1-INTRODUÇÃO

O presente artigo cuida dos reflexos no direito do trabaho da emancipação civil decorrente da existência de relação de emprego.

2-EMANCIPAÇÃO – CONCEITO

Existem  requisitos legais que devem ser observados para aquisição da capacidade plena de exercício de direitos. A conceituação de pessoa e personalidade, embora pareça despicienda, são informações elementares para que se possa compreender o conceito de emancipação.

Pode-se afimar que pessoa é todo aquele sujeito de direitos e deveres. “Todo direito deve corresponder a um sujeito, ou seja, uma pessoa, que detém sua titularidade”(TARTUCE, 2006, p. 116) que nada mais é que o sujeito de direito[1].O art. 1° do CC atual prescreve: “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

Inicialmente é preciso entender que personalidade não é um direito. É parte integrante e inseparável da pessoa, é o pré-requisito para que a pessoa possa ser titular de direitos e deveres jurídicos. Logo, entende-se por personalidade a capacidade de direitos e deveres inerentes a qualquer pessoa, para que possa titularizar relações jurídicas e pleitear em juízo a tutela jurisdicional decorrente do reconhecimento dos direitos oriundos da personalidade jurídica.

A personalidade é inerente a qualquer pessoa, todas as pessoas possuem capacidade de direito – “capacidade de agir pessoalmente ou por meio de outra pessoa que o represente”(VENOSA, 2006, p. 124) - mas nem todas possuem capacidade de fato ou de exercício, que nada mais é do que a capacidade plena de direitos e deveres. Venosa (2006, p. 124) conceitua capacidade plena como sendo “a aptidão para pessoalmente o indivíduo adquirir direitos e contrair obrigações”.

Desta maneira, é inconcebível a existência de homem sem personalidade e de personalidade sem capacidade.

A menoridade - incapacidade relativa - cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil - capacidade civil plena. Consequentemente, pode-se conceituar emancipação, como o instituto jurídico que proporciona ou dá capacidade de fato ou exercício para o menor de idade que devido as restrições impostas pela lei, só possui capacidade de direito. A emancipação é a antecipação da conquista e efeitos da maioridade do ponto de vista jurídico, para as pessoas que ainda não atingiram os dezoito anos de idade, consequentemente proporcionando ao menor – relativamente incapaz - capacidade civil plena.

A emancipação é em regra geral, irrevogável, irretratável e definitiva. Poderá ser: voluntária, tácita ou legal.

De acordo com o Art. 5° do vigente Código Civil a emancipação poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.[2]

3-EMANCIPAÇÃO pela existência de relação de emprego

Como foi visto no item anterior, o Art. 5°, inciso V do vigente Código Civil Brasileiro estabelece a possibilidade de o menor ser emancipado “pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria ”.

Por se tratar de previsão legal inovadora, necessário se faz uma análise cuidadosa e criteriosa da regra citada acima, devido a sua generalidade, escassa jurisprudência -decorrente da jovialidade do tema - e falta de mecanismos de aferição no que diz respeito a “economia própria” e os seus aspectos objetivos e subjetivos.

As opiniões são bem divergentes. Parcela doutrinária afirma que a emancipação legal produzirá efeitos automaticamente a partir do fato previsto na Lei. Sendo assim a assinatura de um simples contrato profissional de trabalho que o valor seja igual ou superior a um salário mínimo é suficiente para caracterizar economia própria.

Outra parcela afirma que dinheiro simplesmente não é o bastante para caracterizar economia própria nem a assinatura de um contrato profissional de trabalho.

Como já foi esclarecido, o menor quando assina um contrato de trabalho cujo rendimento auferido seja igual ou superior a um salário mínimo é legalmente emancipado, devido a formar economia própria. É necessário que se analise o que caracteriza economia própria para reconhecimento da capacidade adquirida, elegendo critérios para definir se o menor possui ou não economia própria.

Para melhor compreensão e análise, pode-se citar um caso concreto.

Um jogador, jovem de 17 anos tem contrato profissional assinado, e recebe salário mensal de aproximadamente 40 mil reais. De acordo com a Lei, ele automaticamente estaria emancipado.

Indubitavelmente, pensa-se que realmente ele está emancipado. Convém fazer uma análise mais aprofundada da situação.

Observando-se a situação sob a idéia que “economia própria” possui aspectos ou elementos objetivos e subjetivos, pode-se afirmar que a partir do momento da assinatura do contrato profissional de trabalho o menor torna-se empregado, percebendo valores, auferindo rendimentos, satisfazendo desta maneira o aspecto objetivo do termo “economia própria”. Com isso pode-se dizer que teoricamente uma pessoa com 16 anos possui economia própria.

Analisando o aspecto subjetivo, ou seja, valores intrínsecos da pessoa como: a capacidade intelectual, moral, psicológica, pode-se indagar se a Lei pode ser aplicada de forma absoluta, visto que a pessoa (menor emancipado) tem rendimentos, muitas vezes consideráveis (superior ao um salário mínimo) mas pode não ter capacidade de administrar de forma madura, sensata e responsável seu patrimônio, recorrendo de qualquer forma ao seu pai, mãe ou algum parente que tenha convivência e confiança.

A palavra economia tem como sinônimo administração, operação, gerenciamento. Em tese como uma pessoa teoricamente sem vivência, imatura, sem experiência pode gerir de forma independente seu patrimônio? Tem-se que se pensar que a partir do momento que o menor é antecipado, não se pode mais retroceder. A emancipação tem caráter irreversível e mesmo que o menor venha a ser demitido ou vier a falir, arcará com todas as conseqüências de uma pessoa  que possui capacidade civil plena.

No mesmo sentido, a doutrina majoritária se manifesta em relação ao menor emancipado pelo casamento: "...mesmo havendo a dissolução da sociedade conjugal (pelo divórcio, separação judicial ou morte), o emancipado não retorna à anterior situação de incapacidade civil." (GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, 2002, p. 113)

Não obstante deverão existir casos de menores emancipados que percebem um salário mínimo e são os mantenedores das suas respectivas famílias. Como se pode ver, são vários cenários e situações que devem ser analisados. É importantíssimo para os operadores de direito possuir visão ampla e analítica procurando ver a realidade não só de forma determinista e única para aplicação da Lei no caso concreto.

4-CONSEQUENCIAS DA EMANCIPAÇÃO PELO TRABALHO NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA

O novo Código Civil (lei 10.406/02), entrou em vigor trazendo uma serie de interessantes inovações com relação ao Diploma antigo, atendendo as exigências de adequação a uma nova sociedade, mais moderna e dinâmica. Uma das mais interessantes e aplaudidas inovações é a redução da idade emancipatória de vinte e um anos para dezoito anos (art. 5°, caput), além da emancipação do empregado menor desde que o mesmo não tenha menos de dezesseis anos e em função do seu trabalho tenha economia própria.

Com isso fica claro que o maior de dezeseis anos empregado, pode ser emancipado,e como conseqüência disto deixa de ser relativamente capaz e passa a ser plenamente capaz, adquirindo desta forma capacidade civil plena.

No entanto algumas ponderações precisam ser feitas, em especial em relação aos seguintes artigos da CLT:

Considera-se menor para os efeitos desta Consolidação o trabalhador de quatorze até dezoito anos. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) (CLT, art. 402);

Ao responsável legal do menor é facultado pleitear a extinção do contrato de trabalho, desde que o serviço possa acarretar para ele prejuízos de ordem física ou moral.  (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967).(CLT, art. 408);

É dever dos responsáveis legais de menores, pais, mães, ou tutores, afastá-los de empregos que diminuam consideravelmente o seu tempo de estudo, reduzam o tempo de repouso necessário à sua saúde e constituição física, ou prejudiquem a sua educação moral.(CLT, art. 424); -

É lícito ao menor firmar recibo pelo pagamento dos salários. Tratando-se, porém, de rescisão do contrato de trabalho, é vedado ao menor de 18 (dezoito) anos dar, sem assistência dos seus responsáveis legais, quitação ao empregador pelo recebimento da indenização que lhe for devida. (CLT, art. 439);

Contra os menores de 18 (dezoito) anos não corre nenhum prazo de prescrição. (CLT, art. 440);

A reclamação trabalhista do menor de 18 anos será feita por seus representantes legais e, na falta destes, pela Procuradoria da Justiça do Trabalho, pelo sindicato, pelo Ministério Público estadual ou curador nomeado em juízo. (CLT, art.793)[3]

No que se refere aos artigos 402,408,424,439 e 793 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT com a vigência do novo Código Civil, há que se reconhecer que o menor acima de dezesseis anos emancipado possui capacidade civil plena, tendo pleno uso e gozo da capacidade de fato nos negócios e atos jurídicos, deixando definitivamente de ser considerado menor, logo não permanecendo relativamente incapaz.

O menor emancipado pode firmar ou rescindir contratos e pleitear seus direitos na esfera trabalhista, não se limitando simplesmente a firmar recibo, e não será possível reputar nulos os atos por ele praticados[4].

Inverso ocorre na área criminal, já que a emancipação civil não produz os mesmos efeitos nesta seara, de modo que o menor, emancipado ou não, continuará inimputável criminalmente até que se complete os dezoito anos exigidos pela legislação penal.

Questão interessante, e que apresenta alguma controvérsia doutrinária, é a da prescrição prevista na CLT : “Contra os menores de 18 (dezoito) anos não corre nenhum prazo de prescrição.” (CLT, art. 440).

Segundo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2002, p. 117) “...perderá o sentido lógico a regra do art. 440 da CLT (omissis), se, a partir dos dezesseis anos, ele já for emancipado pela celebração de contrato de trabalho subordinado”

Alguns defendem que a prescrição foi instituída tendo em conta a idade física, não considerando a presunção (fictícia) do ato emancipatório.  Não estaria, portanto, relacionada com a capacidade civil ou trabalhista.  Dessa forma, mesmo diante da emancipação, não haveria falar em cômputo do prazo de prescrição contra os menores de 18 anos.

Há que prevalecer o entendimento que a disposição constante do art. 440 da CLT foi elaborada para vigorar concomitantemente à disciplina da capacidade civil plena (na forma do Código Civil de 1916 que vigia à época), devendo ser interpretada a expressão “menores de 18 anos” como “menores incapazes”. Desta maneira o referido artigo não se aplica aos menores emancipados, pois os mesmos gozam de capacidade civil plena .

5-CONCLUSÃO

Diante do exposto, pode-se concluir que embora o tema seja incipiente por se tratar de previsão legal inovadora, o menor emancipado por força do art.5°, V do vigente Código Civil Brasileiro é dotado de capacidade civil plena, logo, tem pleno uso e gozo da capacidade de fato nos negócios e atos jurídicos deixando definitivamente de ser considerado menor, tanto na esfera civil bem como na esfera trabalhista.

6-REFERÊNCIAS

DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943 Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em: 10 set. 2006.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2006.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2002)

ROSSI, Alexandre Chedid. Novas regras civilistas sobre emancipação do menor e seus reflexos no Direito material e processual do Trabalho. Análise, conceito e caracterização da economia própria derivada da relação de emprego. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 461, 11 out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=5791>. Acesso em:09 set. 2006.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil para Concursos Públicos, Volume 1: Lei de Introdução e Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2006.

VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil, Volume 1: Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006.

Notas:

 

 

[1] Todo ente capaz de compor o pólo ativo ou passivo de uma relação jurídica (FARIAS; ROSENVALD, 2006, p. 96).

[2] Tendo em vista que o princípio da liberdade das formas rege os contratos de locação, a menoridade do locatário não pode dar causa a sua nulidade, se comprovada a concreta assistência do seu genitor, mesmo não tendo aposto sua assinatura à avenca,pois a concordância não prescinde forma especial, muito menos forma escrita. Acresça-se que a locação teve fins exclusivamente comerciais, e nos termos do inc. V, § 1º, do art. 9º, do CC-16, menores de 21 anos se emancipam ao se estabelecer civil ou comercialmente, com economia emancipam ao se estabelecer civil ou comercialmente, com economia própria ( RT 788/308).

[3] “Em se tratando de menores impúberes, são absolutamente incapazes para a outorga de procuração, tanto por instrumento particular, como por instrumento público, eis que inibidos de emitir consentimento como requisito integrativo à validade do respectivo ato jurídico. Logo, não se pode exigir que os mesmos outorguem procuração para advogado. A postulação é feita por quem os representa legalmente, no caso a mãe, que outorgou mandato válido para advogado procurar em juízo” (RT 709/168).

[4] “Os menores entre 16 e 21 (atualmente 18) anos praticam diretamente os atos jurídicos em que são partes. Todavia, porque relativamente incapazes, o consentimento é completado com a assinatura de representante legal, sob pena de anulabilidade dos atos. Esta não se caracteriza quando o relativamente incapaz espontaneamente se declara maior no ato de se obrigar (CC, art. 155): “malitia suplit aetatem”. Logo, é válido o ato jurídico impugnado”(RT 661/145).

(Elaborado em Aracaju, Setembro de 2006)

 

Como citar o texto:

GUIMARÃES, Alessandro de Araújo..Reflexos no Direito do Trabalho da emancipação civil do menor decorrente da existência de relação de emprego. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 199. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/1553/reflexos-direito-trabalho-emancipacao-civil-menor-decorrente-existencia-relacao-emprego. Acesso em 8 out. 2006.

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