A aplicabilidade do artigo 475-J do CPC no processo do trabalho é controversa e atual, merecendo uma análise aprofundada sobre a matéria. De início, é imperioso destacar que a norma celetista prevê em seu art. 8º as suas fontes de integração, sendo curial sua transcrição:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Com efeito, a norma trabalhista somente deve receber a aplicação de outros campos jurídicos na eventual existência lacuna no sistema positivo juslaboral – nos moldes dos arts. 769 e 889, da CLT (cláusulas de contenção) –, entendendo-se o termo “lacuna” como gênero que compreende três espécies: normativa, ontológica e axiológica.

Destaque-se que as lacunas não devem ser compreendidas como mera omissão de norma positiva para cuidar do caso concreto. Na verdade, esta é a definição de apenas um tipo de lacuna, a normativa – ausência de norma sobre determinado caso.

A doutrinadora Maria Helena Diniz (Compêndio de introdução à ciência do direito (437:2001), ensina sobre as outras duas espécies de lacunas:

“ontológica – existe a norma, mas ela sofre de um claro envelhecimento em relação aos valores que permeavam os fatos sociais, políticos e econômicos que a inspiraram no passado, isto é, no momento da sua vigência inicial. Noutro falar, a norma não mais corresponde aos fatos sociais, em virtude de sua incompatibilidade histórica com o desenvolvimento das relações sociais, econômicas e políticas; axiológica – ausência de norma justa, isto é, existe um preceito normativo, mas, se for aplicado, a solução do caso será manifestamente injusta.”

Em suma – e traçando um paralelo com a teoria tridimensional do direito de Miguel Reale –, tem-se que as lacunas ocorrerem quando a norma a ser aplicada estiver ultrapassada por não mais corresponder aos fatos do momento em que entrou em vigência (fato), bem como quando da sua valoração em cotejo com o caso concreto, decorra resultado injusto (valor) ou, por fim, quando de fato não há norma para tratar do caso em apreço (norma).

Quando a demanda cinge-se sobre aplicação de norma estranha à CLT, se faz necessária a perquirição da existência de lacunas, de qualquer espécie, na norma consolidada, sendo curial a transcrição do dispositivo do CPC sobre o qual se debate:

Art. 475-J. “Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.”

Cuida-se de norma que impõe a obrigação de pagar uma condenação líquida, em prazo específico, sendo cominada uma penalidade pelo seu não adimplemento. Tem-se, pois, o somatório de uma obrigação + prazo + penalidade, sendo claro o comando que determina o pagamento do valor líquido em quinze dias, sob pena de multa de 10% do valor original.

Ora, é exatamente o que se verifica no art. 880, da CLT, o qual se transcreve:

Art. 880.  Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora.

Mais uma vez tem-se a conjugação de obrigação + prazo + penalidade, sendo que o comando aqui é no sentido de determinar o pagamento do valor devido, no prazo de 24 horas, sob pena de sofrer penhora.

Desta arte, ante a existência de regra celetista própria, é seguro apontar a ausência de lacuna normativa autorizadora da aplicação de norma prevista no CPC.

Outrossim, não há falar também em lacuna ontológica, posto que os institutos previstos no art. 880, da CLT (pagamento, prazo e penhora) ainda são utilizados hodiernamente.

Todavia, pode haver no processo do trabalho a existência de lacuna axiológica. É que a aplicação da multa de 10% tem o fito de coagir o devedor a cumprir a obrigação contra si imposta, em homenagem à efetividade processual, sendo, pois, injusto negar ao credor trabalhista, o alcance de meios que tornem efetiva a jurisdição que lhe foi prestada através da sentença condenatória.

Neste sentido, é correto falar em existência de lacuna autorizadora de integração da norma consolidada pelo CPC, no caso, a axiológica. Entretanto, se faz impossível a tão só aplicação da referida multa, de forma isolada.

Ora, como já frisado alhures, os preceitos normativos cotejados trazem uma aglutinação de obrigação + prazo + penalidade, sendo que a obrigação de ambos é idêntica, qual seja, o pagamento do valor líquido. Ocorre que tanto o prazo quanto a penalidade se diferem, vez que na norma celetista o prazo é de 48 horas e no CPC o prazo é de 15 dias, bem como na CLT a penalidade é a penhora e no Código de Ritos é a multa.

Com efeito, ao se entender aplicável o art. 475-J, do CPC ao processo do trabalho, a razoabilidade determina que o seja em sua integralidade. Noutro falar, se se entende aplicável a multa de 10%, então que se conceda o prazo de 15 dias para o cumprimento da obrigação. Ou, ao contrário, se se concede apenas 48 horas para o pagamento do valor líquido – como determina a CLT –, então que se aplique à penalidade prevista no mesmo dispositivo para o seu inadimplemento: a penhora.

O que se torna inadmissível é a colcha de retalhos que se tenta criar com a aplicação parcial de cada um dos dispositivos. Noutro dizer, não deve ser admitido que se conceda ao devedor o prazo de 48 horas para cumprir a obrigação, sob pena de aplicação da multa ora citada. Ou se aplica um dispositivo ou outro, mas nunca a aglutinação de ambos, em homenagem à teoria do conglobamento.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001

 

 

Elaborado em fevereiro/2013

 

Como citar o texto:

DELFINO, Ana Júlia de Campos..Aplicação do art. 475-J do CPC no processo do trabalho. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1110. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/2704/aplicacao-art-475-j-cpc-processo-trabalho. Acesso em 9 out. 2013.

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