No último exame de ordem, realizado pela OAB/PA, em maio passado, tivemos o maior índice de reprovação de todos os tempos. Dos 663 bacharéis, formados pelos nossos cursos jurídicos, que se submeteram às provas da OAB, na esperança de conquistarem o direito de exercer a advocacia, apenas 116 foram aprovados. Em decorrência desse péssimo resultado, com um índice de reprovação de 81,9%, os dirigentes da nossa OAB repetiram o diagnóstico de sempre, que costuma ser divulgado, à exaustão, em todo o Brasil: a culpa é da criação exagerada de novos cursos jurídicos e da falta de empenho dos estudantes. Em Cascavel, no Paraná, no último exame, o resultado foi ainda mais escabroso, porque menos de 3% dos bacharéis foram aprovados. Dos 470 inscritos, apenas 11, de acordo com o exame da OAB, têm condições de exercer a advocacia. Em todo o Brasil, os índices de reprovação alcançaram índices inaceitáveis. No Paraná, o Secretário de Justiça e Cidadania, Aldo Parzianello, depois desses resultados, propôs ao Congresso Nacional a revogação da exigência do exame de ordem, para a inscrição na OAB. Também como conseqüência dos resultados do último exame de ordem, o programa Fantástico, da Rede Globo, que foi ao ar no dia 26 de junho, convocou o lingüista Bruno Dallari e o professor de direito Renan Lotufo, para examinarem a correção gramatical e o conteúdo jurídico das provas dos candidatos reprovados. Nessa oportunidade, o professor Lotufo, que é desembargador aposentado e professor da PUC de São Paulo, e também um renomado autor de obras de Direito Civil, disse que não pode “aprovar uma pessoa que vai prejudicar os outros no exercício da profissão. Ele está fazendo o melhor que pode, que é uma porcaria, e não sabe que é. Então, a Ordem está ensinando: olha, você precisa melhorar de nível. Quando deixar de ser uma porcaria, como aplicador do Direito, então você vai poder trabalhar como qualquer um”. Juridicamente, não resta dúvida de que compete ao Governo Federal fiscalizar, através do MEC, a qualidade do ensino superior. Por essa razão, o exame de ordem está invadindo atribuições alheias. Afinal de contas, se o MEC não fiscaliza corretamente os cursos superiores, isso não justifica a transferência de sua competência para a OAB. Ou será que algum outro órgão poderia fiscalizar o exercício profissional dos advogados, alegando que a OAB não está desempenhando corretamente as suas atribuições? O absurdo é evidente. O exame de ordem foi criado por imposição da OAB, mas agora estamos chegando a um impasse, porque o feitiço está começando a contaminar o seu próprio criador. Aliás, esse exame, além de criar uma restrição, destituída de razoabilidade, contra a liberdade de exercício profissional, e além de atentar contra a autonomia universitária, é também inconstitucional, porque não foi criado por lei, e nem regulamentado pelo Presidente da República, conforme exigido pela Constituição Federal. É verdade que a formação jurídica dos bacharéis de direito é deficiente. Em muitos casos, extremamente deficiente. Isso não pode ser negado, mas também não pode ser utilizado como justificativa para o exame de ordem. Aliás, todos sabem que a deficiência não é apenas do ensino universitário, e que não é possível transformar, em profissionais competentes, muitos dos alunos, que chegam aos cursos superiores sem o mínimo de condições necessárias. No entanto, cabe ao MEC fiscalizar o ensino, em todos os níveis. Quem deve reprovar os alunos é a escola, é a Universidade, e não a OAB, transformada em um grande censor, do Governo e das Universidades. O que está errado é o sistema que se criou, por outros interesses, que permite a mercantilização do ensino e a venda dos diplomas, que permite a proliferação dos cursinhos e a venda de obras especializadas, do tipo “Mil Perguntas e Respostas”, para que, depois, a OAB, com toda a sua autoridade, se encarregue de “selecionar” os absolutamente incapazes, que ficarão impedidos de exercer a profissão, através de um exame no mínimo questionável, e que não é fiscalizado por ninguém, embora a OAB tenha atribuições para fiscalizar todo e qualquer concurso jurídico. E para que, depois, além de tudo isso, os bacharéis ainda sejam chamados de “porcaria”, indiscriminadamente, em cadeia nacional de televisão, por um professor “doutor” da PUC de São Paulo, escalado pela OAB para defender o seu ponto de vista institucional, no Fantástico, da Globo. Se o exame de ordem fosse tão necessário e suficiente, para garantir a qualificação profissional, os advogados antigos deveriam fazer esse exame, também. Fica lançado, aqui, uma vez mais, o desafio: submetam-se, nobres conselheiros da OAB, em todo o Brasil, ao exame de ordem, na primeira oportunidade. Esse exame deverá ser realizado, no entanto, por uma instituição séria e independente, dessas que são especializadas na realização de concursos públicos. Se vocês forem aprovados, prometo que mudo de opinião, a respeito do exame de ordem, e que nunca mais escreverei nenhum artigo jurídico. No entanto, se forem reprovados, ficarão impedidos de exercer a advocacia e deverão, também, logicamente, renunciar aos seus cargos, nos Conselhos da OAB. E, de quebra, pedirão desculpas a todos os candidatos reprovados nos exames de ordem. No meu entendimento, portanto, o Governo Federal e a OAB, através de uma série de ações e omissões, criaram o perverso sistema atual, que permite a proliferação dos cursos universitários, de baixa qualidade, e permite que o bacharel seja enganado, estudando, durante cinco anos, para depois descobrir que não pode trabalhar, e que é, apenas, “uma porcaria”, como afirmou, do alto de seu doutorado, o professor Renan Lotufo, em um franco desrespeito aos direitos alheios, que não se coaduna, absolutamente, com qualquer tipo de ética profissional, nem com os mais comezinhos princípios de decência, que são exigidos, normalmente, pela convivência em sociedade. Em suma: se o bacharel foi enganado, caberia, nesse caso, uma indenização, que deveria ser pedida, pelos prejudicados, ao Estado brasileiro, à OAB e às universidades, não apenas para compensar o prejuízo causado, de tempo e de dinheiro, mas para obrigá-los a cumprirem corretamente as suas obrigações e para desestimulá-los, pelo valor da indenização a ser paga, de voltarem a praticar os mesmos erros. (Elaborado em 03.07.2005)

 

Como citar o texto:

LIMA, Fernando..A reprovação do exame de ordem. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 148. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/exame-da-ordem-e-concursos/840/a-reprovacao-exame-ordem. Acesso em 17 out. 2005.

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