RESUMO

A pesquisa propõe o estudo da Lei n. 11.788/08, conhecida como Lei do Estagiário, visando demonstrar a existência de fraude na sua destinação. São tratadas as principais diferenças entre a Lei do Estágio em face do regime de trabalho celetista, com o escopo de evidenciar o interesse de empregadores na redução de gastos decorrentes da relação celetista de emprego, e consequentemente no aumento da produtividade, por meio da utilização fraudulenta do estágio, e a precarização das relações laborais.

Palavra-chave: Fraude; Interesse de empregadores; Lei do Estágio; Precarização das relações laborais.

ABSTRACT

The current research proposes the 11.788 / 08 Law study, known as the Trainee Law, willing to demonstrate the existence of fraud on its destination. The main differences between the Internships Law and the CLT work regime are discussed, with the objective of showing the employers interest in the expense reduction from the employment relationship and, consequently, the increasement of productivity through fraudulent use of internship, and the precariousness of labor relations.

Keyword: Fraud; Interest of employers; Law the Internships; Precariousness of labor relations.

Sumário: 1 Introdução. 2 Conceito. 3 Vínculo de estágio e o contrato de trabalho celetista. 4 Mão de obra de baixo custo e a precarização das leis trabalhistas. Conclusão. Referências

 

INTRODUÇÃO

O presente artigo científico pretende apresentar como a Lei 11.788, de 25 de setembro de 2008, que implantou novas regras sobre o estágio, trata do interesse dos empregadores em contratar estagiários visando à redução de gastos decorrentes da relação celetista de emprego, e o aumento da produtividade por meio de uma utilização fraudulenta do estágio. Tais intenções resultam na precarização das relações laborais.

A nova legislação é parte de um esforço da sociedade para reconhecer o estagiário como sujeito de um contrato de atividade e como destinatário de uma proteção social mínima.

Esta Lei conceitua o estágio como sendo um ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos para o mercado laboral de cada profissão.

O elemento diferenciador entre uma relação de estágio e uma relação de emprego é tão somente o objetivo de ensinamento e preparação para a vida profissional que a primeira possui, já que ela preenche todos os requisitos de uma relação de emprego, sejam estes: onerosidade, subordinação, não eventualidade, pessoa física, etc.

Nesse contexto, o estágio se apresenta como facilitador, principalmente para o jovem que pretende desenvolver suas técnicas e conhecer o mercado de trabalho. Os cursos oferecidos, embora possuam grades curriculares que visam o conhecimento da área, não proporcionam total noção prática da profissão escolhida.

É importante ressaltar que, o não cumprimento da lei de estágio produz consequências de naturezas diversas, podendo gerar tanto prejuízos leves como graves. Exemplo de prejuízo grave, foco desta pesquisa, seria quando a relação de trabalho extrapola os limites de um estágio educativo e se torna na prática, uma relação de emprego, porém sem reconhecimento do vínculo empregatício com todos os reflexos trabalhistas que são cabíveis.

O objetivo geral da pesquisa é verificar as principais lacunas existentes na Lei do estágio, que possibilitam a sua fraude, bem como o desafio em resolver essa problemática.

Os objetivos específicos da pesquisa buscam verificar as diferenças entre o contrato trabalhista celetista e o contrato de estágio na modalidade não obrigatória, buscando comparar as diferentes modalidades de estágio, com foco na facilitação de empresas contratarem estagiários na modalidade não obrigatória.

O método utilizado nesta pesquisa foi à análise da doutrina nacional, da legislação brasileira, e da jurisprudência, com enfoque nas caraterísticas da relação de emprego, buscando uma compreensão da norma frente às contínuas modificações das leis trabalhistas.

A primeira seção abordará o conceito de estágio e sua evolução histórica, sendo que a segunda seção tratará sobre o vinculo de estágio e o contrato de trabalho celetista. A terceira e última seção definirá em que circunstância ocorre à fraude a lei do estágio e fará uma breve comparação desmontando que o estagiário é uma mão de obra de baixo custo e implica no favorecimento de contratações massivas, por parte de empresas e entidades, com a finalidade de se desviar dos encargos trabalhistas.

 

2. CONCEITO

O termo estágio foi conceituado primeiramente no artigo 2º do Decreto nº 87.497, de 18 de fevereiro de 1982:

Art. 2º. Considera-se estágio curricular, para os efeitos deste Decreto, as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sendo realizada na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob a responsabilidade e coordenação da instituição de ensino.

Esse conceito foi alterado pela Lei 11.788 de 2008, que assim define em seu artigo 1º:

Art. 1º. Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

É possível perceber, portanto, que o estágio surgiu como um negócio jurídico celebrado entre o estagiário e a concedente, sob a supervisão da instituição de ensino, mediante subordinação ao primeiro, visando sua educação profissional. De acordo com seu conceito, é considerado como sendo ato educativo escolar. É uma forma de integração entre o que a pessoa aprende em sua formação e o que ela aplica na prática.

A primeira menção com uma situação semelhante ao estágio presente na legislação brasileira foi no artigo 4º do Decreto nº 20.294 de 12/08/1931, esta norma estabelecia as bases de organização e de regime do ensino industrial (de grau secundário). Segundo o seu artigo 47, o estágio consistia em um período de trabalho realizado pelo aluno, sob o controle da competente autoridade docente, em estabelecimento industrial.

A direção do estabelecimento de ensino se articularia com as indústrias cujo ramo de atuação se relacionasse com seus cursos, a fim de assegurar aos alunos a possibilidade de realizar estágios, obrigatórios ou não.

Em seu artigo 2º, a Lei de estágio prevê que as modalidades deste, são duas, sendo classificadas quanto à exigibilidade, quais sejam: estágio obrigatório e estágio não obrigatório. A diferença entre os dois está intimamente ligada com o projeto pedagógico de cada curso.

Importante registrar que a realização do estágio não caracteriza a formação de vínculo trabalhista entre o estudante e o ente concedente, desde, é claro, que cumpridas todas as disposições contidas na Lei nº 11.788/2008, o que apenas reforça a necessidade imperiosa de que as instituições conheçam e, de fato, cumpram tal dispositivo, como claramente mencionado em seu artigo 3º.

O estágio obrigatório é o aparece definido no projeto pedagógico do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção do diploma (§ 1º do art. 2º da Lei nº 11.788/2008). Há uma carga horária mínima a ser cumprida, bem como necessidade de prestação de esclarecimento por meio de relatórios à instituição de ensino. Pode ser realizado na própria instituição, a exemplo dos escritórios modelos de advocacia instalados nos campi das faculdades de direito, como também pode ser realizado em instituições parceiras da instituição de ensino.

Por sua vez, o estágio não obrigatório é o estágio desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular, e parte do projeto pedagógico do curso (§ 2º do artigo 2º da Lei nº 11.788/2008). Deverá ter consonância com o referido projeto, sob pena de desvio de finalidade do estágio. Como mencionado, é acrescido à carga horária do curso e, a depender do projeto pedagógico de cada instituição, poderá servir para fins de dispensa de disciplinas.

Quanto à idade mínima para ser estagiário, a lei nº 11.788/2008, nada dispõe sobre o assunto. Já nos casos de contrato de aprendizagem previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o artigo 403 dessa Lei exige a condição de trabalho com idade entre 14 e 24 anos, na modalidade de aprendizagem, sendo a ele assegurado o salário mínimo por hora, vedada a contratação ou manutenção do contrato por prazo superior a 02 anos; e com jornada diária máxima de 06 horas, sem possibilidade de prorrogação ou compensação de jornada, salvo se observado à disposição do parágrafo primeiro do artigo 432 da CLT, que diz:

Art. 432. A duração do trabalho do aprendiz não excederá de seis horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000)

§ 1º O limite previsto neste artigo poderá ser de até oito horas diárias para os aprendizes que já tiverem completado o ensino fundamental, se nelas forem computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000)

Conforme o artigo 10 da Lei do Estágio, a jornada de atividade em estágio será definida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o aluno estagiário ou seu representante legal, devendo constar do termo de compromisso ser compatível com as atividades escolares e não ultrapassar: (a) quatro horas diárias e 20 horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos; (b) seis horas diárias e 30 horas semanais, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular. 

O estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, podem ter jornadas de até 40 horas semanais, desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino (§1º do artigo 10 da Lei do Estágio). 

Se a instituição de ensino adotar verificações de aprendizagem periódicas ou finais, nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será reduzida pelo menos à metade, segundo estipulado no termo de compromisso, para garantir o bom desempenho do estudante (§2º do artigo 10 da Lei do Estágio). 

No contrato de aprendizado previsto na CLT, o seu artigo 429 dispõe que as empresas estão obrigadas a contratar aprendizes em proporção equivalente a cinco por cento dos seus empregados técnicos (trabalhadores cuja função demande formação profissional), matriculando-os em cursos regulamentados de formação profissional.

Já no que tange a Lei do Estagiário, o artigo 17 dessa Lei discrimina o número de contratações que podem ser realizados pelas entidades concedentes de estágio, de forma que o número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal das entidades concedentes de estágio deverá atender às seguintes proporções: (a) de um a cinco empregados: um estagiário; (b) de seis a dez empregados: até dois estagiários; (c) de 11 a 25 empregados: cinco estagiários; (d) acima de 25 empregados: até 20% de estagiários. 

Visto isso, percebe-se que tanto na modalidade de estágio não obrigatório, como nos contratos de aprendizagens previstos na CLT, existe um número máximo de contratação para essas modalidades. No entanto, como toda regra no direito existe uma exceção, não poderia ser diferente no caso do §4º, do artigo 17 da Lei do Estágio, que será abordado nos demais tópicos. Ademais, passaremos a discorrer sobre o vínculo de estágio e suas peculiaridades com a relação de trabalho celetista.

 

3. VÍNCULO DE ESTÁGIO E O CONTRATO DE TRABALHO CELETISTA

O contrato de estágio, também denominado termo de estágio, é firmado de modo temporário, haja vista que a lei fixa a duração máxima de dois anos, excetuando-se o portador de deficiência, que poderá exceder este limite, pois há permissivo no artigo 11 da lei que rege o estágio. Sendo um contrato temporário, obrigatória é a formalização de contrato por escrito, conforme as normas de direito do trabalho (BRASIL, 2008).

Essa formalização ocorre por meio da celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino, conforme menciona o inciso II, do artigo 3º dessa Lei.

Também exige a matrícula e frequência regular do educando em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino. Além da compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso (Art. 3º, inciso I e II, da Lei do Estágio).

Ainda sobre o tema, são de responsabilidade da parte concedente as seguintes obrigações previstas no artigo 9º, que são: (a) celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu cumprimento; (b) ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural; (c) indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente; (d) contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso; (e) por ocasião do desligamento do estagiário, entregar termo de realização do estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho; (f) manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio; (g) enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de seis meses, relatório de atividades, com vista obrigatória ao estagiário. 

Além disso, o estagiário pode ser contemplado com os benefícios auferidos pelos empregados da empresa, tais como, alimentação, vale-transporte e até seguro-saúde. Essa condição não reverbera em vínculo de emprego.

A observância desses requisitos constitui vínculo de estágio, é de suma importância que o estágio realmente faça com que o estagiário complemente sua aprendizagem para que não exista uma descaracterização do principal objetivo do contrato de estágio. A experiência profissional deve agir em conjunto ao ensino e a aprendizagem, onde um completa o outro, caso contrário não haverá estágio.

A relação de estágio não exige a anotação na carteira de trabalho. O vínculo, os direitos e os deveres das partes são documentados em um termo de compromisso.

Qualquer inobservância aos requisitos formais elencados na Lei do Estágio constitui a sua descaracterização. Por consequência disso, o estagiário passa a possuir direitos inerentes a legislação trabalhista.

A manutenção de estagiários em desconformidade com esta Lei caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária (Art. 15, da Lei n° 11.788/2008).

Por sua vez, a Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu artigo Art. 3º, considera empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual ao empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Para Delgado (2015, p. 377), “empregado é toda pessoa natural que contrate, tácita ou expressamente, a prestação de seus serviços a um tomador, a este efetuados com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação”. Já para MARTINS (2015, p. 17), “a subordinação é o estado de sujeição em que se coloca o empregado em relação ao empregador, aguardando ou executando ordens. A subordinação não pode ser considerada um status do empregado”.

Tendo em vista que o estágio não obrigatório visa à preparação para o trabalho produtivo dos educandos, e essa preparação ocorre por meio da prática de atividades inerentes aos funcionários do quadro de pessoal da empresa concedente, supervisionada por este, com foco na formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário. Percebe-se, que as atividades praticadas pelos estagiários, coincidem com as características conceituadas por Delgado e Martins. Portanto, o estágio, embora não crie vínculo empregatício, regra geral, possui modalidade jurídica que enquadra-se perfeitamente no conceito amplo de trabalho.

Partindo dessas similaridades, aborda-se, a seguir, sobre a incidência de fraude a Lei do Estágio e a consequente precarização das leis trabalhistas.

 

4. MÃO DE OBRA DE BAIXO CUSTO E A PRECARIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS

Ao longo do tempo, pelo crescente número de empresas, a pressão cada vez maior por resultados, os altos encargos trabalhistas e a escassez de fiscalização contribuíram para fortalecer a ideia de “desvirtuar” e, assim obter vantagens trabalhistas e financeiras. Logo, adere-se a ideia de que a contratação de um estagiário é bem mais compensatória financeiramente do que a de um trabalhador com contrato integral.

Existem diferenças entre um empregado e um estagiário. O empregado é regido pela CLT, deve cumprir uma jornada de trabalho, recebe salário, tem direito a férias com adicional de 1/3, aviso prévio, 13º salário, FGTS, multa de 40% sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) no caso de dispensa sem justa causa, seguro desemprego dentre outros direitos.

Já o estagiário é regido por legislação própria, através da Lei nº 11.788/2008. O estagiário, diferentemente do empregado, recebe como contraprestação uma bolsa auxílio e sua jornada de atividade pode ser até 06 horas diárias, observando as condições legais. A concessão de auxílio transporte e de auxílio alimentação trata-se de uma faculdade por parte contratante, não de uma obrigatoriedade.

Além disso, o estagiário não faz jus às férias, mas sim a um recesso de 30 dias a cada 12 meses, bem como, também não lhe é devido aviso prévio, 1/3 de férias, FGTS dentre outras verbas trabalhistas.

Um dos principais fatores que corroboram para contratação de estagiários com a finalidade de burlar a CLT, está no §4º, do artigo 17 da Lei do estagiário, que facilita um número maior de contratação de estagiários de nível superior e de nível médio profissional. Esse previsão legal permite uma flexibilização das leis trabalhistas, no sentido de dar opções de mão de obra de custos mais baixos e sem encargos sociais para os empregadores.

Para melhor compreender a amplitude dessa norma, voltaremos a citar o inciso III, do artigo 9º, da Lei do estágio, que diz que um único funcionário do quadro profissional pessoal da empresa concedente de estágio, pode orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente. Ou seja, uma empresa com poucos funcionários pode ter dezenas de estagiários.

Em busca superficial na internet é possível achar jurisprudências do TRT, em casos de fraude a Lei do estágio. Tomo a liberdade de citar a decisão do TRT 16ª Região, que julgou um caso no seguinte sentido:

FRAUDE NA CONTRATAÇÃO DE ESTAGIÁRIO – RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O art. 4º da Lei nº 6.494/77 assegura que a contratação de estagiário não cria vínculo empregatício. Entretanto, para que seja afastado o reconhecimento da existência de contrato de trabalho é necessário que sejam observados os requisitos na citada lei para a contratação de estagiário, como, por exemplo, a compatibilidade do horário de horário de trabalho com as atividades escolares e o acompanhamento de instrutores. Assim, se a empresa se vale da contratação de estagiários para adquirir mão-de-obra barata, sem a observância dos requisitos legais, é possível o conhecimento do vínculo empregatício, desde que cumprido os requisitos do art. 3º da CLT. Recurso Ordinário conhecido e parcialmente provido.

(TRT-16 1617200700416005MA 1617-2007-004-16-00-5, Relator: AMÉRICO BEDÊ FREIRE, Data de julgamento: 23/03/2010, Data de Publicação: 16/04/2010)

Outro caso que ganhou notoriedade foi à condenação do Estado da Bahia, ao pagamento de danos morais coletivos no montante de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). Na ocasião, o Estado havia realizado a contratação irregular de 6.480 estagiários. Segue abaixo trechos da decisão:

RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007 – DANO MORAL COLETIVO – CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO RESPECTIVO VALOR. I - Ressai incontroversa a caracterização do dano moral coletivo praticado pelo embargante, não só em razão da sólida fundamentação do acórdão do Regional, reproduzido no acórdão embargado, mas particularmente pela preclusão que se abatera sobre a questão, por ela não ter sido objeto do recurso de embargos, visto que o seu conhecimento devera-se unicamente à divergência em torno do valor da indenização (...)V - Ocorre que, no caso de dano moral coletivo, o critério a ser observado no arbitramento da indenização não é o prejuízo experimentado individualmente por cada estagiário e sim a lesão causada à universalidade dos trabalhadores, afastada, ainda, a possibilidade de se utilizar como parâmetro o valor do salário mínimo, por força do teor cogente da norma do inciso IV do artigo 7º da Constituição, ao vedar sua vinculação para qualquer fim. (...) VIII - Some-se a isso o caráter marginal do proveito obtido pelo Estado da Bahia com o desvio do estágio, à conta do propósito socialmente relevante que o levara a tanto, consistente na viabilização de milhares de matrículas de alunos da rede pública de ensino, aspecto que ameniza sobremaneira, a um só tempo, o grau de culpabilidade e o de reprovabilidade dessa conduta, notadamente pela inexistência de prova de sua reincidência, havendo, ao contrário, elementos probatórios eloquentes do seu insulamento. IX - Diante de tais singularidades factuais e mais a finalidade punitiva e dissuasória de eventual reiteração da conduta ilícita do embargante, entende este magistrado, por injunção inclusive do princípio da equidade, ser razoável e proporcional à lesão moral sofrida pelo contingente de estagiários arbitrar em R$ 150.000,00 o valor da indenização pelo dano moral coletivo. (...) X – Recurso de embargos conhecido e parcialmente provido.

(Tribunal Superior do Trabalho. Subseção Especializada em Dissídios Individuais - Acórdão do processo Nº E-ED-RR - 94500-35.2004.5.05.0008)

Contratar um estagiário é uma tarefa simples e pode ser realizada tanto pela própria empresa, como por um agente de integração. Este por sua vez, viabiliza toda a burocracia para a empresa, e por meio de um site a empresa pode escolher o currículo que deseja e recrutar o futuro estagiário para uma entrevista.

Esses contratos elaborados sob a falsa condição de estagiário, que de fato pode se verificar os elementos ensejadores do contrato de trabalho previstos nos artigos  e  da CLT, serão nulos de pleno direito para que o vínculo empregatício seja estabelecido imperiosamente e a moralidade ética educacional seja prevalecida com a continuidade do processo de ensino para uma formação técnica mais qualificada e que expressa à realidade.

Com todo o exposto, é importante ressaltar que o contrato de um estagiário exige a participação da empresa, da instituição de ensino onde o estagiário frequenta, do próprio estagiário e, se o estagiário for menor de idade, o responsável do estagiário.

A existência de fraude no contrato de estágio se da também pela negligência por parte da Instituição de Ensino, onde, se preocupando em atender somente os requisitos formais do Estágio, como o Termo de Compromisso, não cumprem aqueles requisitos que dizem respeito ao acompanhamento pedagógico, por exemplo.

Se houver conivência da instituição de ensino, no sentido de desviar a real condição do estágio, esta se tornará uma verdadeira e ilícita intermediadora de mão-de-obra, pois contribuiu para que a fraude a legislação protetora fosse perpetrada com sua omissão e falta de fiscalização.

Não há dúvida que o estágio constitui-se um importante instrumento de preparação prática do estudante para as agruras do mercado de trabalho. Entretanto, não pode ser usado, como vem ocorrendo, para mascarar relações de emprego com mão de obra barata, com diminuição de custos para as empresas que se valem dessa fraude.

 

CONCLUSÃO

É de grande notoriedade o avanço trazido pela nova legislação de estágio no Brasil. Percebe-se, que ao longo das décadas foram concedidos cada vez mais direitos à categoria dos estagiários e mantida a finalidade de aprendizagem inerente ao estágio.

A Lei nº 11.788/08 serviu de instrumento bastante útil, pois, constata-se que o referido diploma legal veio realmente para beneficiar os estagiários, assegurando-lhes mais direitos e trazendo um maior rigor em relação a certos requisitos para a configuração e validade do estágio.

A realização de estágio deve ser incentivada como precioso instrumento de aperfeiçoamento prático didático-pedagógico com o intuito de, no futuro, proporcionar ao estudante uma expectativa do que o aguarda no mercado de trabalho.

Porém, nessa atual conjuntura social, em plena vigência de uma evolução intelectual devido à farta facilidade de acesso aos estudos e aos programas de aprendizagem, somado ao excesso de contingente, trabalhadores e estagiários, com falta de qualificação e elevados encargos sociais sofridos pelos empregadores, que estes se aproveitam do desvio de finalidade, para aumentar seus lucros e assim gerar o enriquecimento ilícito.

O estágio não pode servir de meio para encobrir reais relações de emprego com redução de custos dos empresários em detrimento dos legítimos direitos do estudante trabalhador, sem falar no prejuízo a toda uma classe de trabalhadores que fica impossibilitada de participar do mercado de trabalho.

Apesar pesar das inúmeras fraudes nas contratações e desvirtuamentos da natureza do vínculo de estágio, a nova regulamentação cuidou para tornar à prática de estágio mais rígida, a fim de evitar este tipo de conduta.

O legislador cumpriu o papel e redigiu um texto preciso, que de certa maneira atendeu à expectativa da sociedade naquele momento. Porém, ainda temos grandes deficiências quando assunto é fiscalização.

Entre as principais, destaca-se a falta de fixação de um valor mínimo para a bolsa de estágio, pois, até então o valor da bolsa fica a critério da parte concedente. Muitas vezes pelo baixo valor oferecido nos estágios, o estudante, que necessita de uma fonte de sustento, opta por se inserir precocemente no mercado de trabalho, realizando atribuições inferiores à sua capacidade intelectual, unicamente pelo salário, pendendo a oportunidade de desenvolver suas aptidões profissionais em um estágio que condiz com sua área de estudo.

Por todo o exposto, é evidente que o interesse dos empregadores na redução de gastos decorrentes da relação celetista de emprego gera a utilização fraudulenta do estágio, e a precarização das relações laborais. É importante, para que essa situação seja revertida, uma maior fiscalização da legislação específica como já fora citado, e também intervenção, obviamente dos órgãos competentes e intermediadores de estágio, que podem ser os Centro Integrados de Estágios e/ou as próprias instituições de ensino.

 

REFERÊNCIAS

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DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14 ed. São Paulo: LTr, 2015.

LODI, Instituto Euvaldo. Lei de Estágio: tudo o que você precisa. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. Disponível em:< http://www.ms.iel.org.br/public/carreirasservicos/cartilha_lei_do_estagio.pdf> Acesso em: 25 mar 2019.

MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 19 ed. São Paulo: Altas, 2015.

Data da conclusão/última revisão: 2/5/2019

 

Como citar o texto:

FERREIRA, Rodrigo Lima; FORMIGA, Armando Soares de Castro..Estágio remunerado como mão de obra com menos encargos: uma fraude?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1619. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/4431/estagio-remunerado-como-mao-obra-com-menos-encargos-fraude. Acesso em 8 mai. 2019.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.