Cerca de pouco mais de um mês foi decretado pela 2ª Vara de Recuperação e Falência a falência do Banco Santos. Até aí tudo bem, entretanto, é totalmente questionável a aplicação da Lei 11.101/05, ou seja, a Nova Lei de Falência.

Algum motivo houve para tal medida, o porquê deste motivo não podemos vislumbrar. Ora, como será visto a nova lei é expressa pela não aplicação a instituições financeiras. Será que o legislador diz palavras inúteis? Entende-se que não.

Questiona-se ainda as datas propositais utilizadas nos procedimentos desta decretação, ou seja, a liquidação, intervenção e por fim a decretação de falência.

Recentemente foi sancionada a Nova Lei de Falência, Lei 11.101 de 09 de Fevereiro de 2005 que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, a qual entrará me vigor em junho do corrente ano.

                        Inicia-se questionamentos de praxe sobre revogações, a quem se aplica, quando se aplica, qual abrangência, dentre outro inúmeros questionamentos.

                        Concetrar-se-á a presente averiguação com relação a Liquidação Extrajudicial, ou seja,  a Lei n.º  6.024  de 13 de março de 1974  que trata da  intervenção  e liquidação extrajudicial das instituições financeiras.

                        Inicia-se com o nítido texto normativo da nova lei, que não permite qualquer tipo de interpretação, senão a gramatical, vejamos:

“Art. 2o Esta Lei não se aplica a:

I – empresa pública e sociedade de economia mista;

II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.”(grifos nosso)

                        Logo, não há que imaginar que o novo ordenamento seja aplicável a instituições financeiras, em destaque, aos Bancos. O artigo 2º, II é categórico na negativa que tal lei não se aplica as instituições financeiras.

                  O artigo 34 da Lei 6.024/74 expressa ainda que:

“Art. 34 - Aplicam-se a liquidação extrajudicial no que couberem e não colidirem com os preceitos desta Lei, as disposições da Lei de Falências (Decreto-lei 7661, de 21 de junho de 1945), equiparando-se ao síndico, o liquidante, ao juiz da falência, o Banco Central do Brasil, sendo competente para conhecer da ação revocatória prevista no artigo 55 daquele Decreto-lei, o juiz a quem caberia processar e julgar a falência da instituição liquidanda.”

                        Ou seja, a legislação nova que trata de um assunto em específico é clara em afirmar que não se aplica determinada Lei para as instituições financeiras. A Lei de outro assunto que é intervenção e liquidação extrajudicial também se manifesta, afirmando que a Lei de Falências só seria aplicada se não colidi-se com os preceitos daquela.

                        Ora, a Nova Lei de Falências por meio de sue artigo 200 mais uma vez é categórica sobre qual lei esta faria revogação, vejamos:

“Art. 200. Ressalvado o disposto no art. 192 desta Lei, ficam revogados o Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, e os arts. 503 a 512 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.”

                        Em nenhum momento fora vislumbrado pelos legisladores a revogação da Lei 6.024/74. Pelo contrário, manteve a mesma referência que a Lei de Falência (nova ou antiga) seria apenas subsidiária, isso quer dizer que se não existir um mínimo de previsão legal para alguma situação na Lei 6.024/74 é que poderia ser utilizada a Nova Lei de Falência se forma subsidiária.

                        Repete-se então algo que já era previsto na revogada Lei de Falência, logo quanto a isso, não houve mudança em nenhum aspecto, continua a forma subsidiária para a lei de falência em relação a lei de intervenção e liquidação extrajudicial, a qual permanece em pleno vigor.

“Art. 197. Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei aplica-se subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966, na Lei no 6.024, de 13 de março de 1974, no Decreto-Lei no 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e na Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997.”(grifo nosso)

                        Outra vez o legislador faz questão de repetir, justamente com intuito de evitar qualquer possível de interpretação indevida, que a Lei de Falência permanece com seu caráter subsidiário para com a Lei de Intervenção e Liquidação Extrajudicial.

                        Para não restar qualquer dúvida quanto a aplicação, o legislador previu no texto normativo como se aplicaria esta nova lei nos casos que encontram-se em trâmite, ou seja, como será visto, só se aplicará aos casos posteriores não aos procedimentos de fal6encia que já se iniciaram. Repete-se ainda que apesar de ter sido publicada no Diário Oficial, a Nova Lei de Falência só começará entrar em vigor em junho de 2005, ou seja, 120 dias após a publicação que foi em 09 de fevereiro de 2005.

“Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945.

§ 4o Esta Lei aplica-se às falências decretadas em sua vigência resultantes de convolação de concordatas ou de pedidos de falência anteriores, às quais se aplica, até a decretação, o Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, observado, na decisão que decretar a falência, o disposto no art. 99 desta Lei.”(grifos nossos)

Não é o caso do presente estudo, haja vista falar-se de duas leis diferentes, que possuem destinatários diferentes. Ou seja, a Nova Lei de Falência voltada para as empresas, de acordo com a nova definição dada pelo atual Código Civil.

Por outro lado, a Lei 6.024/74 que trata de destinatários de diferente natureza, com relação as empresas comuns, quais sejam as instituições financeiras. Estas apresentam uma natureza totalmente diferente, com regulações e tratamentos sob os olhos daquele que tem o poder dever de fiscalizar do Estado, in casu, o BACEN – Banco Central do Brasil.

Assim não tem como imaginar um mínimo de antinomia. Pelo motivo da Lei 11.101/05 e a Lei 6.024/74 tratarem de procedimentos para alvos diversos.

Requisito essencial para que haja uma antinomia é a existência de duas normas ao mesmo tempo válidas sobre determinada matéria. Em específico quanto à “Antinomias Jurídicas” não há de se preocupar com as vigências das normas novas e anteriores, mas com a lógica do sistema. Os conflitos de leis se resolvem com a simples revogação de uma das leis ou normas contraditórias.

                        As antinomias se diferenciam entre aparentes e reais. Nas aparentes há critérios solucionadores. Já quanto às antinomias reais, deverá o aplicador do direto recorrer aos princípios gerais do direito e aos valores predominantes da sociedade[1].

                        As antinomias aparentes possuem os seguintes critérios solucionadores:

a.      Critério Hierárquico

b.      Critério Cronológico

c.       Critério da Especialidade

Pode ainda ocorrer uma Antinomia de Segundo Grau, isto ocorre quando há conflito nos critérios solucionadores, podendo ser solucionado da seguinte maneira[2]:

  1. Quando existe conflito entre o critério hierárquico e cronológico - uma norma anterior-superior e uma norma posterior-inferior, o critério aplicado é o hierárquico;
  2. Quando existe conflito entre o critério da especialidade e o cronológico – uma norma anterior-especial e uma posterior geral, prevalece o critério da especialidade;
  3. Quando existe conflito entre o critério hierárquico e o da especialidade – ambos são critérios fortes, atuando em forma de igualdade – encontramos a Antinomia Real em que a norma superior geral conflita com a inferior-especial.

Destarte, conforme sustentado, não há que se imaginar qualquer influência da lei nova que possui atores determinados, e a lei que trata da intervenção e liquidação extrajudicial, focada em atores diferentes daquela primeira. Entre estas, pode ocorrer apenas a utilização da lei nova de forma extremamente subsidiária.

Lamenta-se, no entanto, que pouco após da entrada em vigor da lei já se faz mau uso desta. Não dá para ignorar de tal forma o texto legal, no caso, não necessita de métodos interpretativos para entender  o inciso II do artigo 2º. O texto é bastante claro em expor “não se aplica”.

Notas:

 

 

[1] Maria Helena Diniz- aula ministrada no Mestrado da PUC-SP.

[2] Maria Helena Diniz, Conflito de Normas.

 

Como citar o texto:

SILVA, Marcus Vinicius Fernandes Andrade da..Questionável Decretação de Falência do Banco de Santos por meio da Nova Lei de Falência. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 153. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-falimentar/903/questionavel-decretacao-falencia-banco-santos-meio-nova-lei-falencia. Acesso em 21 nov. 2005.

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