Na apresentação dos cálculos de liquidação de sentença na Justiça do Trabalho, surge a dúvida sobre qual a base de cálculo para apuração do Imposto sobre a Renda a ser retido na fonte, onde de um lado, uns alegam ser a totalidade dos rendimentos auferidos na demanda, ou seja, o total do "quantum" devido ao reclamante e de outro lado, conjuntamente com nosso entendimento, outros entendem que a base de cálculo são os rendimentos mensais, ou seja, como se o total do crédito do reclamante estivessem sido satisfeitos mensalmente no momento em que deveriam ter sido pagos, abrigando-o assim, da tabela progressiva do imposto de renda.

Na prática, levando em conta a situação econômica do país e seu índice elevado de desemprego, o empregado, quando lesado, somente busca seus direitos quando rescindido seu contrato de trabalho, pois se o fizesse enquanto vigente, certamente perderia o emprego. Neste "meio tempo", o empregador não somente sonega seus direitos como também acarreta a sonegação do imposto de renda incidente sobre os mesmos, pois a lei atribui a este a responsabilidade do recolhimento aos cofres públicos, conforme determinação do parágrafo único do artigo 45 do Código Tributário Nacional.

CTN - Art. 45. (...)

Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.

Atualmente, as decisões na Justiça do Trabalho, com base no § 2° do Provimento 01/96 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, vem determinando que a base de cálculo do Imposto de Renda a ser retido na fonte é o valor total a receber, ou seja, o valor do crédito do reclamante, mesmo que a remuneração mensal que originou o crédito, estivesse na faixa de isenção da tabela progressiva, atualmente estipulada na Lei 10.451/2002.

Ao que parece, este Provimento teve como base a interpretação do artigo 640 do Decreto 3000/99, que regulamenta o Imposto sobre a Renda, baseado no artigo 12 da Lei nº 7.713/88 e no artigo 3° da Lei nº 8.134/90:

Decreto 3000/99 - Seção V

Rendimentos Recebidos Acumuladamente

Art. 640. No caso de rendimentos recebidos acumuladamente, o imposto na fonte incidirá sobre o total dos rendimentos pagos no mês, inclusive sua atualização monetária e juros (Lei nº 7.713, de 1988, art. 12, e Lei nº 8.134, de 1990, art. 3º).

Parágrafo único. Poderá ser deduzido, para fins de determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto, o valor das despesas com ação judicial necessárias ao recebimento dos rendimentos, inclusive com advogados, se tiverem sido pagas pelo contribuinte, sem indenização (Lei nº 7.713, de 1988, art. 12).

Porém, este não parece ser o melhor entendimento, pois, ao analisar a legislação supracitada, o abarcamento desta norma pela Justiça do Trabalho não é condizente com a interpretação lógico-sistemática da Constituição Federal que protege os salários, devido a natureza alimentar de que se revestem. Orlando Gomes, defini com propriedade que "o salário do empregado é, antes de tudo, destinado ao seu próprio sustento e ao da família. Com as energias despendidas no trabalho obtém os meios de vida e de subsistência, única fonte de renda e de manutenção a que pode aspirar. Daí, a proteção especial dispensada pela lei ao salário...". (Curso de Direito do Trabalho, Ed. Forense, 1990, pág. 238).

Resta a apuração do imposto sobre a renda na Justiça do Trabalho, com base no total do crédito do reclamante, como inconstitucional, pois as normas jurídicas não podem ser interpretadas como artifício para onerar o contribuinte de modo a prejudicá-lo, indo de encontro aos dispositivos constitucionais que regem a matéria tributária.

Ademais, apesar de serem os empregados os contribuintes do tributo, é da empregadora a responsabilidade pela retenção e recolhimento na fonte do imposto sobre a renda auferida e verbas que deveriam ter sido auferidas pelo empregado, verbas estas que motivam as demandas na Justiça do Trabalho.

 

Assim, a empregadora, ao sonegar salários ao empregado, que deveriam ter sido satisfeitos na época própria, impede que o empregado reclamante se abrigue na tabela progressiva aplicável aos rendimentos do trabalho assalariado, contrariando a vontade do legislador constitucional, quanto ao princípio da progressividade que deve ser observado para o cálculo e recolhimento do imposto sobre a renda, estipulado no § 2° do art. 153 da Constituição Federal:

CF - Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

III - renda e proventos de qualquer natureza;

§ 2º - O imposto previsto no inciso III:

I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;

Este princípio constitucional visa a proteção da capacidade econômica vital do trabalhador empregado, onde se encontram outros dois princípios constitucionais, o da igualdade e o da capacidade contributiva que encontra respaldo nas palavras do Ilustre Jurista Hugo de Brito Machado quando afirma que "não fere o princípio da igualdade, antes o realiza com absoluta adequação, o imposto progressivo. Realmente, aquele que tem maior capacidade contributiva deve pagar imposto maior, pois só assim estará sendo igualmente tributado. A igualdade consiste, no caso na proporcionalidade da incidência à capacidade contributiva, em função da utilidade marginal da riqueza." (Curso de Direito Tributário, Ed. Malheiros, 2003, pág. 44).

Sendo assim, não se pode conceder que ao buscar a correção da lesão de seus direitos junto ao Judiciário, se veja o empregado, compelido a arcar com o ônus de um sistema fiscal mais oneroso, ocorrendo verdadeiro enriquecimento ilícito por parte do fisco em tributar valores antes amparados pelo princípio da progressividade. Não se pode admitir que o empregado reclamante deva ser tributado somente pelo fato das verbas devidas terem sido acumuladas. Isso implicaria atribuir ao imposto sobre a renda caráter punitivo contra quem já foi punido pela ilegalidade cometida pelo empregador que não lhe pagou na época própria, como devia, os salários a que tinha direito. O fisco não pode beneficiar-se de ato ilícito do empregador para onerar o empregado, parte economicamente menos favorecida, com tributação indevida.

Portanto, os descontos referentes ao IRRF, deverão ser apurados com base nas verbas deferidas na sentença trabalhista como se tivessem sido satisfeitas na época própria, ou seja, apuradas mês a mês conforme a tabela progressiva vigente na época, obedecidas as suas deduções, isenções e não incidências.

Elaborado em 10/03/2004

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Como citar o texto:

BUSTO, Cristiano V. Fernandes..A apuração do IRRF incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial trabalhista. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 1, nº 77. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/255/a-apuracao-irrf-incidente-os-rendimentos-pagos-cumprimento-decisao-judicial-trabalhista. Acesso em 20 mai. 2004.

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