Há muito se espera do legislador pátrio alguma iniciativa que espante a inércia congressista quanto à edição da lei complementar a que se referem os artigos 7o, I, da Constituição Federal e 10, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

            Lembre-se, de intróito, que o primeiro dos dispositivos mencionados assegura, na categoria dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a proteção “contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar (...)” (grifos nossos). Como se sabe, a propalada lei complementar não foi editada até os dias de hoje, já tendo tal omissão legislativa fornecido terreno fértil para amplas discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca das normas que – revestindo-se de efeito supletivo – lograssem obter a colmatação de lacuna tão substancial. Assim ocorreu, por exemplo, com a controvérsia a respeito da aplicabilidade da Convenção 158 da OIT, ratificada e depois denunciada pelo Brasil.

            Enquanto isso, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu artigo 10, também reclama a (literalmente) indigitada lei complementar para regulamentar a estabilidade provisória no emprego do cipeiro (inciso I) e da empregada gestante (inciso II). Não sobrevindo a lei, as disposições em questão – cada vez menos “transitórias”, conquanto de lege ferenda – vedam a dispensa, nessas hipóteses, desde que “arbitrária ou sem justa causa”.

            Sem embargo da inexistência da lei complementar em questão, muitos dos operadores do Direito do Trabalho olvidam do fato de que – a despeito da inércia legislativa compartilhada por todos os legitimados do artigo 61 da Constituição Federal, sociedade civil e os cidadãos, além dos entes que se arvoram em imiscuir-se no papel de ardorosos defensores dos trabalhadores (exemplo dos sindicatos, desde a base até as federações e confederações, passando pelas centrais sindicais cujo reconhecimento é iminente na reforma sindical ora paralisada) – há lei ordinária disciplinando alguma forma de proteção contra a despedida arbitrária e fornecendo os parâmetros de enquadramento na aludida forma de resolução contratual.

(*) Advogado Trabalhista em São Paulo, Graduado pela UFRJ, Pós-Graduado e Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP.

            Foi nesse passo que, para efeitos de restrição à despedida imotivada na relação de emprego, a Lei 9.029, de 13.04.95, definiu ato discriminatório em seu artigo 1o da seguinte forma: “qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal”.

            Com isso, o legislador lançou as bases que deram ensejo à inserção, quatro anos mais tarde (26.05.99), do artigo 373-A no texto da CLT (lei complementar!), cujo inciso III veda a motivação da dispensa do trabalho “em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível”.

            Há menção também no texto da CLT sobre despedida arbitrária, extraindo-se do artigo 165, cuja redação (datada de 1967, portanto anterior à Constituição vigente) declina uma espasmódica definição dessa prática como a dispensa “que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro”. Conceituou-se de modo extremamente vago a despedida arbitrária, sopesados os motivos disciplinares evidentemente ligados à prática de falta grave e/ou justa causa, persistindo a obscuridade quanto aos motivos de ordem técnica, econômica ou financeira.   

            Visto que o direito positivado encerra normas de cunho eminentemente subjetivo, porquanto insuficientemente regulamentados, nem sempre é tarefa fácil (des)caracterizar-se a dispensa discriminatória, dado o amplo espectro com que algumas situações mereçam ser encaradas pelos atores envolvidos. 

            No escopo de aferir a incidência ou não de arbitrariedade no ato da dispensa, cabe ao magistrado verificar a existência dos reais motivos de natureza estrutural, comercial ou societária (enquanto gêneros que abarcam as espécies de ordem técnica, econômica e financeira) e – o que é mais difícil – aplicar a ponderação de princípios e interesses para detectar as discriminações por “motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade”. Afinal, nem sempre serão óbvias tais circunstâncias, que poderão ter efeitos exacerbados em decorrência das suscetibilidades (seja do empregado, seja do empregador, por ocasião de término contratual) feridas ou, contrario sensu, mitigadas pela eventual falta de clamor social em face da situação específica submetida à prestação jurisdicional.

            É possível que o abuso de direito reste evidenciado pela simples constatação de dispensa discriminatória por idade (v.g., prática de determinada empresa de dispensar seus empregados quando estes completam 60 anos), o que não poderia ser acobertado pelo manto do poder potestativo. Todavia, também haverá situações onde a discriminação recairá sobre preconceito de origem sexual. Nem sempre será tranqüila a prova da dispensa por motivos de orientação sexual, por exemplo, no caso do empregado que se diz alvo de discriminação por ser homossexual.

            Objetivando dar as cartas de uma sociedade justa, o Preâmbulo da Constituição de 1988 está vazado nos seguintes termos: “(...) assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)” (grifo nosso). Eis a destinação precípua do Estado Democrático.     

            Por sua vez, uma sociedade sem preconceitos, acreditamos, construir-se-á com amparo nos princípios que inspiram e vivificam as normas positivadas, ultrapassando-se a concepção kelseniana de subsunção do fato à norma. Construir-se-á essa sociedade mais com mudança de cultura (lato sensu, não apenas hermenêutico-jurídica, mas política e social principalmente) do que com mudança de leis.

Nesse passo, imperioso reconhecer que um princípio tem maior amplitude do que uma norma, já que esta regula situações específicas, ao passo em que o princípio traduz os fundamentos, as premissas éticas que lastreiam a elaboração da norma jurídica. O princípio antecede, pois, à regularização de um fato concreto, já que é de um fato – e não da lei – que surge o direito.

            Segundo Dworkin (1), baluarte do pós-positivismo que preconiza a superposição dos princípios às normas, “(...) Mesmo aqueles que mais se assemelham a regras não apresentam conseqüências jurídicas que se seguem automaticamente quando as condições são dadas.” (...) "Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm - a dimensão do peso ou importância.”

            Américo Plá Rodriguez (5), citando o jurista italiano Luigi Mengoni – que por sua vez se reporta ao próprio Dworkin – salienta que “Os princípios morais exercem uma função voltada para o modo de vida e de comportamento, não indicando abstratamente o conteúdo do dever, que varia segundo a situação concreta, mas dão os critérios pelos quais podem ser reconhecidos”.

Sendo assim, cumpre ao intérprete laboralista – quando imbuído da missão de aferir discriminação na despedida – utilizar-se dos princípios (tanto gerais de Direito, quanto éticos, morais e sociais) mais relevantes, se necessário se distanciando da letra fria da lei e, quiçá, dos princípios menos relevantes nalguns casos. Nesse sentido, urgirá equacionar confrontos de princípios. De um lado, princípios de ordem econômica, com cerne no eventual comprometimento da saúde financeira da empresa, que assalaria e garante a subsistência de um sem-número de núcleos familiares, conforme o porte do empreendimento. De outro, ao reverso, princípios de caráter humano, a dignidade da pessoa humana do trabalhador ofendido com a dispensa arbitrária, o comprometimento de sua saúde física e moral, assim também da harmonia e sobrevivência de sua família.

            Num país de trabalho precário e baixos salários no emprego registrado em carteira (ou fora dele), salta aos olhos a gravidade da questão, que envolve sérios contornos sociais diretamente ligados a uma reação em cadeia: despedida discriminatória – desemprego – subemprego – marginalização – favelização – violência – queda na renda – instabilidade social – recessão econômica – subdesenvolvimento.

            Todos perdem neste círculo vicioso, na medida em que pode envolver – se caracterizada a discriminação na resolução do contrato de trabalho – modalidade de desemprego mais grave que aquele que tradicional e infelizmente nos assola, já obtemperado pela dificuldade de recolocação no mercado cada vez mais informal. Com discriminação, o desemprego em jogo é o desemprego “com requintes de crueldade”, posto que, a depender das circunstâncias, pode afetar a auto-estima do trabalhador e causar sérios danos de ordem psíquica a quem necessita de higidez para travar o já normalmente ingrato duelo contra a falta de trabalho.

            Para disciplinar os parâmetros da dispensa arbitrária, necessário buscar a segurança jurídica que minimiza o caos social, o que somente se faz possível no âmago dos princípios fundamentais expressos na Constituição.

            É princípio fundamental inserto no artigo 1o, III da Constituição Federal a dignidade da pessoa humana, bem como constitui objetivo fundamental da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 3o, IV, da Lei Maior).

            No mesmo sentido, o princípio da dignidade da pessoa humana traz ínsita a função social da empresa nos dias de hoje. A função social da propriedade prevista no inciso XXIII do artigo 5o e no inciso III do artigo 170, ambos da Constituição Federal, encontra-se permeada pela valorização do trabalho humano, valor insculpido no inciso IV do artigo 1o e no caput do já mencionado artigo 170, cujo inciso VIII – por sua vez – preconiza a busca do pleno emprego.

            Quanto à função social da empresa, entendemos que a função social da propriedade deve ser lida em sentido amplo (lato sensu), de molde a englobar a função social da propriedade (strictu sensu – coisa) e a função social do contrato.

            Versando o contrato de trabalho a respeito de rubricas de natureza eminentemente alimentar, os princípios de probidade e boa-fé inscritos no artigo 422 do Código Civil possuem função integrativa e são plenamente aplicáveis às relações de trabalho (não somente de emprego), rendendo ensejo à conclusão de que comete abuso de direito quem contraria a boa-fé.

            A boa-fé – que deve estar presente em todas as fases de um contrato de trabalho (pré-contratual, contratual e pós-contratual) – é o elemento intrinsecamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana que inspira a vedação de dispensa arbitrária do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez. Desse modo, é também a boa-fé (não apenas os direitos da personalidade do trabalhador) que resulta frontalmente vilipendiada por ocasião da dispensa discriminatória.

            Enquanto a boa-fé subjetiva diz respeito à intenção de agir em conformidade com as normas e princípios que as inspiram, a boa-fé objetiva apresenta-se por Miguel Reale (2) como “uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal. (...). Desse ponto de vista, podemos afirmar que  a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal”.    

              Nessa esteira, aplicados todos os princípios aqui ventilados, restará facilitada a aferição da existência de discriminação, valendo-nos da exegese in concreto, sob o prisma da função social. Mister, entretanto, ter-se cautela na aplicação de tais critérios, sob pena de serem todos direcionados – sem exceção – à proteção da parte mais frágil da relação de trabalho, no caso, o empregado, que, admita-se, nem sempre será vítima da discriminação porventura alegada.

O fato é que, uma vez infringida a boa-fé contratual pelo empregador quando da dispensa discriminatória, forçosa a aplicação de sanção que sirva de desestímulo à reiteração da prática.

O artigo 4o da Lei 9.029/95 confere direito de opção ao empregado que teve seu contrato de trabalho rompido por ato discriminatório a uma dentre as seguintes alternativas: (i) readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento (o que seria mais corretamente designado de reintegração); e (ii) percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento.

            Quer nos parecer que somente a vedação da dispensa discriminatória cumulada com o sancionamento enérgico servirá, pedagogicamente, para coibir a despedida por motivo de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de preconceito ou discriminação.

            Isso não significa que o magistrado não deva se cercar de todas as cautelas e ferramentas que as máximas de experiência lhe emprestam, ou seja, zelar – sempre que provocada a tutela jurisdicional nessa matéria – pela escorreita e ampla produção das provas lícitas, garantindo uma instrução processual frutífera, apurando claramente os fatos que cercam a dispensa discriminatória (ou não discriminatória) e hábil com vistas a evitar o julgamento com base em presunções ou indícios.

Ainda segundo Miguel Reale: “a boa-fé exige que a conduta individual ou coletiva – quer em Juízo, quer fora dele – seja examinada no conjunto concreto das circunstâncias de cada caso”.

            Nesse diapasão, julgar por indícios (assim dirão as máximas de experiência), às vezes, será inevitável. Tampouco escapará o julgador de julgar por presunção, mas deve, repita-se, evitá-la a todo custo, a fim de mitigar o risco ou intensidade da ciranda consubstanciada no círculo vicioso do desemprego “com requintes de crueldade”. 

            Não há dúvida de que o desemprego é um mal social. O empregado discriminado, porém, é um mal psico-social. Assim, se tiver de se escorar em presunções, que não se escuse o julgador de tentar, antes, ir fundo nos fatos e provas. Se hoje as instruções na Justiça do Trabalho correm “a toque de caixa”, resulta imperativa uma estipulação de proposta orçamentária mais generosa, a fim de que a lei de diretrizes orçamentárias permita a admissão de mais Juízes na Justiça do Trabalho. Mediante a realização de concursos públicos visando a admitir um maior número de juízes nos Regionais é que a demanda envolvendo despedida discriminatória passará a ser julgada com o apreço que cada caso concreto requer.

            A aferição da existência de prática discriminatória, abuso de direito e quebra da boa-fé reputa-se de crucial importância para o enquadramento da terminação na classificação das modalidades extintivas do contrato e, consequentemente, fixação da indenização legal devida. Utilizando-nos da diferenciação concebida por Délio Maranhão, à qual adere Maurício Godinho Delgado(3), a “resolução contratual corresponderia a todas as modalidades de ruptura do contrato de trabalho por descumprimento faltoso do pacto por qualquer das partes”, ao passo em que a “resilição contratual corresponderia a todas as modalidades de ruptura do contrato de trabalho por exercício lícito da vontade das partes”. Decerto, pois, que a discriminação rende ensejo à despedida indireta – espécie do gênero resolutivo.

            Recente acórdão do Tribunal Superior do Trabalho(4) relatado pelo Ministro Barros Levenhagen valeu-se da presunção para considerar discriminatória a dispensa do empregado portador do vírus da AIDS.

            Por força de sua Súmula 126, a Corte Maior Laboral está impedida de adentrar fatos e provas. Mas é certo que, no caso mencionado, amparou-se no fato de que o empregador já detinha conhecimento da síndrome que acometia o empregado. O mero conhecimento dessa circunstância pelo empregador incutiria no julgador a presunção de discriminação, frente à impactante existência do mal ainda incurável, alvo de preconceito oriundo da discriminação com os grupos de risco que – em incipientes etapas da doença – reuniam o maior contingente de indivíduos vitimados. O forte apelo social e emocional envolvido, ainda que não admitido expressamente nesse tom, justificaria a presunção de discriminação, conforme tendência atual do TST.

            Em que pese a priori a decisão referida haja esposado uma tendência humanista salutar, também salutar seria que o TST, ainda que apenas em casos onde a dignidade do trabalhador esteja contraposta à suposta quebra da boa-fé pelo empregador, flexibilizasse a Súmula 126 e, por conseguinte, também a Súmula 279 do STF, não somente para examinar os fatos (no caso, a ciência do empregador a respeito da existência da doença), mas também para adentrar o exame das provas. Isso porque das provas pode resultar, quiçá, indícios ou elementos mais robustos do que a mera presunção, tanto no sentido de robustecer a prática de discriminação, quanto, se for o caso, na direção de afastá-la.

            Dessa forma, o interesse da coletividade na consagração dos princípios constitucionais do trabalho suplantaria a questão processual em que reside o não revolvimento de fatos e provas em grau extraordinário, justificando, via de conseqüência, o exame das supostas circunstâncias discriminatórias pelos magistrados com mais experiência de vida e sensibilidade para distinguir o abuso de direito da pretensão infundada.

            O acórdão do TST aqui tomado por paradigma condenou o empregador a reintegrar o empregado mediante o pagamento da indenização prevista na Lei 9.029/95, indeferindo o pagamento de indenização por danos morais, o que importaria em dupla responsabilização, em afronta ao princípio do non bis in idem, que veda a dupla sanção pelos mesmos fatos e fundamentos.

            Malgrado a presunção tenha sido o remédio ministrado no julgamento – a ela nos opomos, com reservas quanto à gravidade de cada caso – e com a ressalva de que não acessamos as provas daqueles autos, a ponderação dos princípios (econômicos versus humanos) e o respeito à importância e gravidade de cada qual sugerem que a decisão foi justa, com base na lei (quanto à reintegração) e apesar da lei (quanto à indenização não concedida). Nesse aspecto, digno de aplauso o referido aresto, porquanto deva ser restritivamente interpretada a norma do artigo 4o da Lei 9.029/95; adequada e compatibilizada sua aplicação conforme a hipossuficiência (tanto econômica, quanto jurídica, desde que devidamente comprovada) do trabalhador; e, se necessário, flexibilizada a Súmula 126 do Tribunal Superior do Trabalho para que, em casos em que se discuta dispensa discriminatória, possam os Ministros da mais alta corte laboral adentrar o exame de fatos e provas, o que é premente e se mostra imprescindível nesse tipo de demanda.

            Destaque-se, por fim, que com a assunção da competência para julgar os feitos cuja natureza era antes afeta à Justiça Comum, os operadores do Direito do Trabalho deveremos, pari passu com o aprofundamento dos estudos acerca da aplicabilidade e adequação dos institutos de Direito Civil e sem nos distanciar da segurança jurídica necessária a um ramo do Direito intimamente ligado à suavização ou agravamento do caos social, aprofundar cada vez mais a utilização dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho, ponderando-os com o da boa-fé (contratual e da empresa) aos quais estão umbilicalmente ligados. Sempre ponderar os princípios entre si, para depois mesclá-los com as normas positivas.

            Em novos tempos para o ramo do Direito do Trabalho, para o bem da segurança jurídica e do bem coletivo e estabilidade social, o sub-ramo (se assim podemos chamar) do Direito Constitucional e Coletivo (na acepção mais ligada aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos do que sindicais strictu sensu) do Trabalho preferirá ao “Direito Civil do Trabalho” (terminologia nossa), cuja concepção individualista – assim quer nos parecer –  prestará auxílio mais processual do que material, emprestando ferramentas mais ligadas às soluções individuais do que àquelas de ordem pública ou social.

A coexistência pacífica destes dois sub-ramos, por meio de sua aglutinação no campo maior de um Direito do Trabalho mais abrangente será, todavia, ao mesmo tempo e sem risco de inviabilidade ou de cair na incoerência, plenamente cabível, inovadora e enriquecedora da cultura jurídico-laboral.

Acresça-se, ainda, nesse contexto de coexistência de sub-ramos na seara laboral, elementos de Direito Penal na aferição da discriminação (crimes contra honra, v.g., calúnia; e contra o patrimônio, como o dano, etc.) e, por que não dizer, influenciada pela Psicologia na definição do que é ou não discriminatório para este ou aquele indivíduo, dotados de diferentes valores e diferentes bagagens culturais (aqui incluindo as partes e os julgadores), pela Medicina na questão dos acidentes do trabalho, etc..

Em apertada síntese, é possível concluir que os princípios éticos, morais e gerais do direito, inclusive os princípios fundamentais constitucionalmente assegurados, devem ser sopesados com as normas positivadas (por exemplo, na Lei 9.029/95) a fim de ensejar a mais justa e equânime aferição da discriminação na despedida resolutiva do contrato de trabalho. Se necessário, os princípios sobrepujarão as normas, bem como deverão ser balanceados entre si – quando colidentes e ainda que parcialmente – para que os princípios mais relevantes prefiram aos menos substanciosos.

 Após período de adaptação e sedimentação da nova cultura, emergiremos todos – com a ajuda da jurisprudência a se consolidar e de algum esforço inovador do Legislativo no sentido de preencher as lacunas apontadas  ?  a um status que comporte pacificação e soluções preventivas no âmbito das empresas e respostas prontas, céleres e adequadas, com distribuição de justiça aos jurisdicionados da Especializada do Trabalho, a quem incumbirá pacificar o entendimento acerca dos parâmetros principiológicos da despedida discriminatória.

Notas:

1) DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

2) REALE, Miguel. A Boa-Fé no Código Civil. Artigo publicado no website www.miguelreale.com.br em 16.08.2003 (acesso em 15/12/2005)

3) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, LTr, 3a edição, São Paulo, 2004, p. 1.121/1.122.

4) RR 2438/2001-069-09-00.3, in Notícias do Tribunal Superior do Trabalho 09/12/2005, extraída do website www.tst.gov.br (acesso em 10/12/2005)

5) RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, LTr, 3a edição, São Paulo, 2000, p. 41.

Referências Bibliográficas:

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, LTr, 3a edição, São Paulo, 2004, p. 1.121/1.122.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

REALE, Miguel. A Boa-Fé no Código Civil. Artigo publicado em http://www.miguelreale.com.br (acesso em 15/12/2005)

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, LTr, 3a edição, São Paulo, 2000.

(Texto elaborado em dezembro de 2005)

 

Como citar o texto:

MONTENEGRO NETO, Francisco..A resolução do Contrato de Trabalho segundo a Lei 9.029/95 e a prevalência dos princípios na aferição da discriminação na dispensa. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 160. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/987/a-resolucao-contrato-trabalho-segundo-lei-9-02995-prevalencia-principios-afericao-discriminacao-dispensa. Acesso em 9 jan. 2006.

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