1. INTRODUÇÃO

 

Com o recrudescimento na Baixa Idade Média, os empresários foram se articulando e formando corporações de ofício, de modo que foram unificando o tratamento normativo referente à empresa, uma vez que existia uma grande fragmentação política na Europa que impedia a atuação das empresas.

Desse modo, as corporações de ofício induziram a formação dos Estados unitários, o que facilitaria a atuação das empresas e o tratamento normativo de todas as atividades comerciais.

Esta lógica continua a funcionar até os tempos hodiernos, que trabalham com a ideia de uma união de Estados para fortalecê-los economicamente, como demonstra a atuação da União Européia e o Mercosul, estreitando, dessa forma, os laços entre as empresas, sociedade e Estado.

Frente ao exposto, o presente trabalho consiste em discutir o novo paradigma da função social da empresa tendo como fonte primária a Constituição Republicana de 1988, levando-se em consideração duas correntes que partem de pressupostos distintos.

De um lado, uma corrente, que leva em consideração apenas aspectos do Direito Empresarial, entende que a função social da empresa tem um campo de atuação mais restrito, de modo que o aspecto social da empresa é tratado de forma técnica, com enfoque nos conceitos do Direito de Empresa. De outro lado, uma corrente defende que a empresa tem um papel fundamental no desenvolvimento da sociedade e do Estado, influenciando diretamente na manutenção daquela.

Todavia, mesmo com a necessidade do Direito Empresarial de regulamentar grande parte das relações privadas, principalmente no que tange ao Direito de Empresa, deve-se ampliar o conceito e a compreensão da função social da empresa, englobando aspectos externos ao direito como, por exemplo, os aspectos sociais e de desenvolvimento de uma sociedade, conforme será demonstrado.

2. FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA SEGUNDO A ÓTICA EMPRESARIAL

Empresa, a grosso modo, é a atividade exercida pelo empresário. Para ser considerado empresário, ou seja, exercer a atividade empresária exige-se os seguintes requisitos segundo a melhor doutrina: organização dos trabalhos, produção ou circulação de bens ou serviços, o profissionalismo e a atividade econômica.

Nesse sentido, explica a clássica doutrina de Fran Martins:

Entende-se por comerciante a pessoa natural ou jurídica, que, profissionalmente, exercita atos de intermediação ou prestação de serviços com intuito de lucro. Os atos praticados pelos comerciantes, no exercício de sua profissão, são denominados atos de comércio (...).

Com a evolução a evolução da importâncias das empresas no exercício das atividades comerciais, os comerciantes são considerados empresários, isto é, os chefes das empresas (Código Civil italiano, de 1942, art. 2.086). Tendo-se em conta que é considerado empresário “quem exerce profissionalmente a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços” (Código Civil – art. 966), vê-se que o campo de atuação do comerciante foi ampliado com o conceito de empresário, pois se no Direito tradicional o comerciantes era um simples intermediário, no novo Direito as atividades de empresa podem ser de produção. (MARTINS, 2005, p. 83).

A organização dos trabalhos, em posição majoritária de Arnoldo Wald, é caracterizada pela organização dos fatores de produção pelo empresário, que são divididos em três categorias: o capital (aspecto econômico), o trabalho e a atividade.

A produção de circulação de bens ou serviços deve ser direcionada ao mercado, ainda que o mercado seja constituído por um único tomador. Por sua vez, o profissionalismo é a qualidade em que o empresário, pessoa natural ou jurídica que exerce com habitualidade, em nome próprio, uma atividade, extraindo dela as condições necessárias para se estabelecer e se desenvolver.

A atividade econômica engloba o animus lucrandi, ou seja, a intenção de lucro. Verifica-se que o lucro nem sempre é obrigatório para caracterizar a atividade empresária, motivo pelo qual existem institutos como a Falência e Recuperação de Empresas (Lei 11.101/05). Por sua vez, a intenção de lucro é obrigatória, uma vez que é inerente a atividade empresária.

A sociedade empresária tem por objeto o exercício de atividade própria do empresário, de modo que seus diversos tipos societários são caracterizados de acordo com a análise de dois aspectos: o modo como se dá o fracionamento do capital social e a forma pela qual se dá a responsabilidade dos sócios.

Partindo do raciocínio que uma das características inerentes da atividade empresária é a intenção de lucro, sob a ótica de uma perspectiva mais estrita, constata-se que a função social de uma empresa é tão somente gerar lucros para seus sócios e redistribuí-los a quem de direito, tendo em vista o modo pela qual o capital social da sociedade é fracionado.

Ressalta-se que é uma visão um tanto quanto estrita, uma vez que somente são levados em consideração conceitos e pressupostos relacionados à atividade empresária, visando o seu pleno desenvolvimento, não considerando outros aspectos se não as características próprias da autonomia privada e do Direito Empresarial, não havendo, portanto, relação de interdependência direta com fatores externos a atividade empresária.

3. O NOVO PARADIGMA DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

A sociedade moderna possui características das mais diversificadas sendo que, dentre essas, verifica-se a complexidade dos relacionamentos existentes. Entre as diferentes relações podem ser citadas as Estado-administrado, Estado-Estado, administrado-administrado etc.

O novo paradigma da função social da propriedade está contido no Título VII, da Ordem Econômica e Financeira, previsto no art. 170, II, III e IV, da Constituição da República de 1988, que assim dispõe:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (grifei)

Com o advento da CR/88, surge uma nova interpretação da função social da propriedade que repercutiu no novo paradigma da função social da empresa dentro da sociedade. Com esse novo entendimento, o Estado deve buscar dentro da livre iniciativa e da função social da propriedade a valorização do trabalho humano. Como consequências, surgem reflexos dentro de outros micro-sistemas brasileiros, citando-se, por exemplo, a função social do contrato no direito civil e a proteção ao consumidor.

Quanto maior o nível de desenvolvimento de sua sociedade, maior a interdependência dos diversos setores atuantes, criando laços mais estreitos em relação às atividades desempenhadas por cada setor.

Partindo desse pressuposto e interpretando o art. 170, II, III e IV, da CR/88, através de uma perspectiva ampliada, considera-se que os mencionados dispositivos e seus incisos tratam não apenas da perspectiva do Direito de Empresa, mas de todo complexo de relações entrelaçadas que envolvem a empresa, conjugando os interesses dos empreendedores, dos empregados, fornecedores, sócios, credores, Estado, consumidores, etc.

Nesse sentido, explica a Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Fátima Nancy Andrighi:

Assim, a organização empresarial deixa de ser vista como mera criatura, feita a imagem e semelhança do empresário, para ser encarada como um complexo múltiplos de interesses. A atividade empresarial não pode se desviar de sua função social, ou seja, não deve ser exercida pelo empresário em seu exclusivo interesse. Por isso sancionam-se atos lesivos ao interesse de credores, consumidores e da sociedade. Ora, na medida em que pode favorecer a pluralidade de agentes que com ela se relacionam, a organização empresarial torna-se um bem em si mesma, devendo ser conservada. (ANDRIGHI, 2009, p.491).

A interdependência entre Estado, empresa e sociedade é cada vez mais intensa. A título de exemplo, cita-se a atual crise financeira mundial, que teve como origem a crise financeira imobiliária nos Estados Unidos onde, devido aos juros baixos, houve uma grande venda e especulação desenfreada de imóveis. Ocorre que, quando os juros foram elevados no ano de 2008 pelo FED (Banco Central Americano), os compradores de imóveis e as empresas do setor imobiliário não conseguiram cumprir seus compromissos contratuais, gerando uma grande crise em cascata, que posteriormente se alastrou para o mundo.

Não se pode tratar a empresa como uma mera coadjuvante dentro do desenvolvimento pleno de uma sociedade. Através dela, a economia se desenvolve, e, consequentemente, empregos são criados, tributos são devidos ao Estado que direcionará o valor arrecadado, para a prestação de serviços e utilidades públicas, melhora-se a qualidade de vida e o poder aquisitivo da classe baixa e média, fortalece-se a economia e cria-se maior segurança para investimentos no país estabelecendo, dessa forma, desenvolvimento amplo, não se restringindo apenas ao setor empresarial.

4. CONCLUSÃO

Com a evolução da sociedade e do Direito como Ciência, a discussão travada e relação a divisão dos ramos do Direto Público e do Direto Privado torna-se cada vez mais intensa. Apesar da atividade empresarial e dos estudos da sociedade empresária serem objetos de estudo predominantemente do Direito Privado e, em especial do Direito Empresarial, tal distinção na prática encontra-se em uma linha tênue, haja vista, conforme foi demonstrado, que atos relacionados ao Direito Privado pode ter reflexos diretos na esfera do Direto Público.

Não restam dúvidas que, com o novo paradigma construído pela CR/88, a função social da empresa não está adstrita apenas em gerar lucros e reparti-los a quem de direito.

A função social da empresa foi ampliada, alcançando outros sujeitos nas suas relações, adquirindo papel fundamental na manutenção e no desenvolvimento regular do Estado e da Sociedade. Com desenvolvimento do ramo empresarial, torna-se evidente que existem, proporcionalmente, avanços na área social como a criação de empregos, fomento de obras públicas com recursos provenientes de tributos arrecadados pelo Estado, demonstrando, dessa forma, que o desenvolvimento da atividade empresária está diretamente relacionado com o desenvolvimento da sociedade e do Estado.

5. REFERÊNCIAS

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BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação de empresas e falência. 3. ed. São Paulo: RT, 2005.

CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e recuperação de empresas. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Temas de direito societário, falimentar e teoria da empresa. São Paulo: Malheiros, 2009.

GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

GONTIJO, Vinícius José Marques. Responsabilização no direito societário de terceiro por obrigação da sociedade. Revista dos Tribunais 854/38.

ANDRIGHI, Fátima Nancy. Da Falência. In: LIMA, Osmar Brina Corrêa; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa (Cood.). Comentários à nova lei de falência e recuperação de empresas: Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 491.

MARTINS, Fran. Curso de Direito Empresarial. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar: falência. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

VALVERDE, Trajano de Miranda; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS, Paulo Penalva. Comentários à lei de falências. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

 

Data de elaboração: marco/2011

 

Como citar o texto:

MENDES, Frederico Ribeiro de Freitas..A Concretização da função social da empresa pela sua atividade fim . Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-empresarial/2272/a-concretizacao-funcao-social-empresa-pela-atividade-fim-. Acesso em 24 jun. 2011.

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