Na área rural, a situação tradicional é o que se chama de barracão, fórmula em que o prestador de serviços tem de se abastecer no armazém do patrão, e está sempre devendo mais do que ganha. Concomitantemente, é impedindo de deixar a propriedade, quer pela retenção de documentos, submissão à vigilância armada, inexistência de transporte, quer pela vedação do uso dos meios de transporte existentes etc.

Para obter essa mão-de-obra inerme, os empresários rurais valem-se do arregimentador de trabalhadores, também conhecidos como gatos, para labutar nas fazendas. Tais operadores se alimentam da miséria nas áreas mais degradadas das cidades pobres. Sendo assim, os fazendeiros que exploram o trabalhador, buscam a mão-de-obra longe das suas terra, em cidades miseráveis, onde a perspectiva de emprego e salário é quase zero. Levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) detectou que há no Brasil 159 municípios exploradores de trabalhadores, em cinco Estados. A partir de informações do Governo Federal, a OIT constatou que o Estado campeão em gerar trabalhadores para serem explorados é o Maranhão, com 43 cidades. Em seguida vêm o Piai (40), Pará (32), Mato Grosso (25) e Tocantins (19). Os proprietários de terras buscam esses trabalhadores em lugares distantes para mantê-los sob domínio e dificultar ao máximo o retorno à terra natal. Além disso, têm cerceado o direito de ir e vir. São acompanhados por vigilância armada e vivem em condições humilhantes.

O Trabalho Decente

Pode-se, segundo José Cláudio (2004), em síntese, listar como direitos mínimos dos trabalhadores os seguintes, fazendo desde logo pequenas divisões:

No Plano Individual

Direito ao trabalho, que é a base sobre a qual se assentam todos os demais, dele desdobramentos, e pode ser analisado de diversas formas, sendo que, principalmente, como obrigação do Estado de criar condições para que o trabalhador possa exercer uma ocupação que lhe permita e à sua família subsistir. Dallari (1998), assinala sobre o assunto o seguinte:

O trabalho permite à pessoa humana desenvolver sua capacidade física e intelectual, conviver de modo positivo com outros seres humanos e realizar-se integralmente como pessoa. Por isso o trabalho deve ser visto como um direito de todo ser humano (DALLARI, 1998, p. 40).

É um direito, todavia, que não vem sendo respeitado na medida necessária. Conforme estimativas da OIT, em 1999. E é cada vez menos a perspectiva de trabalho. De fato, não é grande a quantidade de pessoas que efetivamente trabalham, das quase seis bilhões de pessoas existentes no planeta, apenas 1 bilhão trabalham e em outra estimativa, no plano mundial, 30% de toda a população em idade economicamente ativa estão desempregados. Por outro lado, no entanto, a expectativa que se tem, atualmente, é que esse número deverá cair ainda mais com a automação retirando da atividade produtiva, de forma crescente, os postos de trabalho. A situação fica ainda mais grave quando se percebe que os estados, embora aparentemente preocupam-se com a questão, adotam visão ainda mais adequada à atuação do capital, criando medidas que favorecem a atividade produtiva com fins simplesmente econômicos, e não sociais. Além do mais, tem-se presenciado a redução significativa dos orçamentos sociais dos estados, bem como a adoção de medidas que, ou são meramente paliativas e só favorecem o trabalho precário (como as frentes de trabalho), ou são insuficientes para acolher a massa de trabalhadores desempregados ou subocupados. O pior de tudo é que a falta de trabalho acaba gerando o discurso de que é necessário reduzir as condições de trabalho para acolher os trabalhadores excluídos do mercado, em lógica que somente favorece a concentração de riqueza e o alargamento das desigualdades.

Quanto a liberdade de escolha do trabalho deve ser de livre faculdade do trabalhador, respeitadas as condições que a lei estabelece, não sendo possível sujeitar o trabalhador ao exercício não espontâneo do trabalho. Segundo a OIT, o controle abusivo de um ser humano sobre outro é a antítese do trabalho decente (OIT, 2005). Por isso, não se pode falar em Direito ao Trabalho, muito menos em condições mínimas para o seu exercício do trabalho se este não é livre. Consoante a liberdade, tem-se a igualdade de oportunidade para o exercício do trabalho, o qual deve ser oferecido a todos os que possuem as habilidades necessárias, sem distinções (leia-se discriminações) de qualquer natureza, bem como as oportunidades, dento das organizações, devem ser oferecidas dentro da mesma ótica. Não obstante a discriminação seja repudiada internacionalmente, ela ainda é fonte de muita desigualdade; no trabalho, onde se encontra a circunstância ideal para a discriminação, pela relação de poder que se estabelece, mais ainda.

O direito de exercer o trabalho em condições que preservem a saúde do trabalhador, é uma preocupação que, desafortunadamente, não data de muito tempo a prevenção da saúde do trabalhador e, mais ainda, de sua vida, deve ser a principal, dentro de uma saudável relação capital-trabalho. De nada adianta ao trabalhador um emprego, mesmo que com remuneração razoável, se sua saúde é comprometida. A primeira meta em matéria de condições de trabalho, então, deve ser a preservação do ambiente em condições de salubridade e segurança, pois a qualidade de vida é o ponto de partida para qualquer forma de relacionamento ou de atividade. Para se ter uma idéia da dimensão do problema, a OIT indica a ocorrência de aproximadamente duzentos e cinqüenta milhões de acidentes com trabalhadores, por ano, com 300.000 mortes no mesmo período. Informa, ainda, apenas em relação aos Estados Unidos da América, a perda de duzentos milhões de dias de trabalho por ano somente como resultado de depressão relacionada com o trabalho. E isto não porque seja inevitável, mas principalmente porque mínimos cuidados não são observados, como, por exemplo, ocupar o trabalhador poucos minutos por dia para instruí-lo a respeito das normas de saúde e segurança.

Como meio de subsistência do trabalhador e de sua família, a paga que recebe deve ser, além de compatível com os serviços prestados, suficientemente para a satisfação de suas necessidades e dos que lhe são dependentes. A justa remuneração pelo trabalho, aliás, ao lado da posse eqüitativa da terra, deve ser considerada como um dos principais direito econômicos, na classificação tradicional em geração ou dimensões que recebem os Direitos Humanos. Isso, na relação entre capital e trabalho, é possível falar em justa remuneração, visto que o trabalhador não recebe por todo o seu esforço, mas apenas por parte dele, com o excedente sendo apropriado pelo empregador de seus serviços. Esse excedente, é evidentemente, aquilo que não é pago – sobretrabalho – ora, o trabalho determina o valor da mercadoria, a qual o capitalista acumula com o nome de lucro. É por isso que o salário é espécie principal do gênero remuneração como a retribuição de parte da força de trabalho despendida pelo trabalhador durante a jornada, a partir de um contrato de trabalhado subordinante, que formaliza numa relação interindividual, a dominação geral do capital sobre o trabalho. Já sendo a remuneração reduzida, e mais, único meio de subsistência do trabalhador, deve ser garantida, ao menos, em patamar mínimo, não podendo ser ainda eliminada ou reduzida por meio de artifícios, como acontece nas hipóteses em que o trabalhador é reduzido à condição análoga à de escravo, o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes, quando é comum que o obreiro simplesmente não receba salário sob o pretexto de que suas dívidas ultrapassam o valor a receber.

A história revela que, sem uma mínima proteção, a tendência dos empregadores de serviços é exaurir os trabalhadores com jornadas excessivas e negação do direito ao descanso, além de oferecer sempre as piores condições para a prestação do serviço. É preciso, então, garantir um mínimo de condições aos trabalhadores, com ênfase para as que tratam da duração do trabalho e dos períodos de repouso. Especificamente em relação à jornada, desde o início da 1ª Revolução Industrial, a questão foi entendida como crucial para os trabalhadores. Segundo a leitura de António Menezes Cordeiro (1991):

O tempo de trabalho tornou-se num problema nuclear na seqüência da revolução industrial. Perdidas as regras das antigas corporações, os trabalhadores vieram a ficar desamparados. A autonomia privada que lhes era formalmente reconhecida jogava contra eles: as conduziam ao desmesurado alongamento do dia de trabalho, em termos bem vivos nas páginas que documentam a questão social. Muitos dos passos iniciais do Direito do Trabalho destinam-se, assim, a regular o tempo de trabalho (CORDEIRO, 1991, p. 688).

De fato, é hoje entendimento geral que o trabalhador deve ter a duração de seu trabalho limitada, sendo os fundamentos que sustentam essa posição, uma tríplice natureza: biológica, social e econômica, pois é preciso respeitar os limites físicos do trabalhador, prevenindo a fadiga e outros males decorrentes do excesso de horas de trabalho; é necessário permitir, entre outras razões que justificam a limitação da jornada e a fixação de períodos de repouso, durante a jornada e a fixação de períodos de repouso, durante a jornada e entre jornadas; bem como ao longo da semana e do ano; e, ainda, é imprescindível manter o rendimento normal do trabalhador, além de não se inviabilizar a criação de novos postos de trabalho. As condições relativas ao tempo de trabalho, então, são de importância tal que justificam sua inclusão entre os direitos mínimos que configuram o trabalho decente. Por essa razão que o excesso de jornada foi, no Brasil, tipificado como ilícito penal, sendo uma das hipóteses em que se configura a redução do ser humano à condição de escravo.

O trabalho de crianças e adolescentes é problemático desde a primeira revolução industrial, sendo prejudicial ao desenvolvimento do ser humano, em todos os níveis. É preciso, portanto, fixar limites etários para o exercício do trabalho, além, é claro, de criar condições para que as famílias possam subsistir sem a participação ativa dos menores. O limite para o exercício do trabalho de crianças e adolescentes, no plano internacional, é fixado pela OIT em 15 anos, exceção feita às piores formas de trabalho infantil, quando se pretende pura e simplesmente sua eliminação para todas as crianças e adolescentes, sem idade mínima estabelecida. Nada disso vem acontecendo, o trabalho de crianças e jovens adolescentes é uma realidade ainda muito longe de ser alterada.

No Plano Coletivo

A existência de direito mínimos dos trabalhadores no plano individual, revela também a História, deve-se em muita à sua capacidade de união em associações para defesa de seus interesses. Isso só ocorre, ao menos de forma eficaz, se esse direito de organizar associações e, nelas, decidir quais as linhas de ação mais convenientes para a defesa de seus interesses, ocorrer em clima de liberdade, com proteção para aqueles que recebem o encargo de representar os trabalhadores.

É da possibilidade de união dos trabalhadores, ressalte-se, que nascem as principais garantias contra a exploração do trabalho humano. Negar a sindicalização livre, então, bem como, os instrumentos que decorrem da união dos trabalhadores, é negar praticamente todos os mínimos direitos, via de regra o faz pela pressão organizada exercida pelos que vivem do trabalho e por seus representantes. Os empregadores da mesma forma; suas concessões somente acontecem quando as entidades representativas dos trabalhadores forçam nesse sentido. Não é por outro, então, que a OIT inclui a liberdade sindical entre os direitos necessários para a existência do trabalho decente.

No Plano da Seguridade

O trabalhador, tendo, na maioria das vezes, como único patrimônio sua força de trabalho, necessita de proteção contra os ciscos sociais, aqueles que impedem ou diminuem sua capacidade de subsistência, sendo um deles o desemprego que assume proporções que, sem nenhum alarmismo, são gigantescas. A OIT calcula, com a ressalva feita pela própria Entidade que suas informações são fragmentadas, que somente 20% dos trabalhadores no mundo estão amparados por medidas de proteção social adequadas.

Finalmente esses direitos mínimos do trabalhador é que deve caracterizar o que se denomina trabalho decente. Menos que isso é sujeitar o trabalhador a condições de trabalho que estão abaixo do necessário para que seja preservada sua dignidade. Assim, embora reconheça as razões que levam a OIT a se fixar em quatro pontos básicos: liberdade de trabalho; igualdade no trabalho; proibição do trabalho; e liberdade sindical, acredita-se que o elemento mínimo é ainda maior. Não há trabalho decente sem condições adequadas à preservação da vida e da saúde do trabalhador. Não há trabalho decente sem justas condições para o trabalha, principalmente no que toca às horas de trabalho e aos períodos de repouso. Não há trabalho decente sem justa remuneração pelo esforço despendido. Não há trabalho decente se o Estado não toma todas as medidas necessárias para a criação e para a manutenção dos postos de trabalho. Não, por fim, trabalho decente se o trabalhador não está protegido dos riscos sociais, parte deles originada do próprio trabalho humano.

Trabalho decente, é portanto, um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preserve sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais. Negar o trabalho nessas condições, dessa feita, é negar os Direito Humanos do trabalhador, e portanto, atuar em oposição aos princípios básicos que os regem, principalmente o maior deles, a dignidade da pessoa humana.

 

Como citar o texto:

MEDEIROS, Draimler Correia Virgulino de..A escravidão do trabalhador livre. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 200. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/1578/a-escravidao-trabalhador-livre. Acesso em 14 out. 2006.

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