Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito positivo brasileiro já dispunha da figura do Fundo De Garantia Por Tempo De Serviço, posto que o tal fundo de reserva foi criado através da Lei 5107, de 13 de setembro de 1966, alterada pelo Decreto-lei nº 20, de 14 de dezembro de 1966, e regulamentada pelo Decreto nº 59820/66, alterado pelo Decreto nº 61405/67.

A princípio a formação do fundo de garantia era compulsória aos empregadores, contudo era optativa em relação aos empregados. Isto porque os empregados poderiam optar por permanecer no sistema de estabilidade decenal ou migrar para o novo sistema, no qual não deteria de estabilidade, contudo seria indenizado pela dispensa injustificada.

A Constituição anterior, no artigo 165m, XII, assegurava aos trabalhadores “estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido, ou fundo de garantia equivalente”. donde se conclui que a opção tinha seu fundamento no próprio texto constitucional.

O professor Délio Maranhão, na obra “Instituições de Direito do Trabalho – LTR – 15ª Edição”, nos ensina que na realidade tratava-se de uma falsa opção, vez que não havia qualquer espécie de incompatibilidade entre o novo instituto (FGTS) e a estabilidade de emprego.

Salienta ainda que na década de 70, o instituto da estabilidade vinha sendo alvo de críticas, que visavam evitar as dispensas em fraude ‘a estabilidade, bem como de impedir a distorção de sua finalidade, que acaba por transformá-la num escudo protetor dos maus empregados.

Observa, repetindo as palavras do Professor Mozart Victor Russomano, “não sustentamos a abolição do Fundo de Garantia. Esperamos que se chegue, algum dia, ‘a superposição dos dois sistemas. Abandonado o paralelismo atual, eles poderão ser considerados dois hemisférios justapostos (“ A estabilidade do trabalhador na empresa “, Rio, Konfino, 1970, pág.145)”.

Contudo, a despeito do entendimento doutrinário, não se vislumbrou a justaposição dos institutos, pelo contrário o que se firmou foi o entendimento de que o empregado, ao optar pelo FGTS, renunciava à estabilidade ou à possibilidade de vir a obtê-la.

Com o advindo da Constituição Federal de 1988 ocorreu uma mudança conceitual no sistema do FGTS, posto que passou a ser interpretado como instrumento eficaz de garantia do tempo de serviço ao trabalhador e em razão de seu caráter social foi inserido no inciso III do artigo 7º da Carta Constitucional.

Com a elevação ao caráter constitucional, houve a perda do antagonismo existente entre o FGTS e o regime de proteção do emprego, pois agora se tem um regime único, com o qual é incompatível a permanência da figura da estabilidade.

Outra alteração importante se deu em relação ao alcance dos direitos sociais, em especial do FGTS, ao trabalhador rural, visto que pelo texto da Lei 5889/73, o trabalhador rural não tinha acesso ao sistema, contudo a partir da Carta Política de 1988, o trabalhador rural passou a ter acesso imediato ao sistema do FGTS.

Em razão das inovações trazidas pela Constituição Federal, e principalmente do fato de ter elevado o direito ao FGTS como direito social constitucional, se fez necessária à promulgação de norma infraconstitucional destinada à regência da matéria. Após inúmeras negociações parlamentares, no último trimestre do ano de 1989, o Congresso nacional promulga a Lei 7839/89, que revoga expressamente a Lei 5107/66, e traz novos dispositivos.

Na seqüência, no primeiro semestre do ano seguinte é promulgada a Lei 8036, de 11/05/90, a qual revogou a Lei 7839/89, e introduziu algumas inovações no sistema do FGTS, regulamentando-o de forma ostensiva.

Nesse compasso podemos verificar que a disposição constitucional não é auto-aplicável e carece de regulamentação de ordem infraconstitucional. Contudo, não se olvide tratar-se de norma cogente imposta a todo e qualquer trabalhador, cujo contrato de trabalho está regido pela Consolidação das Leis do Trabalho.

E como norma cogente, a partir de 1988, deixou de ser optativo e passou a ser um direito do trabalhador, que consiste na formação de uma poupança para o trabalhador, que poderá ser sacada quando de sua dispensa sem justa causa, e ainda nas hipóteses previstas em lei.

Outra alteração que atingiu o âmago do sistema do FGTS trata-se de que não mais atinge somente ao empregado em sua individualidade, como ocorria no sistema anterior, ao revés os depósitos no FGTS têm uma função social, atingindo a coletividade.

Nas palavras do professor João de Lima Teixeira Filho, o FGTS desempenha realmente um notável papel social, tanto pelo ângulo individual quanto pelo prisma coletivo.

Individualmente, o FGTS é um crédito trabalhista, resultante de poupança forçada do trabalhador, concebido para socorrê-lo em situações excepcionais durante a vigência do vínculo de emprego ou na cessação deste, de forma instantânea ou futura, conforme a causa determinante da cessação contratual.

Coletivamente, a aplicação dos recursos do FGTS para financiar a construção de habitações populares, assim como o saneamento e a infra-estrutura, constitui a realização de importante função social com esses fundos privados, ao mesmo tempo em que atua na alavancagem do nível de emprego, na medida em que tais atividades de construção civil absorvem intensamente, mão-de-obra não qualificada, exatamente a que necessita de maiores atenções.”

Diante dessa análise, é possível verificar que o legislador constituinte ao inserir o sistema do FGTS no capítulo dos Direitos Sociais pretendeu demonstrar a importância do respeito a normatização e de sua necessária aplicação prática, para que se encontre o bem estar social.

Note-se que o descumprimento da obrigação de recolhimento do FGTS pelo empregador, não se limita a uma infração de ordem trabalhista, que atinge somente aquele empregado que não viu depositado os valores em sua conta vinculada, mas também toda a sociedade, que passa a ter maiores dificuldades no financiamento de casas próprias, no oferecimento de saneamento básico, e, por conseqüência, encontra o mercado de trabalho em flagrante descompasso.

Percebe-se que o sistema do FGTS deve ser observado como um sistema de garantias sociais para a coletividade, quiçá um direito coletivo, pois alcança um grupo de pessoas indeterminado, mas determinado, sendo sua função social o efeito concreto de sua inserção no texto constitucional.

A função social do sistema do FGTS somente é plenamente alcançada quando ocorre a correta aplicação dos recursos direcionados ao fundo, e para tanto a Lei 8036/90 constituiu um Conselho Curador, ao qual compete, nos termos do artigo 5º daquele comando legal:

I – estabelecer as diretrizes e os programas de alocação de todos os recursos do FGTS, de acordo com os critérios definidos nesta Lei, em consonância com a política nacional de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana estabelecidas pelo Governo Federal;

II – acompanhar e avaliar a gestão econômica e financeira dos recursos bem como os ganhos sociais e desempenho dos programas aprovados;

III - apreciar e aprovar os programas anuais e plurianuais do FGTS;

IV - pronunciar-se sobre as contas do FGTS, antes do seu encaminhamento aos órgãos de controle interno para os fins legais;

V - adotar as providências cabíveis para a correção de atos e fatos do Ministério da Ação Social e da Caixa Econômica Federal, que prejudiquem o desempenho e o cumprimento das finalidades no que concerne aos recursos do FGTS;

VI - dirimir dúvidas quanto à aplicação das normas regulamentares, relativas ao FGTS, nas matérias de sua competência;

 VII - aprovar seu regimento interno;

 VIII - fixar as normas e valores de remuneração do agente operador e dos agentes financeiros;

 IX - fixar critérios para parcelamento de recolhimentos em atraso;

 X - fixar critério e valor de remuneração para o exercício da fiscalização;

 XI - divulgar, no Diário Oficial da União, todas as decisões proferidas pelo Conselho, bem como as contas do FGTS e os respectivos pareceres emitidos.

 XII - fixar critérios e condições para compensação entre créditos do empregador, decorrentes de depósitos relativos a trabalhadores não optantes, com contratos extintos, e débitos resultantes de competências em atraso, inclusive aqueles que forem objeto de composição de dívida com o FGTS.

Certamente ao elevar o direito do trabalhador ao Fundo de Garantia por tempo de Serviço, ao nível constitucional o constituinte acabou por conferir um direito individual àqueles trabalhadores que estão no mercado formal do trabalho, mas, de forma indireta, acabou por buscar o bem estar social de toda a coletividade que poderá ser usufruir os benefícios decorrentes do sistema.

Podemos concluir, portanto, que a Carta Magna de 1988, ao recepcionar o instituto do FGTS e estampá-lo no inciso III do artigo 7º, possibilitou o exercício de dois dos princípios fundamentais que regem nosso sistema político e que são pilares do Estado Democrático de Direito, quais sejam, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, preconizados nos incisos II e III do artigo 1º da Carta Maior.

(Elaborado em Agosto/2005)

 

Como citar o texto:

SANTOS, Jackson Passos..O FGTS: uma busca pelo bem estar social. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 154. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/915/o-fgts-busca-pelo-bem-estar-social. Acesso em 26 nov. 2005.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.