A linguagem é o complexo de sinais criados e utilizados pelo ser vivo para servir de comunicação entre eles.

 

Outrossim, linguagem pode ser equivalente a qualquer forma de expressar sentimentos e pensamentos.

Com tais assertivas, resta nítido e reluzente perceber que linguagem é uma ligação entre o homem e os seres vivos em geral e as coisas que lhes rodeiam.

Para Marilena Chauí (p. 141): “a linguagem é um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicação entre pessoas e para a expressão de idéias, valores e sentimentos.”

Todavia, bom frisarmos que apesar da simplicidade de tais definições, vários paradoxos nela se inserem, por exemplo, uma expressão demonstrada através da linguagem pode denotar sentidos múltiplos.

Considerando que a linguagem pode demonstrar sentidos diversos bem como que sua origem pode ser e é suscitada de diversas maneiras, inclusive havendo várias teorias acerca de sua origem, a linguagem é tema consideravelmente complexo.

Neste contexto o professor da Universidade Federal do Ceará, Raimundo Bezerra Falcão na obra Hermenêutica (p. 48) expressa que “um dos mais difíceis e fecundos campos de inquietação filosófica é a linguagem (...) abre-se a linguagem num leque de possibilidades. Possibilidades de escolha desses sinais, mas também possibilidade de comunicação de tais sinais em moldes abundantes”.

Na mesma diapasão citamos Barrio Gutiérrez em Fragmentos y Testemonios de Górgias (Buenos Aires, Aguilar, trad. Do grego para o espanhol p. 25-26) resumindo as idéias de Leontini: “En el fenômeno de la comunicación por medio de la palabra, hay dos términos relacionados entre si: el que comunica y el que recibe la comunicación; pero la palabra es inadecuada como médio de expresión, tanto por parte del sujeto que comunica, como por parte del que recibe dicha comunicación. Por parte del comunicante, ya que la palabra no es apta para transmitir sus estados de conciencia, y por parte del que recibe la comunicacion, porque la palabra, al ser recebida, no puede provocar em el los mismos estados de conciencia que tênia el comunicante y esto debido a la pluralidad de los indivíduos humanos que nunca son semejantes de um modo total, pues de serlo, serían um solo sujeto y no dos, o três, o cuatro. (grifamos).

A origem da linguagem é tema tão controvertido quanto sua explicação.

Não obstante as controvérsias devemos ressaltar que existem, sobre a origem da linguagem, quatro teorias filosóficas explicativas interpretando tal origem, quais sejam: a linguagem como uma convenção, a linguagem como algo existente por natureza, a linguagem como instrumento e a linguagem como acaso.

Sem embargo acerca da multiplicidade das teorias explicativas sobre a origem da linguagem, concordamos com a idéia de que linguagem é algo existente por natureza, pois concordamos que a linguagem surgiu naturalmente com o homem em grupo e posteriormente em sociedade, porém lembramos que linguagem é diferente de língua que se demonstra através de palavras escritas e palavras faladas, pois dito isto concordamos que em relação à língua prevaleceu a teoria do convencionalismo, uma vez que acreditamos que a língua e as palavras ficaram combinadamente determinadas através de uma concordância, de um convencionalismo em grupo.

Ainda acerca da linguagem, importante ressaltar que esta sempre expressa sentido e assim, serve ao mesmo tempo, tanto de interpretação, quanto de comunicação. De modo que a linguagem e o sentido estão de sobremodo entrelaçados que podemos firmar que linguagem é tudo o que pode se revelar em um sentido sendo que a linguagem pode ser transmitida através da fala, da língua, da palavra escrita, de sinais gráficos ou mímicos, desenhos, gestos, acenos, do silêncio, do grito, do riso, do choro etc., de modo ainda que se não houver sentido em uma determinada mensagem esta também não pode ser considerada linguagem.

O sentido é tudo aquilo que cada um de nós, graças aos órgãos sensoriais, pode obter de impressão através de objetos exteriores, bem como por meio da linguagem.

No contexto, importante frisar que todos os animais podem inferir sentido de algo e realizar interpretação através de determinadas realizações.

Isso ocorre porque o sentido de algo não corresponde a alguma coisa que tenha racionalidade ou mesmo conteúdo científico, o sentido é algo instintivo e igualmente a interpretação.

Assim, podem os animais, considerados irracionais, injustamente, efetuarem interpretação porque a atividade interpretativa não é racional nem mesmo é ciência e quase sempre é algo instintivo também, depende de como estamos, do nível de humor, satisfação pessoal ou estresse enfim.

A linguagem por menor que seja sua expressão equivale à base do trabalho do intérprete e do hermeuta, ou seja, é através da linguagem e do sentido que ao nosso ver ela exprime que podemos efetivar qualquer interpretação.

Bom frisarmos que não concordamos com a definição de S. Tomás de Aquino que se referia a linguagem como‘virtude do intelecto prático que conhece e aplica as regras de bem fazer’, pois a linguagem dos seres também conhece as regras do mal fazer e por ser o homem e os animais essencialmente livres podem fazer tanto as regras do bem ou do mal conforme for sua vontade.

Aí está demonstrada a diferença entre o ser (objeto de conhecimento) e do dever-ser (objeto de ação).

No contexto citamos Humberto Eco (p. 31): “O ser não é um problema de senso comum (ou melhor, o senso comum não o coloca como problema) porque é a própria condição do senso comum’, op. cit., 28. ‘O ser já existe antes de se falar dele. Mas só podemos transformá-lo de evidência insuprimível num problema (que aguarda resposta) porque falamos dele. A primeira abertura ao ser é uma espécie de experiência estática, embora no sentido mais materialista do termo, mas enquanto permanecemos nesta evidência inicial, e muda, o ser não é um problema filosófico, tal como não é problema filosófico para o peixe a água que o sustém. Mas no momento em que é do ser que falamos, não falamos dele ainda nesta sua forma omnienvolente, porque,como já se disse, o do ser ( a mais natural e imediata das experiências) é o menos natural de todos os problemas, o que o senso comum nunca se põe: nós começamos a caminhar às apalpadelas no ser, nele recortando entes, e nele construindo pouco a pouco um Mundo.”.

As revelações retro expostas que tratam de considerações acerca do sentido e da linguagem conferem assim grande importância ao Direito.

Considerando que o Direito nasceu com o homem em sociedade, que o Direito é ciência cultural e, portanto, humana e que o homem é um animal político (Aristóteles) que sempre adotou e adota um sistema de comunicação através de linguagem e comportamentos que expressam sentidos, fica evidente o liame entre linguagem, sentido e Direito.

No mesmo sentido Raquel Barrada de Freitas (p. 10/11) explica que: “O Direito surge, nas sociedades, nas comunidades humanas, como manifestação paradigmática da racionalidade humana, imposta por normatividade, através da linguagem. Assumimos esta afirmação como um postulado, visto que só existe Direito porque existem seres humanos em inter-relação e porque existem diferentes linguagens e formas de conceber a realidade. Impondo-se a necessidade de assegurar alguma coordenação entre as diversas modalidades de conformação da razão, ou, por vezes, procurando-se prevenir a ausência de racionalidade nos comportamentos humanos, numa prevalência de factores instintivos ou emocionais de consequências patológicas, o Direito nasce e concretiza-se, simultaneamente, em universalidade e imposição de padrões de conduta. O Direito é uma instituição eminentemente humana e, como tal, uma realidade da qual não poderia excluir-se a linguagem. O mundo jurídico, nas suas diversas manifestações e instâncias, efectiva-se através da linguagem, de uma linguagem que se pretende universal ou universalizável. Uma linguagem que se quer, como, de forma um tanto excessiva, sublinha Fritjof Haft fria, afastando qualquer resquício de sentimento, e até rude e sucinta, prescindo de quaisquer vocações justificativas ou pedagógicas. Não se duvida da desejabilidade de concisão e rigor conceptual na linguagem jurídica, mas também não nos parece totalmente adequado despojá-la de todo e qualquer elemento pedagógico ou até de uma certa elaboração teórica no sentido da mais completa compreensão dos seus conteúdos. A verdade é que deverá distinguir-se, a este propósito, entre a linguagem jurídica plasmada nas leis e códigos, concretizada e cristalizada, em fórmulas gerais e abstractas, na legislação, cuja vocação é a de servirem de guia e referência, o mais exacta possível, para os cidadãos inseridos numa jurisdição, ou, noutra terminologia, para os sujeitos jurídicos; e a linguagem das decisões jurisprudenciais, das

obras doutrinárias e académicas e dos pareceres sobre questões específicas ligadas ao Direito (...)”.

Assim, fica inequivocadamente demonstrado o valor da linguagem e do sentido no mundo do Direito, devendo ser igualmente dito que o sentido expresso através da linguagem é inesgotável e que este tanto dita quanto muda as normas jurídicas posto que o Direito é definido como tudo aquilo que é bom e está conforme a justiça.

O sentido da norma jurídica deverá sempre expressar o Direito e quando não mais possa assim o fazer será retirada a ordem normativa que “expressava” o Direito, sendo assim possível a modificação das normas com o passar do tempo e a evolução da sociedade, daí estando clara afirmação de que há inesgotabilidade no sentido que embasa a linguagem e o Direito.

A inesgotabilidade do sentido está intrinsecamente relacionada com o inesgotável problema do ser.

Isso é fato e deste fato podemos afirmar que sobre um determinado ser quando se poderia descrevê-lo pode o mesmo ser ter se modificado em outro ou mesmo que um mesmo ser possa ser descrito em diversos por pessoas diferentes.

O poeta francês Aragon ter escrito (p. 149/151) traduzido por Nelson Sodré, expressando quão inesgotável é o ser aduziu que: “Eu não fui sempre o homem que sou. Aprendi toda a minha vida, para tornar-me o homem que sou, mas nem por isso esqueci o homem que fui, ou, para falar mais exatamente os homens que fui. E se entre esses homens e eu há contradições, se creio ter aprendido, progredido, mudado, aqueles homens, quando voltando-me, os vejo, não tenho vergonha deles, são etapas do que sou, levaram a mim não posso dizer eu sem eles. (...) Interesso-me pelos caminhos múltiplos de todos os homens, pelas etapas dos pensamentos menos assegurados pela luz e, o que mais, estou persuadido de que a minha luz extinguiria se eu fosse o único a possuí-la. Longe de ser orgulhoso por ver no meio de cegos tenho por pouca a faculdade de ver, se ela não é partilhada (...) Digo tudo isso para explicar que nada me parece mais tolo e mais desarrazoado que não se interessar senão pelo que correspondente em todos os pontos ao nosso próprio pensamento. Nada me parece mais louco mesmo de crer que o pensamento de outro homem possa coincidir com o meu.” (grifamos).

Fica com tais palavras inequivocadamente demonstrada a inesgotabilidade do sentido bem como do ser que realiza a interpretação.

Tanto o sentido quanto o ser são nitidamente inesgotáveis.

Explica o professor Raimundo Bezerra Falcão (p. 243/244) que: “Se o sentido não fosse tão rico, se ele fosse o único, não existiria qualquer motivo para se cogitar da Hermenêutica. Sobretudo de uma Hermenêutica voltada à totalidade. O resultado da interpretação seria o mesmo. Aliás, não haveria sentido, pois aquilo que fosse extraído, por ser único, não seria sentido. Este pressupõe alternativas de racionalidade. Por isso, também não haveria interpretação. Sequer estaríamos escrevendo aqui, uma vez que seres humanos também não seríamos, porquanto não os haveria. A Hermenêutica, portanto, origina-se da exauribilidade do sentido. Esta é que coloca os fundamentos de exigência daquela. È a causa ontológica da Hermenêutica. Ou, se desejarmos dizer de outra maneira, sua causa eficiente. Em conseqüência, a teoria, fincada na verdade, que afirma existir uma inesgotabilidade do sentido, constitui-se no fundamento filosófico da Hermenêutica, porquanto, se houvesse unicidade de sentido, nem mesmo haveria. Tampouco interpretação. E, não havendo interpretação, para que se lhe fixarem regras de orientação? Logo não haveria Hermenêutica.

Importante, pois frisar conceito e diferença entre Hermenêutica e Interpretação.

Entende-se por Hermenêutica um conjunto organizado de forma sistemática apto a realizar interpretação enquanto a interpretação é mera apuração de significados de uma dada mensagem sem que para isso seja utilizada qualquer técnica ou empregado qualquer sistema.

Pedro dos Reis Nunes faz a diferenciação entre as expressões, arguindo à interpretação a noção de técnica, enquanto que à hermenêutica associa à idéia de ciência.

Ratificando tal entendimento Maria Helena Diniz, afirma tratar-se a hermenêutica da “teoria científica da arte de interpretar”. Ou seja, o conjunto de princípios e normas que norteiam a interpretação é uma ciência: a hermenêutica.

Eros Roberto Grau, Ministro da Suprema Corte Judicial, afirma que a interpretação das leis é, na verdade, uma simples “prudência”, é “o saber prático, a phrónesis, a que se refere Aristóteles.

Assim, vemos que o conceito de ambas as expressões não é dada de forma pacífica na doutrina assim como nado o é dada a inesgotabilidade do sentido presente na hermenêutica e em tudo onde existir ser humano.

Todavia com tais conceituações passamos a ter noções de hermenêutica e interpretação e perceber que hás ainda que pequena uma sutil diferença entre ambas.

Não obstante a essas considerações fica evidente que tanto na hermenêutica quanto na interpretação o sentido é inesgotável visto que pode ser definido por maneiras múltiplas dependendo do ponto de vista de quem o vê.

Contudo é na Hermenêutica que está o foco do presente trabalho posto que e é nela que se pretende demonstrar, como inequivocadamente acreditamos que já tenha sido feito, a realidade fática da existência da inesgotabilidade do sentido na Hermenêutica.

Por quê tanto o ser quanto o sentido são inesgotáveis?

Ora, como fora exposto mas importante reforçar, ambos estão em constante modificação e alem disso, ambos são vistos de diversas formas, a mesma pessoa vê um sentido hoje e amanhã ou mesmo em poucos minutos o modifica.

Igualmente um amigo visualiza um amigo de uma forma hoje e amanha pode defini-lo de outra forma amanhã inclusive como seu inimigo.

Assim, dada a constante mutação que nos rodeias podemos afirmar que onde existir seres vivos, objetos exteriores, linguagem, interpretação, hermenêutica, expressões e pontos de vista, o própria Direito e todas as ciências humanas, todos terão indiscutivelmente sentidos inesgotáveis eis que giram em torno do homem e dos seres vivos que estão em constante mutação e aprendizado em uma viagem talvez infinita denominada tempo e em uma aventura também talvez infinita em um planeta denominado Terra que se formos interpretar com mais acuidade devemos dizer que seria melhor defini-lo: Planeta Água.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

BASTOS, Núbia Maria Garcia. Introdução à metodologia do trabalho acadêmico. Fortaleza: Nacional, 2005.

BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. São Paulo: Edipro, 2003.

CASTRO, Lincoln Antônio. Direito e Linguagem. Disponível em http://www.uff.br/direito/index.php?option=com_content&view=article&id=22%3Adireito-e-linguagem&catid=2&Itemid=14. Acesso em: 14 mar. 2011.

CHAUÍ. Marilena. Convite á filosofia. São Paulo: Ática, 1994.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 18ª. ed, 2002.

ECO, Humberto.

FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 1997.

FREITAS, Raquel Barradas de. Direito, linguagem e literatura: reflexões sobre o sentido e o alcance das inter-relações. Universidade Nova de Lisboa, 2002. Disponível em http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/DireitoLinguagemLiteratura.pdf. Acesso em: 14 mar. 2011.

GERA, Renata Coelho Padilha. Hermenêutica jurídica: alguns aspectos relevantes da hermenêutica constitucional. Disponível em: http://www.panoptica.org/dezembro2006pdf/2HermenuticaConstitucional.pdf.

Acesso em 17 mar. 2011.

 

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros Editores, 3a Ed, 2005. 279 p.

MAXIMILIANO. Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.

NADER. Paulo. Introdução ao Estudo de Direito. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

PERIN JUNIOR, Ecio. A linguagem no Direito: análise semântica, sintática e pragmática da linguagem jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: . Acesso em: 14 mar. 2011.

NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de tecnologia jurídica. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 12ª Ed rev amp e atual, 1990.

SODRÈ. Werneck Nelson. Fundamentos da Estética Marxista. Rio de Janeiro: Civilização, 1968.

 

Data de elaboração: marco/2011

 

Como citar o texto:

ARAUJO, Antônia Katiúscia Nogueira Lima..Linguagem, sentido, Direito e a inesgotabilidade do sentido. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/etica-e-filosofia/2248/linguagem-sentido-direito-inesgotabilidade-sentido. Acesso em 28 abr. 2011.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.