INTRODUÇÃO

Há muito tempo o direito internacional vem sofrendo progressos quantitativos, o enriquecimento das normas internacionais acelera-se e racionaliza-se com o processo de codificação e a generalização das convenções nos diferentes ramos do direito internacional. As relações não são mais unicamente bilaterais. Fala-se em uma comunidade internacional, com sujeitos com seus interesses juridicamente protegidos, que podem praticar ações, reclamar e fazer valer os seus direitos.

Os comportamentos daqueles que convivem na ordem internacional podem estar de acordo ou não com as normas jurídicas que a rege. Neste último caso, um ato que transgride o ordenamento jurídico internacional, consiste em um ato ilícito internacional e é cometido pelos chamados sujeitos de direito internacional, ou seja aqueles com personalidade jurídica internacional.

Estas condutas infratoras são lesivas a direitos subjetivos e geram conseqüências jurídicas negativas para o seu autor, além de que incorrem na responsabilidade internacional, que por sua vez também tem suas conseqüências.

Um estudo deve ser feito, então. Deve-se estabelecer quem são os sujeitos de direito aos quais são imputáveis um ato ilícito internacional; os elementos deste ato e suas conseqüências. O papel dos Estados e das organizações internacionais também se faz importante.

Em um mundo globalizado, onde as conexões entre os países e pessoas estão cada vez mais amplas, é necessário fazer uma profunda análise das relações internacionais e suas conseqüências. Classificar o ato ilícito nesse meio, que vem sofrendo intensas transformações não é uma tarefa fácil, no entanto, é este o objetivo deste trabalho.

Atos ilícitos internacionais

O ato ilícito internacional consiste na lesão notória e consciente, através de uma ação ou omissão, por um sujeito de direito internacional, sem autoridade legal para causá-lo, a um outro sujeito de direito internacional, reconhecido e protegido pelas regras jurídicas ou convenções internacionais (BUSTAMANTE. Droit Internatioual Public. Paris: Ed. Librarie du Recueil Sirey. Tome IV, p.25).

O ilícito, no Direito Internacional Público, só pode ser cometido pelos sujeitos desse direito, ou seja, pelas pessoas jurídicas internacionais. É necessário que o sujeito de direito internacional que cometeu o ato ilícito não tenha nem o direito nem a autoridade legal para tê-lo cometido, caso contrário, seria um ato lícito. Para ser ilícito é necessário que estes atos sejam contrários ao Direito Internacional Público, não é suficiente que sejam oposições de interesses políticos. Da mesma maneira deve existir um dano, uma lesão.

A essência da ilicitude consiste, portanto, na contraposição de um comportamento adotado, causador de uma dano, e da regra que o direito fundamenta. Poder-se-ia então dizer que ato ilícito internacional é a violação de uma obrigação internacional, podendo esta vir de uma regra costumeira, de tratados, ou de um princípio geral de direito.

A palavra ato expressa a idéia de conduta, ativa ou passiva, atribuída a um sujeito de direito. Ao passo que ilícito tem a idéia de contravenção do Direito. Pode-se definir o ato internacionalmente ilícito, então, como um ato atribuído a um sujeito jurídico internacional que, constituindo uma violação ou infração do Direito Internacional, lesiona o direito de outro ou de outros sujeitos de direito deste ordenamento, tendo como conseqüência, entre outras possíveis, a responsabilidade do autor do ato.

A ilicitude pode se expressar em dois planos: um relativo ao direito objetivo que resulta em violado; outro relativo ao direito subjetivo que é lesionado como conseqüência da transgressão da obrigação, de fazer ou de não fazer, imposta ao sujeito pela regra em questão.

No que se diz respeito aos sujeitos ativos ou passivos do ato ilícito internacional, existe uma tendência de ampliar sua esfera, englobando os Estados, organizações internacionais e outros entes. Deste modo, a relação de responsabilidade deixa de ser estritamente bilateral (entre o Estado autor e o Estado lesionado).

Por fim, segundo o art. 4° do projeto da Comissão de Direitos Internacionais das Nações Unidas (CDI), existe uma primacia do Direito Internacional sobre o Direito Interno, e um Estado não pode invocar as disposições de seu direito interno como justificação da transgressão de uma obrigação internacional.

Sujeitos do ato ilícito internacional

É tradicional dizer que os sujeitos do Direito Internacional Público são os Estados. Esta é considerada uma teoria clássica, e no atual momento, tem sofrido uma revisão mais profunda. Já no séc. XIX, havia autores, como Heffer y Blunstschli (HEFFER Y BLUNTSCHLI apud CISNEROS, CESAR DIAZ. Derecho Internacional Publico. Buenos Aires: Tipografia Editora, 1966, P.300), que diziam que além dos Estados, poderia considerar-se como sujeitos de DIP a pessoa individualmente considerada, desde que tivesse direitos primordiais que correspondessem à sua condição de homem civilizado e que não pudessem ser vulnerados por nenhum Estado. Outro autor também do séc. XIX, chamado Fiore (FIORE apud CISNEROS,id.), defendia que o homem é membro da humanidade, diretamente, e não através dos Estados. Assim sendo, é sujeito de direitos que devem ser reconhecidos por todos os Estados, independentemente da sua condição de cidadão de um determinado país.

As organizações internacionais também podem ser consideradas entidades dotadas de personalidade jurídica internacional, aptas para serem titulares de direitos e deveres internacionais, e para reclamá-los internacionalmente.

Dessa maneira são sujeitos e objetos do ato ilícito internacional todos aqueles que, dentro da comunidade internacional, tem personalidade jurídica reconhecida.

Elementos do ato ilícito internacional

Todo ato ilícito supõe a reunião de três fatores: 1) a violação de um regra jurídica; 2) a existência de um dano; 3) a existência de uma relação de causalidade entre a regra jurídica e o dano. Estes três elementos se encaixam na ordem internacional.

1) violação de uma obrigação internacional

Quando se fala em violação de uma obrigação pressupõe-se a existência da exigibilidade de uma conduta (ação ou omissão) imposta pela norma de Direito. Se houve uma transgressão é porque o ato praticado não está em conformidade com o que exige esta obrigação.

O ato ilícito internacional decorre da violação de uma obrigação internacional. Esta, como já foi dito anteriormente, pode surgir de uma regra convencional, costumeira, de tratados ou de princípios gerais de direito.

Um ato de um Estado que constitui uma violação de uma obrigação internacional é uma ato internacionalmente ilícito, seja qual for a origem, consuetudinário, convencional ou outro, dessa obrigação (Art.17, § 1° do projeto da C.D.I.).

A jurisprudência não faz distinção entre as obrigações internacionais em razão de sua origem, logo, esta não afetará a responsabilidade internacional do sujeito que a viola, conforme o art. 17,§ 2° do projeto da CDI.

Para que seja considerado ilícito o ato é preciso que a obrigação em questão exista, esteja em vigor no momento em que for violada (conforme art. 18, § 1° do projeto da C.D.I.). “Um ato jurídico deve apreciar-se à luz do Direito da época, e não do direito em vigor no momento em que surge o fato de se resolver uma controvérsia relativa a esse ato” (HUBER,1928 apud VELASCO, Manuel Diez de. Instituciones de Derecho Internacional Público, p.698).

Ainda sobre a violação da obrigação, um jurista alemão, chamado Karl Strupp, classifica a violação em positiva ou negativa, sendo que no segundo caso não houve culpa (BUSTAMANTE, ibidem, p. 22)

1.1) a violação da obrigação internacional no tempo

Como exposto acima, para que determinado comportamento de um sujeito seja considerado ato ilícito, deve este resultar em uma infração de uma obrigação internacional que se encontre vigente no momento da infração (art.18 do projeto da C.D.I.).

A determinação do momento em que se estabelece a existência da violação da obrigação internacional é tão relevante quanto a determinação de sua duração, para que se possa ser estabelecido quando se contrai a responsabilidade internacional, e quando o sujeito lesionado pode reclamar internacionalmente a cessação do ilícito (caso seja um ato continuado) e a reparação devida pelo infrator.

Existem infrações ao DI que têm um caráter imediato, onde o momento da violação da obrigação internacional coincide com o momento do ato, ainda que seus efeitos se prolonguem. Logo, é necessário distinguir os atos instantâneos de efeitos continuados dos atos continuados. No primeiro caso, o tempo da infração cometida coincide com o momento do ato. Já em relação aos atos que se estendem no tempo, deve-se determinar o momento em que surge a ilicitude. Há três casos: a) ato continuado; b) ato composto; c) ato complexo.

a) No caso do ato ilícito continuado, o ilícito se origina desde o momento em que se reúnem os elementos constitutivos da infração, e dura o quanto estes persistirem. É o caso da detenção de membros diplomáticos de um Estado por um outro. O Estado lesionado deve exigir tanto a reparação - pela duração do ilícito - como a cessação da conduta ilícita.

b) Um ato ilícito composto também se desenvolve durante um lapso, maior ou menor, de tempo, e surge de uma série de atos individuais encadeados no tempo e concorrentes à realização de uma ato global. O momento da violação será a realização do ato da série que determina a existência do ato composto. A noção de ato composto, não permite estabelecer com clareza o momento da violação sem recorrer à interpretação da obrigação primária violada.

c) Um ato ilícito complexo também é constituído por uma sucessão de comportamentos, mas neste caso, têm relação com um caso único e representam em seu conjunto a posição adotada pelo sujeito neste caso particular. O momento em que se concretiza a violação se produzirá quando se realizar o último comportamento constitutivo do ato complexo. Será um ato ilícito complexo a denegação de justiça a um estrangeiro, resultante de um conjunto de decisões emanadas de todas as instâncias judiciais e às que aquela se dirigiu.

2) a existência de um dano

A obrigação de reparar tem sua origem material no dano. A CDI estimou que o dano é inerente a todo ato internacionalmente ilícito e que ao mesmo tempo é inerente a toda violação de uma obrigação internacional. Desta forma entende-se que o dano é o elemento objetivo do ato ilícito internacional (VELASCO, ibidem, p. 699).

Antigamente o dano material causado a um sujeito era elemento essencial do ato ilícito, mas atualmente se admite que este possa existir sem que o seu autor tenha produzido danos materiais no sujeito lesionado. Entende-se que toda violação de uma obrigação internacional acarreta em um prejuízo, material ou não, que tem seu direito subjetivo lesionado.

Apenas o sujeito que sofreu o prejuízo é que pode invocar a responsabilidade internacional do sujeito infrator. Além disto, o simples fato do dano não compromete a responsabilidade do sujeito. Deve-se provar que houve a ilicitude do ato, caso contrário, um Estado poderia arbitrariamente pleitear reparações não justificadas e obter um enriquecimento sem causa.

3) a existência de um nexo causal

A reparação de um dano é subordinada à existência de uma relação de causalidade entre a violação da regra jurídica e do dano propriamente dito. Em regra o sistema jurídico exige que o causador do dano tenha um comportamento com culpa – lato sensu - (dolo, negligência, imprudência, omissão, etc). A responsabilidade sem culpa (chamada objetiva, fundamentada no risco) é admitida pela legislação no caso de risco profissional ou risco industrial, e pela jurisprudência no caso de risco de vizinhança.

Graus de ilicitude

O projeto da CDI divide em duas as formas de violação do direito internacional: o delito e o crime internacional. Segundo esta distinção é crime internacional, o fato internacionalmente ilícito que resulte de uma violação de uma obrigação internacional tão essencial para a proteção de interesses fundamentais da comunidade internacional que a sua violação é reconhecida como um crime por esta comunidade em seu conjunto (DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público, p.684), tais como a agressão, a escravidão, o genocídio, o apartheid, etc. Os outros atos ilícitos internacionais que não são considerados crimes internacionais são chamados de delitos internacionais. Segundo o art. 19 do projeto da CDI são atos ilícitos internacionais o crime internacional e o delito internacional.

Um delito internacional abrange todas as infrações que fazem nascer uma relação bilateral entre o sujeito infrator e o lesionado. São os ilícitos ordinários, que não geram uma responsabilidade agravada ou qualificada, cujas conseqüências não transcendem o círculo dos sujeitos mencionados. O delito internacional não atenta contra os interesses essenciais da sociedade internacional.

O crime internacional, no entanto, diz respeito à comunidade internacional em seu conjunto, sua ação transcende a relação meramente bilateral entre autor e vítima do mesmo. Aqui a noção de crime, não é a mesma que a do direito interno de cada nação, já que não são aplicáveis ao Direito Internacional as regras de que não há crime sem lei anterior que o defina, e de que não há pena sem prévia cominação legal (AMERICANO, Jorge. O novo fundamento do direito internacional., p.47).

O conceito de crime internacional está ligado ao de obrigações erga omnes, já que estas derivam de normas imperativas de Direito Internacional (ius cogens), cujo conteúdo é essencial para a comunidade internacional (“...uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral de mesma natureza.” - art.53 da Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados). Percebe-se então que a qualificação do ato depende da obrigação violada. Se esta é essencial para a proteção dos interesses fundamentais da sociedade internacional, conclui-se que se trata de um crime internacional. Na CDI (art. 19. 3 do projeto) contém uma relação de violações que constituem crimes internacionais, e.g., as obrigações violadas que afetam o mantimento da paz e da segurança internacional, a livre determinação dos povos, a proteção do ser humano, etc. Todas são obrigações internacionais que derivam de normas de DI imperativo (ius cogens).

De acordo com o exposto acima, conclui-se que o crime consiste na violação de obrigações de importância essencial para a sociedade internacional, sendo esta violação de singular gravidade. Não constitui um crime internacional qualquer violação de uma norma de Direito imperativo, apenas a violação de certas normas de ius cogens, como a escravidão e o genocídio.

Após a explicação pode-se exemplificar alguns atos ilícitos à comunidade internacional: a ameaça à saúde pública internacional, a supressão da democracia, a proteção à criminosos que interessem a comunidade internacional, o ataque armado de uma nação a outra ainda que para exigir direito incontestável, entre muitos outros que poderiam aqui ser expostos e cada um com a sua conseqüência jurídica internacional.

A prevenção e a repressão do ato ilícito internacional

Cabe ao Estado prevenir e reprimir o ato ilícito internacional, mas se houver negligência, deficiência ou ineficácia da prevenção ou repressão, esta será exercida pela comunidade internacional. É dever da comunidade internacional aplicar as medidas de segurança, a prevenção, a repressão e a reparação dos efeitos do ato ilícito internacional praticado pelos sujeitos de direito internacional. Todas essas medidas realizam-se através da intervenção, que nada mais é que uma medida política internacional.

Estas medidas são impostas pelo órgão deliberativo, ou requisitadas pelo órgão judiciário Têm como limites apenas as normas ditadas pela consciência universal e se legitima pela proporcionalidade com a segurança efetiva a obter (AMERICANO, ibidem, p.61).

Responsabilidade Internacional

Entende-se por responsabilidade internacional uma instituição juridica em virtude da qual um sujeito de direito internacional é imputável a um ato ilícito, conforme o direito internacional, e tem o dever de reparação a um outro sujeito de DI que sofrera a lesão do ato cometido (ROUSSEAU, Charles. Droit International Public, p.10).

O fato ilícito é a primeira condição da responsabilidade internacional. Esta é uma conseqüência da violação de regras jurídicas internacionais. Afirma-se naturalmente que do ilícito surge a responsabilidade (MONACO, Riccardo. Manuale di Diritto Internazionale Pubblico. p.550).

Da responsabilidade surge a sanção como conseqüência da conduta do sujeito, contrária aos preceitos das normas jurídicas internacionais. Entende-se que a responsabilidade é uma situação que o direito objetivo impõe a um sujeito, quando este, por meio de um ato próprio, viola uma norma jurídica da qual é destinatário.

O ato ilícito é o elemento essencial da responsabilidade internacional, mas não o único. Além deste é necessário considerar a imputação do fato ilícito, o prejuízo, e eventualmente a punição.

As obrigações que decorrem da responsabilidade internacional nascem, portanto, da violação de uma regra primária. As normas que determinam as conseqüências jurídicas do descumprimento dessas obrigações são, por sua vez, normas secundárias.

Todo aquele que é sujeito de direito internacional para o ato internacionalmente ilícito, como conseqüência, também o é para a responsabilidade internacional. Ser sujeito da responsabilidade internacional não é privativo dos Estados, mas de todos os sujeitos de DI. Em decorrência da emergência dos particulares no plano internacional surge uma responsabilidade penal internacional, que tem sua manifestação mais importante nos tribunais militares internacionais para os crimes de guerra.

A responsabilidade internacional é objetiva, convertendo-se em relação causal, desvinculando-se da culpa ou dolo, já que nesse caso teria que se discutir a intenção ou não do comportamento do sujeito, retardando a atuação do direito neste campo. A responsabilidade internacional também é caracterizada por estabelecer uma relação cuja função é reparadora, ressarcitória dos mencionados danos.

Imputabilidade

O conceito de imputabilidade não pode se desprender de maneira absoluta da definição do fato ilícito. Dá-se o nome de imputação ou imputabilidade à atribuição do ato internacionalmente ilícito ao sujeito de direito responsável, com a intenção de fazê-lo suportar as conseqüências jurídicas.

Responsabilidade internacional dos Estados

O Estado que ultrapassa os limites fixados pelo DI, viola os deveres que o mesmo direito estabelece, causando um dano a um Estado ou a um indivíduo, acarretando em uma responsabilidade internacional (SIERRA, Manuel J. Derecho Internacional Publico, p.189).

A atribuição de responsabilidade a um Estado é admitida desde que o comportamento denunciado emane de pessoas ou de órgãos sob a sua autoridade efetiva. Um Estado não pode eximir-se de sua responsabilidade internacional alegando particularidades de seu direito interno ou dificuldades de sua vida política.

O fato ilícito é atribuído ao Estado, em nome do qual, agiu o autor do ato ilícito. Está inserido nesta questão desde os governantes e os mais altos funcionários até o agente mais subalterno (DINH, Nguyen; DAILLIER, Patrick; PELLET, AJain, ibidem, p.687). O Estado é responsável pelos atos e omissões imputáveis a órgãos públicos que a ele são subordinados, e que não têm capacidade de agir no plano internacional. Neste caso, onde o ato ilícito foi cometido por um de seus órgãos, é ao Estado que será imputada a responsabilidade internacional.

A) responsabilidade por atos de seu órgão legislativo

A abstenção ou a omissão de adotar medidas legislativas necessárias à execução de uma obrigação internacional constitui em um fato internacionalmente ilícito. Um governo não pode invocar como desculpa a independência do Legislativo ou o mau funcionamento dos processos deste órgão. Pode também o Estado promulgar uma lei que seja contrária ao ordenamento jurídico. A jurisprudência da corte permanente de justiça internacional entende que o ato ilícito surge em virtude da concreta aplicação da norma legislativa contrária à obrigação jurídica internacional (MONACO, ibidem, p.556).

B) responsabilidade por atos de seus órgãos administrativos

A atividade administrativa é a que mais conecta os Estados aos particulares, tendo mais ocasiões, portanto, para comprometer a responsabilidade internacional do Estado, no tocante aos cidadãos estrangeiros; é necessário apenas que estes sejam lesionados através de uma ação ou omissão, das referidas autoridades, que não esteja de acordo com as suas obrigações internacionais, como por exemplo, a prisão injusta ou ilegal do estrangeiro.

O Estado não é obrigado a receber em seu território estrangeiros, mas se o faz tem o dever de lhes dar o devido tratamento legal. A infração desta obrigação seja por parte do próprio governo, seja por atos de seus funcionários, incorre na responsabilidade internacional, e o Estado do estrangeiro lesado pode exercer o seu direito recorrendo à proteção diplomática. O Estado faz uma reclamação via diplomacia contra o Estado infrator, a fim de obter uma reparação. Isto ocorre através negociação, arbitragem ou solução judicial. Neste caso o Estado infrator é responsabilizado perante o Estado do estrangeiro lesado.

C) responsabilidade por atos do órgão judiciário

Esta fonte de responsabilidade é mais complexa que as outras duas, já que o órgão jurisdicional é mais independente em relação ao Estado do que os demais, tendo uma função interpretativa do direito e não executiva e imperativa como os outros dois órgãos. No entanto, como suas decisões são em nome do Estado, podem através destas cometer atos ilícitos, com a conseqüência de uma responsabilidade. O principal ato jurisdicional internacionalmente ilícito é a denegação da justiça. O Estado deve conceder aos cidadãos estrangeiros uma certa proteção jurídica. Pode também o órgão judiciário tomar decisões que sejam contrárias a um tratado ou a uma norma de caráter consuetudinário.

D) responsabilidade por atos de insurreição

Não se atribui a um Estado a conduta de um órgão de um movimento de Insurreição estabelecido em seu território ou a qualquer outro território submetido à sua jurisdição, a menos que ela seja realizada violando as regras sobre conflitos armados e princípios do direito humanitário.

No entanto, se a insurreição triunfar, o novo governo legal será responsável por todos os atos cometidos pelos seus agentes durante o conflito armado interno e também pelas medidas tomadas pela autoridade governamental destituída.

Se a insurreição não obtiver resultado, o governo legítimo é apenas responsável pelo fato de seus agentes, não pelo dos revoltosos derrotados.

A Guerra como um ato ilícito

A primeira conferência de Haia, no fim do séc.XIX, especificou que o ato de fazer guerra é um crime contra a humanidade, reagir a uma guerra é um ato de legítima defesa, e reprimir a guerra é um dever internacional (AMERICANO, ibidem, p.63).

Os atos e omissões contrários ao Direito Internacional podem ser cometidos por governos beligerantes, por comandantes ou membros das forças armadas ou por indivíduos que não pertencem a estas. Os Estados beligerantes têm uma responsabilidade indireta por atos internacionalmente ilegais de seus soldados. Os casos em que os governos beligerantes ordenam ou cometem atos ilegítimos, e também os casos em que se recusam a castigar seus soldados por atos ilegítimos, constituem delitos internacionais. Assim, os beligerantes são responsáveis por todos os atos cometidos por todos os membros de suas forças, e estão obrigados a prestar compensação, por qualquer violação das regras de Haia.

É ilícita toda guerra empreendida antes que o conflito que a justifica tenha sido submetido a um processo pacifico, e ilícito também o emprego de armas que causem sofrimento desnecessário. A proibição de certas armas surge com a exigência de se equilibrar as necessidades militares com as considerações humanitárias (VELASCO, ibidem, p.875).

Os crimes de guerra são os atos contrários ao direito internacional, tais como a matança, a pilhagem, ou os maus tratos aos prisioneiros de guerra. Os crimes de guerra podem ser divididos em quatro espécies: violações de regras reconhecidas relativas à guerra; todas as hostilidades armadas cometidas por indivíduos que não são membros das forças armadas; a espionagem e a traição de guerra; todos os atos de pilhagem (OPPENHEIN, L. Tratado de Derecho Internacional Publico, p.118).

O Tribunal de Nuremberg (O tribunal militar internacional de Nuremberg deve ser considerado principalmente como um tribunal constituído para o castigo de crimes de guerra) define que os crimes de guerra como violações a leis e costumes de guerra, incluindo o assassinato, a deportação da população civil para trabalhos escravos, a matança de reféns, a destruição massiva de cidades, aldeias ou povos, ou a devastação não justificada por necessidade militar.

Responsabilidade internacional dos indivíduos

Salvo os casos em que pessoas cometem atos por conta do Estado ou por prerrogativas do poder público na ausência das autoridades oficiais, os comportamentos dos particulares não podem ser considerados como ato do Estado (VELASCO, ibidem, p.715). Mas pode este ser responsável pela sua passividade ou falta de diligência na prevenção ou repressão de tais comportamentos (o que não significa que os Estados assumem para si os atos dos particulares). “...a responsabilidade por ação ou inação do poder público é completamente distinta da responsabilidade por atos imputáveis a pessoas que escapam da influência das autoridades ou lhes são abertamente hostis." (R.S.A.: lI, 642 e ss) (VELASCO, ibidem, p.715).

Logo, o Estado será responsável por atos de particulares se: deixou de cumprir o dever de manter a ordem, isto é, de assegurar à pessoa e bens do estrangeiro a proteção que lhe é devida; e se foi negligente na repressão de atos ilícitos cometidos contra o estrangeiro (ACCIOL Y, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G.E. Manual de Direito Internacional Publico, p.134). Percebe-se então que o direito internacional reconhece a existência de atos internacionais ilícitos imputáveis exclusivamente a indivíduos, e sua respectiva responsabilidade internacional.

Responsabilidade penal do indivíduo no Direito internacional

Há muito que o DI comporta um ramo penal que atinge diretamente os indivíduos culpados de atos ilícitos graves cuja nocividade internacional seja manifesta. Por isso, desde então, o indivíduo é sujeito imediato de um Direito Internacional sancionador.

Não existe um código penal internacional. Para que a responsabilidade penal internacional do indivíduo seja efetiva é necessário que o DI determine os fatos individuais ilícitos considerados como infrações no sentido do direito penal. No entanto, é preciso em primeiro lugar, saber se o indivíduo compromete sua responsabilidade quando atua exclusivamente enquanto pessoa privada ou quando se comporta como agente público.

a) comportando-se exclusivamente a título privado

Desde muito tempo que os Estados julgam ser graves certos comportamentos dos indivíduos, constituídos como infrações internacionais. Isto foi intensificado após a Segunda Guerra Mundial.

A infração mais antiga tem origem consuetudinária e trata-se da pirataria no alto mar. Esta consiste nos fatos realizados por meio de violência contra os bens e as pessoas com a finalidade de lucro. Em linguagem internacional, pode-se entender por pirataria toda depredação, todo ato de violência cometido em pleno mar contra a pessoa ou os bens de um estrangeiro, seja em tempo e paz, seja em tempo e guerra (CALVO, Charles. Le droit international: théorie et pratique p,36).

As regras aplicáveis à pirataria marítima foram codificadas ao mesmo tempo que o Conjunto do Direito do Mar pela Convenção de Genebra sobre o Alto Mar.

A Segunda infração tradicional é o tráfico de escravos. A escravidão foi instituição dos tempos antigos e desapareceu na Idade Média para transformar-se em servidão (em rigor nunca desapareceu totalmente). A partir da descoberta do Novo Mundo o comércio de escravos foi considerado uma atividade lícita entre os Estados. A sua constituição em infração internacional foi difícil. Foi considerado crime internacional pela primeira vez em 1815, no Congresso de Viena. A Convenção de 7 de setembro de 1956, concluída por iniciativa do Conselho Econômico e Social da Nações Unidas condenou a escravatura de maneira mais ampla, assim como as Convenções de Paris de 1904 e 1910 relativas ao tráfico de mulheres e de crianças.

O tráfico de estupefacientes, que consiste no comércio ilegal de drogas nocivas, foi constituído infração internacional pelas Convenções de Haia (1912) e Genebra (1936), substituidas pela convenção única sobre estupefacientes de 30 de março de 1961, completada pela convenção de Viena de 21 de fevereiro de 1971 e o protocolo de 25 de março de 1972 (DINH, Nguyen; DAILLIER, Patrick; PELLET, AJain, ibidem, p.583).

Em matéria de interferência ilícita na aviação civil internacional, a intervenção direta do direito internacional conduziu atualmente à definição de três infrações distintas: a pirataria aérea que, através das Convenções de Genebra sobre o Alto Mar (1958) e de Montego Bay (1982), assimilou em todos os pontos a pirataria marítima quanto à sua definição e à sua repressão; a captura ilícita de aeronaves, objeto da Convenção de Haia de 1970; e os atos ilícitos dirigidos contra a segurança da aviação civil internacional, onde a Convenção de Chicago de 1944 dispõe um certo número de normas internacionais e de práticas recomendadas nesta matéria.

Inclui-se nesta lista o terrorismo. A iniciativa foi tomada pela O.E.A. em 2 de fevereiro de 1971, quando foi adotada em Washington a convenção para a prevenção e repressão de atos terroristas tomando a forma de crimes contra as pessoas ou atos de extorsão conexos que tenham uma expressão internacional. Em 1977 o Conselho da Europa adotou a Convenção Européia para a Repressão do Terrorismo. As Nações Unidas criaram um Comitê Especial de Terrorismo Internacional, e em 17 de dezembro de 1979, adotou a Convenção Internacional Contra a Tomada de Reféns.

A enumeração de atos ilícitos internacionais cometidos por particulares pode ser extensa. Pode-se acrescentar a circulação e tráfico de publicações obscenas (Convenção de Genebra de 1923) e os atos executados em violação da convenção de Haia (1954) para a proteção de bens culturais em caso de conflito armado. A infração da proteção física dos materiais nucleares além de constituir um ato ilícito internacional deve ser também um ilícito nacional, já que a Convenção de Viena de 26 de outubro de 1979 assim obriga os Estados.

b) atuando enquanto agente público

Neste caso o indivíduo age por conta do Estado, mas em razão da gravidade da infração cometida, o Estado não se interpõe entre a ordem jurídica internacional e o indivíduo e a responsabilidade em que este se encontre diretamente comprometido (ibidem, p.586).

Antes da Segunda Guerra Mundial nenhum texto fazia menção a infrações cujos autores poderiam atuar em nome do Estado. Em 1945, o Acordo de Londres estatui o Tribunal de Nuremberg, que se encarregou de julgar os grandes criminosos de guerra alemães. Pela primeira vez os crimes de guerra, os crimes contra a paz, os crimes contra a humanidade são expressamente previstos e definidos nos seus elementos constitutivos por um texto convencional. É também a primeira vez que agentes públicos (pessoas dos mais altos cargos ocupando funções dirigentes) do Estados são visados.

O estatuto do Tribunal de Nuremberg dividiram em três grupos as infrações internacionais cometidas por agentes públicos: crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Em 1946 a Assembléia Geral das Nações Unidas confirmou os princípios de direito internacional reconhecidos pelo estatuto do Tribunal de Nuremberg e pela sentença do tribunal.

Os crimes portadores de ofensa à soberania e à integridade territorial do Estado compreendem os crimes contra a paz (art.6º do Estatuto: “a direção e preparação, o inicio ou O prosseguimento de uma guerra de agressão ou de uma guerra de violação de tratados, de garantias ou acordos internacionais, ou a participação num plano concertado ou num conluio para a realização de qualquer um dos atos precedentes.”). No entanto eles constituem uma categoria mais ampla que vai além da agressão, incluindo a agressão econômica, a preparação pelas autoridades de um Estado do emprego da força armada contra um outro Estado, a organização ou encorajamento de bandos armados tendo em vista incursões sobre o território de outro Estado, empreender ou encorajar atividades visando fomentar a guerra civil ou atividades terroristas num outro Estado, anexação por meio de atos contrários ao direito internacional de um território pertencente a outro Estado e a ingerência nos negócios internos ou externos de um outro Estado.

Os crimes de guerra visados pelo art. 6°-b do estatuto são definidos como violações das leis e costumes de guerra. Essas violações compreendem: “o assassinato, os maus tratos ou a deportação para trabalhos forçados ou outros objetivos de que sejam alvos as populações dos territórios ocupados, o assassinato ou maus tratos dos prisioneiros de guerra ou das pessoas no mar, a execução de reféns, a pilhagem de bens públicos ou privados, a destruição sem motivos de cidades e aldeias, a devastação não justificada por exigências militares”.

Entre os crimes contra a humanidade, o art.6°-c do Estatuto enumera: "o assassinato, o extermínio, a redução à escravatura, a deportação e todo e qualquer ato desumano cometido contra todas as populações civis, ante ou durante a guerra, assim como perseguições por motivos políticos e religiosos, quando estes atos ou perseguições (tendo constituído ou não uma violação ao direito interno do país onde eles foram perpetrados) tenham sido cometidos em continuação de todo o crime reprimido pela competência de um tribunal ou em ligação com este crime”.

Em 1945 foram acrescidos a esta lista o genocídio, o apartheid, a escravatura, o colonialismo, os atentados graves ao ambiente humano, a expulsão ou transferência de uma população de seu território e certas ofensas aos bens. Em 1946 a Assembléia Geral da O.N.U. entendeu que o genocídio é um crime pertencente ao direito internacional. O artigo 2° da Convenção sobre prevenção e castigo do crime de genocídio declara qualquer dos seguintes atos cometidos com o desígnio de destruir, em todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como por exemplo: a) matar membros do grupo; b) causar grave dano corporal ou mental aos membros do grupo; c )impor deliberadamente ao grupo condições de vida intencionadas para causar sua destruição material, em todo ou em parte; d)impor medidas que impeçam a natalidade dentro do grupo; e) transferir forçadamente crianças de um grupo para outro grupo (CISNEROS, ibidem, p.348).

Essa disposição engloba o genocídio nos seus dois aspectos, físico e biológico. O genocídio cultural que é cometido pela destruição de instituições ou de formas através das quais um grupo humano encontra a sua expressão, não foi conservado, ainda que tenha sido visado no projeto redigido pelo Conselho Econômico e Social.

Os autores do genocídio devem ser punidos sejam governantes, funcionários ou particulares. Conclui-se que do ponto de vista dos sujeitos ativos, este crime apresenta um caráter misto.

Diferentemente dos crimes contra a humanidade, onde o Estatuto do Tribunal de Nuremberg diz que só seriam punidos os crimes na seqüência ou em ligação com os crimes contra paz e crimes de guerra, o crime de genocídio constitui uma infração autônoma, quer seja cometido em tempo de paz, quer seja em tempo de guerra.

O crime de apartheid está na Convenção de 30 de novembro de 1973, que o qualificou como crime contra a humanidade. É um crime de políticas e práticas semelhantes à segregação e discriminação raciais, correspondendo a uma lista de atos desumanos (próxima do genocídio) cometidos em virtude de se tentar obter a dominação de um grupo racial sobre outro.

Responsabilidade internacional das organizações internacionais

Pressuposta a personalidade jurídico internacional de uma organização internacional, torna-se evidente sua condição de titular de direitos e deveres, assim como sua capacidade para fazê-los valer e para cumpri-los, ou descumpri-los. Neste caso trata-se do ato ilícito da organização que pode ter como conseqüência a responsabilidade internacional.

Um caso típico que acarreta na responsabilidade internacional é o quebramento, por parte da organização, de um tratado celebrado com um Estado ou com uma outra organização. Neste caso, assim como no estatal, a organização internacional que transgride um tratado, não pode invocar suas regras internas como justificativa do descumprimento do tratado.

Outro caso é a atribuição da responsabilidade às organizações por atos danosos que seus órgãos ou agentes tenham cometido. Não se discute que as organizações internacionais respondem pelos atos de seus órgãos competentes.

A responsabilidade das organizações internacionais pode suscitar-se também no campo da responsabilidade por risco, nos casos de atividades realizadas por uma organização técnica ou especializada. A isto se refere essencialmente o art. XXII do Convênio sobre a Responsabilidade Internacional por danos causados por objetos espaciais (VELASCO, ibidem, p.751).

Um caso particular de responsabilidade das organizações internacional é aquela que pode surgir das relações jurídicas entre a organização e seus funcionários e agentes. Relações estas que poderiam ser encaixadas no direito interno do órgão internacional, no entanto são relações regidas em sua quase totalidade pelo DI.

Não é raro que as cartas constitutivas ou os acordos de sede das organizações prevejam o recurso à arbitragem para alguns conflitos com os Estados nas hipóteses em que implicitamente, a responsabilidade destas organizações poderia ser comprometida. No entanto, dificilmente está previsto que a sua responsabilidade poderia ser comprometida por atos normativos que tenham causado prejuízo aos particulares.

Circunstâncias que excluem a ilicitude

A responsabilidade internacional resulta da violação por um sujeito de DI de uma obrigação internacional em virtude de uma regra jurídico internacional. Em algumas circunstâncias, tais ilicitudes podem se excluídas, que é o caso da legítima defesa, da força maior, do estado de necessidade, represálias, consentimento da vítima.

Quando o ato ilícito consiste na resposta de um outro ato ilícito, nas condições justificadas pela legítima defesa, o sujeito do direito que está na origem do processo não poderá invocar a ilicitude do comportamento que lhe é oposto.

A situação da força maior deve ao mesmo tempo ser irresistível, imprevisível e exterior ao autor do comportamento contrário ao direito internacional, comprovando que o responsável não tenha contribuído com a sua negligência para a superveniência da situação.

O estado de necessidade pressupõe um perigo grave e iminente para um interesse essencial do sujeito.

As represálias são medidas empregadas por um Estado em relação a outro que tenha violado seus direitos por ato ilegal. Distinguem-se da legítima defesa porque nesta o Estado impede que o ilícito seja realizado, enquanto naquela ele já se realizou.

A vontade dos sujeitos de DI pode, às vezes, ser suficiente para impedir que o ato ilícito seja imputado ao seu autor. No entanto a vítima não pode consentir na violação de uma norma internacional. Logo, esse consentimento tem que ser legitimo em DI, claramente estabelecido, positivamente expresso (o que exclui o consentimento puramente presumido) atribuível ao Estado no plano internacional e anterior à execução do fato a que se reporta (DINH, Nguyen; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, ibidem, p.696).

O Dano

O dano, como já expresso anteriormente é um elemento objetivo do ato internacionalmente ilícito. Uma infração a uma regra de direito pode não causar prejuízo aos direitos de nenhum sujeito ou causar prejuízo a alguns sujeitos de direito. Apenas os sujeitos lesados poderão esforçar-se por comprometer a responsabilidade do autor do fato ilícito.

No domínio da responsabilidade, os sujeitos de direito internacional não podem invocar um fato ilícito para fundar a sua ação, a não ser que este fato tenha produzido ofensas a um direito juridicamente protegido, do qual eles sejam titulares. O direito internacional não aceita a possibilidade de um sujeito de direito fazer estabelecer a responsabilidade de um outro sujeito que tenha infringido a legalidade.

A ilicitude do ato que não é acompanhada pelo dano não pode gerar a responsabilidade internacional. Apenas os sujeitos que possam provar que sofreram, individualmente, um prejuízo, poderão instaurar uma ação em matéria de responsabilidade.

Apenas o dano direto pode comprometer a responsabilidade internacional. Deve-se então determinar o conceito de dano direto. Dano direto não se confunde com dano imediato. É dano direto aquele que deriva necessariamente do ato ilícito, e é necessário que seja demonstrado que tal prejuízo está ligado por uma relação de causa e efeito ao fato ilícito. O dano indireto é acessório do dano direto e se produz geralmente após este.

A existência de um prejuízo material, qualquer que seja o seu objeto e a sua natureza, é suficiente para comprometer a responsabilidade do autor. Já o dano moral, por muito tempo não foi aceito pela jurisprudência internacional. Apenas em 1923, no processo da Lusitânia, navio torpedeado por um submarino alemão, que a tomada em consideração do prejuízo moral passou a ser regra.

O conjunto da doutrina é favorável a esta solução. O elemento econômico está longe de ter nas relações entre Estados um peso comparável ao que tem entre os particulares, a honra e a dignidade do Estado prevalecem sobre os interesses materiais (ANZILOTTI apud NGUYEN, ibidem, p. 705).

Dano mediato e dano imediato

Quando um Estado ou organização internacional sofre um dano em decorrência de um ato ilícito de um outro sujeito de direito internacional, não dificilmente se percebe a existência do prejuízo, fala-se então da existência de um dano imediato.

No entanto, quando a vítima é um sujeito de direito interno, ou seja uma pessoa privada, utiliza-se de uma ficção jurídica para que o particular possa ter seu prejuízo ressarcido, para evitar uma denegação de justiça - ainda que as pessoas privadas tenham a sua personalidade internacional reconhecida, não podem exercê-la de forma plena. Esta ficção tem seu fundamento na idéia de que todo o sujeito de direito internacional, em particular o Estado, tem o direito de ver respeitar o direito internacional na pessoa dos seus nacionais ou agentes.

O dano sofrido por um particular é analisado como uma ofensa ao direito juridicamente protegido do Estado ou da organização internacional para fazer respeitar as garantias, oferecidas pelo direito internacional, aos seus nacionais ou aos seus agentes nas suas relações com outros Estados ou organizações. Quando isto ocorre, fala-se em dano mediato.

Conseqüências do ato ilícito internacional

Do ato ilícito internacional derivam efeitos cujo valor jurídico nem sempre é facilmente determinável. Tais efeitos, que consistem na conseqüência do ilícito, podem ser divididos em dois: de um lado a obrigação de reparar o dano, imposta ao autor do ilícito, do outro o poder conferido a um outro sujeito de aplicar uma sanção ao autor do ilícito (MONACO, ibidem 572). Mas antes dessas duas conseqüências, deve o ato ilícito cessar. Estas são conseqüências jurídicas substantivas. Há também aquelas de caráter processual, que consiste na faculdade do sujeito lesionado de recorrer a medidas para obter a cessação, a reparação e a punição do sujeito infrator.

A cessação do ilícito

Aquele que viola uma obrigação internacional está obrigado a cessar o ato ilícito. Esta obrigação surge em decorrência dos atos ilícitos de caráter continuado, que se prolongam no tempo. A cessação do ilícito é uma obrigação que está vinculada à obrigação primaria que foi violada pelo autor do ato. O objetivo essencial de cessar o ato é o de anular o comportamento ilícito (BROTÓNS, Antonio Remira et al. Derecho Internacional, p.439).

Porém a no caso de o ilícito cessar, isto não afeta a outra conseqüência substantiva do seu cometimento: a reparação. Não obstante, a cessação repercute na qualidade e quantidade da reparação, na medida em que se tenha demorado mais ou menos para interromper o ato ilícito; também incide sobre o tipo de medidas que adotará o sujeito lesionado para conseguir a reparação.

A reparação

É opinião comum na doutrina internacional, que um sujeito de DI ao qual é imputado um ato ilícito tem a obrigação de reparar o dano causado. O princípio essencial é que o sujeito infrator deve, na medida do possível, ao sujeito lesionado o mais próximo da situação anterior, como senão houvesse existido o ato. Para isto ele deve recorrer aos seguintes tipos de reparação: restituição natural, ou no caso de não ser possível, a restituição por equivalente ou compensação. A reparação não deve se limitar a essas modalidades deve também ser incluída a satisfação.

A restituição natural é a forma mais perfeita de reparação, consiste na tentativa de recuperação de um estado anterior ao da obrigação violada. Esta é uma situação pouco comum,já que pode haver uma possibilidade material, por ser o ato ilícito internacional irreversível, uma impossibilidade jurídica, ou uma oposição do sujeito responsável ou desinteresse do lesionado, ou então por uma falta de jurisdição dos tribunais internacionais.

A restituição por equivalência é a forma de reparação mais freqüente na comunidade internacional. Existe a modalidade de uma indenização pecuniária, que consiste no pagamento de uma soma de dinheiro em compensação pelo prejuízo sofrido pelo sujeito lesionado.

São indenizáveis todos os danos causados por atos internacionalmente ilícitos se existir a relação causal entre ambos, e os causados diretamente ao Estado ou a seus nacionais.

A reparação pelos danos sofridos pelo Estado pode decorrer dos danos materiais, ou dos danos indiretos, refletido no que sofreu os seus nacionais. Dentro dos danos indiretos existem os danos de caráter patrimonial, e os de tipo moral.

Satisfação

A satisfação é uma forma de reparação quase retributiva, mais que compensatória, apresentando-se, às vezes, em conjunto com a indenização. A prática diplomática tem mostrado os diversos meios de satisfação. Entre elas: as desculpas apresentadas pelo sujeito infrator ao lesionado; o castigo das pessoas responsáveis; a constatação da ilicitude do ato realizado por um sujeito pronunciada por um organismo internacional; as garantias contra a repetição do ato ilícito; e a indenização punitiva.

Sanção

A sanção é um elemento intrínseco da regra que não pode existir sem uma garantia. Os atos ilícitos existem todos os dias dentro da ordem internacional, e a sanção representa uma forma de garantia para tentar suprimi-los e evitá-los.

Do ponto de vista moral, pode-se definir a pena internacional como a tradução, dentro do Direito Internacional Publico, do sentimento geral de reprovação da comunidade internacional sobre um ato que abalou as boas relações entre os sujeitos internacionais (PELLA apud BUSTAMANTE, ibid, 41).

Pode-se afirmar que a pena ou sanção internacional é um dano causado ao sujeito de direito internacional culpado por um dano a um outro sujeito, com o intuito de defender contra as lesões voluntárias e conscientes, diretas ou indiretas, os direitos individuais ou coletivos de uma pessoa jurídica internacional.

Toda sanção deve ser aplicada por uma pessoa jurídica internacional ou por um por um órgão da comunidade jurídica internacional. Em segundo lugar, esta sanção deve ser aplicada também contra um sujeito de direito internacional, e não por um motivo político ou outro do mesmo gênero, mas sim por uma infração consciente deste sujeito às regras internacionais, tendo ainda, através desta, produzido um dano.

A sanção deve ser proporcional à gravidade do dano e não deve ter um caráter vingativo. Ela deve cessar quando o objetivo já tiver sido alcançado, caso contrário haveria um abuso de direito, pois os efeitos da sanção se estenderiam além do necessário (SILBERT, MareeI. Traité de Droit International Public, p.599).

Existem sanções que não podem ser admitidas no contexto internacional, como a exclusão da sociedade internacional, o não reconhecimento da existência do sujeito condenado, a perda da independência. A sanção não pode também transgredir os direitos humanos, ou quaisquer outras normas desse gênero.

As sanções possíveis são inúmeras, podendo ser diplomáticas como a ruptura das relações diplomáticas, a reprovação, a supressão do direito de beneficiar de convenções internacionais; podem ser jurídicas como a supressão imposta aos sujeitos culpados de direito de propriedade industrial, artística, científica, etc, a interdição do exercício de direitos civis; podem também ser sanções econômicas como o bloqueio, o embargo, etc.

CONCLUSÃO

Vive-se em um mundo de guerras, conflitos, brigas pelo poder, discussões internacionais. É um mundo de rápidas transformações, no entanto nada mudou. Sim, é um mundo contraditório. As relações internacionais aumentam e se intensificam a cada segundo, mas o ser humano permanece o mesmo. A diferença é que hoje ele tem mais voz, mais presença, mais participação, mas talvez não entenda que o mundo mudou.

As guerras deixaram de ser atos bilaterais dos Estados, são condenadas pela comunidade internacional, sendo injustas consistem em um ato ilícito internacional, mas ainda assim existem, cada vez piores, com armas e meios mais destrutivos, ainda que sejam condenadas. Não é preciso voltar à Segunda Grande Guerra para que isto seja confirmado, todos os dias em nome da segurança coletiva, países miseráveis são atacados, direitos humanos são transgredidos, populações padecem sem nem saber o por quê.

O exemplo da guerra é notório, lê-se as notícias todos os dias nos jornais, chama atenção da mídia, mas não é o único. Os estrangeiros nacionais dos países em conflito, não necessariamente em guerra, sofrem destrato, são vítimas de preconceitos, muitas vezes têm os seus direitos negados pela justiça do país, e até sofrem deportações.

Pode-se falar também nos atos terroristas que atingem o planeta todo, como grupos separatistas que jogam bombas pelo seu país, e.g., o ETA; grupos terroristas que atacam países inimigos, caso do Bin Laden e as duas torres, entre inúmeros outros. Genocídios, por mais absurdo que pareça, ainda existem, como acontecia na Iuguslávia, até pouco tempo, pelas ordens de Milosevic.

Mas estes são os atos ilícitos mais explorados pela mídia, devido às suas graves conseqüências para a humanidade (não excluindo a gravidade dos demais), mas inúmeros outros existem também, como é o caso do tráfico de drogas nocivas, para o qual o mundo tem fechado os olhos. Drogas são plantadas em um país, refinadas em outro e vendidas em um terceiro. Há também a escravidão de mulheres que são iludidas em seus países, com promessas de uma vida melhor no exterior, e depois nunca mais são vistas, vítimas de maus tratos, tornam-se escravas daqueles que as levou.

No entanto todo ilícito tem sua conseqüência, e muitos dos infratores são punidos. A cada dia os atos ilícitos internacionais evoluem junto com as relações internacionais, novos crimes são listados, o ordenamento jurídico internacional cresce e se especifica. Os sujeitos dos atos ilícitos se tomam responsáveis pelos seus atos e por isso sofrem as devidas conseqüências, dentro das proporcionalidades. O mundo está cada vez mais regrado e conectado, os direitos humanos ganham adeptos a todo segundo, as manifestações a favor da paz são mais expressivas, mas os atos ilícitos persistem, não por negligência da comunidade internacional, muito pelo contrário, mas pelo simples fato de o ser humano ter permanecido o mesmo, com os mesmos instintos bélicos e competitivos. Que esteja claro, que aqui não se nega a evolução humana, suas descobertas científicas, suas conquistas e aprimoramento, apenas se afirma que seus instintos primitivos continuam intrínsecos à sua existência, e enquanto ser imperfeito o homem tende a cometer erros, que dentro da comunidade internacional pode resultar em atos ilícitos internacionais.

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Como citar o texto:

FERREIRA, Fabiana Falcoski..Atos ilícitos internacionais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 208. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/1637/atos-ilicitos-internacionais. Acesso em 10 dez. 2006.

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