INTRODUÇÃO 1. DUALISMO E MONISMO 2. O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 3. A NORMA INTERNACIONAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO NO CASO DO RECONHECIMENTO DO DOUTORADO ARGENTINO CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

Resumo

Este artigo visa analisar o valor da norma internacional no ordenamento jurídico Brasileiro. Para isso distingue as correntes monismo e dualismo, concluindo que Brasil adota o Dualismo. Mostra no exemplo do reconhecimento do Doutorado argentino no Brasil, que ainda esta em vigor o Acordo de Admissão de títulos e graus universitários para o exercício de atividades acadêmicas nos estados partes do Mercosur incorporado no ordenamento jurídico em 2005 pelo Decreto presidencial 5518. Sendo assim ainda é possível o reconhecimento por registro ou admissão automática, dispensável a revalidação. A nova Decisão 29/09 do Conselho Mercado Comum, ainda não foi incorporado ao ordenamento jurídico nacional, e por isso, não pode ser aplicado, além disso, é inconstitucional, porque discrimina Brasileiros diante de cidadãos de outros países. Sendo assim, sua internalização é duvidoso, e se ocorrer, a norma prevista, não seria aplicável, porque violaria a Constituição.

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Palavras Chaves: Direito internacional, Monismo, Dualismo,

INTRODUÇÃO

Neste artigo será analisado a vigência da norma internacional no direito brasileiro. O tema é atual, porque o Brasil faz parte do Mercosur, organização internacional, que frequentemente promulga normas. Além disso, num mundo cada vez mais globalizado, normas internacionais, como tratados, acordos internacionais etc, se tornem cada vez mais importantes e frequentes. Sendo assim, é importante analisar, qual valor a norma internacional tem no ordenamento jurídico brasileiro.

Na busca da resolução deste problema se pretende desenvolver o presente estudo. Desta forma apresentar-se-á uma introdução às teorias dualistas e monistas, a fim de descrever o valor da norma internacional no ordenamento jurídico nacional e como solucionar um conflito entre normas internacionais e nacionais.

1. DUALISMO E MONISMO

Para analisar o valor da norma internacional do ordenamento jurídico nacional brasileiro deve primeiro ser esclarecido, o que o direito nacional e internacional.

Para Bobbio, o direito nacional e a ordem jurídica, que tem, como fonte principal, a lei promulgado pelo Estado, que tem vigência e eficácia no território nacional, com a finalidade de obter controle social . O direito Internacional, por sua vez, é “é o conjunto de normas que regula as relações externas dos atores que compõem a sociedade internacional ”.

A questão principal relativo ao direito internacional é, se a norma internacional prevalece diante de uma norma do direito interno ou não. E esta pergunta leva a seguinte pergunta: "O Direito Internacional e o direito interno de cada Estado são duas ordens jurídicas distintas ou são fontes do mesmo Direito?" .

Existem duas correntes doutrinarias, que defendem os dois lados. A teoria dualista surgiu primeiro, defendido pelo austríaco Triepel no final do século XIX . O dualismo defende, que o direito internacional e o direito interno são duas sistemas jurídicos diferentes, cada um com suas normas . Triepel explica, que o direito interno e o direito internacional são duas sistemas jurídicos totalmente separados, porque possuem fundamentos de validade distintas, e são dirigidos a destinatários diferentes . Apesar de que na edição de 1899 do livro “Völkerrecht und Landesrecht” Triepel já usa a expressão Dualismus , ele a usa para descrever, que direito interno e direito internacional possuem fontes diferentes, ainda não usa a expressão como denominação de uma corrente doutrinaria. Isso é feito por outro austríaco, Alfred Verdross em 1914 . Verdross é monista, e denomina a corrente, que combate.

O Dualismo defende, que Direito interno e Direito internacional são duas sistemas jurídicas diferentes, que existem um ao lado do outro, sem que um obriga, por si só, o outro. Sendo dois sistemas jurídicos diferentes, não existe conflito entre as normas, eis que um dos requisitos para a antinomia é que ambas as normas pertencem ao mesmo sistema jurídico . Mas não só não existem antinomias entre os dois sistemas, os dois sistemas nem sequer se tocam. Portanto, o Direito internacional, por si, em nada influencia no direito nacional. O Direito internacional é valido, mesmo sem internalização, mas, sem importância, porque só tem vigência no Direito nacional, se suas normas são internalizadas por norma nacional . Desta forma, o Direito internacional se transformou em Direito nacional e integra o sistema jurídico nacional, e assim, naturalmente pode haver antinomias entre as normas nacionais originárias e as normas internacionais oriundos do Direito nacional.

Estes antinomias, são solucionadas conforme os critérios de solução de antinomias, sem qualquer distinção entre a origem da norma. O conflito se resolve pela declaração de invalidez de uma regra mediante o emprego de critérios de resolução de conflitos entre regras jurídicas. Estes critérios são: 1) o hierárquico, pelo qual a regra hierarquicamente superior derroga a inferior (lex superior derogat legi inferiori), 2) o cronológico, pelo qual a regra posterior derroga a regra anterior (lex porterior derogat legi priori), e 3) o critério da especificidade, pela qual a regra especial prevalece sobre a regra geral (lex specialis derogat legi generali) .

Referente ao critério hierárquico, a ordenamento jurídico de cada pais, prevê, qual é o nível hierárquico da norma internacional. Pode ser equiparada a lei ordinária, a ementa constitucional, ou a qualquer outra norma que o país julgar conveniente. Se a norma nacional oriundo de norma internacional for equiparada a lei ordinária, não terá eficácia, se estiver em contradição a Constituição, porque a antinomia neste caso se resolve pela regra lex superior derogat legi inferiori. Porém se no mesmo caso estiver em antinomia com outra lei ordinária originária, revoga o mesmo, porque prevalece a lei mais nova, que no caso seria a norma nacional de origem internacional.

O dualismo de Triepel encontra logo adeptos como o italiano Dionisio Anzilotti, que, embora considerado um dos maiores defensores do dualismo, relativizou já em 1905 as idéias de Triepel, quando defende na sua obra ”Il Diritto Internazionale nel Giudizio Interno”, que, o Direito Internacional pode ser aplicado diretamente pelos Tribunais internos sem a devida transformação” . Conforme Starke, Anzilotti também é o primeiro a distinguir os dois sistemas pelos seus princípios, assim o Direito interno é regido pelo princípio que na norma estatal deve ser obedecida, enquanto, o Direito internacional é regido pelo princípio pacta sunt servanda” . Contra o dualismo argumenta Litrento, que o Estado não existe fora das pessoas que o compõem, e que portanto, os destinatários das dois sistemas são os mesmos, pessoas .

Ao Dualismo se opõe logo o monismo, corrente doutrinária criado por Verdross, mas cujo maior destaque é outro austríaco, Hans Kelsen. Na sua obra “Das Problem der Souveränität und die Theorie des Völkerrechts ” de 1920, Kelsen defende, que o Direito interno e o Direito internacional, são partes do mesmo sistema jurídico. Mais tarde no livre “Reine Rechtslehre” Kelsen é ainda mais claro, quando explica, que o Direito interno e o Direito internacional forme um sistema jurídico no qual um dos dois contem uma norma que gera as normas do outro sistema .

Sendo parte do mesmo sistema jurídica, entende o Monismo, que a norma internacional pode ser aplicada diretamente pelo Judiciário nacional, sem qualquer previa internalização. Ambas as normas, a interna e a nacional existem paralelamente no mesmo sistema jurídico, e, portanto podem ser aplicados pelo Judiciário .

Mas, como é assim, é possível que haja conflito de regras , e, portanto, deve se discutir, qual norma prevalece para os monistas, a interna ou a internacional? A tal ponto este problema é complexo, que Verdross, o fundador do Monismo, defendia ambas as posições. No inicio, defendia, influencia pela predominante ideia da doutrina da vontade dos Estados (Staatswillenlehre) que o direito internacional tem seus fundamentos no direito interno , mas logo reconheceu que este entendimento não chega à essência do direito internacional e muda sua posição defendendo a primazia do direito internacional diante do direito interno .

Os argumentos usados por Verdross em ambas as fases, ainda são usadas, nos dois correntes do monismo, a monista com primazia do Direito interno, que se baseia, conforme Mello , em Hegel, que defendia a supremacia do Estado, e a monista com primazia do direito internacional, que encabeçado por Kelsen e Verdross, entende, que a norma fundamental tem sua origem no direito internacional . Kelsen, influenciado por Verdross defende, que Direito Internacional e Direito interno formam um sistema, na qual a norma consuetudinária do Direito Internacional pacta sunt servanda é a Norma fundamental (Grundnorm) .

A primeira defende que a norma interna é hierarquicamente superior a internacional. Isso porque, como explica Mello, para este corrente não pode o Estado estar sujeito a normas que não emanem de sua vontade . Trata se aqui da Staatswillenslehre predominante no início do seculo XX, e que influenciou Verdross no início, antes do mesmo superou este entendimento. Assim, para este corrente o Direito Internacional não é outra coisa de que um tipo de Direito interno que os Estados aplicam em âmbito internacional . Para esta corrente havendo conflito entre a norma interna e a norma internacional, prevalece sempre a norma interna por ser superior, não importando nem o critério temporal nem de especificidade.

A segunda corrente defende o contrário. A norma internacional é hierarquicamente superior, e, portanto prevalece diante uma antinomia com a norma interna. Porém, está prevalência, conforme Verdross/Sima, não anulam a Lei nacional, apenas geram responsabilidade civil do Estado do qual emane a norma contrária a norma Internacional . Ou seja, prevalece a norma internacional no sentido, de que o Estado a deveria aplicar, mas, como, não há como obrigar o Estado de invalidar suas próprias normas, a solução é responsabilizar o Estado pelos prejuízos causadas, pela não aplicação da norma internacional.

Embora tanto as teorias monistas como dualistas possuem seu valor, na pratica, a grande maioria dos Estados possui uma Constituição majoritariamente dualista, porque a idéia que a Comunidade internacional, ou tratados sem internalização possam influenciar no ordenamento jurídico nacional ainda assusta, como será mostrado no exemplo do Brasil.

2. O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A Constituição Brasileira, ao prever no Art. 84 VIII , que a Norma internacional só tem vigência no Brasil, após sua ratificação pelo Congresso Nacional, assume a posição dualista, mas a Constituição também já prevê, no Art. 5 § 4° uma exceção, a submissão ao Tribunal Penal internacional . Assim, com exceção da exceção, Brasil defende a existência de dois sistemas jurídicos diferentes, o internacional e o nacional.

Também não existe na Constituição uma diferença entre normas internacionais e normas comunitárias, como por exemplo, acontece nos países da Comunidade Européia.

Todos os países da Comunidade Européia assumem, na prática, o dualismo, existe para eles o Direito internacional e o direito interno, como sistemas distintos. Mas em relação ao Direito interno, a interpretação é mais ampla, pois não só engloba o direito nacional, como também o direito comunitário. Assim os países da União Européia são monistas em relação a União Européia, as normas da União e as normas internas são um sistema só com primazia nas normas da União e são Dualistas em relação aos outros países. O Direito internacional só vale nos países da União Européia, se internalizado por norma nacional.

O Brasil não faz esta distinção. Qualquer norma internacional, comunitário (Merosur) ou não, é tratado da mesma forma. Só tem vigência no Brasil, após ser internalizado por norma interna.

Esclarecido isso, será agora analisada num caso concreto como a norma internacional é recepcionada no sistema jurídico brasileiro.

3. A NORMA INTERNACIONAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO NO CASO DO RECONHECIMENTO NO BRASIL DO DOUTORADO ARGENTINO

 

Como acima exposta, a norma internacional, mesmo comunitária, eis que a Constituição brasileira não prevê um tratamento diferenciada a norma internacional da comunitária, deve, para ter vigência no Brasil, ser incorporado ao ordenamento jurídico, por norma interna, pode ser decreto ou lei. Sem este internalização, a norma não possui vigência no Brasil. Dito isso, será apontada a situação legal referente ao reconhecimento do Doutorado Argentino no Brasil.

Base legal principal do reconhecimento é o “Acordo de Admissão de títulos e graus universitários para o exercício de atividades acadêmicas nos estados partes do Mercosur ”. Firmado em 1999 em Assunção, este Acordo surge, como o próprio acordo expressa, “em virtude dos princípios, fins e objetivos do Tratado de Assunção, assinado em março de 1991.”

Elenca o Acordo no Primeiro Artigo, que:

Os Estados Partes, por meio de seus organismos competentes, admitirão, unicamente para o exercício de atividades de docência e pesquisa nas instituições de ensino superior no Brasil, nas universidades e institutos superiores no Paraguai, nas instituições universitárias na Argentina e no Uruguai, os títulos de graduação e de pós-graduação reconhecidos e credenciados nos Estados Partes, segundo procedimentos e critérios a serem estabelecidos para a implementação deste Acordo .

Nos seguintes artigos se destaca, que os graus acadêmicos só são reconhecidas para fins de docência e pesquisa (Artigo Quinto) e que “Os títulos de graduação e pós-graduação referidos no artigo anterior deverão estar devidamente validados pela legislação vigente nos Estados Partes” (Artigo Terceiro) . Além disso, são estabelecidos requisitos mínimos, para evitar, que um país membro seja obrigado a aceitar um diploma de formação de pouca qualidade. Assim o Artigo Segundo estabelece carga horário mínimo de 360 horas para o doutorado . Significa, se um pais membro oferecesse doutorado com 300 horas aula, os outros países membros não precisam reconhecê-lo. Mas o Artigo Quarto é ainda mais exigente, pois estabelece, que:

Para os fins previstos no Artigo Primeiro, os postulantes dos Estados Partes do Mercosur deverão submeter-se às mesmas exigências previstas para os nacionais do Estado Parte em que pretendem exercer atividades acadêmicas .

Sendo assim, o doutorado feito em qualquer país do Mercosur, deve ser admitido em outro, desde que tem duração de no mínimo 360 horas, possui as mesmas exigências, como no país onde se pretende seu reconhecimento e é validada conforme a legislação nacional do pais onde se pretende seu reconhecimento.

De forma alguma pode ser deduzida deste acordo um direito ao reconhecimento automático do diploma do doutorado feito em outro pais do Mercosur, mas nada impede, que normas nacionais prevêem o reconhecimento automático.

Mas, de outro lado, conforme o Acordo, o Doutorado Argentino, e de qualquer outro pais membro do Mercosur, vale em Brasil, desde que preenchidos os requisitos, e desde que validado, conforme a legislação nacional. Portanto existem dois critérios a serem considerados, os estabelecidos no Acordo supranacional e os da legislação nacional. Os critérios supranacionais são que o doutorado possui no mínimo 360 horas aulas e que as exigências são as mesmas como no país onde se pretende seu reconhecimento. No Brasil estes exigências são formais e materiais, objetivos e subjetivos. As exigências formais e objetivos são, possuir título de mestre para ingressar no Doutorado, proficiência de duas línguas estrangeiros, e ter publicado dois artigos científicos durante o curso de doutorado antes da defesa da tese. Os critérios matérias e subjetivos digam respeito ao conteúdo da tese, que deve ser nova e relevante. Estes exigências no Brasil devem existir no pais onde o Doutorado foi obtido, sob pena de não aplicação do Acordo supranacional. Além disso, o doutorado deve ser validada conforme a legislação nacional.

Porém, para que este acordo tenha vigência no Brasil ele deve ser incorporado ao ordenamento jurídico nacional. Isso aconteceu com o Decreto Legislativo nº 800 de 23 de setembro de 2003 e pelo Decreto nº 5.518, de 23 de agosto de 2005 , portanto, o Acordo é integrado no ordenamento jurídico nacional. Decreto legislativo é um ato normativo de competência exclusiva do poder legislativo que serve como autorização para o Presidente ratificar o tratado. Porém, não obriga, cabe ao Presidente ratificá-lo ou não, conforme entender melhor . No caso o decreto legislativo foi ratificado por decreto presidencial (Decreto n° 5.518), e publicada é, portanto, o mesmo esta em vigor.

Isso porque a publicação é o ato que leva a norma ao conhecimento dos que lhe devem obedecer, e como só se pode obedecer a uma norma, que se possa conhecer, a publicação é requisito para que a norma esteja em vigor . Como o Decreto n° 5.518 foi devidamente publicado, ela está em vigor no Brasil.

Assim o Acordo integra o ordenamento jurídico nacional em nível hierárquico à Lei ordinária. Não está em conflito com a Constituição, assim o critério hierárquico não impossibilita sua validade.

Mas, isso, por si só não significa que o Doutorado Argentino seja reconhecido automaticamente no Brasil. Isso, porque o Artigo terceiro do Acordo exige a validação conforma a legislação nacional. Obviamente este terceiro Artigo tem a intenção de garantir que no país onde o doutorado foi obtida as exigências para o título são as mesmas como no pais onde o título será usado. Mas, como dito, nada impede, que, como acontecem, normas internas garantem o reconhecimento automático.

A legislação nacional do Brasil sobre a matéria é positivada na Lei 9.394/96, porém, não estabelece critérios objetivos para a validação dos diplomas, apenas define no § 3° do Art. 48, que a validação deve ser feita por Universidades brasileiras que oferecem o mesmo curso, em grau igual ou superior . Ou seja, para que uma universidade brasileira possa validar um diploma de Doutorado em direito feita na Argentina, esta universidade deve oferecer ela mesma um curso de doutorado em direito. Pois bem, com isso já se esgotou a previsão legal, mas há ainda a Resolução CNE/CES n°1 de 2002 . Esta resolução, distingue entre três espécies do gênero reconhecimento, dois de forma expressa e um de forma tácita. A admissão automática do doutorado, para fins de progressão de carreira, o registro, e a revalidação. Na admissão, a faculdade onde trabalha o doutor, reconhece ele como doutor, pagando lhe a remuneração de doutor, lhe autoriza de liderar grupos de pesquisa, e lhe admite aos cargos pela qual a qualificação mínima é a de doutor. Não haverá na admissão, o envolvimento de terceiros. No registro, o doutor registra seu diploma numa universidade publica, e este registro obriga outras faculdades de reconhecer o diploma. O registro não é um selo de qualidade, apenas confirma, por órgão público, (universidade pública) a existência do Diploma. Tanto a admissão como o registro se aplicam aos países do Mercosur , porque o Acordo é um acordo cultural, caso no qual conforme Parágrafo único do Artigo 2 a revalidação é dispensável, podendo ser exigido registro, ou não. A revalidação se aplica aos diplomas oriundos de países com quais Brasil não mantém acordo cultural, é implica num processo demorado, complicado é subjetivo de verificar se o curso cursado corresponde ao curso equivalente no Brasil. O problema é que a resolução não estabelece critérios objetivos matérias para definir quando um doutorado no exterior tem a mesma qualidade de que o doutorado brasileiro. A resolução, porém estabelece critérios formais, que restringem e interpretam a Lei 9.394/96. Assim, a resolução restringe no Art. 3° às universidades públicas a revalidação dos diplomas . Nos Art. 4-7 a resolução apenas indica como proceder, deve ser feito um requerimento instruído, que será julgado por uma comissão, mas não há critérios objetivos nesta resolução nem em outra norma da legislação nacional, que se preenchidos garantem o reconhecimento. Cabe a Universidade estabelecer de forma casuística os critérios que aplica no caso concreto. Caminha lembra com precisão, que esta falta de critérios objetivos, tem como consequência, que uma universidade reconhece um doutorado e outra não, o que uma universidade reconhece os diplomas de seus professores mas não de outras pessoas .

Por força da resolução, apesar de que o acordo supranacional permitisse que os Estados membros condicionam o reconhecimento à validação conforme a legislação nacional, para forma de controle de qualidade, tanto os órgãos oficiais, como a doutrina e jurisprudência defendem o reconhecimento ou via admissão automático, ou mediante simples registro, do título de doutor, dispensando a revalidação.

Neste sentido menciona o Ofício Circular n° 152/2005 do Ministério de Educação dirigido aos dirigentes das Instituições do Ensino superior, que o Acordo “trata da admissão automática de títulos e graus universitários dos Estados Partes do Mercosur para o exercício de atividades acadêmicas nas instituições definidas em seu Artigo Primeiro” .

Enfatiza ainda, que “o Acordo se refere à admissão de diplomas dos Estados Partes unicamente para o exercício de atividades de docência e pesquisas nas instituições de ensino superior” .

Pelo dito fica claro, que o Ministério de Educação entende, que o Acordo só diz respeito ao reconhecimento do Doutorado para fins de docência e pesquisa, mas que nestes casos a admissão é automática, ou seja independente de previa revalidação no Brasil. Conforme entendimento do Ministério de Educação Brasileiro basta o portador de diploma de doutorado obtido em pais do Mercosur apresentar o mesmo na Instituição de ensino superior onde pretender pesquisar o exercer a docência, para que o mesma seja admitido como se fosse doutorado nacional.

O mesmo entendimento é partilhado pela doutrina e pela jurisprudência.

Assim, o Juiz James Hamilton Oliveira Machado da 1° Vara Federal de Campo Moura/PR condenou em 17.11.2006 no Mandado de segurança n° 517/06 a Faculdade de Ciências e Letras de Campo Moura a reconhecer o título de Mestre do impetrante obtida em universidade paraguaio para fins de progressão profissional. O juiz fundamentou sua decisão justamente com o Ofício Circular n° 152/2005 do Ministério de Educação. Neste caso a Ré não foi condenado à revalidar o diploma, mas a reconhecer automaticamente, sem previa revalidação o título obtido no Paraguai. Significa, que o impetrante será considerado Mestre, recebendo o salário de Mestre, podendo liderar grupos de Estudo, para quais a qualificação mínima é a de mestre etc.

Em outro caso, na apelação civil 2007.70.00.018550-1/PR a 4° Turma do Tribunal Federal da 4° Região condenou em 24.4.2008 a Universidade Federal do Parana a registrar, para fins de docência Diploma de Doutorado obtido na UMSA, na Argentina. Não condenou a revalidar o diploma, porque entendeu que o pedido do autor de “validação do diploma” queria dizer registro. Assim ementou: “Tratando-se de revalidação como registro apenas para fins de docência, é de se prestigiar o Acordo Internacional, haja vista o depósito de sua ratificação expressa pelos países participantes ”.

Entende se, que até este ponto o doutorado feito em países do Mercosur deve ser reconhecido no Brasil, podendo se discutir, se automaticamente ou após registro, dispensando a necessidade de revalidação.

Porém agora a situação pode mudar. Isso por causa da recente Decisão 29/09 do Conselho Mercado Comum, que, visando regulamentar a aplicação do Acordo de Admissão de títulos e graus universitários para o exercício de atividades acadêmicas nos estados partes do Mercosur, elenca no seu Artigo segundo, que “a admissão de títulos e graus acadêmicos, para os fins do Acordo, não se aplica aos nacionais do país onde sejam realizadas as atividades de docência e de pesquisa” .

Pois bem, cabe agora analisar, o significado, a validade e a vigência desta norma no Brasil, bem como sua constitucionalidade.

Referente ao significado, parece, que apesar da clareza da redação do Artigo, há divergências. Pelo texto da decisão fica evidente, que não podem ser invocadas as facilidades do Acordo de Admissão de títulos e graus universitários para o exercício de atividades acadêmicas nos estados partes do Mercosur pelos nacionais dos países onde o reconhecimento é pleiteado. Ou seja, o Doutorado feito na Argentina por Brasileiro não é mais abrangido pelo Acordo. Isso não significa que o doutorado feito por brasileiro em outro pais do Mercosur não seja reconhecido no Brasil, significa, que o reconhecimento se da na modalidade mais complicado de revalidação, em vez da mais simples de registro ou admissão automática. Porém o Doutorado feito por Argentino na Argentina, continua sendo abrangido pelo Acordo, e é portanto, no Brasil reconhecido via registro ou admissão automática. Até aqui não há divergências.

A dúvida surge referente à doutores oriundos de países não membros do Mercosur, que fazem o Doutorado em um pais do Mercosur e pretendem trabalhar em outro. Qual é a situação deles? Por exemplo, de um alemão, que faz Doutorado na Argentina e pretende o reconhecimento no Brasil? Aplica se o Acordo? Pela redação da Decisão claramente que sim, porque apenas exclui os nacionais, valendo por tanto para qualquer outra pessoa, seja oriundo dos países do Mercosur ou não.

Mas a Capes interpreta diferente. Na pagina web da própria Capes, órgão que regulamenta e fiscaliza o ensino superior no Brasil, a Capes informa referente a decisão, que:

Com essa regulamentação, o acordo somente surtirá efeito para estrangeiros provenientes dos demais países do Bloco, que venham a lecionar no Brasil. Os brasileiros não poderão se valer desse acordo para evitar os trâmites de revalidação de diplomas previstos na legislação brasileira .

A Capes entende, que com a decisão o acordo somente se aplica a estrangeiros provenientes do Mercosur, enquanto a interpretação literal permite entender, que se aplica a todos os estrangeiros, sendo do Mercosur ou não.

Resolve-se este dilema, analisando o objetivo do acordo. O Objetivo, conforme o próprio acordo, é facilitar o intercambio de docentes e pesquisadores no Mercosur. Sendo assim, é no interesse do acordo, que este intercambio seja o mais amplo possível, portanto é no interesse do acordo, que um alemão, um boliviano, um russo, que fizeram doutorado na Argentina, possam lecionar e pesquisar no Brasil, sem maiores dificuldades. Sendo assim a decisão deve ser interpretada de forma restrita e literal. Aplica se o acordo a todos, menos aos nacionais do país onde se pretende exercer a pesquisa e docência.

Mas ainda restam perguntas, que acontece, por exemplo, como o Argentino, que faz o Doutorado na Argentina, é depois muda para Brasil e se nacionaliza também Brasileiro. Ele tem então duas nacionalidades, argentina e Brasileira, será que é a intenção da decisão, que ele não pode ter seu doutorado reconhecido por registro ou admissão só porque se tornou brasileiro? E qual é a situação do Brasileiro nato com dupla nacionalidade, por exemplo, argentina, pode ele invocar o fato de ser também argentino, para obter o reconhecimento mediante admissão ou registro? A interpretação conforme a intenção da norma seria que no primeiro caso a segunda nacionalidade não impede o reconhecimento pelo registro ou admissão automática, e no segundo caso, que não evita o reconhecimento mediante revalidação.

Analisa-se agora a validade da norma. Parece, que a norma é valida, pois visa regulamentar outra norma. Assim não é necessário um adendo ao acordo, assinado pelos chefes do Estado. Tratando se apenas de uma regulamentação, a Comissão do Mercado Comum tem poderes de promulgar esta norma.

Referente a vigência, conforme o dito no início, a norma só entra em vigor, após ter sido internalizado ao ordenamento jurídico nacional. Isso ainda não ocorreu. Portanto há norma não pode ser aplicado no Brasil. Isso significa que o Acordo, se aplica, pelas Leis Brasileiras ainda também aos Brasileiros.

Tendo em vista, que a decisão discrimina os nacionais diante de estrangeiros, e tendo em vista, que a Constituição Brasileira proíbe a discriminação , há boas chances, de que a decisão não seja internalizado, por vício de inconstitucionalidade.

Mas se mesmo assim for internalizado terá se uma norma conflitante com a Constituição, ou seja, uma antinomia, que deve ser resolvido pelo princípio da hierarquia. Significa, a decisão pode até, indevidamente como se entende, ser internalizado no ordenamento jurídico, mas não poderia ser aplicado na pratica, porque, mostrando a antinomia com a Constituição, prevalece a Constituição, o que impede a aplicação da decisão, o que tornaria a norma de origem externa, ineficaz.

Mas mesmo se a norma for internalizado, e contrariando aos princípios de solução de antinomia, apesar da flagrante inconstitucionalidade, seja aplicada, o que não deveria acontecer, o doutorado Argentino continuaria sendo reconhecido no Brasil, porém, não mais na modalidade de registro, mas dependendo do mais complicado caminho de revalidação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito internacional e o direito interno, conforme a corrente monista formam um sistema jurídico único, no qual a norma internacional possa ser aplicado sem previa internalização no Direito interno.

Porém conforme a corrente Dualista isso não é possível, eis que ambos os sistemas formem sistemas jurídicos diferentes. A norma internacional só pode ser aplicada no país, após internalização. Brasil adota o dualismo, e, portanto, normas internacionais, não têm vigência automática, não podendo ser aplicadas de imediato.

É necessária que as mesmas seja internalizadas por decreto presidencial ou lei. Tanto para a internalização, como para sua vigência, é imperativo, que a norma internacional a ser internalizado não esteja em contradição com a Constituição Brasileira.

A Decisão 29/09 do Conselho Mercado Comum ainda não foi internalizada no ordenamento jurídico Brasileiro, motivo pelo qual ainda esta em vigor o “Acordo de Admissão de títulos e graus universitários para o exercício de atividades acadêmicas nos estados partes do Mercosur” incorporado no ordenamento jurídico em 2005 pelo Decreto presidencial 5518. Este Acordo dispensa a revalidação do Doutorado Argentino feito por Brasileiro, possibilitando o reconhecimento mediante registro ou admissão automática.

A Decisão 29/09 do Conselho Mercado Comum é inconstitucional, porque discrimina Brasileiros diante de cidadãos de outros países. Sendo assim, sua internalização é duvidosa, e se ocorrer, a norma prevista, não seria aplicável, porque violaria a Constituição.

Caso, porém a norma foi indevidamente aplicado, o Doutorado Argentino, ainda assim pode ser reconhecido no Brasil, via revalidação, mas não mais via simples registro ou admissão automático.

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WIKIPEDIA. Direito Internacional. Disponível em 

 

Data de elaboração: junho/2010

 

Como citar o texto:

KOHN, Edgar..A Norma internacional no ordenamento juridico brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/2149/a-norma-internacional-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em 14 fev. 2011.

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