pessoa já pensa, duvidando apenas dos discursos que contrariam as próprias certezas. Estudos apontam, inclusive, que são justamente os mais radicalizados, em ambas as pontas do espectro político, os mais sujeitos a compartilharem notícias falsas. Tirando isso, o fenômeno incide de maneira mais ou menos homogênea em relação a classe social, sexo, nível de renda ou de instrução.

Outro ponto essencial é conhecer a origem da informação. Se você recebeu aquela “bomba” pelo WhatsApp, desconfie antes de acreditar. Se não for possível achar o fato em um site reconhecido, é provável que seja mentira. Também não é porque a notícia tem um link que ela é verdadeira.

Hoje, há redes coordenadas de sites que parecem informativos, mas que, na verdade, criam fatos e mentiras. Novamente, o dado deve aparecer em, ao menos, uma fonte de reconhecimento, como jornais de circulação nacional e portais de conteúdo.

Acima de tudo, a melhor arma para detectar as fake news e combatê-las é por meio do seu senso crítico. Textos jornalísticos não aparecem com termos apelativos como “veja isso”, “chocante”, “o que eles não querem que você saiba” e assim por diante.

Em produções sérias, especialistas são nomeados e é possível comprovar datas, locais e fatos, por meio de documentos. Por outro lado, textos vagos que iniciam com|: “dizem por aí”, “boatos afirmam” e outros não são válidos — a menos que haja um trabalho de apuração por parte do jornalista com informantes confiáveis.

Uma notícia pode ter vários lados, então não acredite em apenas uma versão. Busque outras fontes e posicionamentos para conseguir distinguir as mentiras do que é verdadeiro. E lembre-se: não é porque você não concorda com o fato que se trata de uma falácia.

 

6. Procedimento de identificação de fake news

Antes de penetrar na análise do tratamento jurídico das notícias falsas, igualmente importante é conhecer os parâmetros de identificação das mesmas, principalmente de maneira a manter intacto, os princípios da Liberdade de Imprensa e de Opinião, mandamentos já há muito consagrados no texto constitucional (art. 5.º, incisos IV e IX; art. 220 e ss. da CF).

Em termos legais, o problema das fake news se dá quando ocorre um conflito de direitos. Tais conflitos são produzidos entre a informação transmitida e os direitos fundamentais das pessoas afetadas por dita informação, principalmente a honra e a intimidade. A jurisprudência espanhola desenvolveu amplamente os critérios de ponderação para nossos dias. Na verdade, podemos inclusive retomar uma decisão do Supremo Tribunal de 1912, que resolvia um conflito provocado por uma notícia – falsa –, publicada pelo jornal El Liberal, divulgando que um frade havia sequestrado a filha do prefeito e que esta, meses antes, havia dado à luz a um filho seu. O Supremo Tribunal, em termos próprios da época, já declarava que o jornal, por meio da publicação de uma informação que se provou falsa, havia caluniado a jovem filha do prefeito, causando-lhe um dano moral. (LEONARDI, 2011, p. 60)

 

7. Educação e mecanismos de combate

Os destaques, nesta área, são para as iniciativas que buscam educar o cidadão – como os manuais Sobrevivendo nas Redes, desenvolvido pelo InternetLab, e Internet, Democracia e Eleições, lançado pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br) –, para evitar que fique exposto à difusão de mentiras nas redes, pois, trata-se de um fenômeno que vai continuar a ocorrer por muito tempo, até que todos os atores da sociedade – provedores, veículos tradicionais, poder público e terceiro setor – estejam mais conscientes.

Já é ponto pacífico entre os profissionais da comunicação que também é preciso “educar para os meios”, para que as pessoas leiam o noticiário e saibam identificar o que não é notícia. Em linha parecida com os critérios de “super engajados” ou “hiper partidários”, a necessidade de se estabelecer uma diferença entre midiativismo e jornalismo, algo que estaria também na origem, em 2013, da confusão que criou terreno fértil para o fortalecimento das fake news. 

As notícias falsas vêm mudando a rotina das redações. Antes, o fato absurdo, quando confirmado como inverídico, era descartado. Hoje, o boato ganha apuração justamente para ser desmentido e, assim, alertar o público. É extremamente necessária a participação dos grandes veículos, inclusive canais de televisão, no esforço de checagem – com ferramentas como o Comprova – justamente porque o boato, quando surge, tem uma capacidade muito grande de propagação, precisando de uma reação com proporções semelhantes.

O combate às Fake News é algo ainda muito difícil. Os mecanismos de produção e veiculação das falsas informações são muito eficientes e escondem a identidade dos criminosos. Para o usuário da internet, o importante é conseguir identificar uma notícia falsa ou sensacionalista e não compartilhar conteúdo duvidoso. Agências de jornalismo especializado são uma ferramenta útil para saber se um conteúdo é Fake News ou não.

A Agência Lupa é uma criação da Revista Piauí com a Fundação Getúlio Vargas e com a rede Um Brasil. Lançada em 2015, o site analisa conteúdo nacional e internacional e classifica-os em: verdadeiro; verdadeiro, mas…; ainda é cedo para dizer; exagerado; contraditório; insustentável; falso e de olho.

O Boatos.org é um site formado por vários jornalistas brasileiros que investigam conteúdos que circulam nas redes e informam aos leitores se são verdadeiros ou falsos.

Outra agência especializada em desvendar Fake News é “Aos Fatos”. Seus criadores fazem parte de uma rede internacional de investigadores e trabalham com a análise dos assuntos mais populares da internet. O site possui uma parceria com o Facebook para ajudar os usuários do Messenger (serviço de mensagens instantâneas da empresa) na navegação e identificação da veracidade dos posts. As notícias são definidas pela equipe como verdadeiras, imprecisas, exageradas, contraditórias, insustentáveis e falsas.

 

8. CONCLUSÃO

Como resultado da emergência das mídias sociais face às atividades jornalísticas, notamos o crescimento de novas práticas reconhecidas como notícias falsas. Provocados por importantes acontecimentos no cenário político mundial e nacional, percebemos que a disseminação das notícias falsas influencia fortemente a formação da opinião pública, principalmente quando originária de pessoas de grande influência perante a sociedade. Aliado a isso, percebemos que a discussão sobre as notícias falsas está relacionada tanto à credibilidade jornalística quanto aos novos modelos de produção da comunicação pública.

O que possibilitou a versão moderna das fake news, ou a desinformação, foi o crescimento explosivo das redes sociais. Em seus primórdios, usuários do Twitter diziam que a rede se filtrava automaticamente porque havia notícias falsas, mas a comunidade as derrubava rapidamente. Mas agora, com a automação e os robôs, a rede foi sobrecarregada. Há mais pessoas checando dados, mas em uma escala muito avançada é difícil ou quase impossível de conter.

O que fazer então? A checagem de notícias funciona, mas uma solução automatizada não é a única resposta. A conclusão de especialistas que é não estamos nem perto de resolver o problema. O que se pode fazer é ajudar as pessoas, os jornalistas, a identificar alegações suspeitas e a acessar mais rapidamente os dados que precisam verificar. Nem todas as instituições de checagem de notícias no mundo juntas serão capazes de derrotar sozinhas as notícias falsas. E embora haja dúvidas sobre a eficácia da checagem de dados, esse trabalho tem um impacto importantíssimo.

É necessário que as grandes figuras públicas e corporações ligadas a máquina da política eleitoreira sejam de forma mais eficaz monitoradas, quanto às suas ações para se manterem ou retomarem o poder, no sentido de resguardar a população e as notícias propagadas, a fim de que estes não sejam usados como massa de manobra para atender aos interesses desses ou daqueles.

Assim o fenômeno das fake news parece estar essencialmente dividido em três abordagens gerais e distintas: Criar leis através de políticas legislativas para resolver um problema considerado público; Exigir que as instituições privadas e.g., Facebook resolvam os problemas de desinformação nos seus próprios espaços ou relacionados de algum modo com os seus processos institucionais de regulação privada; Olhar para a questão das fake news de uma forma mais centrada na cidadania e implicando uma aposta no maior entendimento da própria  população, ensinando o povo a desconfiar, averiguar a procedência e confirmar a fonte de uma informação antes de repassá-la, criando assim um novo costume e uma nova forma de comportamento. Considerando que a desinformação promove manipulação de uma grande parte da população, sendo que as fake news são essencialmente utilizadas como um reforço das próprias ideologias e ideias pré-concebidas, deliberadamente instadas a fazer com que os comandados pensem e ajam como querem os que comandam.

Entende-se que devem ser punidas as pessoas e as empresas que criam fatos falsos com intenção de se promover e concomitantemente causar danos a seus desafetos e a seus concorrentes, no entanto nossa legislação ainda engatinha no que tange à concretude dessas responsabilizações. O que precisa existir são mecanismos mais céleres e bem definidos, normatizados especificadamente para se chegar a uma real punição. Agora, no que tange a riscos de censura se entende que não ocorrerá por essa via, mas poderá eventualmente ocorrer em situações isoladas que, na própria legislação possibilitará a sua solução perante o Judiciário.

Finalmente, a liberdade de expressão, direito de informação e vedação da censura devem prevalecer em prol de interesses afeitos a toda uma coletividade, como conscientizar a população sobre temas de relevância mundial, na construção de valores globais ou denunciar abusos, publicizar escândalos políticos e combater fraudes. Entretanto, a liberdade de expressão deve-se sempre priorizar e utilizar-se dos meios legais, afastando meios escusos que tenham como único (ou principal) intuito difamar, injuriar ou prejudicar alguém, sem que tal externalização represente um acréscimo relevante de conhecimento ou civilidade ao coletivo.

 

5. REFERÊNCIAS

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 187. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, DF. DJ: 15/06/2011.

BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de Expressão, Censura e Controle da Programação de Televisão na Constituição de 1988, in Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001.

BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Turim, Itália: 1992. Trad. Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Ed. Campus, 1990

CARVALHO, Luís Grandinetti. Liberdade de Informação e o Direito Difuso À Informação Verdadeira. Rio de Janeiro: Ed. Renovar: 1997.

D’ANCONA, Matthew. Pós-verdade/Matthew D’Ancona; tradução Carlos Szlak. Barueri: Faro Editorial, 2018.

HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, 1998.

LEONARDI, Marcel. Tutela e Privacidade na Internet. São Paulo: Saraiva, 2011.

MERELES, Carla. Atualização: 01/11/17. Notícias falsas e pós-verdade: o mundo das fake news e da (des)informação. Disponível em: http://www.politize.com.br/noticias-falsas-pos-verdade/. Acesso em: 22/08/19.

MEYER-PFLUG, Samanta Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso de ódio. São Paulo Editora RT: 2009.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: Tomo IV- Direitos Fundamentais. Coimbra: Editora Coimbra, 2008.

SENADO FEDERAL. Imagem na página do Facebook do Senado Federal. Atualização: 01/02/18. Disponível em: https://www.facebook.com/SenadoFederal/posts/2063608046988373. Acesso em: 22/08/19.

PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: Liberdade de Informação, Privacidade e Responsabilidade. São Paulo: Atlas, 2014.

Data da conclusão/última revisão: 30/9/2019

 

Como citar o texto:

CÂNDIDO, Affonso Antônio; PEREIRA, Lilia dos Santos..As fake news numa sociedade pós verdade na política brasileira. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1657. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-eleitoral/4571/as-fake-news-numa-sociedade-pos-verdade-na-politica-brasileira. Acesso em 9 out. 2019.

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