No dia 12 de agosto de 2011 um crime chamou muita atenção nos noticiários por conta de sua crueldade, 21 tiros foram disparados contra a Juíza Patrícia Acioli, uma verdadeira execução. Tal acontecimento nos leva a refletir sobre determinados aspectos:

 

Como um juiz pode desempenhar suas funções com autonomia – constitucionalmente prevista - recebendo constantes ameaças? O que pode ser feito para garantir a segurança dos magistrados? O que é Estado e onde está seu poder para coagir tais criminosos? O poder está nas mãos do Estado ou dos criminosos?

Enfim, durante o texto entraremos no mérito de algumas dessas questões tentando embasar possíveis soluções, digo possíveis por talvez serem utópicas.

Começamos portanto com o significado da palavra Estado. A palavra vem do latim e quer dizer status, modo de estar, situação, condição, de acordo com o Dicionário Houaiss começou a ser utilizada no século XIII e designava “conjunto das instituições (governo, forças armadas, funcionalismo público etc.) que controlam e administram uma nação"; "país soberano, com estrutura própria e politicamente organizado".

O Estado é responsável pela organização e pelo controle social, pois detém, segundo Max Weber, o monopólio da violência legítima (coerção, especialmente a legal).

Sócrates afirmava que o Estado é a forma institucional de hierarquia de uma certa comunidade, por meio dessa institucionalidade a sociedade seria disciplinada. Dessa forma, acreditava que através de certas ferramentas como, por exemplo, a religião, etiqueta, costumes e o Direito, este tem a capaciadade de coercibilidade perante os demais.

Portanto, no caso da morte da magistrada, o Estado exercia o seu poder-dever de manter a paz social, o que significa uma ordem e uma unidade imposta por este ente superior. Todavia, com a corrupção inflitrada na própria administração pública, este poder institucional tornou-se contaminado, uma vez que aqueles que deveriam ‘proteger’ a nossa sociedae são os principais suspeitos da execução da juíza.

Sócrates não utilizava a palavra coerção, mas conceituava o Direito mais ou menos do mesmo jeito, dizia ele que deve ser, sobretudo, persuasão, sabendo que, se não tiver consigo a possibilidade de reprimir, provavelmente não calará, como aspira, na consciência social, que aspira ser, sobretudo, guiada pelo manuseio da referida força simbólica. Enquanto a falta de evolução moral da humanidade não permitir uma pura confirmação comportamental de um ato límpido de consciência, o fato realista de existir a possibilidade de repressão constitui um estímulo ao convencimento de que a norma deve ser obedecida.

Utilizando tais conceitos como base podemos perceber que muitas vezes o Estado se mostra aquém de seu papel, e ainda mais, por vezes a sociedade é quem obtém o monopólio da violência, só que, se não de forma ilegal, ao menos ilegítima. No caso da juíza Patricia é nítido que houve ilegitimidade e ilegalidade na ação supostamente cometida pelos policiais militares, o que nos leva a questionar o motivo dessa inversão, pessoas que representam literalmente o Estado cometem crimes contra outro representante no caso a juíza.

O Estado possui o poder legitimado e deve portanto demonstrá-lo aplicando penalizações proporcionais aos crimes cometidos, mas por muitas vezes não o faz, encorajando assim pessoas com sangue frio a cometerem crimes bárbaros por possuirem a sensação de impunidade. Desferir 21 tiros em uma pessoa... não é cabível argumento algum para isso, nem que fosse legítima defesa, o que há neste caso é uma “legítima” execução.

O juiz necessita de autonomia, tranquilidade para excercer suas funções, sendo isto não um mero quesito mas sim um PRINCÍPIO funcional, um direito assegurado constitucionalmente.

Fala-se na criação de uma polícia judicial para a proteção dos magistrados, mas será que bastaria? Afinal de contas as outras polícias já são legitimadas para dar segurança à sociedade mas em algumas ocasiões são os que praticam crime, portanto a criação dessa polícia talvez não bastasse, visto que eles também poderiam se desvirtuar na prática criminosa. Deve-se portanto, antes de pensar na criação de uma nova polícia, pensar numa forma de diminuir, senão acabar, com essa “troca de lado” de um agente investido do poder do Estado, essa troca é contraditória, o Estado brasileiro é uno e não pode haver conflito entre um componente do Estado (Policia Militar) versus outro componente do Estado (Juíza Patrícia).

A solução é um tanto quanto óbvia, enrijecimento da aplicação do Direito, o Estado tem o dever de fazer justiça nesses casos por meio de seu poder, deve fazer com que a lei seja respeitada, o direito penal deve sim ser visto como ultima ratio mas deve ser temido para que haja organização no Estado, é claro que ainda assim haverá alguns descumpridores da lei, sempre haverá.

Para Sócrates o Poder é analisar, em cada contexto social, a adequação e a conveniência, para recorrer à possibilidade de repressão jurídica, somente no extremo limite da força material. Pelo princípio da proporcionalidade, o detentor do poder não tem legitimidade para recorrer à força material desmedida.

Já Platão dizia que poder era o desejo associado a construção de seu futuro, ressaltava ainda que o poder poderia ser associado ao bem e ao mal. A conquista do poder confere liberdade ao homem. Em seu desejo por liberdade, o homem se situa entre dois sentimentos, o de esperança (satisfazer seus desejos, que seria o lado bom) e angústia (perder o que é seu, que seria o lado mau).

É injusto dizer que o poder está nas mãos de pessoas que atuam por vias marginais, mas que o poder não está 100% nas mãos do Estado é fato, os acontecimentos falam por si só.

A justiça em Sócrates era baseada em valores supremos, universais que devem ser seguidos. Para ele, todos deveriam respeitar as leis, independente de convicções próprias, na medida em que, o descumprimento incentivaria a desordem, o caos social.

A justiça lenta no país é um motivo que faz com que não se transmita confiança na lei, estabelecer metas de julgamento - como tem sido feito - já demonstra uma possível ineficácia do poder judiciário, não que seja fácil mas se há necessidade de estabelecer essas metas e ainda assim elas não são cumpridas é sinal que há algo de errado. O Estado tem que se mostrar eficaz e eficiente na justiça, na aplicação do Direito, tem que ser rigoroso de acordo com a proporção que a situação o coloca, isso transmite confiança à sociedade.

O Estado detém o jus puniendi, direito de punir, esse pode ser a resposta de pelo menos parte de nossos questionamentos, devendo portanto o exercer com o poder que possui de forma constitucional. O Estado tem que ser proporcional e impessoal na aplicação das normas, devendo se aproximar ao máximo do justo, mas nunca deixar de fazê-lo para que assim haja o temor na prática de atos que vão contra a vontade da maioria da sociedade.

A paz absoluta é utópica, o pensamento Socrático ressalta isso quando demonstra que a paz ocorre quando viverá em paz no momento em que se viver bem consigo mesmo nos valores da verdade e da justiça porém com certeza podemos nos aproximar da paz relativa com essas atitudes, é necessário portanto que haja credibilidade no Estado e que este também se faça acreditar, é necessário que se utilize da justiça, das normas e do poder que lhe é constitucionalmente investido, e se preciso que se utilize o poder coercitivo para que esse poder seja mantido, ou então tudo que se conceitua sobre Estado e poder será em vão, e, já que a paz absoluta nunca será alcançada, sequer a paz relativa será.

A morte de Sócrates levou Platão a verificar que não é possível ser justo numa cidade injusta e que a realização da filosofia implica não só a educação do homem, mas a reforma da sociedade e do Estado, conforme o acontecimento da morte da juíza. O sentido da filosofia é o de conduzir o homem do Mundo das aparências ao mundo da realidade, à visão das idéias, principalmente, com o objetivo de fazer o bem a todos.

O exercício da profissão da juíza era o ato que trazia a aplicação do justo para sociedade, sob o cuidado da razão e com um dos objetivos de atingir a Paz. O Estado existe para ser unificador de todos, é aquele quem guia, conduz os cidadãos a ver, ouvir e falar em conformidade com o que o Estado quer devendo necessariamente ser seguido sem relutância, especialmente porque o filósofo é o sabedor que conduzirá a sociedade à luz maior. Ao deixar de exercer seu objetivo perderá sua razão de existir. O ato do secretário geral do Conselho Nacional de Justiça foi tardio, mas ainda é necessário, pois deveria ter protegido preventivamente a vida da magistrada, o seu cumprimento agora protegerá os outros julgadores de futuros ataques e dará uma idéia de segurança para continuar as investigações em curso com a possível condenação dos envolvidos confirmando a identidade do Estado.

Os policiais verificando que a juíza estava sendo justa e correta de acordo com seu ofício, percebendo de sua vulnerabilidade e com medo de serem futuramente presos, assassinaram-na não somente para intimidar os outros julgadores, mas para demonstrar que há uma fraqueza quanto à imposição do poder do Estado, pois estes desafiaram o Ente guiador e o instituto da Paz que diz que a pessoa por meio do cumprimento da regra geral, deve fazer somente o seu papel.

O ato demonstra, também, que o Direito declarado pelo Estado segundo Platão é irrelevante para estes assassinos que sabem da facilidade de ficarem a salvo da aplicação da Lei, assim podendo exceder o papel imposto a si, fugindo da idéia de sociedade ideal, perfeita, aquela sem reconhecimento de nenhum espaço próprio do indivíduo, do cidadão, da sociedade civil para o exercício de sua liberdade e autonomia.

RAFAEL GOMES LOPES HUGO - 06 DE NOVEMBRO DE 2011

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Data de elaboração: novembro/2011

 

Como citar o texto:

HUGO, Rafael Gomes Lopes..Reflexões sobre o extermínio de juíza. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1020. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/trabalhos-academicos/2618/reflexoes-exterminio-juiza. Acesso em 15 out. 2012.

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