No atual contexto brasileiro, de um Estado Democrático de Direito, é difícil negar que o Direito Penal mais coerente seja o chamado Direito Penal Mínimo. Ou seja, um Direito Penal assentado nas máximas garantias constitucionais; sobretudo, nos princípios basilares advindos, expressa ou implicitamente, da Carta Magna, tais como: o princípio da dignidade da pessoa humana (base de todos os outros), o princípio da intervenção mínima, princípio da ofensividade, princípio da insignificância, princípio da legalidade, dentre tantos outros.

Seguindo esse caminho, se faz necessária uma efetiva descriminalização (abolitio criminis) de certos tipos penais que realmente não afrontam bens jurídicos importantes. A manutenção desses tipos incriminadores, de pouca relevância, só atrapalha a atividade policial, que ao invés de estar atuando nos casos de real importância, perde seu tempo com verdadeiras bagatelas; também, o exercício da Justiça Criminal, que se mantém emperrada devido ao grande número de processos versando sobre questões irrelevantes.

Haja vista que o Direito Penal lida com o bem jurídico liberdade, um dos mais importantes dentre todos, nada mais lógico do que esse ramo do Direito obrigar-se a dispor das máximas garantias individuais. E mais, conhecendo o nosso sistema carcerário, fica claro que só formalmente a atuação do Direito Penal restringe-se à privação da liberdade. Na prática, a sua ação vai mais além, afetando, muitíssimas vezes, outros bens jurídicos de extrema importância, como a vida, a integridade física e a liberdade sexual, verbi gratia; uma vez que no atual sistema prisional são freqüentes as ocorrências de homicídios, atentados violentos ao pudor, agressões e diversos outros crimes entre os que ali convivem. Também, por esses mesmos motivos supracitados, não podem indubitavelmente fazer parte da tutela do Direito Penal as pequenas ofensas, devendo ser observado ao máximo o seu caráter subsidiário (ultima ratio). Estas pequenas infrações devem passar a ser protegidas por outros ramos do Direito, menos gravosos, como o Direito Administrativo, Direito Civil, dentre outros.

No entanto, ao passo que haja a implementação de um Direito Penal mínimo, não se pode descuidar de suas principais missões. Entre estas, por exemplo, está uma das mais importantes, que é a de se conter a vingança privada. Uma vez que o Estado passa a assumir o monopólio do castigo, o que se espera é evitar-se a imposição desse castigo pelos particulares. Acontece que quando o Estado, através do Direito Penal, único ramo do ordenamento jurídico competente para cuidar da cominação de penas, passa a descuidar-se desse aspecto, dá lugar às crescentes investidas violentas por parte dos indivíduos na suposta realização de justiça. Na atualidade, os inúmeros casos de linchamentos que vêm acontecendo constantemente, assim como as incontáveis ações dos chamados grupos de extermínio, demonstram que o Direito Penal atual não está, ao menos de forma eficiente, cumprindo sua missão de contenção da violência privada.

Portanto, deve-se buscar uma harmonização entre a aplicabilidade de um Direito Penal mínimo, com todas as garantias constitucionais e as necessárias descriminalizações de tipos penais, e a eficiente concretização das finalidades do Direito Penal. Para isso, será inevitável que certos tipos penais, estritamente aqueles de extrema afetação a bens jurídicos relevantes, tenham suas penas recrudescidas e sejam tratados de forma mais rigorosa, desde que isso não afronte a Lei Maior, nem os seus princípios – especialmente o da dignidade humana.

 

Como citar o texto:

OLIVEIRA, André Abreu de..O Direito Penal mínimo e sua aplicação no atual Estado Brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 188. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/trabalhos-academicos/1408/o-direito-penal-minimo-aplicacao-atual-estado-brasileiro. Acesso em 21 jul. 2006.

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