O processo legislativo convertido às doutrinas democráticas está presente há bastante tempo nas discussões político-acadêmicas do nosso País. De um lado, legisladores apáticos, sem pressa, desinteressados e desestimulados. De outro, a urgência, a necessidade e a impaciência, refletidas nos anseios da sociedade para com a elaboração de leis conducentes às necessidades atuais. É este o paradoxo que vive hoje o processo legislativo no Brasil.

 

Parafraseando Ariano Suassuna, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, indispensável para se entender a imprescindibilidade de Democratização do Processo Legislativo brasileiro, é fator da mais lídima essencialidade a compreensão entre o ‘país real’ e o ‘país oficial’. Este, caricato e burlesco, corresponde às pechas intrínsecas na burocratização do processo legislativo atual, ao passo que aquele, representado pelo bom e onde se revela os melhores instintos, é diariamente buscado pela coragem da geração dos juristas de hoje, estudantes de outrora, que receberam essa bandeira e fizeram dela um objetivo permanente.

Considerando que não há democratização, transformação, que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada, irrefragável concluir que todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje, de modo que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Tem-se, portanto, de saber claramente o que se era e o que se é, para só assim compreender o que se deseja.

“O conforto cria dificuldades na visão do futuro. O conforto, como a memória, é inimigo da descoberta.” O comentário de Milton Almeida dos Santos, escritor prolífico, formado em Direito pela Universidade Federal da Bahia, e um dos geográficos mais brilhantes da história contemporânea mundial, considerado por muitos um homem à frente de seu tempo, é um acicate ao estado de letargia que domina o Poder Legislativo brasileiro contemporâneo. Com efeito, Darcy Ribeiro, sociólogo, educador, antropólogo, indianista e político mineiro, vislumbrou a existência tão-só de duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar.

Imbuídos desse espírito reformista, sufragado pelos ministérios adredes, o paradoxo existente no processo legislativo brasileiro vem, paulatinamente, tentando ser quebrantado por aqueles influenciados diuturnamente pelas academias de seu tempo.

De acordo com a teoria aristotélica, firmado num esforço científico primário, não existe algo, incluindo-se aqui o ramo da ciência forense, que não esteja em movimento. Desse modo, forçoso é concluir que a fenomenologia do surgimento de novas situações jurídicas, como aquelas afetas aos crimes de comércio eletrônicos e à união homoafetiva, por exemplo, faz com que, de igual maneira e em idêntica intensidade, a sociedade ruja naturalmente pelo desenvolvimento de leis correlatas às suas regulamentações.

Sociedade esta, diga-se de passagem, que tem em seu seio a formicação própria e inerente das influências universitárias, cujas bases são essencialmente políticas, embora não necessariamente politizadas, o que importa dizer que toda universidade é, ao menos no plano ideológico, o reflexo da política de uma sociedade dada.

Clara está, nessa perspectiva, a importância da contribuição da academia, em sentido irrestrito, para o desenvolvimento da força externa responsável pelas mudanças político-legislativas coevas, contrariando a ideia de que as massas populares são meramente espectadoras passivas. Na massa acadêmica de hoje vislumbra-se um crescente ímpeto para participar do desenvolvimento legislativo pátrio. Uma sociedade justa dá oportunidade às massas para que tenham opções e não a opção que a elite tem, mas a própria opção das massas.

Sem embargo de divergência, o lúcido magistério de Paulo Freire, educador pernambucano, graduado em Direito pela Universidade Federal do Recife e considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial, já dispunha não ser possível refazer o país, democratizá-lo, humanizá-lo, melhorá-lo, torná-lo sério, sem adolescentes educados e bem instruídos, porquanto, “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”

Feitas essas considerações propedêuticas, é indubitável que a mudança histórica em perspectiva do processo legislativo provém de um movimento de baixo para cima, tendo como atores principais os acadêmicos hodiernos, juristas influentes da posteridade, indivíduos de pensando livre e não do discurso único. A semente da democratização já está plantada e o passo seguinte é o seu florescimento em atitudes de inconformidade.

Reflexo dessa semente fundada, há de se tomar como exemplo, mais do que recente da influência da academia na democratização do processo legislativo, a proposta da Lei da Ficha Limpa, que foi sancionada pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 4 de junho, data esta de sua entrada em vigor.

Aludida Lei, originalmente idealizada no habitat das escolas de instrução superior, contou com a mobilização da sociedade civil, que conseguiu juntar mais de 1,6 milhão de assinaturas em torno da causa, viabilizando, assim, sua aprovação por unanimidade no Senado Federal no dia 19 de maio do corrente ano.

Nessa conjuntura, nada despiciendo é o fato de que a problemática da escassez legislativa deve ser discutida em sede das universidades, historicamente consideradas instituições de transição da humanidade de uma etapa para outra, bem assim reputada como elemento dos novos tempos e de novo paradigma. É cediço que por muitos séculos os grandes avanços do conhecimento foram realizados no âmbito do trabalho universitário. Avanços estes, inclusive no campo legislativo, cuja ausência o mundo assim como hoje se conhece não subsistiria.

Parece-se, ante tantas manifestações, e mais numerosas ainda seriam se mais longínqua fosse a pesquisa, que a influência da academia na formação dos juristas futuros é deveras imprescindível na democratização do Processo Legislativo, em especial para a manutenção do fogo sagrado das idéias reformistas.

Assim delineado, pode-se inferir, sem qualquer receio de incorrer em desacerto, que a contribuição dada pela academia à democratização do processo legiferante está diretamente relacionada ao repertório de instrução do universitário, cuja formatura o tornará inteiramente hábil a fomentar a busca da evolução constante, mormente no campo das idéias, as quais, postas em prática, são capazes de desencadear qualquer transformação legislativa.

Necessário se faz, destarte, prosseguir no tempo orientando os operadores do Direito, em especial os acadêmicos, reformadores vindouros, cabendo-lhes, sob a perspectiva da modernização das instituições, o desafio constante de aperfeiçoar as leis, sem o qual não haverá a higidez da segurança jurídica que propugna o Direito em suas rela

 

Data de elaboração: julho/2010

 

Como citar o texto:

CARVALHO, André Luiz Galindo de..Democratização do Processo Legislativo: qual a contribuição da Academia?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/etica-e-filosofia/2088/democratizacao-processo-legislativo-qual-contribuicao-academia. Acesso em 17 dez. 2010.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.