O Direito Internacional ganha destaque, em função de seus reflexos práticos no cotidiano sobretudo dos Estados e dos indivíduos. Entender o fenômeno internacional e sua regulamentação jurídica é necessário para a compreensão de um mundo em que globalização, cooperação e interesses nacionais tornaram-se conceitos que exigem uma análise conjunta, com o devido equilíbrio dos elementos de cada um deles. Se o grande desafio do Direito Internacional no século XX foi a extraordinária ampliação de seu âmbito de atuação, a tarefa, não menos ingente, para o século XXI, será a busca dos correspondentes mecanismos que garantirão sua efetiva implementação no cenário global. A expansão do leque de questões reconhecidas como intrínsecas e inevitavelmente internacionais não é acompanhada do desenvolvimento correspondente das ferramentas que permitem assegurar a implementação das medidas e efetividade normativa – ainda que já existam mecanismos que confiram segurança e designem padrões a serem observados nas relações internacionais, seja no âmbito social ou econômico-comercial, como ressaltado anteriormente.             Simultaneamente, ocorre mudança de eixo de conflito, à medida que, do mundo da Guerra Fria, se passa ao mundo dividido pelo conflito de civilizações.

            A compreensão do papel e do alcance do Direito Internacional somente se consolidará, de fato, quando existir consciência da absoluta inadequação dos sistemas nacionais entre si, já que muitas vezes são colidentes – quando não antagônicos – para atender às necessidades do tempo presente. A partir de então, todo provincianismo cultural está sendo superado pela marcha da História, forçando os indivíduos a pensar em termos internacionais tendo em vista a impossibilidade dos direitos estritamente nacionais satisfazerem as necessidades internacionais.

            O direito internacional atual está a evoluir no sentido de uma sociedade global preocupada com os direitos humanos e esta evolução ergue limites à soberania das justiças nacionais dos estados. As construções jurídicas em torno dos crimes de guerra, de genocídio e contra a humanidade mostram que a concepção da soberania está em evolução.

DIREITO COMUNITÁRIO

          O Direito Comunitário é um desdobramento do Direito Internacional, mas que, ao contrário deste, não é de Direito Público, pois possui um caráter supranacional, tendo natureza Público-Privada. Na América do Sul temos como exemplo o Direito no âmbito do Mercosul. Outros autores preferem colocar a legislação do Mercosul como "Direito de Integração" e nesse posicionamento o direito da União Europeia seria o "direito de integração em nível comunitário" ou direito comunitário propriamente dito.

          O Direito Comunitário no âmbito europeu surge do entendimento da União Europeia como Comunidade Jurídica e apresenta dois níveis normativos: regras primárias (ou Direito Comunitário originário) e regras secundárias (ou Direito Comunitário derivado). Sua maior contribuição e inovação é a supressão da internalização clássica do Direito Internacional Público, na qual as decisões dos Tratados Internacionais devem passar pelo processo de Ratificação, em um processo demorado e que eventualmente nem sequer é realizado, tornando-o ineficaz em determinados estados. No Direito Comunitário os estados membros abrem mão de parte da sua soberania e passam a aceitar a decisão dos tratados automaticamente, através da primazia do ordenamento supranacional sobre o nacional. Isso acontece, por exemplo, nas decisões tomadas no Parlamento Europeu.

          O Direito Comunitário originário identifica-se com as chamadas regras primárias e que são aquelas que derivam dos Tratados constitutivos das Comunidades e restantes instrumentos relativos ao alargamento e aprofundamento das Comunidades. A sua relevância interna encontra-se prevista e regulada no art.º 8º, nº 2 da CRP e que determina a vigência do sistema da recepção automática para as diversas disposições de natureza social previstas pelos Tratados.

          O Direito Comunitário derivado ou secundário é composto por um conjunto de normas emitidas pelos órgãos comunitários competentes e que relevam internamente nos termos do nº 3 do art.º 8º da CRP situando-se abaixo da constituição e acima da lei ordinária, entendimento que não é pacífico nem comum a toda a Doutrina. No que respeita à hierarquia das fontes comunitárias os regulamentos têm posição superior, pelo que revogam, no todo ou em parte, a legislação interna que se lhes oponha, ainda que lhes seja posterior.

            O direito comunitário é composto pelo o conjunto de normas jurídicas que regulam e disciplinam a organização e o funcionamento das Comunidades Europeias e da União Europeia.

            Desenvolvendo e concretizando um pouco mais o conceito, teremos que integram o direito comunitário:

            a) As regras jurídicas que regem e disciplinam as relações entre a União Europeia e as Comunidades Europeias, por um lado, e os respectivos Estados membros, por outro;

            b) As regras jurídicas que regem e disciplinam em variados domínios as relações entre cidadãos, empresas, Estados membros, União Europeia e Comunidades Europeias (com particular incidência para as normas jurídicas que corporizam as políticas comunitárias);            c) As regras jurídicas que conformam, nos mais variados aspectos, a existência das instituições da União Europeia e das Comunidades Europeias (forma de composição, competências, modo de funcionamento, relacionamento interinstitucional, etc.);            d) As normas jurídicas que fixam a forma de recurso e tramitação ante as instâncias jurisdicionais da União Europeia e das Comunidades Europeias.

            Este vasto conjunto de normas jurídicas — todas elas normas de direito comunitário — reparte-se entre aquelas cuja origem radica em acordos intergovernamentais estabelecidos entre os Estados membros (as normas que constam dos Tratados comunitários, o chamado direito comunitário originário) e os atos normativos que são produzidos pelas instituições comunitárias, que para tanto foram habilitadas pelos Tratados (o chamado direito comunitário derivado).

            No plano metodológico, e como forma de facilitar o respectivo estudo, o núcleo essencial deste vasto universo jurídico pode ser decomposto em dois grandes grupos normativos que, apesar de não englobarem todas as normas de direito comunitário e de deixarem de fora domínios que tendem a reforçar a sua importância, dão origem ao direito comunitário institucional e ao direito comunitário econômico.

            O Direito Comunitário não se confunde com o Direito da Integração. Embora afins em alguns aspectos, não são disciplinas idênticas, não são sinônimos, versam sobre objetos diversos, tratam de conceitos próprios e abordam normas distintas. O Direito Comunitário pode até ser considerado uma forma de Direito de Integração aperfeiçoado, evoluído.

            O Direito da Integração tem como objeto principal a integração de natureza eminentemente comercial e econômica, visando ao incentivo do comércio internacional de uma região, é um desdobramento do Direito Internacional Clássico.

            Direito Comunitário é, assim, o conjunto de regras adotado por comunidades integradas para regular as relações multilaterais entre os Estados Membros, particulares e instituições criadas pelo sistema.

            Deve-se esclarecer que a expressão fonte vem do latim fons, fontis, nascente, significando tudo aquilo que origina, que produz algo. Assim, a expressão fontes do Direito indica, desde logo, as formas pelas quais o Direito se manifesta.

            As fontes do Direito Comunitário englobam não apenas sua tipologia formal, mas também a jurisprudência que presta importante contribuição na delimitação de princípios e regras comunitários. Dentre a tipologia normativa formal, a doutrina estabelece distinção de duas categorias hierárquicas: direito comunitário originário e direito comunitário derivado. Os tratados, anexos e atos que os alteram integram a primeira categoria. Os demais atos adotados pelas instituições comunitárias compõem a segunda categoria. O direito comunitário derivado é divido ainda em atos unilaterais e convencionais.

            Enquanto as fontes primárias criam as organizações comunitárias e visam delimitar sua atuação para a consecução de seus fins e objetivos (a integração entre os Estados-membros), as fontes secundárias são criadas pelos órgãos e instituições criados pelas fontes primárias (daí seu caráter derivado) para ordenar sua atuação.

            No âmbito do Mercosul, as fontes também podem ser originárias e derivadas. As fontes primárias ou de direito originário também se originam dos tratados assinados pelos países formadores do bloco, quando criam ou modificam sua estrutura jurídica e as secundárias ou derivadas são as constituídas por normas provenientes dos órgãos da “comunidade”. Insta salientar que, como o Mercosul ainda não se encontra em uma fase de integração econômica muito avançada (não passando de uma “união aduaneira” incompleta). Portanto, estas fontes não terão na seara do direito interno dos países-membros do Mercosul a mesma força que têm no direito comunitário europeu.

            Como direito derivado pode-se mencionar as diretivas, que são orientações políticas gerais que emanam da cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul, os regulamentos, que são normas de alcance geral e que implicam no exercício dos poderes legislativos comunitários, diretamente aplicável sem necessidade de exequatur. As decisões previstas no direito comunitário europeu não existem no Mercosul. As resoluções são as tomadas pelo Grupo Mercado Comum e por consenso com quórum unânime. As recomendações podem ser atos emanados do GMC ou dos subgrupos de trabalho ou de reuniões especializadas ad hoc. As atas que seriam documentos que refletem as reuniões de todos os órgãos de governo do Mercosul, com suas conclusões e podem chegar a conter normas jurídicas ou recomendações. E, finalmente, a jurisprudência, que não é integrada e consolidada, pois é formada pelo tribunal arbitral ad hoc previsto no protocolo de Brasília. Os acordos setoriais de complementação firmados por empresários de distintos setores comerciais e industriais ou de serviços ou pelas câmaras que os auxiliam e o direito consuetudinário, que não tem previsão no Mercosul.

            Distingue-se dessa forma a comunidade internacional clássica - na qual se enquadra o Mercosul - do modelo comunitário adotado pela União Europeia. Na comunidade internacional clássica, formada por estados soberanos, inexistem normas comunitárias e supranacionalidade. Predomina uma relação horizontal de soberanias e um sistema de cooperação entre os Estados.

            No modelo comunitário, a relação se assenta em bases verticais, no qual os Estados partilham sua soberania que assegura o processo de integração, a ordem jurídica comunitária e o poder supranacional. O direito comunitário nasce desce modelo, vinculando os Estados-Partes, as pessoas físicas e jurídicas no âmbito de cada Estado.

            A União Europeia inovou o cenário jurídico internacional ao abandonar o arcaico conceito de soberania. Instituiu o direito comunitário decorrente de uma soberania partilhada que estabeleceu um quadro jurídico único, constituído de normas que ultrapassam o direito nacional configurando total primazia do direito comunitário sobre o nacional. A aplicação de tais normais passa a estar sujeitas ao Tribunal de Justiça, que está acima dos Estados Membros, assegurando uniformidade de aplicação e implementação. O direito comunitário nasce nesse modelo vinculando os Estados-Membros e as pessoas físicas ou jurídicas diretamente no âmbito interno de cada Estado como consequência da primazia do direito comunitário.

            É aqui, portanto que se aponta a grande diferença do Mercosul e da União Europeia. Diferentemente da União Europeia, a mecânica de incorporação do direito do Mercosul aos direitos nacionais, foi e continua sendo a mecânica clássica. O direito do Mercosul se assenta no modelo clássico, i.e., advém de Tratados Internacionais negociados pelos governos e que posteriormente aprovados pelos Congressos são ratificados pelos Estados-Membros e promulgados, incorporando-se assim a norma do Mercosul ao direito nacional de cada um dos seus integrantes. Trata-se do típico e clássico fenômeno da recepção.

            O surgimento dos blocos econômicos importou na necessidade da criação de um sistema de normas que os regulasse. Esse sistema de normas foi denominado Direito Comunitário, sendo um sistema jurídico autônomo, constituído de normas provenientes de determinadas fontes específicas, ordenado por uma hierarquia de normas, sendo regido por dois princípios essenciais: o princípio da integração e o princípio da primazia. Para a análise das fontes, buscamos inspiração no direito comunitário europeu.

         Não há que se falar, portanto de Direito Comunitário do Mercosul, pois o verdadeiro direito comunitário prescinde do mecanismo tradicional de incorporação. A pedra de toque do Direito Comunitário é a primazia instaurada do Direito Comunitário sobre o nacional de maneira direta, desvinculada, portanto do mecanismo clássico da recepção. O Direito Comunitário existente na União Europeia é incorporado de forma congênita aos direitos nacionais. Destarte, inexiste no Mercosul o verdadeiro direito comunitário, o que reina de forma absoluta é o direito internacional público, regional, integracionista, vinculado ao fenômeno de recepção.

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Data da conclusão/última revisão: 26/7/2019

 

Como citar o texto:

NOVO, Benigno Núñez..O direito internacional ganha destaque. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1640. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/4477/o-direito-internacional-ganha-destaque. Acesso em 1 ago. 2019.

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