1. Introdução:

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a delegação de serviços de registro de imóveis adquiriu perfil constitucional. O artigo 236 do texto magno traz disposição expressa no sentido do caráter privado da atividade dos registradores, por delegação do Poder Público.

Não descuidou, no entanto, o legislador constituinte, quanto à responsabilidade dos agentes delegados. Assim, no texto constitucional há disposição remetendo à regulamentação infraconstitucional no que diz respeito à responsabilidade, tanto civil quanto criminal, dos registradores, bem como quanto à fiscalização das atividades delegadas pelo Poder Judiciário.

Atendendo ao mandamento constitucional, a Lei 8.935/1994, chamada popularmente de "Lei dos Cartórios", regulamentou diferentes aspectos dos serviços notarias e de registro. Dentre as diferentes matérias de que trata, releva frisar o dever de fiscalização tributária, dos profissionais delegados dos serviços públicos de registro, quanto ao recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar.

A Lei 6.015/1973, que dispõe sobre os registros públicos, também prevê a obrigação fiscal tributária dos registradores, no exercício de suas funções.

Importa observar, por último, a Lei 9.393/1996, que dispõe sobre o Imposto Territorial Rural. Há previsão expressa nesta lei, quanto à obrigação dos serventuários registradores de imóveis, pela fiscalização tributária. A referida lei faz ainda remissão ao Código Tributário Nacional, para o estabelecimento de responsabilidades dos registradores, em caso do descumprimento da obrigação de fiscalização, sem prejuízo de outras sanções legais.

Impende observar, diante da relevância do tema, os contornos e limites das responsabilidades previstas nas leis citadas, possibilitando aos profissionais registrais e aos interessados, melhor entendimento da matéria.

2. Análise dos dispositivos legais:

O artigo 30, inciso XI da Lei 8.935/1994, que é regra geral, dispõe sobre o dever de fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que deve praticar o registrador.

O artigo 289 da Lei 6.015/1973 impõe ao registrador, no exercício das suas funções, a fiscalização rigorosa do pagamento dos impostos devidos, por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício.

Tais dispositivos legais, no entanto, devem ser entendidos com as devidas cautelas. O oficial de registro não é um agente fiscal tributário. A delegação que recebe do texto legal é limitada, não se estendendo à avaliação substancial do mérito do encargo tributário. Apenas está habilitado a exigir o comprovante tributário, de recolhimento ou isenção, expedido pela autoridade competente.

O artigo 21 da Lei 9.393/1996, por seu turno, prevê a obrigatória comprovação do pagamento do Imposto Territorial Rural, referente aos cinco últimos exercícios, para serem praticados quaisquer atos de registro ou averbação, previstos na Lei 6.015/1973, ressalvando-se os casos em que a exigibilidade do imposto esteja suspensa, ou em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora.

Prevê ainda, o parágrafo único do artigo 21, citado, a responsabilidade solidária dos registradores de imóveis pelos impostos e pelos acréscimos legais, em caso de descumprirem a obrigação, efetuando atos de registro ou averbação sem as comprovações exigidas, fazendo remissão ao artigo 134 do Código Tributário Nacional, que no inciso VI dispõe sobre a responsabilidade dos registradores:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

Importante considerar com cautela o caput do artigo 134. A redação, que parece clara à primeira vista, contém uma impropriedade técnica. O dispositivo, para ser interpretado, deve ser confrontado ao artigo 275 do Código Civil, que trata da solidariedade passiva, com a seguinte redação:

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores.

A solidariedade passiva, pelo que se percebe da análise do texto legal, é caracterizada pela possibilidade de escolha livre, pelo credor, de um ou alguns entre os devedores, para a cobrança da dívida, total ou parcialmente.

Já o artigo 134 do Código Tributário Nacional, ao dispor que, somente na impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, poderá ser cobrada a dívida do terceiro responsável, estabeleceu um benefício de ordem.

Há, portanto, uma nítida diferença entre a disposição do artigo 134 do Código Tributário Nacional e o artigo 275 do Código Civil. No primeiro caso, há um benefício de ordem em favor dos terceiro responsáveis, que só poderão ser cobrados na impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Já na solidariedade passiva do Código Civil, não há previsão de benefício de ordem, podendo o credor escolher indistintamente de quem cobrará a dívida, parcial ou integralmente.

Trata-se, portanto, dando a devida interpretação ao Código Tributário Nacional, de responsabilidade subsidiária, responsabilidade esta que, embora não prevista de forma expressa no livro do Direito das Obrigações do Código Civil, é amplamente aceita pela jurisprudência, além de prevista em outros dispositivos esparsos de outros livros do Código Civil, e de outras leis extravagantes.

Comentando a diferença entre responsabilidade solidária e subsidiária, assim se posicionam os autores Pablo Stolze Gabliano e Rodolfo Pamplona Filho:

"De fato, na visão assentada sobre a solidariedade passiva, temos determinada obrigação, em que concorre uma pluralidade de devedores, cada um deles obrigado ao pagamento de toda a dívida. Nessa responsabilidade solidária, há, portanto, duas ou mais pessoas unidas pelo mesmo débito.

Na responsabilidade subsidiária, por sua vez, temos que uma das pessoas tem o débito originário e a outra tem apenas a responsabilidade por esse débito. Por isso, existe uma preferência (dada pela lei) na "fila" (ordem) de excussão (execução): no mesmo processo, primeiro são demandados os bens do devedor (porque foi ele quem se vinculou, de modo pessoal e originário, à dívida); não tendo sido encontrados bens do devedor ou não sendo eles suficientes, inicia-se a excussão de vens do responsável em caráter subsidiário, por toda a dívida.."

Estabelecida a diferença entre responsabilidade solidária e subsidiária, e definida a responsabilidade subsidiária do Código Tributário Nacional, a despeito da redação do dispositivo legal, importa ressaltar ainda a parte final do artigo 134 do Código Tributário Nacional, segundo a qual os terceiros somente serão responsabilizados nos atos nos quais intervierem, ou pelas omissões pelas quais forem responsáveis. Conclui-se assim que, para ocorrer a responsabilidade subsidiária dos registradores, faz-se necessário que o não cumprimento da obrigação tributária, referente ao Imposto Territorial Rural, decorra de intervenção ou omissão na prática de seus atos profissionais. Tais atos encontram-se devidamente definidos no artigo 21 da Lei 9.393/1996, o qual impõe, aos registradores, a obrigação de exigir do contribuinte ou responsável principal, comprovação do pagamento do Imposto Territorial Rural, referente aos cinco últimos exercícios, para que sejam praticados quaisquer atos de registro ou averbação, referentes a imóveis rurais.

3. Conclusão:

Resta, portanto, aos registradores de imóveis, ao realizarem seus atos profissionais, as devidas cautelas, como fiscais tributários que são, por expressa disposição legal, para que não lhes restem possíveis responsabilidades pelo Imposto Territorial Rural de imóveis matriculados em suas serventias.

Entretanto, necessário ressaltar que a fiscalização exercida por esses agentes delegados é limitada, não se equiparando à fiscalização exercida por agentes fiscais tributários, mas resumindo-se apenas à exigência da apresentação do comprovante do recolhimento do tributo, expedido pela autoridade competente, sem adentrar no mérito substancial da obrigação tributária.

Em caso de responsabilização de registradores de imóveis, por Imposto Territorial Rural, por imóveis matriculados em suas serventias, por ação ou omissão na prática de seus atos profissionais, destaque-se que tal responsabilidade será subsidiária, ocorrendo apenas depois de excutidos os bens do responsável principal pelo tributo.

 

Referências:

CAHALI, Y. S. (org.) Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil. 6. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

CARRAZA, R. A. (org.) Código Tributário Nacional, 5. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 1997.

GAGLIANO, P. S. e PAMPLONA FILHO, R. Novo Curso de Direito Civil: abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 82 a 89.

PIRES, Adilson Rodrigues. Manual de direito tributário. 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993.

SABBAG, E. M. Direito Tributário. São Paulo: Prima Cursos Preparatórios, 2004. p. 177 a 178.

 

Elaborado em 24 de março de 2005.

 

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Como citar o texto:

ANGIEUSLKI, Plínio Neves..A responsabilidade dos registradores de imóveis na Lei 9.393/1996 - Lei doImposto Territorial Rural. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 120. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-notarial-e-registral/540/a-responsabilidade-registradores-imoveis-lei-9-3931996-lei-doimposto-territorial-rural. Acesso em 28 mar. 2005.

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