RESUMO

Após uma breve contextualização de Aristóteles, que passa pela razão mítica e a emergência da razão filosófica, nos voltamos para ética aristotélica nos perguntando sobre o seu arché: a transcendência reside agora na imanência da comunidade e na busca de felicidade.

PALAVRAS-CHAVE: Paixão, mediania, ética, eudaimonia.

ABSTRACT

After a brief background of Aristotle, which is the reason Mythic and the emergence of philosophical reason, we turn to Aristotelian ethics in asking about his arche: transcendence resides now in immanence of  the community and the pursuit of happiness.

KEYWORDS: passion, median, ethics, eudaimonia.

1. INTRODUÇÃO

A ética é a área da nossa pesquisa. É entendida aqui como: “[...] uma reflexão expressa sobre o saber ético tradicional que procura explicitar a racionalidade imanente no ethos e na práxis, isto é, a forma lógica e os fundamentos racionais do saber ético já codificado no ethos da tradição.”[1] Esta definição de McDowell nos parece razoável por dois motivos: 1º) variadas formas de reflexões éticas podem ser enquadradas nela[2]; 2º) nos lembra que o filósofo não cria os comportamentos éticos. Investiga-os e interpreta-os.

A relevância desta pesquisa é mostrar que o projeto ético aristotélico radica-se na imanência e seu telos é o bem comunitário em oposição ao relativismo ético dos sofistas, à metafísica religiosa e à Platônica. Para  Aristóteles, o comportamento humano traz em si mesmo a racionalidade ética. São os fatos humanos que explicam a genealogia, a natureza e a finalidade da ética, na medida em que aparecem no caráter de cada um e nas relações  comunitárias com vistas à eudaimonia[3]. Portanto, o que deve inspirar e justificar os vícios e as virtudes é a investigação da felicidade do ponto de vista antropológico e político. O bem de uma pessoa só será pleno se o for direta ou indiretamente para toda a sociedade e uma sociedade justa deve buscar o bem de seus cidadãos.

O título do artigo privilegiou os tópicos da pesquisa. A princípio pensamos em associá-lo ao objetivo geral, mas, depois de muitas tentativas nesse sentido, desistimos porque não nos satisfazíamos com as possibilidades. Por fim, pensamos que se o vinculássemos aos tópicos daríamos uma ideia imediata da pesquisa e, assim, decidimos. A genealogia remete ao terceiro tópico e destaca a alma como a fonte das paixões e da razão; a natureza remete ao quarto tópico que analisa as virtudes, os vícios e a mediania; e a finalidade remete ao quinto tópico, onde se privilegia as implicações antropológicas e políticas: a felicidade. Por tudo isso, vê-se que o título é linear e, por isso mesmo, muito simples. Mas, se não for esta a sua fraqueza, será a sua virtude.

No corpo ético aristotélico, situamo-nos especificamente na Ética a Nicômaco. Nela nos voltamos para os vícios e as virtudes nos perguntando sobre as suas origens, as suas funções, os seus conflitos e as  superações destes rumo à eudaimonia, tanto a nível individual quanto social. As respostas traduzem a intenção prioritária da pesquisa: com ações viciosas ou virtuosas o homem almeja ser feliz. Este é  o fim de todas as ações humanas. Portanto, esta monografia mostrará que Aristóteles compreende a virtude como um contínuo equilíbrio entre a paixão e a razão e disto decorre, no plano antropológico e político, a infelicidade ou a felicidade.

Embora o prazer seja o telos das paixões, ou seja, a sua inspiração e a sua justificativa[4], nem todas as ações a alcançam porque os comportamentos viciosos, embora tragam prazer imediato, a longo prazo são dolorosos. Isto nos coloca diante dos objetivos específicos da pesquisa: 1) entender a natureza da ética aristotélica; 2) apontar os obstáculos a serem rompidos e os comportamentos a serem adquiridos para se alcançar  a felicidade no plano antropológico e político. Esses objetivos, se alcançados,  responderão pelo  objetivo geral.

Todos esses elementos se movem ao derredor do seguinte problema: se Aristóteles não recorre à metafísica platônica, o mundo das ideias, e nem à metafísica religiosa, o temor dos deuses, para inspirar e justificar a vida moral, então por que o homem agiria moralmente? Em nome de que e para que o homem se debateria para ser virtuoso? Como esta é a tarefa desta pesquisa, a resposta será matizada e guiar-se-á pela seguinte hipótese: se ao homem sábio compete dar razões do seu agir e estas vêm dos fatos, então o homem feliz será aquele que, por amor à humanidade, alcançar a mediania entre a paixão e a razão, a felicidade, e conservar-se assim a vida toda.

O nosso método consiste na  identificação e explicitação sucinta da natureza e os seus componentes essenciais da ética aristotélica na Ética a Nicômaco. Poderíamos chamá-lo de indutivo porque nos aproximaremos da problemática relativa aos vícios, às virtudes e ao sumo bem para deduzirmos algumas aplicações da ética aristotélica para a contemporaneidade. A seqüência dos procedimentos  é como segue: 2) Ethos da razão religiosa e da razão filosófica 3) a base psico-física da ética aristotélica e a sua operação integrada (a alma, o caráter, a razão, o impulso, a paixão, o prazer e a dor); 4)  a especificidade filosófica da ética aristotélica: a mediania; 6) Conclusão- a eudaimonia como o fim da ética aristotélica. Como já se pode notar, o embasamento teórico desta pesquisa é a Ética a Nicômaco[5], portanto, esta é a fonte primária fundamental.

2. ETHOS DA RAZÃO mítica E DA RAZÃO FILOSÓFICA

Neste artigo, aceitamos o esquema de Padovani e Castagnola[6] que dividem o pensamento filosófico grego clássico em três períodos: o naturalista, cujo interesse foi a natureza e a sua causa; o sistemático, no qual nasceram, sobretudo com Platão e Aristóteles, os sistemas filosóficos gregos que são a base do pensamento ocidental; e o período ético próprio de fase helenística protagonizado, politicamente, por Alexandre Magno. Aristóteles, segundo a tradição filosófica ocidental, é um ícone de peso da nossa cultura. Este tópico visa contextualizar o seu pensamento para que se veja mais nitidamente a sua contribuição à filosofia na Ética a Nicômaco. Para isso, focalizaremos a natureza da razão mítica e a emergência da razão filosófica. Esses dois momentos do pensamento grego permitem-nos  distinguir claramente essas duas formas do homem grego codificar a realidade:  pela referência aos deuses, a razão mítica, e pela referência à fusis (physis), a razão filosófica. Entendemos que a clareza nessas duas chaves de interpretação do cosmos permitir-nos-á penetrar mais profundamente na filosofia ética de Aristóteles. Esta é a sua importância na pesquisa.

2.1 O ethos[7]

2.1.1 A razão mítica

A palavra mítica foi a primeira palavra humana. Palavra embasbacada tomada, primeiramente, de espanto diante da vastidão do mundo e de seus fenômenos extraordinários; mas é, acima de tudo, palavra ordeira que pretende trazer segurança à alma desassossegada da vida e do viver;  palavra pão, por isso, santificada e espalhada na boca de todos; comida desejável e dela se pensa tanto o menino quanto o ancião:  sem ela o passado se esvai e do futuro nada se sabe. Nós precisamos dela para saborear a existência como a abelha precisa do néctar para fazer o mel.[8]

A razão mítica explica a realidade referindo-se aos deuses. Por isso, a palavra mito não deve ser entendida como mentira, mas como um discurso típico das sociedades arcaicas mediante a qual se descreve, por inspiração divina, as estórias de vida de um povo.

Na Grécia clássica, as estórias fantásticas dos começos eram contadas pelos poetas e pelos aedos. A poesia e a música, sob a inspiração das  divindades, abençoavam o povo integrando os seus destinos aos delas. Isto os ajudava a viverem melhor porque apaziguava os seus medos, gerava  confiança no presente e  esperança no futuro. Os deuses carregavam a magia e o segredo da vida, por isso, a narrativa mítica iluminava a alma dos cidadãos atenienses. A teoria antropológica do mito afirma que ele permite o acesso imediato à verdade subjacente à natureza[9]. Esconde os mistérios da vida e da morte. Nele manifesta-se o oculto por detrás da ordem atual das coisas porque abriga  em seu seio a deusa mnemosyne: a memória sagrada da comunidade. Este acontecimento primordial  só é acessado pela inspiração das musas porque estas transportam, em suas asas de luz, os poetas e os aedos àquele momento original da história humana. Sem a sua revelação os homens comuns nada vêem além do fainomenon (fainomenon) porque os seus pés estão presos na concretude da vida.

              Então, qual a importância do mito para a yuch (psique)? O mito  é palavra ordenadora; um universo simbólico erguido mediante a invocação dos deuses para fazer o cosmos compreensível. A palavra mítica e o tò on (ser) formam uma unidade indissolúvel na medida em que, ontofanicamente, a palavra presentifica o ser. Ela é a potência sagrada de presentificação das verdades antigas. Por isso, na cultura grega, Homero[10] e Hesíodo[11] cantaram nas suas poesias a origem dos deuses e da criação. 

Hesíodo (séc. VIII-VII a.C.) contou a origem da criação, a cosmogonia, e dos deuses gregos nos versos da Teogonia[12]. Nesse poema,  as musas lhe revelaram os mistérios dos tempos primordiais. A origem dos deuses culminou com a glorificação de Zeus  e do estabelecimento de sua  soberania sobre os demais deuses e do universo. Tornou-se, desde  então, o deus da ordem cósmica universal.

A primeira parte da obra evoca as musas, potências ontofânicas, que revelaram a Hesíodo a alhqeia[13](alethéia), a verdade.  Então, ele viu o caos, um rasgo no infinito que originou o abismo. Foi aí que apareceram as forças cósmicas primevas das quais  surgiram a Gaia, o oikos divino de todas as coisas animadas e inanimadas. Nesse ambiente convivem as forças de vida dominadas por Eros e as de morte, chefiadas por Tanatos (tánatos). Os deuses, filhos das inquietudes humanas, nasceram para inspirar e socorrer os homens na luta contra tudo aquilo que atentava contra a sua vida. Esta é, segundo o mito, a função deles no contexto das sociedades pré-modernas.

Na A Odisséa e na A Ilíada[14], obras clássicas da cultura ocidental,  Homero descreveu as divindades antropomorficamente: elas tinham sentimentos e formas humanas. Entretanto, em oposição aos homens, que são mortais, elas eram imortais, aqanatoi (atanatoi). Enquanto os homens são imperfeitos, elas eram esteticamente perfeitas. Esta foi a fase apolínea da religião grega cujo aspecto moral traduzia-se na vergonha do olhar alheio. Os deuses eram parceiros privilegiados do homem na saga da existência. Por isso, podia-se dizer que o divino manifestava-se nos fenômenos da natureza. Assim, o sobrenatural era o natural porque o divino não se sobrepõe ao mundo humano, mas era uma potência ligada a ele. Por isso, o mundo era um espaço sagrado em todas as suas dimensões e, para cada uma delas, havia uma divindade específica à qual os homens deviam pedir a benção quando estivessem naquele lugar.

Segundo Ribeiro Jr,[15] há na mitologia grega pelo menos cinco tradições míticas  para explicar a cosmogonia, a origem do mundo: 1a) a homérica que afirma que  o Titan Oceano originou todos os outros deuses e  as forças naturais; 2a) a órfica que diz que Nix, a noite, é a origem de todas coisas; 3a) entretanto, Hesíodo, seguindo outra tradição, afirma que  Caos e Gaia (Terra) deram origem a tudo o que existe; 4a) Ferécides de Siros (século 4 a.c) sustentava a opinião que Zeus, Cronos e Gaia sempre existiram; 5a) para outras fontes, a origem de tudo é um ovo primordial. Mas, além desses, a vida também contava com ajuda inestimável de Eros, o mais belo dos deuses. Ele a elegeu como a única amante e estava decidido  lutar por ela[16] contra tanatos, a morte, e Tártaro, o mundo subterrâneo das trevas que queriam destruí-la.

Os (as) deuses (as) das origens são chamados de primeira geração e são incorpóreos, posteriormente, surge a segunda geração. Esses já são semelhantes aos seres humanos e deles nascem os deuses olímpicos dos quais Zeus é o principal.[17] São inúmeros os deuses do panteão grego, mas os treze que se seguem são os mais destacados: (1) Afrodite, deusa do amor erótico, da beleza e da sensualidade. Filha de Urano ou de Zeus e Dione. Era casada com Hefesto, o deus do fogo, mas de sua relação adúltera com  Ares, o deus da guerra, nasceram-lhe Eros, o deus das paixões, Fobos, o deus do medo,  Deimos, o deus do pavor e da harmonia. Da relação dela com Anquises nasceu-lhe o herói troiano Enéias, ancestral de Rômulo e Remo, os míticos fundadores de Roma. Era celebrada em toda a Grécia. Em Roma era conhecida como Vênus. Em um de seus célebres hinos, canta-se: “conta-me, musa, as façanhas da dourada Afrodite, a Cíprica, que inspirou nos deuses o doce desejo e conquistou as raças de homens mortais, as aves do céu, todos os numerosos animais que a terra nutre, e todos os do mar.”[18] (2) Apolo, deus das  profecias, da medicina e da música. Associado à luz e à juventude era filho de Zeus e Letó. Ártemis era sua irmã gêmea. Da união dele com a Ninfa Cirene, nasceu Asclépio, o deus da medicina. Era  celebrado em toda a Grécia. Febo era  o seu nome romano. (3) Ares, filho de Zeus e de Hera, era o deus da guerra. Medo e Pavor eram seus escudeiros. Os animais a ele consagrados eram o cão e o abutre. Era chamado de Marte pelos romanos. (4) Ártemis, a eternamente virgem, era irmã gêmea de Apolo, deusa da caça, da fertilidade, da vida selvagem e da magia. Filha de Zeus e de Letó (filha do titã Ceos). Eternamente virgem, seu único prazer era a caça. Era ciumenta e vingativa. Diana era o seu nome romano. Seus adoradores celebravam-lhe cantando: “canto a ruidosa Ártemis de flechas de ouro,a virgem veneranda, a Arqueira, que abate os cervos  com as suas flechas, a própria irmã de Apolo de espada de ouro.”[19] (5) Atena, a protetora dos guerreiros, deusa da guerra e da sabedoria, protetora das artes e dos trabalhos manuais urbanos. Seu nome romano era Minerva. Era a Filha favorita de Zeus com sua primeira esposa Métis. Era chamada de A Virgem devido a preservação da sua sexualidade. Era a deusa protetora das cidades, especialmente, Atenas. O animal consagrado a ela era a coruja. Assim, cantavam os poetas em seu louvor: “por Palas Atena, protetora da cidade, começo a cantar a terrível, que juntamente com Ares se ocupa dos trabalhos da guerra, da destruição de cidades e do combate. Ela também protegia o soldado que partia e o que retornava.”[20] (6) Deméter, a divindade do Hades e do Olimpo, era a deusa da fertilidade, da terra cultivada. Era irmã de Zeus, Hera, Posídon e Hares, filha de Cronos e Réia. Seu nome romano era Ceres. Ela teve uma filha com Zeus, Perséfone, que, após se casar com Hades, vivia seis meses com ele nas regiões inferiores da terra  e seis com a mãe, Deméter, no Olimpo. Na época que Perséfone estava no Olimpo a terra frutificava porque Deméter estava feliz, por isso, abençoava as plantações. Era cultuada em toda a Grécia. Cantavam-lhe, dizendo: “Deméter de belos cabelos, a augusta deusa, começo a cantar, a ela e a filha, a muito bela Perséfone. Salve, deusa! Conserva esta cidade, e dirige o meu canto.”[21] (7) Dionísio era o deus do êxtase, do delírio místico e do vinho. É também conhecido por Baco. Era filho de Zeus e de Sêmele.[22] (8) Hades era o deus invisível. Este poder recebia  de um capuz mágico que ganhou dos ciclopes. Era também conhecido como Plutão (rico) por possuir todas as riquezas da terra. Era filho de Cronos e Réia, o deus do mundo subterrâneo:

Quando alguém morria, era levado pelo deus Hermes até o Hades, onde bebia a água do Rio Lete, que trazia o esquecimento da vida terrena, e atravessava o rio Estige em uma barca, conduzida pelo severo Caronte. Como pagamento, o barqueiro recebia um óbolo, a moeda de menor valor, que os parentes colocavam na boca do falecido. O morto atravessava então os portões monumentais, eternamente guardados por Cérbero, cão de três cabeças e cauda de serpente. O feroz guardião permitia a entrada de todos, porém não deixava ninguém sair. Finalmente, diante de Hades e Perséfone, o defunto enfrentava a sentença dos severos e justíssimos juízes dos mortos — Minos, Radamante e Éaco —. Segundo seus méritos, era conduzido aos aprazíveis Campos Elíseos ou aos tormentos eternos. [23]

(9) Hefesto  era o deus feio e coxo, deus do fogo, dos metais e da metalurgia. As suas oficinas ficavam nos vulcões. Neste lugar, trabalhava continuamente auxiliado pelos ciclopes e pelas criadas de ouro. Hefesto, Filho de Zeus e de Hera (segundo outra corrente,  só desta última), era cultuado em Atenas. (10) Hera era a deusa dos amores legítimos, a divindade protetora das mulheres. Filha de Cronos e de Réia e esposa de Zeus. Deusa vingativa e frustrada devido às traições do marido, Zeus, com as amantes. Adoravam-na em toda a Grécia. Seu nome romano era Juno. (11) Hermes era o deus que inspirava a palavra,  o deus dos intérpretes. Seu nome romano era Mercúrio. Era Filho de Zeus e de Maia. Foi o inventor da lira e a flauta dos pastores, a siringe. Por isso:

Em sua qualidade de corredor incansável e rápido, tornou-se o protetor dos jovens que se exercitavam nos ginásios. Passou a ser também considerado, em épocas tardias, o inventor das práticas mágicas; devido à sua capacidade de interpretar e transmitir os desígnios dos outros deuses, recebeu o epíteto hermeneus ("intérprete"), de onde veio a palavra hermenêutica [...] Nunca se casou e dos vários filhos a ele atribuídos destacam-se Autólico, o mais hábil ladrão da Grécia Antiga, e o deus . Era constantemente invocado pelos viajantes, mercadores, oradores, pastores e feiticeiros. Em Atenas, recebia sacrifícios durante o festival das Antestérias, quando os mortos eram lembrados.[24]

(12) Posídon era o deus do mar. Seu nome romano era Netuno. Era filho de Cronos e Réia. Segundo Apolodoro: “Posídon (...), com um golpe de seu tridente no meio da acrópole, fez surgir um mar (...)”.[25] São filhos das aventuras amorosas de Posídron: Órion, o caçador, Polifemo, o ciclope, Círon, o bandido, Pégaso, o cavalo alado, Tritão, Belerefonte e Teseu. Era  celebrado em toda a Grécia. (13) Zeus era o deus portentoso. Deus dos fenômenos atmosféricos, da ordem e da justiça no mundo. A ele competia a distribuição dos bens e dos males sobre as pessoas. Era filho de Cronos e Réia e, também, marido de Hera. Era o mais importante de todos os deuses do Olimpo. Seu nome romano era Júpiter. Foi celebrado em toda a Grécia. Os jogos olímpicos e os jogos nemeus eram realizados em sua honra.

Esta percepção “teológica” do mundo foi de primordial importância porque ordenava o passado, o presente e o futuro das pessoas. Os mitos explicavam as origens de todas as coisas enquanto que, os deuses eram as fontes vivas dessas origens e de sua preservação. A ética decorrente da religião grega era dúbia, mas, de modo geral, favorecia os bons e punia os maus. Cada área da vida humana era dominada por um deus a quem se pedia socorro, prestava-se contas e reverências.[26] Entretanto, no século VI a.C, na Jônia, esta situação iria mudar. O que se verá a seguir.

2.1.2 A razão filosófica

Apresentaremos um esboço sucinto do pensamento dos físicos e dos sofistas[27]. Visamos apontar o específico da razão filosófica à luz do que se disse da razão mítica. Entendemos que desta maneira Aristóteles fica mais contextualizado e o seu pensamento será melhor compreendido.

              A passagem da razão mítica à razão filosófica pode ser explicada a partir de três teses: a orientalista, a positivista e a de continuidade. Adotaremos nesta monografia a esta última, por isso, não ampliaremos as primeiras.  Cornford propõe uma continuidade entre o discurso mítico e o nascimento da filosofia.[28] Para ele, o filósofo grego estava muito próximo do poeta, do adivinho e do profeta porque possuía um conhecimento diferenciado dos demais mortais. O filósofo sentia-se visitado pelo deus, ou seja, entusiasmado. Nesse caso, a experiência filosófica dar-se-ia por meio de uma iniciação mística. Isso apontaria para o vínculo da primeira fase do pensamento filosófico grego com o pensamento mítico. Ao contrário da tese positivista de Burnet[29], não houve uma ruptura radical entre o aparecimento do logos filosófico e o mito. Ocorreu, portanto, um processo de laicização do discurso mítico.

Segundo Cornford, há um parentesco fundamental entre o discurso mítico e o filosófico porque têm a mesma estrutura discursiva, ou seja, ambos buscam um arch (arkhé) fundamental que explique os mistérios da vida. Dela emergem todas as coisas. A diferença é que o discurso filosófico exclui o antropomorfismo divino que é próprio do discurso mítico. Por isso, ocorreu a laicização das explicações dos fenômenos, ou seja, passaram a ser explicados pelas forças naturais. Vernant, um helenista francês, concorda com Cornfod, mas acrescenta fatores sociais, tais como: a invenção da moeda, o aparecimento da polis nos séculos VIII e VII a.C.  Com isso, o poder foi descentralizado e ocorreu uma participação mais efetiva de todos no destino da comunidade. Isso, segundo ele, despertou o pensamento racional dos cidadãos. Acrescente-se a isso, a descoberta da lei escrita como princípio de governo. É neste contexto que emergiram, no século VI, os filósofos pré-socráticos: os jυσικοί, físicos[30], e os sofistas, sofistas.[31]

Tales ( c. 624-546 a.C.), Anaximandro (c. 610-547 a.C.), Anaxímenes (c. 585-528 a.C.) são os filósofos da chamada Escola Jônica. Estes pensadores foram os primeiros a buscar uma explicação racional da natureza. Para Tales, a essência da natureza era a água; para Anaximandro era uma substância chamada  apeiron, ou seja, o ilimitado que era a origem e o fim de todas coisas. Para Anaxímenes, o ar era o fundamento da natureza.

              Pitágoras (c. 571- 497) afirmava que a essência de todas as coisas era o número. São as relações matemáticas subjacentes à todas as coisas que as explicam. Todas as coisas são explicadas pelos opostos: o par e o ímpar. É isto que, segundo ele, explicava o devir aparente de todas dos fenômenos.

              Heráclito (viveu entre o séc. VI e V a.C.), natural de Éfeso, entendia que a essência das coisas é o vir-a-ser porque tudo se acha em perpétuo fluxo. Só há uma coisa estável no mundo. É a lei universal do devir. Este é representado pelo fogo que é o elemento cósmico primordial, a arch (arkhé) ordenadora do cosmos. A vida é um conflito violento entre a vida e a morte. Zeus é o fogo, por isso, por detrás do cosmos há uma lei, uma racionalidade.

              Parmênides (c.séc. V) se interessa pelo ser em si, ou seja, pela entidade do ente enquanto puro fato de ser. Funda o discurso ontológico: o ser é e não pode não ser de jeito nenhum. Ele ó o fundamento dos entes, logo, estes não são.

Empédocles (c. 492-432 a.C.) foi um filósofo dórico que entendia que o ser é a conjunção da terra, da água, do ar e do fogo. Esses elementos primordiais se aproximavam e se afastavam movidos pelas forças primordiais: o amor e o ódio. O amor está em tudo e une todas as coisas; o ódio as desintegra. Enquanto um mata, o outro dá a vida. Este processo é repetitivo e nele repousa o segredo do cosmos.

Anaxágoras (c. 500-428 a.C.) entendia que as homeomerias são a essência do cosmos. São partículas infinitesimais, eternas e imutáveis que, ordenadas pelo Nous, são as responsáveis por todas as coisas que existem.

Demócrito (460-370 a.C.),  a partir de Parmênides, dividiu o ser em inúmeros corpúsculos simples e homogêneos, os átomos. Eles, pela gravidade que lhes é inerente, se movem sem parar. Na medida em que os átomos se chocam uns com os outros, criam a matéria em geral. A própria matéria, portanto, tem em si o potencial criativo e ordenador.

              Os sofistas[32] deslocaram a preocupação filosófica dos físicos, que focavam a origem das coisas e do cosmos, para o âmbito antropológico. Interessava-lhes a vida na dimensão pessoal e comunitária. Focalizaram a lei, nomos (nomos), não como sendo divina, mas como resultado de convenções humanas. Os sofistas, devido às críticas de Platão e Aristóteles, passaram para a tradição filosófica ocidental como pessoas espertas que só queriam lucrar com o seu conhecimento, mas, a partir dos séculos XIX e XX, a imagem deles foi resgatada[33] e receberam o respeito que merecem.

              Embora alguns autores discordem que haja uma homogeneidade no movimento sofista, pode-se apontar os seguintes elementos que lhe dão a unidade: (1) ceticismo e relativismo epistemológico. O logos humano não é universal. O saber é relativo. Há uma ruptura radical entre o objeto e o pensamento porque há uma cisão insuperável entre as palavras e as coisas. (2) Valorização da dimensão puramente retórica da linguagem devido ao reconhecimento de que o logos é incapaz de conhecer o real tal como ele é, o que vale no discurso é a sua forma, não o seu conteúdo. (3) O nomos é resultado de convencionalismo jurídico- político, logo não é divino, mas ideológico.

              Protágoras (c. 480-410 a.C.) afirmava que “o homem é a medida de todas as coisas, das que são, como elas são, das que não são, como elas não são.”[34]  Isto significa que o homem é o metron (metron), medida, ou seja,  o critério da verdade, porém,  esta não é metafísica, mas chega ao homem pelos sentidos. Assim, aquilo que aparece a cada um é a verdade de cada um. Mas, anqrwpos (antrophos), também aponta para a humanidade em geral. Portanto, viver humanamente significa articular harmoniosamente a dimensão individual e comunitária. O critério fundamental nesse processo é a utilidade porque a verdade como tal é inatingível.

              Antifonte, por sua vez, defendia a tese de que a lei devia ser respeitada somente diante de testemunhas porque a vida devia ser vivida segundo a natureza: buscar o prazer e evitar a dor.

              Górgias (c.484-375 a.C.) afirmou que a linguagem não retratava a verdade. Visava suscitar emoções, persuadir. É uma potência psicagógica. Para ele, nada existia ou é. Se algo existisse seria incognoscível ou impensável e ainda que algo existisse e fosse cognoscível seria incomunicável. Os seres são externos, objetivos. E são apreendidos pelos sentidos apropriados a cada objeto. O logos não é nenhum desses objetos. As palavras não são coisas. As palavras nos remetem a outras palavras. A linguagem encerra-se em si mesma. O discurso fecha-se sobre si mesmo. Assim, o discurso vale por si mesmo e não pela verdade que possa portar. Isso é assim porque não há verdade a ser anunciada, mas somente a força psicagógica das palavras. O logos é a dunamis (dinamis) que atua sobre a yuch (psique). É farmakon (farmakon), uma droga para a vida ou para a morte. Portanto, Górgia, seguindo os demais sofistas, rompeu com a concepção ontofântica da palavra tal como apregoada pelo mito.

Sócrates (c. 470-399 a.C.) também era sofista, via-se como atopos, um sem lugar. A filosofia socrática era encarnada e, por isso, quase sempre estava em conflito com o ethos convencional da comunidade. Como ele não escreveu nada, foi, especialmente,  através dos escritos de Platão que a tradição filosófica o conheceu. Para Sócrates, a filosofia era um modo de vida dialético, dialogal. Por isso, a verdade não era uma doutrina a ser  imposta a outrem, mas devia ser procurada na própria alma na companhia de outras pessoas. Sócrates acreditava que a episteme ética era idêntica a arete (arete). A ciência é a virtude, ou seja, o conhecimento é a condição suficiente para que a virtude seja executada. Este intelectualismo ético pressupõe que o logos determinava a práxis. Na sua dialética, Sócrates buscava a essência, ou seja, aquilo que estava no objeto e que escapava a multiplicidade. Assim, em sua abordagem das pessoas, simulava aceitar as afirmações de seu interlocutor para em seguida, com bom humor, apontar as suas contradições e se aproximar da verdade. A maiêutica era aquele momento mágico em que se deparava com a ousia (ousia). Isto era possível porque, segundo ele, a verdade estava oculta na alma.

Feita a distinção entre a razão mítica e a razão filosófica, passamos para uma pequena biografia de Aristóteles.

2.2 Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.)

              Neste subtópico apresentamos a Aristóteles porque acreditamos que um autor é melhor apreciado quando conhecido. Aristóteles nasceu em Estagira, próximo à cidade de Pela, na Macedônia, no ano de 384 a.C. Por isso, é também conhecido como estagirita.[35] Teve uma infância difícil porque os seus pais, Nicômaco e Féstides, morreram quando ele tinha nove anos. Por esta ocasião, foi adotado por sua irmã Arimnesta e foi morar com ela em Mísia. , tendo Proxénos, o cunhado, como o seu tutor.[36] Aos dezessete anos deixou a casa de sua irmã e viajou para Atenas. Em 367, matriculou-se na Academia de Platão. Tornou-se um célebre discípulo deste[37]. Sua função na Academia incluía a retórica e a dialética. Nesse período, provavelmente, escreveu Retórica e Tópicos, Eudemo, Sobre  a filosofia, Protréptico, Categorias, Analíticos, A física, De cielo, Metafísica, Sobre as idéias e Sobre o bem. Nestas duas últimas, critica a doutrina das idéias de Platão e já mostra um ligeiro afastamento de seu mestre.[38]

Em 347, após a morte de Platão, pensou que seria o novo diretor da Academia, mas como Espeusipo foi indicado em seu lugar, deixou a Academia e começou então o seu período de viagens. Em 347 viajou para Assos onde estudou biologia e botânica. Casou-se com Pítia e com ela teve uma filha. Após a morte desta, casa-se com Herpília, uma cortesã que lhe deu um filho: Nicômaco. É a ele que a Ética a Nicômaco foi dedicada. Em 345, foi para Mitilene onde continuou os seus estudos de biologia. Em 343 chegou em Pela, capital da Macedônia, nesse período tornou-se o preceptor de Alexandre Magno. Com este comentou A Ilíada de Homero. Nesta época, produziu Diálogos e compilou as 158 Constituições da Grécia.

Em 335/334, Aristóteles fundou a sua academia filosófica que se chamou Liceu. Este nome veio do jardim, dedicado a Apolo Liceu, no qual aconteciam as aulas. Aristóteles, por não ser ateniense, não podia comprar terreno em Atenas[39]. Como dava aula passeando entre alamedas, perípatos, seus alunos foram chamados de peripatéticos.[40] Com a morte de Alexandre Magno em 323 a. C., Aristóteles, com sua família, foge de Atenas para a ilha de Eubeia. Isto ocorreu porque como ele não era ateniense as pessoas influentes da cidade passaram a conspirar contra ele. Morreu em 322 a.C.

2.3 A Ética a Nicômaco

A Ética a Nicômaco, a partir da pergunta pelo sumo bem[41] e de suas implicações para o ser humano,[42] mostrará como se alcança, no plano pessoal quanto coletivo, a eudaimonia. Entenda-se como sumo bem não algo que esteja além da realidade humana, mas o bem humano. Este  é estudado pela ciência política porque é ela quem define como e onde as outras ciências devem atuar para promover o bem da sociedade. A pesquisa a que Aristóteles intenta é de natureza limitada porque o objeto de estudo, as ações belas e justas, “[...] admitem grande variedade de flutuações e opinião [...]”[43]. Portanto, aqueles que estudarem a Ética a Nicômaco não devem pegar os dados de modo absoluto porque “[...] é próprio do homem buscar a precisão, em cada gênero de coisas, apenas na medida em que o admite a natureza do assunto.”[44] Ela destina-se àquelas pessoas que, indiferentemente, da idade agem de acordo com o princípio racional e não segundo as paixões.[45]

         

3. A BASE PSICO-FÍSICA DA ÉTICA ARISTOTÉLICA E A SUA OPERAÇÃO INTEGRADA

Com este tópico nos propomos a entender a base psico-física da ética aristotélica e o seu funcionamento integrado. A investigação da base psico-física terá a alma como objeto enquanto que o funcionamento integrado focará os impulsos, as paixões, os prazeres e as dores. Por que elegemos esses elementos e qual a razão desse procedimento duplo? 1º)  Por que a alma é a base antropológica da ética aristotélica. 2º) Porque os impulsos, as paixões, os prazeres e as dores são os elementos provocadores das operações da alma. A razão deste duplo procedimento é a convicção de que uma análise que se ativesse somente aos elementos particulares deixaria uma enorme lacuna na visão global do comportamento humano. Por isso, a nossa opção pelo estudo do todo e das suas relações com as partes e vice-versa. Entendemos que esses procedimentos elucidarão, um pouco, a intrincada imbricação entre os impulsos e a razão no pensamento aristotélico. Se bem sucedidos, iluminaremos uma pequenina parte do íngreme acesso à felicidade. Deste modo, lançaremos a primeira base de comprovação da nossa hipótese e atingiremos o primeiro objetivo específico da pesquisa[46]. Os vícios, as virtudes e a felicidade, por serem os resultados do equilíbrio ou não da luta entre a paixão e a razão, receberão um tratamento diferenciado mais adiante.

3.1  A base psico-física da ética aristotélica: a alma

Segundo a Ética a Nicômaco, chama-se alma à estrutura físico-mental do ser humano. É o seu princípio vital porque lhe compete coordenar as ações humanas sobrepondo-as às paixões. Por isso, a alma humana é diferente da alma vegetativa das plantas ou da alma sensitiva dos animais. Ela é intelectiva, ou seja, pensa e decide a partir de sua liberdade.[47] Aquilo que a alma guarda na memória são fantasmas dos objetos. Esses fantasmas quando invocados pela imaginação se transformam nas fantasias porque estão apenas na memória da pessoa e não concretamente diante delas. É o intelecto, nous, que apreende as formas inteligíveis dos objetos e, com isto, o conhecimento. Entretanto, isto não ocorre só com coisas concretas, mas também com as imateriais, por exemplo, as virtudes dianoéticas, tais como a fronesis,  prudência, e a sofia, sabedoria.

A alma abriga as paixões, as faculdades (aquilo que permite a sensação das paixões) e as disposições (aquilo que posiciona o homem em relação às paixões). Portanto, é a essência do homem naquilo que tem de espiritual e de físico[48], de moral e de intelectual. No interior da alma, estão certas disposições que influenciam as escolhas do homem. No plano objetivo, são essas escolhas que mostrarão quando um homem é virtuoso ou vicioso. Por isso, o caráter designa as disposições da alma que, depois de treinadas, determinam se um homem é bom ou mau-caráter.[49]

Para Aristóteles, ninguém deveria ignorar a relação de dependência e complementaridade entre a ação e a formação do caráter de uma pessoa: “ora, ignorar que é pelo exercício de atividades sobre objetos particulares que se formam as disposições de caráter é de homem verdadeiramente insensato”.[50]

A razão, no plano moral, é a capacidade de discernir o certo e o errado de uma ação e, em condições normais, orientar o comportamento para o ponto de equilíbrio. Contudo, ela pode ser dominada pelos desejos e cegar-se. Daí para frente, a senhora tornar-se-ia  escrava e já não cumpriria, segundo o ponto de vista da comunidade, o seu papel. Neste caso, supondo-se que os atos imorais sejam voluntários, Aristóteles parece ser bastante cético quanto à recuperação do homem vicioso porque este se fez assim num longo processo de vida no qual repetiu um conjunto de ações viciosas que passaram a integrar o seu caráter. Ele afirma que [...]

[...] quando, sem ser ignorante, um homem faz coisas que o tornarão injusto, ele será injusto voluntariamente. [...] a princípio dependia deles não se tornarem homens dessa espécie, de modo que é por sua vontade que são injustos e intemperantes; e agora que se tornaram tais, não lhes é possível ser diferentes.[51]

Portanto, a razão, no plano moral, discerne e ordena a execução das ações e, na medida em que se exercita nelas, o homem se faz vicioso ou virtuoso. 

No plano dianoético, a razão percebe a natureza das coisas e as suas relações de causa e efeito. Além disso, detém a capacidade intuitiva imediata e mediata de modo a ser chamada por Aristóteles de “o terceiro olho” do homem.  Portanto, a razão divide-se em dois planos: o moral e o dianoético. É mediante a complexa articulação de ambos que o homem constrói um mundo humano ou desumano.

              Antes de prosseguir, convém resumir este sub-tópico: a alma é a base psico-física do ser humano. Nela estão em potência: 1) as disposições que, depois de treinadas, determinam o caráter; 2) a razão que, no que se refere à intuição, é “o terceiro olho do homem”. A alma, portanto, é a base sobre a qual se atualiza o potencial humano na sua humanidade ou desumanidade. É a gênese das paixões. É um vulcão que não cessa de explodir.           

3.2  A operação integrada da  alma

3.2.1  Os impulsos e as paixões

Ao corpo pertencem os impulsos. Estes, naturalmente, visam ao prazer e evitam a dor. Por se voltarem exclusivamente para as suas satisfações, os impulsos participam do “princípio apetitivo” da alma e podem ser definidos como o estágio primitivo dos desejos. Por conseguinte, se opõem à razão, contudo, não totalmente porque podem ser persuadidos por ela[52]. É na mediação da relação impulso e razão que se situam as virtudes intelectuais (sabedoria filosófica, compreensão e sabedoria prática) e morais (liberalidade, temperança, etc.), das quais falaremos pormenorizadamente adiante.

Aristóteles denominou os impulsos de paixões. Estas, por sua vez, de modo geral, são neutras moralmente, ou seja, não são nem vícios nem virtudes por si mesmas. Só passarão para essas condições depois de submetidas ao crivo da decisão pessoal no horizonte do ethos comunitário[53]. Podem ser definidas como as forças, socialmente reconhecidas, que movem o homem em direção à satisfação de um desejo com vistas ao prazer.  Nisto se distinguem dos vícios e das virtudes porque: “[...] com respeito às virtudes e aos vícios não se diz que somos movidos, e sim que temos tal ou tal disposição.”[54]

Resumindo: os impulsos são forças desejantes que visam ao prazer. As paixões são  impulsos socialmente reconhecidos. Assim, numa perspectiva mais lata, impulsos e paixões são sinônimos. O que parece diferenciar uma coisa da outra é que os impulsos puros estariam ainda numa condição sem nome, ou seja, não têm ainda um reconhecimento social, por isso são chamados genericamente de impulsos. Mas, quando recebem um nome, lascívia, por exemplo, passam à condição de paixão, ou seja, um impulso reconhecido socialmente. Quando um impulso recebe um nome é paixão, antes disso é só impulso porque ainda não foi identificado pela cultura. Os prazeres e as dores estão ligados às paixões, por isso, o homem se move no mundo segundo o princípio do prazer e da evitação da dor. Estes dinamizam e atualizam as ações do homem no mundo e, por isso, podem condicionar os comportamentos tanto virtuosamente quanto viciosamente.

3.2.2 Os  prazeres e as dores

Segundo Aristóteles, no núcleo das paixões estão o desejo do prazer e a fuga  da dor. Por conseguinte,  há uma intrincada relação entre o prazer, a dor e a vida moral e, é em decorrência das resoluções no âmbito dessas instâncias,  que o homem se aproxima ou se distancia da felicidade. Percebe-se esta relação de proximidade entre prazer e dor e suas implicações na vida moral em toda a ética aristotélica. O texto a seguir confirma esta proposição:

[...] a excelência moral relaciona-se com prazeres e dores. É por causa do prazer que praticamos más ações, e por causa da dor que nos abstemos de ações nobres. Por isso deveríamos ser educados de uma determinada maneira desde a nossa juventude, como diz Platão, a fim de nos deleitarmos e de sofrermos com as coisas que nos devem ser causa de deleite ou sofrimento, pois essa é a educação certa.[55]

Parece que para Platão, e Aristóteles concorda com isso, não são só os prazeres que levam a um fim proveitoso, as dores também fazem isso. Por isso, é preciso distinguir entre dores que são totalmente prejudiciais e dores que levam a prazeres. Só uma educação consciente dessas nuanças pode educar eficazmente porque faz com que ao automatismo orgânico de que o prazer não traz dor e esta não traz prazer seria, então, superado pela educação.

A concepção aristotélica de prazer confrontou-se com três opiniões correntes em sua época: 1) nenhum  prazer é um bem porque, dentre outras coisas, o homem temperante evita os prazeres; 2) a maioria dos prazeres são maus porque os prazeres são nocivos e vis; 3) mesmo que todos os prazeres sejam bons a melhor coisa do mundo não é o prazer porque “[...] este não é um fim, mas um processo.”[56] Para Aristóteles, essas premissas não destituem o valor de bem dos prazeres porque: 1) os bens considerados males podem ser escolhidos ou rejeitados; 2) há bens que não envolvem nem prazer nem dor; 3) o prazer é uma atividade de estado natural, não é um processo[57]. Portanto, a ação do homem compõe-se de dois lados inseparáveis. O prazer e a dor. Ao primeiro, busca-se; ao segundo, evita-se. Ambos podem ser físicos ou mentais.

A dor é uma sensação de desprazer, que, dependendo da intensidade, provocará reações reflexas no corpo. Em virtude de contínuas experiências, o homem acumula um conhecimento preventivo daquilo que pode lhe provocar dor e, por isso, evita-o.

A paixão, ao contrário,  é a força que move o homem ao prazer e se manifesta de múltiplas maneiras. Não é em si mesma nem vício nem virtude. Só o será se os limites que definem algo como virtuoso ou vicioso forem ultrapassados. O que ajuda na distinção entre paixões puras e paixões viciosas ou virtuosas é a capacidade de decisão. Por isso, deve-se discernir entre “ação voluntária e involuntária.” Se o homem age por ignorância do limite ou coagido temos esta última. Já na voluntária o homem age conscientemente. Neste caso, foi seduzido pelo seu desejo. A priori isto não é nem bom nem mau[58].

Quando se trata de paixões violentas, Aristóteles afirma que “[...] as paixões irracionais não são consideradas menos humanas do que a razão; por conseguinte, também as ações que procedem da cólera ou do apetite são ações do homem. Seria estranho, pois, tratá-las como involuntárias.”[59] É exatamente no âmbito da escolha que está a possibilidade do vício ou da virtude. Porque, especialmente nesta questão, o homem se faz fazendo.

              Para resumir. Os prazeres são sensações físicas e/ou mentais que promovem uma sensação de bem-estar. As dores, ao contrário, de mal-estar.  Contudo, os prazeres podem ser ruins e as dores podem ser boas e vice-versa. A nossa proposta neste tópico foi a de entender a base psico-física da ética aristotélica e o seu funcionamento integrado. Vimos que Aristóteles entende o comportamento humano como uma articulação integrada entre o psíquico e físico. Os impulsos ou apetites impulsionam o corpo em direção à satisfação e compete à razão, em sintonia com o ethos comunitário, dar um fim proveitoso aos impulsos tanto no plano individual quanto no social. É a práxis contínua, voluntária e consciente que faz um homem virtuoso ou vicioso.

Antes de passar ao tópico seguinte, Julgamos conveniente rever o itinerário da pesquisa a fim de averiguar se o percurso seguido até aqui está de acordo com plano inicial. Comecemos com esta interrogação: qual a relação deste tópico com a hipótese da pesquisa? A hipótese diz que se ao homem sábio compete dar razões do seu agir e estas devem vir dos fatos, então o homem feliz será aquele, que por amor à humanidade, alcançar a mediania entre a paixão e a razão. Este tópico confirma-a parcialmente porque mostrou que os vícios e as virtudes procedem da mesma fonte, a saber: dos impulsos. Como estes são classificados pelo ethos comunitário tanto positiva quanto negativamente, aquele que conseguir administrar os impulsos de modo a não reprimi-los ou liberá-los excessivamente será um homem virtuoso.

Agora pensemos nos objetivos específicos da pesquisa: 1) entender a essência da ética aristotélica; 2) apontar os obstáculos  a serem rompidos e os comportamentos a serem adquiridos para se alcançar a felicidade. De que modo este tópico se relaciona com eles? A relação se deu apenas com o primeiro. Mostrou-se que a ética aristotélica é imanente, ou seja, é o resultado da administração racional dos impulsos que brotam do corpo. Mas, faltou apontar mais claramente aquilo que é próprio da ética aristotélica: a mediania. Isto será feito no tópico seguinte.

O objetivo geral da pesquisa é mostrar que  Aristóteles, diferentemente de Platão e da religião, compreende a virtude como um contínuo equilíbrio entre a paixão e a razão e daí decorre, no plano antropológico  e político, a felicidade. Este tópico tocou em parte neste objetivo ao mostrar a natureza biológica dos instintos e a sua concretização nas ações humanas.  Segundo a ética aristotélica, a história, tanto no plano moral quanto no intelectual e poiético, é resultado do apetite dos instintos. Isto parece ser verdadeiro tanto para a história dos vícios quanto das virtudes. Segue-se para a inter-relação entre a base psico-física e o específico da ética aristotélica: a mediania.

4. A ESPECIFICIDADE FILOSÓFICA DA ÉTICA ARISTOTÉLICA: A MEDIANIA

Este tópico define a natureza da ética aristotélica e aponta a mediania como o lugar da virtude. Se bem sucedidos, teremos dado um passo a mais na comprovação da nossa hipótese. Pergunta-se: o que há de propriamente filosófico na ética aristotélica e qual o seu diferencial? Aristóteles analisa o ethos a partir da observação direta. Busca a sua explicação no corpo do homem e na sua interação social. Seguindo o seu método, descarta a Platão[60] e a religião[61]. Se para Platão a virtude se justifica pela recordação da alma do mundo das idéias e para a religião grega, da relação com os deuses; Aristóteles a compreende como a mediania segundo a regra justa. Neste caso, o comportamento virtuoso ou vicioso advém da mesma fonte, a saber: dos impulsos.  Por isso, a virtude e o vício não são extrínsecos ao mundo humano; não vêm dos deuses e/ou dos demônios. Nascem da base psico-física do corpo e de sua interação com o ethos comunitário. Para Aristóteles: “[...] justiça é algo essencialmente humano.”[62] Portanto, já não existe uma referência extra-mundana para a virtude. : “a virtude de uma coisa é relativa ao seu funcionamento apropriado.”[63]

Se não há uma essência virtuosa ou viciosa fora do mundo humano; se não existe mais a referência às virtudes divinas para inspirar as ações humanas; se já não se apelo ao maligno para afastar o homem das ações vis como Aristóteles justifica a ética? As respostas passam pela doutrina dos vícios, das virtudes, da mediania e da felicidade. São esses os elementos fundamentais da ética aristotélica. Por eles se descobre a sua natureza.

4.1 A referência da ética aristotélica: a mediania

Para compreender a doutrina da mediania e da felicidade é preciso primeiro compreender as doutrinas dos vícios e das virtudes.

4.1.1 Os vícios           

Os vícios e as virtudes procedem da mesma fonte: os impulsos. Sendo assim, como e quando uma paixão tornar-se um vício? Isto ocorre quando a paixão executada não atinge a justa medida. É claro que esta avaliação não procede daquele que pratica o ato vicioso, mas de quem o avalia a partir do horizonte do ethos comunitário. Assim, quando alguém exterioriza uma paixão, corre o risco de fazê-lo aquém ou além da justa medida porque visou única e exclusivamente à satisfação de seus apetites. Quem age assim viola os direitos dos outros, por conseguinte, desestabiliza a sua comunidade na medida em que agride o seu universo simbólico.

Na lógica aristotélica, os vícios são os extremos da virtude: “ [...] os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões [...]”[64]. Disto se conclui que é mais fácil ser vicioso do que virtuoso porque o vício pode ser alcançado de diferentes maneiras e em diferentes pontos das extremidades da paixão. Portanto, pode-se deduzir que ser vicioso é decorrente de decisões. Os vícios são adquiridos voluntária e deliberadamente. Uma pessoa não é viciosa, ela se faz.

A antropologia aristotélica, se comparada à judaico-cristã, na sua concepção clássica, é positiva. Se para esta o homem traz o pecado original desde o ventre materno, para aquela, o homem não nasce bom nem mal, mas está aberto às infinitas possibilidades do mundo. Portanto, o homem nasce livre para ser o que desejar no contexto da comunidade de pertença. Esta é o limite de sua liberdade. No perímetro da comunidade, pode escolher na história de sua vida aquilo que o fará feliz na medida em que constitui a si mesmo, de modo consciente ou não, como a tarefa mais radical: ser um homem para si e para os outros.

O homem se torna vicioso ou virtuoso depois de repetir deliberadamente e por muito tempo os comportamentos. Desta forma, integram-se automaticamente ao caráter. Percebe-se que “o homem é pai de suas ações como é de seus filhos”[65] e, portanto, no plano moral, o genitor de si mesmo.

Entretanto, pode ser que uma pessoa não queira ser viciosa, mas que isto ocorra por um erro de avaliação. Ora, como o homem virtuoso, parece que o fim a que o vicioso tem em mente ao dedicar-se aos atos viciosos é a felicidade. Mas, não a encontra porque estes, a princípio prazerosos, tornam-se dolorosos na medida em que estão fora dos padrões de virtude do ethos comunitário. Daí, a importância da educação para que as pessoas possam descobrir os meios adequados de serem felizes e contribuírem para a felicidade da comunidade. É neste contexto que emerge o valor do ethos comunitário. Os padrões de comportamento da comunidade foram sancionados depois de um longo processo de erros e acertos, por isso, são vitais para a comunidade. Se violados, todo o grupo passa a correr risco. Por isso, o infrator deve receber em si mesmo a punição decorrente de sua falta. Neste contexto, tornar-se virtuoso é fortalecer a própria comunidade de modo que todos desfrutem da vida boa. Ao contrário, fazer-se vicioso é colocar-se deliberadamente à mercê do puro prazer e violar o ethos comunitário. Isto coloca em risco tudo aquilo que a comunidade alcançou até então. Portanto, o vício prazeroso no início é, ao final, auto-destrutivo porque se alguém o justiçasse por causa do direito à sua liberdade teria, necessariamente, que estendê-lo a outros e uma comunidade onde todos os desejos fossem satisfeitos sem critérios éticos objetivos levaria o grupo à dissolução. 

No âmbito da ética aristotélica, quando alguém escolhe ser vicioso é para sempre. Quando se exercita no vício os impulsos são acentuadamente fortalecidos e dispõem o caráter naquela direção, por isso, segundo Aristóteles, nenhum recondicionamento é forte o bastante para reeducá-lo:

Mas quando, sem ser ignorante, um homem faz coisas que o tornarão injusto, ele será injusto voluntariamente. [...] a princípio dependia deles não se tornarem homens dessa espécie, de modo que é por sua vontade que são injustos e intemperantes; e agora que se tornaram tais, não lhes é possível ser diferentes.[66]

              Portanto, entregar-se aos vícios deliberadamente não é próprio de adultos, mas de crianças. Estas em função da idade vivem movidas pela busca do prazer e da evitação da dor sem mediação da razão. O interesse exclusivo da criança é o prazer, qualquer frustração leva ao choro porque ela ainda não é madura para suportar as frustrações. Semelhantemente, o homem vicioso ainda é infantil porque se percebe e age exclusivamente em função do prazer:

Essas características (referentes à intemperança) pertencem acima de tudo ao apetite e à criança, já que na realidade as crianças vivem à mercê dos apetites, e nelas tem mais força o desejo das coisas agradáveis. Se não forem obedientes e submissas ao princípio racional, irão a grandes extremos, pois num ser irracional o desejo do prazer é insaciável, embora experimente todas as fontes de satisfação. Acresce que o exercício aumenta-lhe a força inata, e quando os apetites são fortes e violentos, chegam ao ponto de excluir a faculdade de raciocinar.[67]

              O que se espera de um homem sábio é que ele administre bem as suas paixões de modo a colocá-las a serviço da vida comunitária. Nesta hora, as paixões se tornaram virtudes e, agora, orientadas pelo reto juízo: 

[...] os apetites devem ser poucos e moderados, e não se oporem de modo algum ao princípio racional- e isso é o que chamamos obediência e disciplina. E, assim como a criança deve submeter-se à direção do seu preceptor, também o elemento apetitivo deve subordinar-se ao princípio racional.[68]

A harmonia entre os impulsos e a razão é o princípio fundamental da virtude e o caminho da felicidade.

Antes de analisar as virtudes, façamos um resumo deste subtópico. Os vícios são os dois extremos da virtude. Procedem dos impulsos e resultam de erros de avaliação quanto à sua satisfação. São voluntários e definitivos e é próprio de um caráter infantil. As virtudes, por sua vez, resultam da correta administração dos impulsos, por isso, são o meio-termo dos vícios e é própria dos homens sábios. Enquanto os vícios corroem o ethos comunitário e podem levar a comunidade à destruição, as virtudes fortalecem-no e preservam-na.

4.1.2 As virtudes

As virtudes são “disposições de caráter”[69] relacionadas com a escolha. O seu lugar apropriado é a mediania. Esse ponto central é determinado pela razão e um homem dotado de sabedoria prática o encontra mais facilmente.[70] A mediania não é posta de antemão por alguma determinação exterior à pessoa. Porque para Aristóteles é o homem que escolherá, em cada ocasião, esse lugar apropriado da virtude. Portanto, “ a mediania é relativa a nós”. Disso decorre que “no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece a essência, a virtude é uma mediania; com referência ao sumo bem e ao justo, é, porém, um extremo.”[71] Portanto, a virtude é uma disposição de caráter que se relaciona com “[...] que o torna bom e que o faz desempenhar bem a sua função.”[72]

As virtudes são de duas naturezas. A virtude intelectual, geralmente, decorre do ensino sistemático, por isso, demanda um processo de aprendizado longo sob égide de um orientador. A virtude moral, por sua vez, decorre do hábito:  “não é, pois, por natureza, nem contrariando a natureza que as virtudes se geram em nós. Diga-se antes, que somos adaptados por natureza a recebê-las e nos tornamos perfeitos pelo hábito.”[73] Aristóteles reserva o conceito de mediania para as virtudes morais: “[...] a virtude deve ter o atributo de visar ao meio termo. Refiro-me à virtude moral, pois é ela que diz respeito às paixões e ações, nas quais existe excesso, carência e um meio-termo.”[74] Nesse caso, nasce a pergunta inevitável: como saber se um homem é virtuoso intelectualmente  já que esta não é identificada pela mediania como o são as virtudes morais? A reposta está no papel que a razão exerce junto à paixão e ao seu cumprimento pelo corpo. É ela quem dá a justa medida de todas as ações virtuosas. Esta é a sua virtude. Mas, se não cumpre adequadamente essa função, então é uma razão viciosa. Por isso, Aristóteles afirma que “é a reta razão que põe o meio-termo das disposições de caráter.” Esta é a sua virtude porque na ética aristotélica “a virtude de uma coisa é relativa ao seu funcionamento apropriado.”[75]

Ser virtuoso intelectualmente é ter a capacidade de ordenar continuamente as suas disposições de caráter de acordo com o ethos comunitário. Segundo Aristóteles “[...] deve ser verdadeiro o raciocínio como reto o desejo para que a escolha seja acertada, e o segundo deve buscar exatamente o que afirma o primeiro.”[76] A causa eficiente da ação é a escolha e a causa eficiente da escolha é o desejo e o raciocínio com um fim em vista. O que ajuda o homem no caminho da virtude é, em parte, o conjunto de virtudes e das ações que lhe são correspondentes: “[...] a virtude do homem também será a disposição de caráter que o torna bom e que o faz desempenhar bem a sua função.”[77] Junte-se a isto a capacidade de discernimento e o implemento dos comportamentos adequados diante  das diversas situações. Portanto, não obstante o ethos comunitário aponte para um quadro geral de comportamentos a serem esperados em situações específicas, estimule os comportamentos virtuosos premiando-os com honras e demonstre a sua indignação com os comportamentos viciosos[78], em última instância, compete somente ao homem na plena posse de sua liberdade alcançar a eupraxia, ou seja, a sua própria excelência.

Sendo a virtude o resultado da orientação racional da paixão para uma mediania  na qual carência e o excesso são vencidos pela descoberta  do ponto de equilíbrio, a sua aquisição é decorrente de contínuos exercícios nas ações justas.[79] Por isso, também nas virtudes, o homem é o pai das suas ações como o é de seus filhos. É na fricção repetitiva entre os impulsos e a razão que se forja o caráter. Na medida em que é determinado e disciplinado e põe as paixões no caminho da virtude, então, gradativamente tornar-se virtuoso:

Demos por assentado, pois, que a virtude tem que ver com prazeres e dores; que, pelos mesmos atos de que ela se origina, tanto é acrescida como, se tais atos são praticados de modo diferente, destruída; e que os atos de onde surgiu a virtude são os mesmos em que ela se atualiza.[80]

O homem virtuoso pode cair no vício desde que a relaxe na disciplina e recaia em comportamentos viciosos. Isto acontece porque a virtude está associada à vida prática.[81] Neste caso, é preciso agir virtuosamente a vida toda porque, do contrário, a virtude pode deixar o homem outrora virtuoso. Segundo Aristóteles,  “[...] está na natureza dessas coisas o serem destruídas pela falta e pelo excesso [...]”[82]

Aristóteles observou que a maioria das pessoas são mais ouvintes do que ativas. Pensam que só ouvindo se tornam pessoas virtuosas[83]. Por isso, não atentam para a qualidade de seus atos e são ingênuas quanto à origem de seu caráter. Mas, como quem já venceu esta existência limitada a si mesmo, o  homem virtuoso, na medida em que continua a exercita-se na virtude mediante ações virtuosas na sua comunidade, move-se rumo à vida boa: a felicidade.

              Em suma, as virtudes são “disposições de caráter” que são adquiridas através de um longo aprendizado. É através da disciplina e da determinação que um homem se faz virtuoso. A virtude no âmbito moral é a mediania e no dianoético é o reto juízo. Por isso, a virtude decorre de um ato de liberdade, entretanto, esta deve levar em conta o ethos comunitário porque este foi construído através de um longo processo no qual, as gerações anteriores mediante dolorosas experiências, selecionou um leque de virtudes e vícios para facilitar, às futuras gerações, o acesso à felicidade sem ter que descobrir, por experiência própria, tudo de novo. Mas, mesmo assim, o desafio crucial da virtude permanece, ou seja, não errar por  carência ou por excesso, mas  encontrar a sua justa medida em cada caso. Portanto, a tarefa crucial da razão é encontrar a mediania do impulso. Deste equilíbrio, ou de sua falta, nasce, respectivamente, a virtude e o vício.

4.1.3 A mediania

A mediania é a excelência da virtude. Resulta da ação global do organismo: as paixões são orientadas pela reta razão. Isto significa não limitar excessivamente a sua força e nem ceder-lhe espaço demasiado.  Ao desejo compete desejar, ao corpo compete o sentir, à razão compete orientar. A interpretação da razão dos desejos do corpo e do ethos comunitário deve levar em conta que toda paixão tem o tempo, o lugar e as circunstâncias apropriadas. Essas variáveis, quando consideradas, são as condições fundamentais para se praticar uma ação virtuosa.

O objeto é o outro aspecto a ser considerado. Deve ser apropriado à referida paixão. Se há outras pessoas envolvidas, as paixões devem estar voltadas para as pessoas certas. Isto posto, deve-se considerar a conveniência dos motivos que estão presidindo a ação e se o modo de satisfação do desejo é apropriado.[84] Portanto, em última instância, o ethos comunitário é o parâmetro das ações justas. Estas são orientadas pela  regra justa. Aristóteles, percebendo a natureza instável das ações, afirmou que são as pessoas que devem decidir caso a caso a ação mais adequada em cada situação:

Tal como se passa no que se refere à saúde, as questões de conduta e do que é bom para nós não têm nenhuma fixidez [...] as próprias pessoas devem considerar, em cada caso, o que é mais apropriado à ocasião, como também sucede na arte da navegação e na medicina.[85]

A administração racional do desejo leva a um ato virtuoso e, posteriormente, a uma virtude[86]. O desafio do ato moral é situar-se na mediania da ação.[87] O excesso e a carência são os grandes adversários da ação justa. Conseqüentemente, maiores são as probabilidades de errar do que de acertar  a mediania de uma ação. Por isso mesmo, a falta e o excesso caracterizam os vícios e a mediania, as virtudes. Aristóteles afirma que não se chega à mediania numa única ação. Mas, erra-se hoje para acertar amanhã: “Fica bem claro, pois, que em todas as coisas o meio-termo é digno de ser louvado, mas que às vezes devemos inclinar-nos para o excesso e outras vezes para a deficiência. Efetivamente, essa é a maneira mais fácil de atingir o meio-termo e o que é certo.” [88]A eupraxia é uma tarefa para a vida inteira[89] e está mais relacionada com o outro do que consigo mesmo. Por isso, “o melhor dos homens “[...] não é o que exerce a sua virtude para consigo mesmo, mas para com o outro. Pois que difícil tarefa é essa.”[90] Os homens têm em comum todas essas coisas e é no modo com que administram essas forças interiores que serão mais ou menos humanos. Trata-se de uma tarefa complexa e de auto grau de exigência. Assim,  segundo Aristóteles, é preciso contar com certa inclinação natural à virtude: “é, portanto, uma condição prévia indispensável a existência de um caráter que tenha certa afinidade com a virtude, amando o que é nobre e detestando o que é vil.”[91]

             Antes de passar ao tópico seguinte, Julgamos conveniente rever o itinerário da pesquisa a fim de averiguar se o percurso seguido até aqui está de acordo com aquilo que foi estabelecido no início.  Seguiremos o mesmo modelo praticado no terceiro tópico. Comecemos com esta interrogação: qual a relação deste tópico com a hipótese da pesquisa? A hipótese diz que se ao homem sábio compete dar razões do seu agir e estas devem vir dos fatos, então o homem feliz será aquele, que por amor à humanidade alcançar a mediania entre a paixão e a razão. Este tópico confirma-a parcialmente porque mostrou que a essência da ética aristotélica é a mediania e que esta é alcançada pela ação justa orientada pelo reto juízo. Se adicionarmos esta conquista com a do tópico imediatamente precedente, então a hipótese foi comprovada.

              Agora pensemos nos objetivos da pesquisa. São dois os objetivos específicos da pesquisa: 1) entender a essência da ética aristotélica; 2) apontar os obstáculos a serem rompidos e os comportamentos a serem adquiridos para se alcançar a virtude. De que modo este tópico se relaciona com eles? Este tópico definiu a essência da ética aristotélica e apontou os obstáculos a serem superados para ser um homem virtuoso. Assim, os dois objetivos específicos foram alcançados.

O objetivo geral da pesquisa é mostrar que Aristóteles compreende a virtude como um contínuo equilíbrio entre a paixão e a razão e disto decorre, no plano antropológico, o homem vicioso ou virtuoso e no plano político, a felicidade. Este tópico, juntamente com o anterior, mostrou como um homem atinge a essas condições. Portanto, pode-se afirmar que o objetivo geral da pesquisa também foi alcançado. Contudo, não totalmente porque falta analisar a felicidade propriamente dita porque, na ética aristotélica, é a justificativa e a inspiração do homem virtuoso.

5. CONCLUSÃO: A EUDAIMONIA COMO FIM DA ÉTICA ARISTOTÉLICA

Neste tópico, dedicar-nos-e-mos ao perfil do homem eudaimônico. Para isso voltaremos aos pontos chaves da pesquisa recolhendo os dados que respondam diretamente a nossa hipótese: se ao homem sábio compete dar razões do seu agir e estas vêm dos fatos, então o homem feliz será aquele que, por amor à humanidade, alcançar a mediania entre a paixão e a razão, a felicidade, e conservar-se assim a vida toda.

Segundo a nossa pesquisa, o homem feliz será aquele que romper com as ilusões de que as virtudes lhe são exteriores. Ele assumiu o compromisso de fazer-se a si mesmo. O seu motivo para a ação advém da consciência de que o homem só existe como tal se aquilo que o distingue dos animais é levado às últimas conseqüências, ou seja, o seu nous está no comando de seus instintos. Este homem  decidiu-se por fazer-se a si e à sua comunidade. O amor ao ser humano é sua metafísica primordial. Na sua inspiração, conquista a eudaimonia, conserva-a e partilha-a. 

Ele pode fazer isso porque ao longo da vida desenvolveu o seu caráter de tal maneira que as suas paixões não são um problema, mas as energias que movem a si e a vida comunitária à luz da mediania porque ele sabe que é a práxis contínua, voluntária e consciente que faz um homem virtuoso ou vicioso. A alma é o sítio no qual se atualiza o potencial humano na sua humanidade ou desumanidade. É a gênese dos impulsos e de suas corretas administrações no horizonte comunitário.

O homem feliz assume a imanência da ética, por isso, a sua maior missão é a eupraxia: fazer-se a si mesmo. Esta é a sua tarefa filosófica. Ele mesmo é uma obra em construção a favor de si e da sua coletividade. É isto que o faz feliz. Enquanto o homem vicioso encanta-se das paixões e quer satisfazê-las a qualquer custo, o homem eudaimônico sabe que a casa espiritual da sociedade deve ser respeitada como o seu próprio corpo. Não lhe está inteiramente submisso, mas sabe de sua importância e contribui com o seu aperfeiçoamento colocando as suas paixões a serviço da vida comunitária. É deste modo que os impulsos viram virtudes. A harmonia entre os impulsos e a razão é o princípio fundamental da virtude e o caminho da felicidade.

O homem eudaimônico sabe que os vícios estão nos dois extremos da virtude. Procedem dos impulsos e resultam de erros de avaliação quanto à sua satisfação. São voluntários e definitivos e é próprio de um caráter infantil. Por isso, evita-os. As virtudes, por sua vez, resultam da correta administração dos impulsos, por isso, são o meio-termo dos vícios e é própria dos homens sábios. Enquanto os vícios corroem o ethos comunitário e podem levar a comunidade à destruição, as virtudes fortalecem-na e preservam-na.

              O homem eudaimônico sabe que as suas disposições de caráter são adquiridas através de um longo aprendizado. É com disciplina e determinação que um homem se faz virtuoso. A virtude no âmbito moral é a mediania e no dianoético é o reto juízo. Por isso, a virtude decorre de um ato de liberdade. O homem feliz faz aquilo que ele quer. Portanto, a disciplina das paixões não é uma violência contra o corpo, mas a sua vida.

              Portanto, uma sociedade justa não acontece por acaso. É fruto de um compromisso social que passa pela responsabilidade individual, a de ser a melhor pessoa possível; e pela responsabilidade coletiva de ser o melhor lugar possível para as pessoas viverem. Por isso, deve ter um aparato educacional capaz de humanizar os seus cidadãos desde a infância. A sociedade madura sabe que um cidadão não é fruto do acaso, mas resulta do esforço coletivo de todos os seus membros. Por isso, não abre mão de sua tarefa de educar para a vida boa na qual a criança aprende os seus limites e as suas possibilidades. Não se trata de tiranizar os impulsos, mas de colocá-los no caminho da virtude para o bem da coletividade. Nesta sociedade, ninguém fica esperando que as crianças se transformem num passe de mágica em pessoas boas, ela cria as condições políticas para isso acontecer. Por isso, agem com vistas a um fim mais proveitoso: o prazer de ter o próprio ser humano como a sua obra mais excelente.

              A sociedade politicamente consciente sabe que se ela não se unir a favor da justiça formando um laço de amizade e de esperança em favor de seu próprio futuro, certamente os vícios individuais a submergirão. Desta forma, o lugar que deveria ser o espaço de acolhimento de seus cidadãos para o desenvolvimento de seu potencial humano, passa a ser uma incógnita porque já não se sabe o que surgirá daí. Nesse caso, o resultado é obra do acaso. Entretanto, a sociedade que perdeu a ilusão do acaso e assumiu em suas mãos a responsabilidade de fazer-se a si mesma, não deixa que o seu futuro escape pelos seus dedos. Nela as pessoas de bem se congregam  na contínua tarefa de humanizar a vida.

              O homem eudaimônico se apresenta para a missão educativa na sua comunidade não só como exemplo, mas como parte integrante do processo. Ele sabe que o homem não é um deus nem uma fera, por isso, está aberto à contingência do mundo tanto para o bem quanto para o mal, por isso, a cidade é o lugar de seu acabamento porque o homem é um ser a caminho tanto na sua individualidade quanto em sociedade.

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[1]MACDOWELL, Ética II: natureza e formas de saber ético. Apostila não publicada. Belo Horizonte: FAJE, 2007. p. 14.

[2]As posições filosóficas sobre o conhecimento moral são duas: Não-cognitivismo, que afirma a impossibilidade de se conhecer o que é bom ou mau e o Cognitivismo, que afirma que é possível conhecer racionalmente o que é bom e mau. O primeiro situa-se dentro da linha teórica do Neopositivismo lógico e o segundo, na sua formulação estrita, na tradição filosófica clássica. MACDOWELL, J. op. cit. p. 4-6.

[3] Eudaimonia é uma palavra que evoca a doutrina aristotélica de que “o fato de julgar que um ser é feliz, sendo este juízo compreendido não apenas como enunciado de um fato, mas como um juízo apreciativo implicando o valor ético da felicidade.” LALANDE, A. Eudemonismo. Vocabulário técnico e crítico de filosofia. 10ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

[4]Neste sentido, Aristóteles  elevou o prazer ao horizonte metafísico das ações viciosas e virtuosas.

[5]ARISTÓTELES. Tópicos, Dos argumentos sofísticos, Metafísica, Ética a Nicômaco, Poética. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Os Pensadores, v. 4.

[6]PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. História da filosofia, 15ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1990. 

[7]Ethos, nesta monografia, significa a junção de hqos,que corresponde ao conjunto de costumes normativos da vida de um grupo social, com eqos, que corresponde à constância do comportamento, ou seja, do agir do indivíduo cuja vida é regida pelo ethos-costume. MACDOWELL, J. op. cit. cap. I, p. 2.

[8] Ribeiro Jr. Distingue mitologia de religião. Para ele “a mitologia não deve ser confundida com a religião. Mitologia é, simplesmente, um conjunto de crenças diversas e de relatos fictícios; já religião envolve rituais e outros procedimentos que têm a finalidade de estabelecer um vínculo com a divindade.” RIBEIRO JR., W.A. Grécia Antiga, São Carlos, 1997-2005. Disponível em  http://greciantiga.org/mit/mit00.asp  Acessado em 28/5/2008.

[9]ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 7-23.

[10]"Homero" (gr. Oμηρος), o mais antigo e respeitado poeta da Grécia Antiga, está vinculado há mais de 2.500 anos as suas duas grandes obras: A Ilíada e A Odisséia. RIBEIRO JR., W.A. Grécia Antiga.  Disponível em http.//greciantiga.org/lit/lit03b.asp .Acessado em 02/05/2008.

[11]Hesíodo (gr. ‘Hσιοδος) é o mais antigo poeta grego de que se tem notícia com alguma certeza. Pode-se situá-lo com razoável grau de confiabilidade no início do Período Arcaico, mas, a rigor, não há nenhuma evidência tangível de sua existência histórica, salvo informações contidas em sua própria obra. RIBEIRO JR., W.A. Grécia Antiga. Disponível em  http.//greciantiga.org/lit/lit03b.asp . Acessado em 12/06/2008.

[12]HESÍODO. Teogonia: origem dos deuses. 7ª ed. São Paulo: Roswitha Kempf, 1989.

[13]As musas revelam aquilo que não deve ser jamais esquecido: a= não e lhqh= esquecimento. TAYLOR, W. C. Dicionário do Novo Testamento grego. 7ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1983. MOULTON, H. K. (ed.) The analytical greek lexicon revised. Michigan: Regency Reference Library, 1978.

[14]HOMERO. A Ilíada e A Odisséia. Disponível em

http://www.fflch.usp.br/dh/heros/traductiones/homero/index.html.

Acessado em 02/06/2008. Outras obras de Homero estão disponíveis em http://onlinebooks.library.upenn.edu/webbin/book/lookupname?key=Homer. Acessado em 03/06/2008.

[15]RIBEIRO JR. W. A. Grécia Antiga. Disponível  em http://greciantiga.org/mit/mit09-1.asp. Acessado em 03/06/2008.

[16]Sobre Eros e Tártaro: RIBEIRO JR. W. A. Grécia Antiga. Disponível  em http://greciantiga.org/mit/mit09-1.asp. Acessado em 03/06/2008.

[17]“Deus do céu e dos fenômenos atmosféricos (chuva, raios e relâmpagos), principalmente; mantém a ordem e a justiça no mundo, distribui os bens e os males. Zeus é citado nas tabuinhas micênicas em Linear B e tem ascendência nitidamente indo-européia. A palavra "Zeus" deriva de um radical primitivo, dei- (reluzir), presente nas principais línguas indo-européias antigas (grego, latim, hitita, sânscrito), sempre associado a uma importante divindade celeste e à claridade do dia. "Dia", aliás, deriva do latim dies e vem do mesmo radical; a palavra portuguesa "deus" tem a mesma origem.” . RIBEIRO JR. W. A. Grécia Antiga. Disponível em http://greciantiga.org/mit/mit09-1.asp. Acessado em 03/06/2008.

[18]RIBEIRO JR. W. A. Grécia Antiga. Disponível em

http://greciantiga.org/mit/mit09-6.asp.  Acessado em 02/03/2008. Veja-se também o hino de louvor a Eros. “Eros, invencível no combate; Eros, tu que consomes as riquezas [...] De ti nenhum dos imortais é capaz de fugir, nenhum dos homens que só duram um dia. Aquele que te possui enlouquece.” 

SÓFOCLES, IN: RIBEIRO JR. W. A. Grécia Antiga. Disponível em http://greciantiga.org/mit/mit09-6.asp. Acessado em 03/07/2008.

[19]HOMERO, IN:  RIBEIRO JR. W. A. Grécia Antiga. Disponível em http://greciantiga.org/mit/mit09-11.asp. Acessado em 03/07/2008.

[20]HOMERO, IN: RIBEIRO JR. W. A. Grécia Antiga. Disponível em http://greciantiga.org/mit/mit09-7.asp. Acessado em 03/07/2008.

[21]HOMERO, IN: RIBEIRO JR. W. A. Grécia Antiga. Disponível em http://greciantiga.org/mit/mit09-5.asp. Acessado em 03/07/2008.

[22]Devido ao caráter obsceno das festividades, o senado romano proibiu o culto a Dionísio. “Na época romana, as festas em honra a Dioniso ("bacanais") se tornaram tão desenfreadas que foram proibidas pelo Senado.” RIBEIRO JR. W. A. Grécia Antiga. Disponível em http://greciantiga.org/mit/mit09-13.asp. Acessado em 03/07/2008.

[23]RIBEIRO JR.  W. A. Grécia Antiga, São Carlos. Disponível em http://greciantiga.org/mit/mit09-3.asp. Cessado em 03/07/2008.

[24]RIBEIRO JR.  W. A. Grécia Antiga. Disponível em http://greciantiga.org/mit/mit09-12.asp. Acessado em 03/07/2008.

[25]APOLODORO, IN: RIBEIRO JR.  W. A. Grécia Antiga. Disponível em http://greciantiga.org/mit/mit09-2.asp. Acessado em 03/06/2008.

[26]Nêmesis, por exemplo, representa a vingança divina diante do comportamento desmedido (gr. hýbris) ou da excessiva presunção dos mortais; Éris personifica a discórdia. Eis alguns outros, em ordem alfabética: Apáte, o engano; Filótes, a amizade; Geras, a velhice; Hipno, o sono; Kera, o destino do homem em seus momentos finais; Lissa, a loucura; Momo, o escárnio; Moro, o quinhão que cada homem receberá em vida; Oizus, a miséria; Oniro, o sonho; Tânato, a morte. Éris, assim como Nix, originou sozinha mais abstrações. Destacam-se: Lete, o esquecimento; Orco, o juramento; e Ate, o erro, divindade leve e ágil que pousa os pés na cabeça dos mortais sem que eles percebam...Tânatos participa das lendas de Sísifo e de Alceste; Lete, em épocas tardias, tornou-se um dos rios do Hades, cuja água era bebida pelas sombras dos mortos para esquecer o que haviam sido em vida. RIBEIRO JR.  W. A. Grécia Antiga. Disponível em http://greciantiga.org/mit/mit02b.asp . Acessado em 20/06/2008.

[27]O período naturalista compreende 200 anos: do início do século VI ao final do séc. V. PADOVANI, U. CASTAGNOLA, L. História da filosofia1, 15ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1990. p. 99.

[28] Segundo a tese orientalista a filosofia é originária das civilizações orientais e de lá foi importada para a Grécia. Defendem-na o filósofo neoplatônico Fílon de Alexandria, o filósofo neo-pitagórico Numênio, Clemente de Alexandria e Euzébio de Cesaréia. O argumento da tese é que assim como os gregos, devido às relações comerciais, assimilaram algumas concepções artísticas dos orientais, também teriam aprendido a doutrina filosófica. Contudo, J. Burnet, defensor da tese positivista, refuta a tese orientalista. Para Burnet, a filosofia é própria do espírito grego. Ele contesta o argumento da tese orientalista afirmando que os contatos comerciais não explicam o nascimento da filosofia porque esta é discursiva e só pode ser transmitida pelo conhecimento da língua. Não há notícias que os filósofos gregos conhecessem as línguas orientais. O argumento da tese positivista é que o conhecimento. CORFORND, F. M. Principium sapientiae: as origens do pensamento filosófico grego. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Guebenkiau 1989. Passim.

[29] Cf. nota de rodapé 28.

[30]É um termo atribuído a esses pensadores porque abandonaram as explicações míticas e religiosas dos fenômenos e  passaram a explicá-los pela razão. Por isso, eles são conhecidos como filósofos da natureza, os φυσικοί.

[31]Trata-se dos representantes da sofística, movimento cultural do séc. V a.C., que, devido às criticas de Platão e Aristóteles, passaram para a história da filosofia com uma fama negativa. Entretanto, atualmente, estão sendo colocados ao seu devido posto na filosofia ocidental. AZEVEDO VIANA, Sylvio Barata. A sofista grega do século V a.C. Kriterion, Belo Horizonte, v. 78, p. 1-29, 1987.

[32]O substantivo sofista deriva de sofos, um sábio que detinha um conhecimento específico.

[33]CASSIRER, E. A filosfia de la ilustracion. 2ª ed. México: Fondo de Cultura Econômica, 1950. GROTHE, G. History to the greece: legendary GreeceGreecian history to the reign of persistratus at Athens. 2ª ed. London: John Murray, 1849.

[34]GÓRGIAS, fragmento 1.

[35]Como afirma poeticamente Orlando Neves: “É nesse mar, junto ao monte Athos, que Aristóteles inicia a investigação dos animais, em especial, os marinhos. Ensinado pelo pai, terá feito as primeiras dissecações. Também é aí que, entre a praia e os rochedos, convive com as gentes do porto, os pescadores, os marinheiros, as crianças do cais e absorve os conhecimentos que lhe transmitem. É, porém, nos livros que satisfaz completamente a sua curiosidade. Conhece de cor os poetas, sobretudo Homero, conhece os filósofos de Atenas e, mesmo sem compreender tudo, memoriza. Não é uma criança, aparentemente, sobredotada. É, tão-só, o que não é pouco, um jovem curioso, atento, paciente. E trabalhador.” NEVES, Orlando. Aristóteles. Disponível em http://www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/ousia/ousia_apresentacao.htm  . Acessado em 15/05/2008.

[36]Afirma-o- Orlando Neves:  “a adolescência vai vivê-la entre os livros e para os livros. Todas as perguntas vão nascendo no seu espírito e, eventualmente, as respostas. Precisa ainda de uma chave. Essa chave está em Atenas e chama-se Platão.” NEVES, Orlando. Aristóteles. Disponível em

http://www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/ousia/ousia_apresentacao.htm  . Acessado em 15/05/2008.

[37]O comentário de Orlando Neves parece bem pertinente: “está em Atenas. Isso é o que importa. A noroeste, fora das portas da cidade, fica a escola de Platão, um velho ginásio sob a proteção do herói Hecadémio. Não se entra na Academia para tirar um curso de xis anos. Entra-se, sai-se, fica-se o tempo que se quiser. Não há carreiras, exames, cursos com limites. Vai-se para aprender, para ensinar. Uma palavra elogiosa do mestre, um estímulo, é o bastante. Platão há- de dizer que Aristóteles é o melhor dos seus alunos, a Inteligência, o Cérebro, o Espírito puro. Por isso, o jovem macedônio ficará vinte anos na Academia, estudando, encarregando- se de disciplinas, ensinando.” NEVES, Orlando. Aristóteles. Disponível em

http://www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/ousia/ousia_apresentacao.htm  . Acessado em 15/05/2008.

[38]Platão (c. 428-348 a.C.)- A idéia é a grande intuição gnosiológica de Platão. Segundo ele, pode-se conhecer a realidade porque esta é a figura de uma realidade subjacente situada em plano superior a este. A pessoa tem acesso a este mundo imperecível porque antes de nascer teve acesso a ele. Assim, as formas eternas estão presentes na mente da pessoa. Conhecer é relembrar. Essas idéias eternas que foram contempladas antes do nascimento são a causa do mundo sensível, por isso,   é a alma que faz a mediação entre o mundo das idéias e a natureza. Se falamos, por exemplo, de santidade entenda-se que os atos santos são possíveis porque a santidade existe no mundo das idéias e lhe dá sentido.

[39]O corpus aristotelicum, organizado por Andrônico de Rodes, no século I a.C., é composto do Organon, da Física, da Metafísica, da Ética e da Poética. 

[40]Veja-se o comentário de Orlando Neves:  “Com a ajuda de Teofrasto, que nunca o abandonou, Aristóteles ensinará durante doze anos. Os "cursos" - esotéricos, para os alunos inscritos, exotéricos para uma assistência mais diversificada serão dados - andando. Passeios durante a manhã, passeios à tarde, obedecendo à natureza: passear activa a digestão, a bílis, o sangue, o calor. E o pensamento. Os peripatéticos. Não por causa da marcha, mas por a marcha se fazer nas alamedas (os peripatos).” NEVES, Orlando. Aristóteles. Disponível em http://www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/ousia/ousia_apresentacao.htm  . Acessado em 15/05/2008.

[41]“Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa desejamos com vistas em outra ( porque, então, o processo se repetiria ao infinito, e inútil e vão seria o nosso desejar), evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem.” 1094a,5

[42]1094a,20.

[43]1094b,15.

[44]1094b,25.

[45]“O defeito não depende da idade, mas do modo de viver e de seguir um após outro cada objetivo que lhe depara a paixão.” 1095a,5.

[46]Cf. a introdução.

[47]No De anima, Livro III, Aristóteles, depois de passar em revista os sentidos de alma de sua época, gradativamente expõe a sua compreensão do que seja a alma. ARISTÓTELES. De anima. Livros, I, II, III. São Paulo: Editora 34, 2006.

[48]Cf. 1105, 20-25.

[49]Sobre a aquisição da virtude pelo hábito: “com efeito, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las fazendo; por exemplo, os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo esse instrumento. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos [...]”. 1103a,20.

[50]1114a,10.

[51]1114a,20. A possibilidade de mudança de um homem no plano moral só acontece quando a ação é involuntária porque, neste caso, não é um vício, mas um hábito: “ [...] a incontinência e o vício diferem em espécie: o vício não tem consciência de si mesmo (já está totalmente possuído), a incontinência tem. 1150b, 30.

[52]Veja-se as palavras de Aristóteles sobre a intrincada relação entre impulsos e razão: “e, se convém afirmar que também esse elemento possui um princípio racional, o que possui tal princípio (como também o que carece dele) será de dupla natureza: uma parte possuindo-o em si mesma e no sentido rigoroso do termo, e a outra com a tendência de obedecer-lhe como um filho obedece ao pai.” 1103a,30.

[53]São exemplos de paixões: apetites, cólera, medo, audácia, inveja, alegria, amizade, ódio, desejo, emulação, compaixão, “[...] e em geral os sentimentos que são acompanhados de prazer ou dor.” 1115b,20 Entretanto, Aristóteles afirma que há paixões que são más em si mesmas, são elas: maldade, despeito, despudor, inveja. Nas palavras dele: “e, no que se refere a essas coisas, tampouco a bondade ou maldade dependem de cometer adultério com a mulher apropriada, na ocasião e da maneira convenientes, mas fazer simplesmente qualquer delas é um mal.” 1107a,15

[54]1106a,5.

[55]1104b, 5,10.

[56]Cf. 1152a,10-15.

[57]Cf. 1152b-1153a.

[58]Cf. 1110a, 1110b,15.

[59]1111b.

[60]Sobre o seu afastamento teórico de Platão, ele diz: “seria melhor, talvez, considerar o bem universal e discutir a fundo o que se entende por isso, embora tal investigação nos seja dificultada pela amizade que nos une àqueles que introduziram as Formas. No entanto, os mais ajuizados dirão que é preferível e que é mesmo nosso dever destruir o que mais de perto nos toca a fim de salvaguardar a verdade, especialmente por sermos filósofos ou amantes da sabedoria; porque, embora ambos nos sejam caros, a piedade exige que honremos a verdade acima de nossos amigos.” 1096a,10-15

[61]A razão filosófica nasce a fim de dar razões através dos juízos lógicos oriundos da reflexão racional. Segundo Aristóteles, o fato é a referência fundamental da filosofia: “o fato é ponto de partida.” 1095b,5

[62]1137a, 30.

[63]1139a, 15.

[64]1107a, 5.

[65]1114a,10.

[66]1114a, 20.

[67]1119a, 10.

[68]1119b, 15.

[69]1106a, 10.

[70]Sobre a capacidade humana de fazer-se humano, Aristóteles afirma: “ a virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consiste numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. E é um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta; pois que, enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões, a virtude encontra e escolhe o meio-termo. E assim, no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece a essência, a virtude é uma mediania; com referência ao sumo bem e ao justo, é, porém, um extremo.” 1107a,5

[71]1107a,5.

[72]1106a,20.

[73]1103a,20.

[74]1106b,15.

[75]1139a,15.

[76]1139a, 25.

[77]1106a, 20.

[78]Agir virtuosamente implica em harmonia entre ação e disposição interior: “[..] não é temperante o homem que as pratica, e sim o que as pratica tal como o fazem os justos e temperantes. É acertado, pois, dizer que pela prática de atos justos se gera o homem justo, e pela prática de atos temperantes, o homem temperante; sem essa prática, ninguém teria sequer a possibilidade de tornar-se bom.” 1105b,10

[79]A existência ética decorre da prática: “com efeito, as coisas que temos de aprender antes de poder faze-las, aprendemo-las fazendo; por exemplo, os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo esse instrumento. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos [...]”. 1103a,30

[80]1105a, 15.

[81]Aristóteles afirma: “[...] pelos atos que praticamos em nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos [...] Numa palavra: as diferenças de caráter nascem de atividades semelhantes. É preciso, pois, atentar para a qualidade dos atos que praticamos, porquanto da sua diferença se pode aquilatar a diferença de caracteres. E não é coisa de somenos que desde a nossa juventude nos habituemos desta ou daquela maneira. Tem, pelo contrário, imensa importância, ou melhor: tudo depende disso.” 1103b,10-25

[82]1104a,10.

[83]Aristóteles diz que essas pessoas “[...] Refugiam-se na teoria [...] Nisto se portam, de certo modo, como enfermos que escutassem atentamente os seus médicos, mas não fizessem nada do que estes lhes prescrevessem.” 1105b,10

[84]Sobre a mediania, Aristóteles afirma que “[...] senti-los (apetite, ira, compaixão, prazer, dor, etc) na ocasião apropriada, com referência aos objetos apropriados, para com as apropriadas, pelo motivo e da maneira conveniente, nisso consistem o meio-termo e a excelência característicos da virtude.” 1106b,20

[85]1104a,5.

[86]Para Aristóteles, ser homem é existir eticamente: “Eis aí por que a escolha não pode existir nem sem a razão e intelecto, nem sem uma disposição moral; pois a boa ação e o seu contrário não podem existir sem uma combinação de intelecto e de caráter.” 1139a,30 “Portanto, a escolha ou é raciocínio desiderativo ou desejo raciocinativo, e a origem de uma ação dessa espécie é um homem.” 1139b,5 “Em conclusão: no homem temperante o elemento apetitivo deve harmonizar-se com o princípio racional, pois o que ambos têm e mira é o nobre, e o homem temperante apetece as coisas que deve, de maneira e na ocasião devidas; e isso é o que prescreve o princípio racional.” 1119b,20

[87]Chegar a essa sabedoria é muito difícil porque “[...] é possível errar de muitos modos (pois o mal pertence à classe do ilimitado e o bem à do limitado, como supuseram os pitagóricos), mas só há um de acertar. Por isso, o primeiro é fácil e o segundo difícil- fácil errar e mira, difícil atingir o alvo. Pelas mesmas razões, o excesso e a falta são característicos do vício, e a mediania da virtude: pois os homens são bons de um modo só, e maus de muitos modos.” 1106b,25

[88]1109b,20.

[89]Sobre a superioridade da prática sobre a teoria, Aristóteles afirma “[...] como condição para a posse das virtudes o conhecimento pouco ou nenhum peso tem, ao passo que as outras condições- isto é, aquelas mesmas que resultam da prática amiudada de atos justos e temperantes- são, numa palavra tudo.” 1105b.

[90]1130a,5.

[91]1179b,30. A mediania, devido ao seu grau de dificuldade, é uma tarefa para a vida: “Em tudo que é contínuo e divisível pode-se tomar mais, menos ou uma quantidade igual, e isso quer em termos da própria coisa, quer relativamente a nós; e o igual é um meio-termo entre o excesso e a falta. Por meio-termo no objeto entendo aquilo que é eqüidistante de ambos os extremos, e que é um só e o mesmo para todos os homens; e por meio-termo relativamente a nós, o que não é nem demasiado nem demasiadamente pouco – e este não é um só e o mesmo para todos. 1106 a, 30

Data da conclusão/última revisão: 3/4/2019

 

Como citar o texto:

RIBAS, Carolline Leal; SILVA,Juscelino..As paixões da alma na ética Aristotélica: genealogia, natureza e finalidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1612. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/etica-e-filosofia/4362/as-paixoes-alma-etica-aristotelica-genealogia-natureza-finalidade. Acesso em 10 abr. 2019.

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