RESUMO: O sistema previsto na Constituição Federal para os serviços de notas e registros ainda está sendo implantado nos estados da Federação. Ainda há reflexos do sistema vigente na constituição anterior nos atuais serviços prestados. Propostas de emendas constitucionais, cujas bases críticas remontam ao sistema anterior, podem levar ao equívoco da estatização e burocratização dos serviços. È necessário dar maior eficácia à atual previsão. Nos estados onde o atual sistema constitucional já está implantado, os serviços são de excelente qualidade, modelos de referência internacional.

PALAVRAS-CHAVE: Serviços notariais e registrais - Emenda constitucional, estatização - Equívoco - Sistema atual - Eficácia - Modelo de referência.

1. Introdução:

A origem histórica dos serviços de notas e de registro vem de longas datas, estando relacionados à natureza humana e sua necessidade de perpetuar atos e fatos relevantes. Há registros históricos de realização desses serviços já pelos povos do Egito.

A evolução e intensificação das atividades e negócios, aliadas à necessidade de conferir transparência e segurança às relações humanas, deram especial relevância a esses serviços que, ao longo tempo, ganharam diferentes contornos jurídicos normativos.

No Brasil, o histórico da evolução jurídica dos serviços de notas e registros remonta às nossas origens, estando presentes desde o período colonial, quando implantados pelas Ordenações do Reino. Submetidos a uma natural evolução, passando por diversos sistemas, chegamos aos dois últimos e recentes períodos, cujas análises interessam ao presente estudo: o anterior à Constituição Federal de 1988, conhecido por sistema patrimonial, e o atual, de provimento por delegação em concurso público de provas e títulos.

O sistema patrimonial, previsto na Constituição anterior, não foi totalmente superado, restando muitos reflexos daquele momento histórico, nos atuais serviços prestados.

O novo sistema tem status constitucional, com previsão expressa no artigo 236 da Constituição Federal. Embora já vigente por 17 anos, a implantação do sistema vem sendo gradativa. Só recentemente vem ganhando maior celeridade

 

2. O sistema da Constituição de 1967 e as alterações trazidas pela Constituição Federal de 1988:

No sistema anterior, a criação e organização dos serviços auxiliares do Poder Judiciário estavam previstas nos artigos 110 e 136 da Constituição de 1967, complementados pela Emenda Constitucional 22.

Os serviços de notas e registros, por aquele sistema, pertenciam a particulares, que desenvolviam as atividades por meio de delegação, técnica utilizada para descongestionar a administração pública. Porém a delegação não era feita por concessão, permissão ou concurso, mas sim dava-se por meio de uma delegação atípica.

Após receber a delegação, o particular organizava a estrutura cartorária, a qual passava então a fazer parte de seu patrimônio. Chegou-se a discutir a hereditariedade dos cartórios, tanto no repasse dos bens patrimoniais que compunham a estrutura, quanto com relação à delegação de serviço público.

Com a atual Constituição surgem novas tendências. A Administração Pública ganha novos contornos, principalmente com a busca da implementação dos princípios de administração pública, em especial o da eficiência administrativa.

Especificamente no que se refere aos serviços notariais e registrais, a Constituição Federal trouxe disposição específica no artigo 236 e parágrafos, com a seguinte redação:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Os serviços notariais e registrais, com as novas disposições constitucionais, permanecem como atribuições públicas delegadas aos particulares, porém com alterações compatíveis com o regime do Estado Democrático de Direito.

O legislador constituinte procurou aperfeiçoar o sistema, mediante a aplicação de princípios afinados com as novas tendências de administração pública. Permitindo que o serviço seja realizado por particulares, por delegação, prestigiou as novas tendências de administração gerencial, bem como o princípio da eficiência, em detrimento dos sistemas de administração burocrática, conservadores.

Também, para garantir efetiva disponibilidade do serviço público à coletividade, a Constituição não permite que a serventia fique vaga por mais de seis meses, exigindo que se abra concurso para preenchimento.

Prestigiando o princípio da isonomia, a Constituição Federal dispôs que a delegação dos serviços deve ocorrer por meio de concurso de provas e títulos. Assim, proporciona gestão democrática, combatendo o sistema patrimonial e o clientelismo.

E ainda, não descuidando das responsabilidades dos agentes, propiciou maior segurança aos serviços.

Estas, entre outras considerações extraídas do texto constitucional, demonstram a preocupação do legislador constituinte originário, com a garantia de eficácia e otimização das atividades notariais e registrais.

Regulamentando a Constituição, surgiu a Lei nº 8.935/1994, trazendo diversos aperfeiçoamentos ao sistema. Prevê, por exemplo, que a delegação seja realizada por concurso público de provas e títulos, e que os profissionais, para se habilitarem em concurso, sejam bacharéis em direito ou, pelo menos, pessoas com experiência mínima de 10 anos de exercício. Cuidou também, ainda a título de exemplo, da equiparação dos agentes delegados a servidores públicos, prevendo inclusive responsabilidade civil, criminal e administrativa desses agentes.

 

3. Afinidade dos serviços notariais e registrais com as novas tendências da Administração Pública trazidas pela Emenda Constitucional 19.

A emenda constitucional nº. 19, fruto da atividade do legislador constituinte derivado, buscando aperfeiçoar a administração pública, adaptando-a ás novas tendências, deu nova redação ao caput do artigo 37 da Constituição Federal, erigindo à categoria de princípio constitucional o dever de eficiência, que corresponde ao "dever de boa administração", da doutrina italiana, nos dizeres de Hely Lopes Meirelles.

A eficiência nos serviços públicos, prestigiada pela reforma, compreende um sentido amplo, conforme o entendimento da doutrina, abrangendo não só os aspectos quantitativos, mas também a qualidade dos serviços, inclusive no que diz respeito à adequação técnica.

Com o status constitucional, o princípio da eficiência, com seu alto significado para os serviços públicos em geral, passou a ser aplicado indistintamente a todos os níveis de administração pública, inclusive aos serviços delegados.

Assim sendo, para atender ao referido princípio, os serviços notariais e registrais devem ser prestados com perfeição, rendimento funcional e presteza. Tais características, como se sabe, são afetas às modernas tendências de administração pública, marcadas pela transferência de atribuições aos setores privados, com a adoção de valores gerenciais, em detrimento das administrações conservadoras, de estruturas burocráticas, já experimentadas pela nossa sociedade, cujos resultados caóticos são conhecidos.

Percebe-se, contrastando as orientações trazidas pela Emenda Constitucional 19 e os dispositivo constitucionais do artigo 236 da Constituição Federal, que há uma afinidade. O legislador constituinte originário, ao traçar os princípios dos serviços notariais e registrais, já o fez com o novo espírito de administração gerencial. Tanto que o atual modelo brasileiro, em função dos resultados incrementais obtidos nos estados onde já implantados, tem sido exemplo para outros países do mundo, que estão se inspirando em nosso sistema para aperfeiçoamentos de seus serviços.

 

4. Necessidade de implementação do sistema previsto na Constituição Federal de 1988.

Decorridos 17 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, ainda existem muitos resquícios do sistema anterior. Só recentemente os estados membros iniciaram a realização de concursos públicos para provimento das vagas ocorridas em suas serventias. O sistema patrimonial da Constituição anterior ainda não foi totalmente substituído.

Como se sabe, os serviços notariais e de registro são funções complexas, que exigem conhecimentos jurídicos, o que justifica a escolha de seus titulares por provas de capacitação.

Também a implantação de modernas tecnologias, proporcionadas pela eletrônica e informática, estão contribuindo para o aperfeiçoamento do sistema.

A observação de melhorias significativas onde já implantado o atual sistema, convencem de que este é o modelo mais adequado para o momento. Tanto que, como já comentado, vem servindo de modelo de referência internacional. Entretanto, é preciso que os Estados implantem o novo sistema para, gradativamente, aperfeiçoá-lo.

 

5. Propostas de emendas constitucionais para estatização dos serviços notariais e de registro: um equívoco.

Propostas para alteração do atual sistema estão sendo elaboradas por legisladores, porém soam como verdadeiros retrocessos.

Pecam, referidas propostas, ao avaliarem o funcionamento dos serviços notariais e registrais pelos resquícios do sistema patrimonial.

Muitas críticas, apresentadas para justificarem tais propostas, dizem respeito aos serviços que ainda guardam afinidade com o regime anterior ao da atual constituição.

É necessário, contudo, aguardar até que o sistema adotado pelo legislador constituinte originário esteja plenamente operante, para que se possa avaliá-lo como um todo. Nos estados mais avançados, onde já implementados, os resultados são extremamente positivos.

Substituir o atual sistema, por um sistema de prestação direta do serviço pelos entes públicos, seria um verdadeiro retrocesso, incompatível com as novas tendências de administração pública. Demandaria investimentos públicos, com estrutura imobiliária e instalações, bem como com a contratação de servidores de carreira especializados, em função da complexidade dos serviços. Tais investimentos podem esbarrar em problemas orçamentários, inviabilizando a estruturação do sistema nos níveis de necessidades da população, o que poderia gerar um verdadeiro caos.

Além disso, assumindo os referidos serviços, os entes públicos teriam o ônus de acompanhar as necessidades da comunidade, realizando a manutenção da estrutura e os investimentos de ampliação, quando necessários, pela demanda de crescimento das necessidades.

Sem a menor dúvida, estando por conta da iniciativa privada, os ajustamentos às necessidades se dão com respostas rápidas, o que na administração pública nem sempre é possível, como se pode observar com outros serviços públicos, inclusive os essenciais, como os de saúde, por exemplo.

As dificuldades da administração pública para acompanhar as necessidades ocorrem por limitações impostas pela própria constituição, tais como as relacionadas às licitações ou orçamentárias. Não que a administração pública, aos respeitar tais limites seja um mau gerente. Ao contrário, na administração pública os limites são necessários. Acontece que a administração privada tem maior flexibilidade frente às necessidades, atendendo-as com maior rapidez, o que importa em eficiência.

Portanto, as críticas e soluções apresentadas, além de focadas em um objeto equivocado, por dizerem respeito ao velho sistema patrimonial, apresentam solução incompatível com as experiências em administração pública e as modernas tendências. É preciso não confundir os resquícios do sistema anterior com o sistema em implantação, permitindo um tempo para melhor avaliação, sob pena de sacrificar um modelo que, aos olhos da comunidade internacional, é de referência.

Sacrificar um modelo de referência, em prol de propostas de reformas conservadoras é sinônimo de atraso e não de avanço social.

O que precisamos é da implementação do sistema constitucional em todos os estados da federação, superando os entraves do sistema anterior, sem, contudo, retroceder para um sistema burocrático, cujas experiências demonstraram serem altamente ineficientes.

 

Referências:

CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 13. ed. São Paulo : Saraiva, 1999.

MEIRELLES, H.L. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed.São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

MACHADO, P.M.F.L. Os Cartórios e o Advento da Constituição Federal de 1988. http://www.pi.trfl.gov.br/Revista/revistajf2_cap7.htm-29/03/2005

PERES, J. Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre a PEC 25/2001. http://ww.brunosilva.adv.br/Parecer-sen.htm 29/03/2005.

RÊGO,P.r. de O Registro de Títulos e Documentos: um instrumento jurídico para segurança da sociedade. http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3382 29/03/2005.

(Elaborado em 31 de março de 2005)

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Como citar o texto:

ANGIEUSKI, Plínio Neves..Serviços Notariais e Registrais na Constituição Federal e as propostas deEmendas Constitucionais: contramão da evolução da Administração Pública. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 121. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-notarial-e-registral/542/servicos-notariais-registrais-constituicao-federal-as-propostas-deemendas-constitucionais-contramao-evolucao-administracao-publica. Acesso em 4 abr. 2005.

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