RESUMO

A crise do direito na pós modernidade, o papel da filosofía como instrumento de reflexão crítica da realidade social e a sua contribuição na busca da superação do quadro de dicotomia existente entre a norma jurídica, sua aplicação e a realidade social pós-moderna, serão tratados neste artigo de modo que se possa perceber que, dissociados do pensamento filosófico crítico, as soluções pensadas para a crise do direito pós moderno não terão a eficácia e a adequação necesarias ao seu pleno exercício diante da realidade que se apresenta, estando a filosofia como indispensável a  abordagem reflexiva do universo jurídico  de modo a promover a adequação dos conceitos jurídicos aplicados às necessidades da sociedade na qual encontra-se inserido.

Palavras Chave:

Direito. Crise. Pós-modernidade. Filosofia Jurídica. Abordagem Reflexiva.

  1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem por finalidade investigar as características do direito na pós-modernidade e seus reflexos na ordem social, tendo em vista que, para os operadores do direito, a evolução nas relações sociais e a velocidade com que se processam essas relações trazem inúmeros desafios para a manutenção da ordem jurídica.

Tecendo considerações sobre o pensamento pós-moderno, este surgiu em reação ao padrão da modernidade que correspondia aos ideais Iluministas, especialmente no que se refere à razão e à ciência. Não foi um movimento simples e estável, planejado ou previsto com antecedência por um estudioso, por uma corrente política ou grupo social.

Este movimento, considerado um movimento filosófico-sócio-cultural que aponta para uma crise do modo de viver do homem moderno em sociedade traz desafios para o sistema jurídico vigente que, amparados pelo pensamento filosófico, podem ser superados de forma a evitar uma crise do direito com reflexos extremamente negativos para a ordem social.

Ao longo dos tópicos a seguir abordados, procura-se esclarecer essas questões e apontar como a filosofia jurídica pode contribuir para solucionar esse cenário de crise que se encontra o direito na pós-modernidade.

  1. FILOSOFIA E PÓS-MODERNIDADE

A pós-modernidade, decorre de diversas formas de expressão em períodos diferentes e em diversas áreas do conhecimento. Na filosofia, por exemplo, podem ser citados os filósofos Friedrich Nietzsche, Jean-François Lyotard, Michel Foucault e o filósofo francês Jacques Derrida, os quais, em diversas obras, adotaram pontos de vista e discursos pós-modernistas, embora não tenham usado este termo diretamente.

O filósofo Jean-François Lyotard, por exemplo, viu a pós-modernidade como um período de crise das principais ideologias que dominaram o mundo desde o Iluminismo indicando a ciência pós-moderna como jogo de linguagem, no qual “a instabilidade, o paradoxo e o dissenso prevalecem sobre as certezas” (SALATIEL, 2008).

Michel Foucault em sua “teoria de poder” aponta para o pós-modernismo ao afirmar que, “da mesma maneira que lidamos com o fim das visões totalizantes de mundo, o poder também se pulveriza em micropoderes” (SALATIEL, 2008).  Segundo Foucault, os focos de resistências locais aos poderes concentram-se nos movimentos ativistas pelos direitos humanos, além de gays, negros, feministas, ecologistas, entre outros, que surgiram no cenário social principalmente a partir da década de 1960, quando começa a se observar traços do pós-modernismo.

Já Nietzsche aponta as problemáticas que seriam trabalhadas pelos pós-modernos, sendo elas o “perspectivismo das interpretações de mundo e a relativização dos valores” (SALATIEL,2008).

A luz dos pensamentos expressados pelos citados filósofos entende-se pós-modernidade como uma postura auto-reflexiva do homem em sociedade, bem como da sociedade em relação ao homem, contestando-se verdades absolutas, mediante sentimentos de descontentamento e ceticismo em relação ao contexto social contemporâneo.

 

 

  1. A CRISE DO DIREITO

Historicamente observa-se que os conceitos de Lei e Direito durante determinado período foram tidos como sinônimos, entendia-se que o direito se concretizava nas leis e códigos, os julgados deveriam refletir exatamente o que estava previsto no ordenamento, não se discutia o contexto dos acontecimentos nem a decisão proferida. O Juiz julgava com grande facilidade, não havia problemas em partir da lei para os fatos sem que houvesse qualquer tipo de discussão ou análise do caso concreto por parte do julgador. A lei era formalmente a garantia de todos.

Não se pode negar o avanço que a lei como garantia de todos trouxe para a sociedade moderna, tendo em vista a história evolutiva do direito e todos os desmandos em nome dele praticados, todas as lutas por um direito mais justo e a grande conquista pós revolução francesa que se refletiu em quase todos os países.

E em meio a tantas conquistas, houve uma evolução da sociedade que, tendo esclarecidos os seus direitos e deveres e sendo protegida das arbitrariedades dos governantes, pôde se desenvolver resguardada pelas leis que em sua formatação moderna conferiu a segurança necessária as relações entre os entes sociais sendo fundamental para o cenário que presenciamos na atualidade.

Mas, em se falando de evolução da sociedade, é aí que se inicia a crise do direito. Considerando que em muitos casos este permanece apegado à legalidade formal afastando-se das práticas sociais cotidianas. O mundo contemporâneo trouxe novos desafios, as relações intersubjetivas estão hoje em um patamar que uma análise direta, imediata, não consegue dar conta das conexões vivenciadas pelos sujeitos. As pessoas tem vínculos reais e virtuais, locais e internacionais, pessoais e comerciais, individuais e em conjunto em um mesmo momento e praticamente de forma simultânea. As formas de regular todas essas relações não acompanhou o ritmo acelerado de mudanças que a sociedade impôs. Bittar, ao tratar desse fenômeno, diz:

O sistema jurídico, como um todo, sofre diretamente os impactos e abalos da pós-modernidade em sua configuração, eis a necessária constatação. Sabendo-se tratar de um sistema que não vive autonomamente com relação aos demais sistemas (social, cultural, político, econômico, científico, ético.), é dizer que o sistema jurídico recebe diretamente o impacto das modificações sofridas nas últimas décadas, que acabaram por produzir profunda desestruturação nos modos tradicionais e modernos de concepção de mundo.(Bittar, 2005,pág 2007).

Fica evidente que o intérprete do direito não pode desconsiderar esse cenário, o juiz, ao julgar o caso concreto não deve utilizar somente métodos hermenêuticos tradicionais, deve buscar novas formas de atuação frente aos desafios propostos pela sociedade em constante mutação. Como aplicador de leis no mundo pós-moderno, a figura do juiz não se resume a um mero executor mecânico de normas, o direito pós-moderno requer que se leve em conta os valores sociais envolvidos não se caracterizando por ser puramente legalista, buscando comunicar-se com as novas fontes do direito que mais do que nunca deve regular as relações sociais e o julgador não pode ignorar o contexto social, político, econômico que constituem o cenário social vigente, sob pena de não produzir eficácia, dos seus julgados se tornarem obsoletos antes mesmo de serem postos em prática.

  1. A Filosofia Jurídica compreendendo o contexto e esclarecendo os caminhos

O pensamento filosófico, proporcionando uma abordagem reflexiva do universo jurídico que se apresenta, não só em tempos pós modernos tendo em vista que permite a análise da  evolução dos institutos jurídicos disponíveis,  estimula o pensamento dos operadores do Direito  promovendo uma crítica aos conceitos jurídicos aplicados e sua adequação as necessidades da sociedade a qual se refere no momento.

A Filosofia aliada à reflexão é um conceito compartilhado por Nader (2005, p. 09) quando afirma que “Modernamente a Filosofia se identifica como método de reflexão pelo qual o homem se empenha em interpretar a universalidade das coisas”. O que não pode ser ignorado no universo jurídico, tendo em vista que, a interpretação dos pressupostos sociais que requerem a aplicação dos institutos jurídicos disponíveis carecem, em uma velocidade cada vez maior, de interpretação crítica que aponte as soluções mais adequadas a realidade social que busca solução para suas contendas.

Essa necessidade de pensamento critico reflexivo repousa num dos principais papeis da Filosofia Jurídica, que é estimular a capacidade reflexiva do profissional do Direito oferecendo-lhe fundamentos para pensar criticamente o Direito e, de posse dessas informações, estruturar o raciocínio jurídico de modo a tratar as decisões judiciais não em um mundo de faz de conta, mas aplicada a uma realidade social na qual seja eficaz e efetivamente cumprida em todos os seus aspectos jurídicos, sociais e pessoais.

Inserido nesse movimento de renovação, teremos o direito como realidade viva que mantém um diálogo constante com a realidade jurídica vivenciada pela sociedade e podendo finalmente realizar as suas função pacificadora, de garantia da liberdade, de integração e de legitimação do poder.

  1. CONCLUSÃO

A crise do direito na pós modernidade é uma realidade que não pode ser ignorada, devendo estar no foco das discussões em busca da melhor solução para a ampliação dos instrumentos jurídicos de modo a garantir uma melhor proteção dos seres humanos nas suas relações cotidianas.

A nova postura dos aplicadores do direito no mundo pós-moderno exige que se faça uma interação entre leis, códigos, jurisprudência interna e tratados internacionais numa busca de valores e adequação à realidade social sob pena de perda da eficácia do direito e enfraquecimento do Estado que necessita, portanto, de respostas eficazes e legítimas que acompanhem as demandas e os anseios da sociedade superando a aplicação de um direito disfuncional e ineficaz, que se apresenta na aparência de certo, seguro e competente.

A filosofia jurídica desponta nesse cenário como indispensável ao desenvolvimento de um pensamento crítico-reflexivo, trazendo aos aplicadores do direito o discernimento para que se utilize, de forma sábia e sensata, dos instrumentos jurídicos disponíveis para manter a ordem social em sua grandeza de relações, alicerçando as decisões judiciais de forma a manter o direito forte e soberano que historicamente sempre foi a base para que a sociedade possa continuar seu desenvolvimento sem que se instale o caos.

REFERÊNCIAS

BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. São Paulo: Forense Universitária, 2005.

NADER, Paulo. Filosofia do direito. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

SALATIEL, José Renato. Filosofia pós-moderna - Jean-François Lyotard: O fim das metanarrativas. 2008. Disponível em < http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/ filosofia-pos-moderna ---jean-francois-lyotard-o-fim-das-metanarrativas.htm > . Acesso em: 15 jun. 2013.

______. Filosofia pós-moderna - Michel Foucault: A genealogia dos micropoderes. 2008. Disponível em < http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofia-pos-moderna---michel-foucault-a-genealogia-dos-micropoderes.htm >.  Acesso em: 15 jun. 2013.

______. Filosofia pós-moderna - Nietzsche: A relativização dos valores. 2008. Disponível em < http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofia-pos-moderna---nietzsche-a-relativizacao-dos-valores.htm>.  Acesso em: 15 jun. 2013.

Data da conclusão/última revisão: 23/05/2017

 

Como citar o texto:

ARAÚJO, Sarah Camelo Brandão de Barros.A Crise do Direito na Pós-Modernidade e o Papel da Filosofia Jurídica na Busca de Soluções. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 27, nº 1442. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/etica-e-filosofia/3653/a-crise-direito-pos-modernidade-papel-filosofia-juridica-busca-solucoes. Acesso em 29 mai. 2017.

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