Introdução

 

Os princípios possuem papel de destaque no sistema normativo brasileiro, sendo que diversos deles possuem natureza de norma constitucional.

Como critério de diferenciação entre regras e princípios pode-se apresentar as regras como normas que apenas descrevem determinado comportamento sem se ocupar com a finalidade dessas mesmas condutas, e os princípios como normas que estabelecem de maneira diferente estados ideais e objetivos que devem ser atingidos. (BARCELLOS, 2005, p. 169)

Outra distinção possível diz respeito aos efeitos, sendo as regras normas que trazem em si os efeitos que pretendem produzir e os princípios ou “descrevem efeitos relativamente indeterminados, cujo conteúdo, em geral, é a promoção de fins ideais, valores ou metas políticas” (BARCELLOS, 2005, p. 173) ou “pretendem produzir efeitos associados a metas valorativas ou políticas, [...] mas os fins aqui descritos são determinados, o que aparentemente os aproximaria das regras.” (BARCELLOS, 2005, p. 173/174)

No presente trabalho faremos uma análise da diferenciação entre regras e princípios com base em duas correntes defendidos pelos autores Ronald Dworkin e Robert Alexy.

Não apenas a aplicação dos princípios é de vital importância, mas, sobretudo uma teoria dos princípios adequada ao direito democrático que possa guiar essa aplicação de maneira justa. Nesse sentido Alexy afirma “apenas uma teoria dos princípios pode conferir validez adequada a conteúdos da razão prática incorporados ao sistema jurídico no mais alto grau de hierarquia e como direito positivo de aplicação direta” (ALEXY, 1997, p. 173, tradução nossa)

Ao dissertar sobre a importância histórica dos princípios para o direito Galuppo afirma que:

O estudo dos princípios jurídicos é um velho tema da Filosofia e da Teoria do Direito, e compreender corretamente como eles são aplicados, em especial pelos tribunais, não é importante apenas do ponto de vista técnico do operador jurídico, como também para lançar luzes sobre o fundamento ético do direito moderno. (GALUPPO, 1999, p. 191)

É necessária uma entre regras e princípios mais elaborada bem como uma melhor conceituação desses termos para que as normas do ordenamento jurídico e em especial as normas de direitos fundamentais tenham não só validade como também aplicabilidade.

Como afirma o próprio Alexy “o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são mandados de otimização enquanto que as regras tem o caráter de mandados definitivos.” (ALEXY, 1997, p. 162, tradução nossa)

Desse modo para a aplicação dos princípios é necessário analisar condições fáticas e jurídicas, pois os princípios só obrigam segundo essas condições. Assim, para o âmbito da aplicação é preciso considerar que:

E como mandados de otimização os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, conforme as possibilidades jurídicas e fáticas. Isto significa que podem ser satisfeitos em diferentes graus e que a medida da sua satisfação depende não apenas das possibilidades fáticas mas também das jurídicas, que estão determinadas não apenas por regras, mas também por princípios opostos. (ALEXY, 1997, p. 162, tradução nossa)

Outra corrente, “que identifica os princípios com normas cujas condições de aplicação não são pré-determinadas” (GALUPPO, 1999, p.195) tem entre seus principais defensores Dworkin e Habermas.

A obra de Dworkin possui forte ênfase na tentativa de superação do positivismo jurídico (enfoque na obra de Hart), em especial na indeterminação da solução do que foi chamado por Dworkin de hard cases. Alexy ao comentar a superação do positivismo na obra de Dworkin afirma:

Dworkin contrapõe a este modelo de regras um modelo de princípios. Segundo o modelo de princípios, o sistema jurídico é composto, além de regras, de modo essencial, por princípios jurídicos. Os princípios jurídicos devem permitir que também exista uma única resposta correta nos casos em que as regras não determinam uma única resposta. (ALEXY, 1988, p. 139, tradução nossa)

No Brasil a reflexão sobre a concorrência ou colisão entre princípios deve passar pela reflexão do Estado Democrático de Direito, pois “a concorrência entre princípios constitucionais revela uma característica fundamental da sociedade em que existe um Estado Democrático de Direito.” (GALUPPO, 1999, p. 205)

2 A PROPOSTA DE DWORKIN

No presente capítulo trataremos da concepção de Dworkin acerca da diferenciação entre regras e princípios. Para isso é necessário uma contextualização da sua posição em face do positivismo, tendo em vista ser este o ponto de partida por meio do qual Dworkin estabelece os pontos decisivos entre regras e princípios.

Antes disso, porém se fará uma remissão à visão que Dworkin possui do próprio ordenamento, no qual a Integridade exerce papel central, por meio da resposta correta pois o autor “parte do pressuposto que todo caso possui uma resposta correta (right answer), o que garante Integridade ao sistema jurídico.” (GALUPPO, 1999, p. 198) A noção de resposta correta “como um modelo ou como um norte para a atividade do juiz, pois seria necessário um trabalho sobre-humano para se chegar a ela.” (GALUPPO, 1999, p. 198)

A figura e o papel do Juiz Hércules, que na verdade se constitui mais como função interpretativa do que como modelo de magistrado, vez que Dworkin se refere claramente a uma metáfora, é bem explicitada por Galuppo nos seguintes termos:

Por isso ele imagina que essa resposta correta poderia ser alcançada por um juiz Hércules (DWORKIN, 1978, p. 105) mesmo nos casos difíceis (hard cases), ou seja aqueles em que nenhuma regra estabelecida dita uma decisão, seja num sentido, seja em outro (DWORKIN, 1978, p. 83). (GALUPPO, 1999, p. 198)

Para Dworkin a resposta correta também existir mesmo nos hard cases, ou seja, deverá haver resposta correta nos casos nos quais as regras não determinem uma única resposta (DWORKIN, 2001). Assim a única resposta seria determinada pela coerência do sistema jurídico, como bem demonstra Cezne:

Pode se dizer que, para Dworkin, o sistema de princípios deve permitir que exista uma resposta correta também nos casos em que as regras não determinam uma única resposta. Desta forma, a única resposta correta seria aquela que melhor se justificar em termos de uma teoria substantiva, que tenha como elementos os princípios e as ponderações de princípios que melhor correspondam à Constituição, às regras do Direito e aos precedentes. (CEZNE, 2000, p. 53)

Para Dworkin “o positivismo é um modelo para um sistema de regras” (CEZNE, 2000, p. 52) e é com base nessa concepção acerca dos positivistas que elabora seu conceito de princípios jurídicos, ressaltando que devido a posição dos positivistas e “sua noção central de uma única fonte de direito legislativa obriga os juristas a perderem o importante papel desses padrões que não são regras.” (CEZNE, 200, p. 52) Nesse sentido afirma o próprio Dworkin:

O positivismo, quero sustentar, é um modelo de e para um sistema de regras, e sua noção central de um teste fundamental único para o direito conduz-nos a perder a importante função destes padrões (princípios e diretrizes políticas) que não são regras. (DWORKIN, 2001, p. 127)

Assim para Dworkin os princípios são padrões diferentes das regras visto que “com freqüência usarei o termo princípio genericamente para referir à totalidade destes padrões diferentes das regras. Ocasionalmente, entretanto, serei mais preciso e distinguirei princípios e políticas públicas.” (DWORKIN, 2001, p. 127)

Nessa linha Dworkin entende que “política pública àquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, geralmente uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade”, (DWORKIN, 2001, p. 127/128) já os princípios se ligam a uma outra questão do ponto de vista normativo, possuindo dimensão moral:

Chamo de princípio a um padrão que deve ser observado não porque ele avançará ou assegurará um estado econômico, político ou social altamente desejável, mas porque ele é uma exigência de justiça ou equidade (fairness) ou de alguma outra dimensão da moralidade. (DWORKIN, 2001, p. 127/128)

Ao explicar o papel dos princípios nos denominados hard cases, nos quais a diferença nos padrões normativos é mais evidente, Dworkin afirma:

Em casos como esses, princípios desempenham uma parte essencial nos argumentos acerca de direitos e obrigações jurídicas particulares. Depois de decidido, podemos dizer que o caso é uma regra particular (e.g., a regra de que aquele que assassina não está capacitado a ser herdeiro da vítima). A regra, todavia, não existe antes que o caso tenha sido decidido. As cortes citam os princípios como justificação para adotar e aplicar uma nova regra. (DWORKIN, 2001, p. 136)

Interessante notar como a afirmação de Dworkin a respeito do papel dos princípios dos denominados hard cases se materializa no relato do caso a seguir feito pelo próprio Dworkin:

Em Rigg (caso Riggs v. Palmer), a corte citou o princípio de que ninguém pode tirar proveito de seu próprio erro como um padrão posto como base a partir da qual lê-se o direito sucessório e , desse modo, justificou uma nova interpretação desta lei. (DWORKIN, 2001, p. 136)

Para Galuppo que apenas os princípios podem ser utilizados para resolver os hard cases, sendo então portanto excluídos os padrões denominados por Dworkin de políticas, visto que “na prática, por causa da exigência de Integridade, apenas os argumentos de princípio podem desempenhar a tarefa de resolver os casos difíceis sem comprometer a democracia.” (GALUPPO, 1999, p. 199) E complementa afirmando:

Não que os argumentos de orientação política não justifiquem direitos: apenas não podem fazê-los nos casos difíceis, quando não existe uma regra clara à disposição da aplicação judicial, pois, nas democracias contemporâneas, o estabelecimento de políticas não é competência primária do poder judiciário, cuja função é a decisão sobre a controvérsia acerca de direitos. (GALUPPO, 1999, p. 199)

Dworkin procura deixar claro as diferenças entre as regras e os princípios. A primeira diferença se liga ao ponto de aplicação das normas vez que “a diferença entre princípios legais e regras jurídicas é uma distinção lógica“ (DWORKIN, 2001, p.130). Assim esclarece que no âmbito da aplicação pode ser enunciada uma das diferenças:

Ambos os tipos de padrões apontam para decisões particulares sobre obrigações em circunstancias particulares, mas eles diferem em função da direção que indicam. Regras são aplicáveis em um modo de tudo-ou-nada. Se os fatos que uma regra enuncia ocorrem, então a regra é válida, em cujo caso a resposta que proporciona deve ser aceita, ou ela não é válida, em cujo caso ela não contribui em nada para a decisão.” (DWORKIN, 2001, p. 130)

E segue acentuando as diferenças, afirmando que “princípios tem uma dimensão que as regras não possuem – a dimensão de peso ou importância.“ (DWORKIN, 2001, p.130). Na concorrência entre princípios, diferentemente da concorrência das regras, os primeiros se comportam de maneira diferente:

Quando princípios concorrem entre si (a política de proteção dos consumidores de automóvel concorrendo com princípio de liberdade de contratar, por exemplo), aquele a quem incumbe resolver o conflito deve tomar em consideração o peso relativo de ambos. Não se pode ter aqui uma mensuração exata, e o juízo de que um princípio ou política particular é mais importante que outra será freqüentemente uma decisão controversa. Não obstante, é um constituinte da noção de princípio que ele tenha essa dimensão, que seja relevante perguntar o quão importante ou qual peso ele possui.” .(DWORKIN, 2001, p.133).

Para acentuar a diferença do peso Dworkin afirma que “regras não tem essa dimensão.” (DWORKIN, 2001, p.134) Assim “podemos falar de regras como sendo funcionalmente mais importantes ou não importantes (...), mas não com a mesma intensidade que a dimensão da importância (peso) possui para os princípios:

Nesse sentido, uma regra jurídica pode ser mais importante do que outra porque ela possui um papel maior ou mais importante na regulação do comportamento. Mas não se pode dizer que uma regra é mais importante que do que outra dentro do sistema de regras, de modo que, quando duas regras conflitassem, uma sobreporia a outra em virtude de seu maior peso.(DWORKIN, 2001, p.134).

Nessa diferença deixa claro que o conflito entre regras se resolve no plano da validade vez que “se duas regras conflitam, uma delas não pode ser uma regra válida.” (DWORKIN, 2001, p.134) Nesse ponto Dworkin aponta para a possibilidade do estabelecimento de uma exceção, a qual permitiria a existência das duas regras conflitantes no ordenamento jurídico:

Evidentemente uma regra pode ter exceções (o batedor que sofreu três strikes não está fora se o pegador deixa cair a terceira bola). Entretanto, um enunciado preciso da regra levaria esta exceção em consideração, e aquele que não o fizesse estaria incompleto. Se a lista de exceções é muito extensa, seria muito prolixo repeti-las toda vez que a regra é citada. Não há razão, entretanto, ao menos em teoria, que impeça de serem acrescentadas, e quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da regra. (DWORKIN, 2001, p. 131)

Para a diferenciação Dworkin utiliza-se da tradição jurídica, no caso da tradição do direito americano, ou seja apesar de eventual falta de precisão na a identificação entre regras e princípios, a contextualização desses padrões dentro do ordenamento jurídico por vezes é esclarecedor:

Não é sempre claro a partir da mera forma de um padrão se ele é uma regra ou um princípio. Um testamento não é válido a menos que seja assinado por três testemunhas não é muito diferente quanto à forma de Ninguém pode beneficiar-se dos seus próprios erros. No entanto, qualquer um que conheça um pouco de direito americano sabe que deve considerar o primeiro como expressão de uma regra e o segundo como de um princípio. (DWORKIN, 2001, p. 134)

Apesar das diferenças acima elencadas o próprio Dworkin admite que “em muitos casos a distinção é difícil de ser feita – pode não haver sido estabelecido de que modo o padrão deve operar, e este ponto pode ser um foco de controvérsia.” (DWORKIN, 2001, p. 134) Nesse ponto vejamos como Dworkin explicita a dificuldade de distinção entre regras e princípios diante da análise da primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos:

À primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos dispõe que o congresso não pode restringir a liberdade de expressão. É isto uma regra, de modo que se uma lei particular restringir a liberdade de expressão segue-se que ela é inconstitucional? Aqueles que reivindicam que a primeira emenda é absoluta dizem que ela deve ser tomada como uma regra. Ou, ao contrário, ela meramente expressa um princípio, de modo que quando uma restrição da expressão é verificada, ela é inconstitucional a menos que o contexto apresente algum outro princípio ou política que nas circunstâncias é importante o suficiente para permitir a restrição? (DWORKIN, 2001, p. 134/135)

Essas constatações de Dworkin deixam claro que as especificidades do caso concreto são fundamentais para a definição de que tipo de norma jurídica se está diante, em conseqüência disso qual o comportamento na solução do caso.

3 A TEORIA DOS PRINCÍPIOS EM ROBERT ALEXY

Trataremos a partir de agora da posição de Alexy em face da diferenciação entre regras e princípios.

A teoria elaborada pelo autor alemão possui forte influência das proposições de Dworkin sendo inclusive que “a teoria dos princípios de Dworkin é o ponto principal que aproxima o pensamente de Alexy ao dele.” (CEZNE, 2000, p. 54) Com isso Alexy toma a diferenciação entre regras e princípios estabelecido por Dworkin como ponto de partida a partir do qual busca a racionalização de uma teoria para os direitos fundamentais:

A enunciação de regras e princípios realizada por Dworkin é aceita por Alexy, que parte dessa teorização e procura sofisticá-la. O referido autor destaca a importância da diferença entre normas do tipo regra, e normas do tipo princípio, considerando-a como um marco de uma teoria normativa dos direitos fundamentais, e um ponto de partida para responder à pergunta acerca das possibilidades e limites da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais. (CEZNE, 2000, p. 54)

Para Alexy “o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.” (ALEXY, 2008, p. 90 – grifos no original)

Com esse objetivo afirma que a diferença é qualitativa, em oposição a diferença unicamente de grau, defendida pelos autores clássicos, Del Vecchio e Bobbio, baseada na generalidade (ALEXY, 2008), com os princípios se caracterizando como mandados de otimização:

Princípios são, por conseguinte, mandados de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicos é determinado pelos princípios e regras colidentes. (ALEXY, 2008, p. 90)

Essa diferença, Alexy também deixa claro ao definir que as regras como normas são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Assim afirma que:

Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. (ALEXY, 2008, p. 91)

Para a solução de um conflito entre regras deve ser introduzida “em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida.” (ALEXY, 2008, p. 92) Desse modo há conflito quando duas regras que sejam aplicáveis ao caso dêem solução contrárias para o caso concreto e não seja possível o estabelecimento de uma cláusula de exceção, assim explica Alexy:

Não importa a forma como sejam fundamentados, não é possível que dois juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si sejam válidos. Em um determinado caso, se se constata a aplicabilidade de duas regras com conseqüências jurídicas concretas contraditórias entre si, e essa contradição não pode ser eliminada por meio da introdução de uma cláusula de exceção, então pelo menos uma das regras deve ser declarada inválida. (ALEXY, 2008, p. 92)

Nesse ponto esclarece Alexy que “ao contrário do que ocorre com o conceito de validade social ou importância da norma, o conceito de validade jurídica não é graduável. Ou uma norma é válida, ou não é.” (ALEXY, 2008, p. 92) Assim se “uma regra é válida e aplicável a um caso concreto, isso significa que também sua conseqüência jurídica é válida.” (ALEXY, 2008, p. 92)

Aqui há divergência entre os posicionamentos de Alexy e Dworkin. Enquanto Dworkin entende que as cláusulas são ao menos teoricamente enumeráveis para Alexy “nunca é possível ter certeza de que, em um novo caso, não será necessária a introdução de uma nova clausula de exceção.” p. (ALEXY, 2008, p. 104). Ao analisar a perda do caráter definitivo das regras com o advento da cláusula de exceção, esclarece Cezne:

Entretanto, mesmo com essa modificação (a introdução da cláusula de exceção), ainda permanecem diferenciados dos princípios, mesmo tendo adquirido o caráter de prima facie. Deve-se ressaltar que o caráter prima facie das regras é excepcional, somente ocorrendo quando justificável a abertura de uma exceção, pois normalmente traduzem-se por razões definitivas. (CEZNE, 2000, p. 56)

Já em termos de colisão de princípios Alexy deixa claro que o modo de solução é diverso. É nesse ponto que introduz o conceito de precedência condicionada, sob a qual um dos princípios cede em face do outro:

Se dois princípios colidem - o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá de ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face de outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. (ALEXY, 2008, p. 93/94)

Impende salientar que a noção de Alexy sobre a precedência condicionada se liga ao fato de considerar que diante do caso concreto os princípios possuem pesos diferentes e que aquele que tiver o maior peso deve prevalecer (ALEXY, 2008). Assim surge uma diferença decisiva vez que ”conflito entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios - visto que só princípios válidos podem colidir - ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso.” (ALEXY, 2008, p. 93/94)

Aqui nesse ponto ainda nos socorre a lição de Galuppo sobre a diferença fundamental na a solução de conflitos entre princípios para a solução de conflitos entre regras, pois elas se dão em diferentes dimensões:

Exatamente por isso a solução do conflito entre princípios difere da solução do conflito entre regras: é que este último tem existência em abstrato, enquanto o conflito entre princípios só tem existência, e portanto solução, no caso concreto. (GALUPPO, 1999, p. 193)

Ao explicar o caráter prima facie dos princípios Alexy apresenta o comportamento desse tipo de norma em face do caso:

Da relevância de um princípio em um determinado caso não decorre que o resultado seja aquilo que o princípio exige para esse caso. Princípios representam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas. A forma pela qual deve ser determinada a relação entre razão e contra-razão não é algo determinado pelo próprio princípio. (ALEXY, 2008, p. 104)

Como expressão da idéia de otimização Alexy se utiliza da máxima da proporcionalidade, com a qual segundo ele, a teoria dos princípios se entrelaça fortemente. Há assim uma conexão constitutiva pois a “natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa implica aquela.” (ALEXY, 2008, p. 116)

A máxima da proporcionalidade é a reunião de três sub máximas: a da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. E “todos esses princípios expressam a idéia de otimização. Os direitos constitucionais enquanto princípios expressam a idéia de otimização.” (ALEXY, 1999, p. 135)

Passemos agora a uma rápida conceitual das três máximas que integram a proporcionalidade. Os princípios da adequação e da necessidade dizem respeito ao que é fática ou factualmente possível (ALEXY, 1999, p. 136), ou seja, como expressão da otimização essas máximas se ligam as possibilidades fáticas.

Para Alexy a adequação “exclui a adoção de meios que obstruam a realização de pelo menos um princípio sem promover a qualquer princípio ou finalidade para a qual eles foram adotados”. (ALEXY, 1999, p. 136) Ainda sobre a máxima da adequação se liga a idéia da utilização do meio menos gravoso para a realização do princípio contraposto, assim “isto demonstra que o princípio da adequabilidade não é nada mais do que uma expressão da idéia do optimal de Pareto: uma posição pode ser melhorada sem ser em detrimento da outra.” (ALEXY, 1999, p. 136)

Já a necessidade define a idéia de grau de interferência em face do princípio contraposto e a idéia do optimal de Pareto se liga a referida máxima nos seguintes termos:

O mesmo se aplica ao princípio da necessidade. Esse princípio requer que um dos dois meios de promover P1, que sejam, em um sentido amplo, igualmente adequados, deva ser escolhido aquele que interfira menos intensamente em P2. (ALEXY, 2008, p. 136)

Por fim temos a proporcionalidade em sentido estrito que “expressa o que significa a otimização relativa às possibilidades jurídicas.” (ALEXY, 1999, p. 136) Nesse ponto é que se materializa o balanceamento que “um terceiro sub-princípio da proporcionalidade, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.” (ALEXY, 1999, p. 136)

A regra do balanceamento é assim expressa “quanto maior o grau de não-satisfação ou de detrimento de um princípio, maior a importância de se satisfazer o outro.” (ALEXY, 2003, p.136) Alexy esclarece ainda que “essa regra expressa a tese de que a otimização relativa de princípios concorrentes consiste em nada mais do que no balanceamento desses princípios.” (ALEXY, 2003, p.136)

A diferenciação entre regras e princípios proposta por Alexy de que “(...) normas podem ser distinguidas em regras e princípios e que entre ambos não existe apenas uma diferença de grau, mas uma diferença qualitativa” (ALEXY, 2008, p.90) trás uma valorização do princípio jurídico como realizador dos direitos fundamentais. Isso porque a máxima da proporcionalidade, expressão da otimização, se configura como limitador as violações aos direitos fundamentais. Nesse sentido é a vívida lição de Bonavides:

Ora, o princípio da proporcionalidade - e esta é talvez a primeira de suas virtudes enquanto princípio que limita as limitações aos direitos fundamentais - transforma, enfim, o legislador num funcionário da Constituição, e estreita assim o espaço de intervenção ao órgão especificamente incumbido de fazer as leis. (BONAVIDES, 1998, p. 386)

Justamente por conta desse papel de limitação e de proteção dos direitos fundamentais que se verifica a relevância da proporcionalidade, pois “em se tratando de princípio vivo, elástico, prestante, protege ele o cidadão contra excessos do Estado e serve de escudo à defesa dos direitos e liberdades constitucionais.” (BONAVIDES, 1998, p. 394)

4) Conclusão

Com a concepção de Dworkin percebe-se uma distinção em bases estruturais, na qual resta demonstrado que a diferença entre regras e princípios se dá especialmente no âmbito da aplicação. Assim o comportamento diante de um caso concreto de uma norma que se configura em regra é decisivamente diferente do comportamento de uma norma constituída como princípio.

Ainda pudemos constatar a pertinência da teoria dos princípios como mandados de otimização com um Estado de Direito com bases democráticas, no qual os princípios jogam papel central. Isso porque a ponderação, que é expressão da otimização em termos das possibilidades jurídicas, se configura em limite em face da ação estatal de restrição a direitos fundamentais e ainda decorre da estrutura dos direitos fundamentais enquanto princípios.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. 2. ed. Barcelona: Gedisa, 1997. 208p.

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. 669 p.

ALEXY, Robert. Sistema jurídico, principios jurídicos y razón practica. p. 139-151 Revista DOXA n. 05 1988. Disponível em http://www.cervantesvirtual.com/portal/DOXA/cuadernos.shtml

BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 1998 755p.

CEZNE, Andrea Nárriman. A Teoria dos direitos fundamentais: uma análise comparativa das prespectivas de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo , v.13, n.52 , p.51-67, jul./set. 2005.

DWORKIN, R. M. É o direito um sistema de regras?. Estudos Jurídicos, São Leopoldo, RS , v.34, n.92 , p. 119-158 , set./dez. 2001.

DWORKIN, R. M. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 568 p.

GALUPPO, Marcelo Campos. Princípios juridicos e a solução de seus conflitos: A contribuição da obra de Alexy. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v.1, n.2, p. 134-142, 2º sem. 1998.

GALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios juridicos no Estado Democrático de Direito: ensaio sobre o seu modo de aplicação. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 36, nº 143, julho/setembro 1999.

 

Data de elaboração: agosto/2011

 

Como citar o texto:

SAPUCAIA, Rafael Vieira Figueiredo..A Teoria dos Princípios em Alexy e Dworkin. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/etica-e-filosofia/2368/a-teoria-principios-alexy-dworkin. Acesso em 21 nov. 2011.

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